INTRODUÇÃO
O tecido muscular esquelético tem como característica ser flexível, influenciando a mobilidade articular. Desta forma, a diminuição ou aumento da flexibilidade afetará de forma direta a amplitude de movimento (AM)1,2, podendo modificar atividades de vida diária (AVD), atividades laborais, bem estar psicológico e o desempenho esportivo3-5. Desta forma, profissionais de saúde defendem o ganho de flexibilidade para a melhora do desempenho em AVD e atividades esportivas de alto rendimento4.
O treinamento para ganho de flexibilidade proporciona ao grupo muscular aumento das capacidades físicas de rendimento e suporte ao esforço, economia do trabalho muscular, manutenção da postura correta, facilitação da aprendizagem motora, maior potencial de recuperação após atividade física e conservação da autonomia nas atividades habituais6. Entre os atletas, a flexibilidade propicia ainda condições para desenvolver agilidade, velocidade e força, além de minimizar o risco de lesões7,8.
Fisioterapeutas frequentemente avaliam a flexibilidade dos tecidos de seus pacientes, por meio da mensuração da AM, e utilizam técnicas de alongamento para restaurar a mobilidade normal, quando necessário9-11. Estas técnicas promovem a flexibilidade por aumentar a extensibilidade musculotendínea e do tecido conjuntivo periarticular, favorecendo maior AM. Além disso, as propriedades viscosas dos tecidos fazem com que este ganho não seja imediatamente reversível, fato que implica em maior funcionalidade aos indivíduos submetidos a estes exercícios11-13.
Entretanto, ainda não há consenso sobre como realizar o alongamento de forma que haja a máxima eficácia no ganho de flexibilidade. Assim, faz-se necessário o aprimoramento dos protocolos usados durante o alongamento, sendo este, atualmente, um dos grandes objetivos de profissionais como fisioterapeutas, médicos desportivos e educadores físicos14,15. Os estudos de Brasileiro et al.16 e Silva et al.17 tiveram por objetivo a avaliação dos efeitos da associação de termoterapia quente e fria ao alongamento, sugerindo novos estudos sobre o tema devido à escassez de publicações correlatas.
A termoterapia com aplicação de calor aumenta o suprimento sanguíneo, acelera o metabolismo das fibras musculares e reduz a resistência intramuscular10,18. A diatermia por ondas curtas (OC) é um recurso terapêutico de relevante eficácia no aquecimento de tecidos profundos, por meio de radiação eletromagnética19, aumentando a temperatura entre 4° e 5º numa profundidade de 3cm20,21, sendo necessária a manutenção desta temperatura por um período de cerca de 5 minutos para um aumento significante na extensibilidade dos tecidos20.
Já a crioterapia é definida como a aplicação terapêutica de qualquer substância ao corpo que resulte em remoção de calor corporal, reduzindo, assim a temperatura dos tecidos22. Esta tem diversas funções fisiológicas quando aplicada no corpo humano, dentre elas, diminuição na velocidade de condução nervosa, liberação de endorfinas, redução da atividade do fuso muscular e da força tênsil, propiciando o relaxamento muscular23. Geralmente, é necessário aplicação deste recurso durante cinco a 15 minutos para que sejam obtidos os efeitos produzidos pelo resfriamento24.
Tanto o uso da crioterapia quanto da terapia com calor como subsídio ao alongamento pode favorecer ao ganho de flexibilidade, entretanto, agindo de diferentes formas16,17. O objetivo deste estudo foi avaliar o comportamento da flexibilidade dos músculos isquiotibiais frente à aplicação de alongamento passivo, associado à termoterapia quente e fria, durante quatro semanas.
MATERIAIS E MÉTODOS
Participaram do estudo 24 voluntários saudáveis com idade média de 20,18±1,18 anos, de ambos os sexos (12 homens e 12 mulheres) e cujo membro inferior dominante referido foi o direito. Os voluntários não possuíam histórico de doenças ortopédicas e neurológicas e foram distribuídos aleatoriamente em três grupos de mesmo tamanho, sendo estes: grupo alongamento passivo (G1), grupo crioterapia mais alongamento passivo (G2) e grupo diatermia mais alongamento passivo (G3). Os voluntários foram informados sobre a pesquisa e aceitaram participar assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução 466/12.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (parecer 727.689).
Procedimento
A avaliação da AM da flexão do quadril com o joelho estendido foi realizada utilizando um goniômetro universal (FisioStore(r)) e o voluntário foi posicionado em decúbito dorsal, com corpo estabilizado através de faixas para evitar compensação durante o movimento. Uma faixa estabilizadora foi fixada na coxa do membro inferior que não estava sendo avaliado e a outra faixa colocada ao nível das cristas ilíacas para estabilização do quadril. A AM de flexão do quadril relaciona-se diretamente com o posicionamento do joelho, isso se deve a presença de músculos biarticulares localizados posteriormente à articulação do quadril (isquiotibiais). Diante disto, durante a avaliação, o joelho do voluntário foi estabilizado pelo avaliador25. Foram realizadas cinco avaliações da AM do quadril, as quatro primeiras no início de cada semana do protocolo, antes das sessões de alongamento, e a quinta avaliação dois dias após a última sessão.
Os grupos foram submetidos a sessões de alongamento passivo, compostas por três séries de trinta segundos de alongamento dos músculos isquiotibiais com dez segundos de repouso entre as séries. O voluntário foi posicionado em decúbito dorsal, com o quadril estabilizado e o terapeuta realizou a flexão de quadril com o joelho estendido ao máximo, até o ponto em que o mesmo referiu desconforto, obtendo-se o alongamento muscular nesta posição. Este protocolo foi proposto por Bandy et al.1.
No G1 foi realizado o protocolo de alongamento passivo acima descrito com frequência de três sessões semanais durante quatro semanas. No G2 foi aplicada crioterapia, por meio de bolsa térmica, no terço médio da região posterior da coxa para resfriamento, durante 15 minutos, logo após foi realizado o protocolo de alongamento passivo. No G3 foi realizada aplicação de OC (calor profundo), modelo Thermopulse Compact (Ibramed(r)), para aquecimento durante 15 minutos, com as placas dispostas em posição coplanar no terço médio da região posterior da coxa e intensidade de 80W16. Logo após foi realizado o protocolo de alongamento passivo. Desta forma, todos os grupos tiveram a frequência de três intervenções terapêuticas durante quatro semanas. O protocolo foi efetuado em ambos os membros inferiores, entretanto, somente foi adotada a avaliação do membro inferior direito (MID) na análise no estudo.
Análise Estatística
As comparações intragrupos tiveram periodicidade semanal, e foram realizadas utilizando-se o teste t de Student para amostras relacionadas.
Para comparação intergrupos foram consideradas as medias das diferenças entre a última e a primeira avaliação para cada grupo, sendo utilizada Análise de Variância (ANOVA) com post hoc test de Tukey. O nível de significância considerado foi de 95% (p<0,05).
RESULTADOS
Todos os voluntários concluíram o estudo. Ao avaliar a AM nos três grupos, pode-se verificar aumento, representado pelo ganho em graus, significativo da flexão de quadril no G2 e G3 em relação ao G1. Quando comparado o G2 com o G3 não houve diferença significativa (Figura 1).

Figura 1 Comparação da AM (final-inicial) da flexão do quadril (em graus), nos grupos 01 (alongamento), 02 (crioterapia + alongamento) e 03 (ondas curtas + alongamento). (P<0,05).
Analisando cada grupo separadamente pode-se observar que o ganho de AM nos grupos estudados foi significativo a partir da 3ª semana (4ª avaliação) tendo como referência a avaliação inicial. Para o G1 pode-se observar um incremento de 24,30% da AM ao final do estudo (Figura 2). O G2 obteve o ganho de 36,53% (Figura 3) e para o G3 houve aumento da AM em 40,16% (Figura 4).

Figura 2 Medida, em graus, da AM da flexão de quadril do G1 durante o estudo apresentando diferença estatística a partir da quarta semana tendo como referencia a primeira semana. (P<0,05).

Figura 3 Medida, em graus, da AM da flexão de quadril do G2 durante o estudo apresentando diferença estatística a partir da quarta semana tendo como referencia a primeira semana. (P<0,05).
DISCUSSÃO
Os músculos isquiotibiais desempenham papel relevante tanto na eficácia, como na eficiência dos movimentos humanos básicos, como caminhada e corrida. Na prática clínica têm-se observado que a limitação de flexibilidade deste grupo muscular é comum na população em geral. Da mesma forma, na área esportiva, isquiotibiais encurtados têm sido relacionados a tensões musculares, desenvolvimento de tendinopatia patelar e dor femoropatelar, dano muscular após o exercício excêntrico e redução no desempenho esportivo26,27. Neste sentido, foi observado que o alongamento passivo de vários grupos musculares, principalmente dos isquiotibiais, melhora o comprimento e a extensibilidade muscular, tanto de modo imediato, como em efeito em longo prazo do presente treinamento28.
O estudo averiguou que os três grupos em avaliação tiveram eficiente aumento na flexibilidade dos músculos isquiotibiais após os protocolos adotados. O G3 (diatermia + alongamento) apresentou diferença significante em relação ao G1 (alongamento), divergindo dos estudos de Brasileiro et al.16 e Silva et al.17, que também utilizaram a diatermia por ondas curtas associada ao alongamento para ganho de flexibilidade dos músculos isquiotibiais, porém sem alterações significativas na AM.
O resultado do presente estudo vem de acordo com a prática clínica que utiliza técnicas de alongamento associadas ao calor para obter um maior ganho da flexibilidade. O aquecimento aumenta o suprimento de sangue e a liberação do oxigênio da mioglobina e hemoglobina para os músculos. Estas mudanças aceleram o metabolismo das fibras musculares e diminuem a resistência intramuscular, aumentando assim a eficiência mecânica do movimento10,18.
O G2 (crioterapia + alongamento) também apresentou diferença significante em relação ao G1. É fato que a diminuição de dor e condução nervosa é ocasionada pelo resfriamento16,29-32, o que traz consequências diretas para as manobras de alongamento. A limitação álgica durante as manobras de alongamento precede a limitação tecidual, desta forma, a sensação subjetiva de desconforto na musculatura que está sendo alongada pode reduzir a eficiência da manobra, minimizando possíveis alterações viscoelásticas nos tecidos como a diminuição de flexibilidade das proteínas musculares quando resfriado33. Uma vez que o sujeito aumenta a sua tolerância às manobras com o resfriamento, maior alongamento seria permitido. Em relação a diminuição da condução nervosa, estudos anteriores que utilizaram o relaxamento muscular obtido com a aplicação da crioterapia, sugerem que a diminuição na tensão muscular ocorre devido a redução na frequência de disparo dos fusos musculares34,35.
Na clínica de fisioterapia, o uso da crioterapia para ganho de AM, ainda é questionada, pois esta técnica desencadeia respostas fisiológicas adversas sobre as propriedades viscoelásticas dos tecidos. Knight22, afirma que a presença de hipotermia aumenta a rigidez do tecido conjuntivo, diminuindo sua extensibilidade, o que sugere que a associação entre resfriamento e alongamento seja prejudicial quando o objetivo é promover aumento da extensibilidade deste tecido.
Fisiologicamente, para pacientes em fase aguda e/ou apresentando quadro álgico significante é recomendada a utilização de termoterapia fria ou crioterapia, devido seus efeitos analgésicos e de redução de respostas inflamatórias, além de diminuir o desconforto durante as sessões de alongamento36, comum nos pacientes com maior restrição de movimento (início do tratamento). Já em quadros crônicos e/ou quando o indivíduo apresenta-se em tratamento ativo, a termoterapia por meio de calor é a melhor indicada, por seus efeitos de potencialização da atividade metabólica e promoção de relaxamento muscular37. Desta forma, sugere-se o uso de crioterapia associada ao alongamento passivo quando pacientes apresentam indicação de ganho de AM e se encontram na fase aguda do processo inflamatório. O uso do OC associado ao alongamento passivo seria indicado para pacientes com indicação de ganho de AM e se encontram na fase crônica do processo inflamatório.
Pode-se observar, quando comparado intragrupos, que todos os grupos apresentaram acréscimo na AM, porém este aumento foi estatisticamente significante a partir da terceira semana. Isso pode ser atribuído ao fato da musculatura ter um tempo fisiológico de adaptação ao estresse causado pelo alongamento. Segundo Herbert38, Hall e Brod39 os efeitos do alongamento podem ser divididos em agudos e crônicos. Os agudos ou imediatos são resultado da flexibilidade do componente elástico da unidade musculotendínea. Desta forma, o OC associado ao alongamento passivo pode auxiliar nos efeitos imediatos, pois modifica a elasticidade das proteínas musculares40. Já os efeitos crônicos resultam em remodelamento adaptativo da estrutura muscular38,39.