INTRODUÇÃO
O kinesio taping (KT) consiste em uma técnica que se utiliza da aplicação de uma fita elástica para o tratamento de lesões musculoesqueléticas oriundas da prática esportiva e de outras condições variadas1. Desenvolvido pelo quiropraxista japonês Dr. Kenso Kase em 1970, o KT tornou-se popular após ser largamente utilizado por atletas nos Jogos Olímpicos em 20082. Dentre os efeitos diretos já mencionados pela literatura encontram-se a facilitação proprioceptiva3,4, a facilitação muscular5, a redução da fadiga muscular6, a redução de dor muscular tardia7 e a inibição da dor8,9.
Adicionalmente, de acordo com a sua referência teórica, Kase et al.10, sugere a efetividade da aplicação do KT para aumento da atividade eletromiográfica (EMG). Deste modo, sua aplicação poderia potencializar a EMG em articulações que demandam um fino equilíbrio muscular para otimizar o rendimento e/ou reduzir o risco de lesão. Favorecendo assim, articulações como o joelho, que possuem um dos mais elevados índices de lesão no aparelho locomotor. Os tipos de lesão no joelho encontrados clinicamente podem ser generalizados dentro das seguintes características: lesões meniscais, ligamentares, cartilaginosas, distensões inespecíficas e outras lesões menores, incluindo as por esforços de repetição11. Um dos fatores protetores para essas lesões é a estabilização da patela, assegurada pelos estabilizadores transversos, com a tração do vasto lateral (VL) e vasto medial (VM)12 e pelos estabilizadores longitudinais, formados pelos tendões do quadríceps e da patela. No entanto, alterações na geometria de aplicação de força no tendão podem ocasionar a lateralização desta estrutura anatômica13. O desequilíbrio na força14 ou ativação EMG de VL e VM15-21, e até mesmo uma menor área de secção transversa do VM22, são apontados como possíveis causas da síndrome da dor patelofemoral (SDPF), lesão que atinge um número expressivo de indivíduos praticantes regulares de atividade física e atletas15,20,23.
Diante de tais fatos, intervenções com o KT têm sido bastante observadas no meio da atividade esportiva competitiva e de reabilitação. Apesar do uso frequente e disseminado no esporte e em atividade física, e da constante exposição dos supostos efeitos benéficos provenientes da técnica, há muito que ser investigado, uma vez que, as consequências mencionadas são muitas, mas os mecanismos que as explicam não são claramente eliciados. Além disso, não há evidências capazes de suportar tais repercussões2.
Parreira et al.24 realizaram uma revisão sistemática, na qual analisaram estudos que se propuseram a verificar a eficiência do uso do KT em condições musculoesqueléticas diversas, tais como afecções da coluna lombar, joelho e ombro. Em nenhum dos trabalhos analisados há consistente evidência de que a técnica demonstra resultados satisfatórios, não justificando o seu uso em âmbito clínico. Williams et al.2 também dedicaram-se a estudar os possíveis efeitos da bandagem KT a partir de uma meta-análise, e corroboram com os achados propostos por Parreira et al.24 demonstrando a ausência de evidências para condições como dor musculoesquelética, propriocepção e nível de atividade muscular. A mesma conclusão chegaram Lim et al.25 em sua meta-análise, demonstrando que o KT não apresentou ser uma solução para distúrbios osteo-mio-articulares e para a dor. Tal conclusão é ainda reforçada por Mostafavifar et al.26 em sua revisão sistemática.
Não foram encontrados estudos que verificaram a efetividade da aplicação do KT sobre a relação da atividade muscular entre os músculos VM e VL, tão pouco, como forma de aumentar a estabilização da articulação patelofemoral. Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo analisar a relação entre VL e VM submetidos aplicação do KT em uma população saudável, livre de alterações do mecanismo extensor do joelho.
MATERIAIS E MÉTODOS
A amostra constituiu-se de 18 sujeitos do sexo masculino (idade: 28,1±6,9 anos; massa corporal: 85,5±8,3 kg; estatura: 179,5±6,9 cm; comprimento de membro inferior: 97,0±4,2 cm) com pelo menos um ano experiência em treinamento de força, e que executam o exercício de meio agachamento livre por pelo menos uma vez por semana a no mínimo seis meses. Todos os sujeitos possuíam idade entre 20 e 40 anos e não possuíam distúrbios musculoesqueléticos nos últimos seis meses. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da unidade sob o protocolo Caae 37502214400005391 e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foi analisada a relação da root mean square (RMS) entre os músculos VM e VL durante a execução de 2 séries de 8 repetições do exercício meio agachamento livre, com velocidade controlada, sendo 1 segundo para cada fase do movimento. A relação foi expressa como a proporção de magnitude de ativação (VM/VL). Onde valores superiores a 1,0 indicam uma maior atividade do VM em relação ao VL durante a execução do exercício. Também foi analisada a mediana da frequência (MF) dos músculos VM e VL nas diferentes situações, para verificar uma possível influência de fadiga.
A primeira foi realizada série sem aplicação do kinesio taping(r) (GnKT) e a segunda série com aplicação (GKT). Esta ordem foi adotada para que os valores obtidos em GnKT pudessem ser utilizados para normalização dos dados de EMG. A aplicação de KT quando necessária foi de acordo com o proposto por Kase et al.10, com a colocação da fita sobre o músculo quadríceps para aumento da ativação EMG, utilizando o tipo de aplicação facilitação (i.e., tensão de 20% a partir da extremidade proximal).
O exercício foi realizado com amplitude de 90º de flexão de joelho, distância entre os pés, equivalente à largura biacromial e carga equivalente a 8 repetições máximas (RM) informada pelo próprio voluntário.
A carga da execução das 8 RM para esta amostra era de 108,6 ± 30,9 kg. A cadência do exercício foi controlada em um segundo para cada fase do movimento: excêntrica, concêntrica e tempo entre as repetições, e o intervalo entre as séries foi de 5 minutos.
Para aquisição do sinal EMG foi utilizado o sistema Noraxon Telemyo 2400 GT2 (Arizona, USA), com taxa de amostragem de 3000 Hz, conversor analógico-digital de 16 bits. Os eletrodos foram posicionados nos músculos VM e VL de acordo com recomendação da SENIAM. Para normalização do sinal EMG foi utilizado o maior valor RMS obtido dentre as fases de cada repetição da primeira série do exercício. O sinal eletromiográfico foi filtrado com filtro passa-banda do tipo Butterworth de quarta ordem com frequência de corte de 10 e 450 Hz.
A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Komolgorov-Smirnov. Para comparação dos parâmetros EMG foi utilizado o Teste t pareado. Adicionalmente, a relação entre VM e VL foi analisada utilizando uma abordagem contemporânea denominada de inferência baseada em magnitude27 a fim de detectar pequenos efeitos de importância prática para o ambiente aplicado. Foi utilizada uma planilha proposta pelo autor para estabelecer a probabilidade de cada manipulação experimental tendo um efeito classificado como benéfico, negligenciável ou danoso. Descritores qualitativos foram atribuídos aos escores percentuais quantitativos da seguinte forma: <1% quase certamente não; 1-5% muito improvável; 5-25% improvável; 25-75% possível; 75-95% provável; 95-99%, muito provável,>99% quase certamente sim. Se mudanças benéficas e danosas fossem simultaneamente >5%, a inferência era considerada inconclusiva28,29. O nível de significância adotado foi de p<0,05 e as análises foram realizadas no software SigmaStat 3.5.
RESULTADOS
Para a situação GnKT foi encontrado valores de RMS de 83,96 ± 5,79% para VM e 84,13 ± 7,16% para VL, já na situação GKT, 84,55 ± 16,97% para VM e 80,53 ± 9,20% para VL. Não foram encontradas diferenças significativas entre as situações GnKT e GKT para atividade EMG dos músculos VM (p = 0,900) e VL (p = 0,122). A relação entre os músculos VL e VM não apresentou diferença significativa (p = 0,292) para as situações GnKT e GKT (Figura 1). Adicionalmente, não foi verificada nenhuma alteração significativa nos valores de MF para o VM (GnKT: 62,17 ± 11,94 Hz; GKT: 62,96 ± 11,50 Hz; p = 0,744) e para o VL (GnKT: 60,17 ± 8,29 Hz; GKT: 62,42 ± 10,89 Hz; p = 0,542).

Figura 1 Relação entre os músculos: vasto medial e vasto lateral. GnKT = sem kinesio taping; GKT = com kinesio taping.
A análise de inferência baseada na magnitude suporta os resultados encontrados de que não houve efeito da aplicação do KT nas variáveis EMG analisadas. Para a atividade EMG do músculo VM a utilização do KT resultou em um efeito muito provavelmente negligenciável (95,3%) no RMS, com uma probabilidade de 2,9% de que ocorra um aumento do RMS e uma probabilidade de 1,8% de que ocorra uma redução do RMS. Já no músculo VL houve um efeito provavelmente negligenciável (88,3%), com uma probabilidade <0,1% de que ocorra um aumento do RMS e uma probabilidade de 11,6% de que ocorra uma redução do RMS.
Na relação VM e VL foi encontrado um efeito provavelmente negligenciável (88,6%) do KT para alterar este parâmetro. A probabilidade de que ocorra um aumento da relação é de 11,3%, sendo encontrada uma probabilidade de 0,2% de que ocorra uma redução da mesma.
Quanto a MF do músculo VM foi encontrado um efeito "quase certamente sim" negligenciável (99,8%) para alteração desta variável, com 0,2% de probabilidade de aumento e não há probabilidade de redução. Sendo que para a MF do músculo VL foi encontrado um efeito provavelmente negligenciável (90,7%), com 8,5% de probabilidade de aumento e 0,8% de probabilidade de redução (Figura 2).
DISCUSSÃO
A investigação da atividade EMG tem sido utilizada para tentar buscar as possíveis modificações hipoteticamente induzidas pelo uso do KT. Até onde sabemos, este é o primeiro estudo que verificou a aplicação do KT como forma de alterar a relação VL e VM. Para esta investigação, foi hipotetizado que a modificação da técnica de aplicação do KT poderia alterar a relação VL e VM, e assim otimizaria a estabilização da articulação patelofemoral. No entanto, a aplicação proposta não alterou a relação entre VL e VM em homens treinados em musculação sem alterações ósteo-mio-articulares no joelho.
Uma das prováveis causas disto se daria pelo efeito do treinamento, uma vez que os sujeitos já apresentavam um destacado equilíbrio entre o VL (i.e., 49,9%) e o VM (50,1%). Tal equilíbrio não foi afetado pelas aplicações do KT (i.e., VL = 48,8%; VM = 51,2%). Esses níveis de atividade EMG equilibrados entre VL e VM são similares aos encontrados por Escamilla et al.30 que utilizaram o mesmo exercício de agachamento com carga de 12 RM, e encontraram ativação de aproximadamente 85% da contração voluntária isométrica máxima (CVIM) para VM, e de 80% da CVIM para VL em sujeitos saudáveis. A relação VM/VL também foi investigada para exercícios diferentes. Irish et al.31 avaliaram a relação VM/VL em cadeia cinética aberta e fechada, em sujeitos saudáveis, e as relações encontradas não indicaram predominância de atividade EMG para o VM ou o VL. Tais achados concordam com os resultados observados no presente estudo, onde em condições normais ocorre equilíbrio no recrutamento muscular, independente da aplicação de KT.
Nossos achados se associam a outros de revisões sistemáticas e meta-análises onde as evidências acerca dos benefícios do KT não foram encontradas2,24,25,26. No entanto, alguns estudos de caráter original apresentam resultados controversos. Pesquisadores utilizando a aplicação de KT sob o conceito de facilitação verificaram uma alteração da atividade EMG para o músculo gastrocnêmio medial durante a execução do salto vertical em comparação com o grupo placebo realizado com fita inextensível. Todavia, tal mudança não foi suficiente para alterar o desempenho do salto32. Isto descartaria um adicional efeito mecânico do KT. Adicionalmente, não foram encontradas diferenças significativas para a atividade EMG do músculo fibular longos de atletas de basquetebol submetidos à aplicação ativadora de KT, existindo aumento para o grupo placebo durante a realização do star excursion balance test33. Com achados semelhantes, Lins et al.34 demonstraram não haver alteração da atividade EMG para o quadríceps sob aplicação de KT, e nenhuma modificação no desempenho do hop test em indivíduos saudáveis sem histórico de lesões musculoesqueléticas. Tais evidências direcionam as investigações para descobrir outros mecanismos, não somente mecânicos, para explicar as modificações atribuídas ao KT, e até mesmo descritas por seus usuários, uma vez que, a atividade EMG não parece ser afetada sob as condições testadas.
A função do VM para estabilização da patela ocorre devido as suas fibras serem inseridas obliquamente na face superior e medial desta estrutura anatômica, formando um ângulo entre 45º e 55º, evitando assim, um excessivo deslocamento lateral da patela18,19. Como forma de apresentar uma das principais consequências práticas desse desequilíbrio muscular podemos citar a SDPF. Na literatura são encontrados estudos que relatam o desequilíbrio da atividade EMG dos músculos do quadríceps em voluntários com SDPF, sugerindo uma diminuição da magnitude ou atraso de ativação EMG do VM em relação ao VL, resultando no maior deslocamento lateral da patela18,19,21,35,36. Diante disso, algum aparato que pudesse modificar a atividade EMG para mais ou para menos poderia ser empregado nesses casos. No entanto, essa implicação prática com o KT não foi efetiva para tal função baseando-se nos nossos achados e nos relatos da literatura já citados. Por outro lado, pesquisadores que não utilizaram o KT e também verificaram a relação da magnitude da atividade EMG de VM/VL em sujeitos saudáveis durante a subida e descida de escadas, comparando a com indivíduos acometidos pela SDPF37. Os resultados mostraram diferenças significativas entre as duas populações, com os sujeitos saudáveis apresentando maiores relações. Contrariamente, utilizando abordagens similares, não foram encontradas diferenças significativas na relação VM/VL observada entre sujeitos saudáveis e com SDPF, ainda que sob a variação de exercícios e modalidades diferentes como em cadeia cinética aberta ou fechada38-40, apresentando nessa temática que resultados inconsistentes ainda existem na literatura.
Para verificar a validade do argumento de prevenção do KT, alguns trabalhos investigaram os efeitos decorrentes do seu uso em condições de não lesão. Nosaka7 observou menor tempo de recuperação e diminuição da dor muscular tardia em indivíduos saudáveis que receberam a aplicação do KT durante a realização de exercícios excêntricos para o membro superior, não indicando as razões para tais achados. Adicionalmente, Halseth et al.3 testaram a sensação proprioceptiva do tornozelo em uma amostra livre de lesões com e sem KT, resultando em nenhuma alteração entre as condições. Portanto, a utilização do KT com a justificativa de proporcionar a prevenção de lesões, ainda há dúvidas sobre como isto ocorre, tanto no que diz respeito à ativação muscular, quanto no que concerne a outras repercussões como a propriocepção articular e dor.
CONCLUSÃO
Os resultados demonstraram que o KT não alterou a relação da atividade EMG entre os músculos VL e VM durante a execução do exercício de meio agachamento. Além disso, a análise de inferência baseada em magnitude, verificou um efeito negligenciável da aplicação do KT quanto as "reais" alterações no desempenho.