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INFLUÊNCIA DA PRÁTICA DE NATAÇÃO NO SONO E NA QUALIDADE DE VIDA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

RESUMO

Introdução:

A prática do exercício físico pode trazer benefícios importantes no âmbito físico, psicológico e comportamental. No entanto, a literatura é escassa ao relacionar exercício físico e sono nas pessoas com deficiência.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo analisar os benefícios que a natação promove na saúde e na qualidade do sono de deficientes visuais com diferentes níveis de aptidão física.

Métodos:

Participaram da pesquisa 30 voluntários do sexo masculino, deficientes visuais, com idade entre 16 e 60 anos distribuídos em três grupos, a saber, irregularmente ativos (G1), praticantes de natação 2 vezes por semana (G2); e praticantes de natação 5 vezes na semana (G3). Foram aplicados os questionários relacionados ao padrão de sono (Pittsburgh), sonolência (Epworth), cronotipo (Horne e Östberg) e qualidade de vida (SF-36).

Resultados:

Os principais resultados mostraram que o G3 apresentou melhor qualidade de sono, bem como maior eficiência do sono com relação aos outros dois grupos. Além disso, o G1 demonstrou piores escores para qualidade de vida com relação ao G3 nos domínios estado geral de saúde, vitalidade e aspecto social.

Conclusão:

Dessa forma, podemos sugerir que a frequência maior na prática da atividade física (natação) atuou positivamente sobre a qualidade do sono e a qualidade de vida de pessoas com deficiência visual. Nível de evidência III, Estudo de caso controle .

Descritores:
Natação; Pessoas com deficiência visual; Sono; Qualidade de vida

ABSTRACT

Introduction:

Physical exercise can bring important benefits in the areas of physical and psychological health and behavioral aspects. However, there have been few studies that link physical exercise and sleep in people with disabilities.

Objective:

This study aims to analyze the benefits promoted by swimming in the health and quality of sleep of visually impaired people of different levels of physical fitness.

Methods:

Thirty male volunteers, visually impaired, aged 16-60 years, took part in the study. The volunteers were divided into three groups: irregularly active (G1), swimming twice a week (G2), and swimming five times a week (G3). Questionnaires related to sleep pattern (Pittsburgh), sleepiness (Epworth), chronotype (Horne and Östberg) and quality of life (SF-36) were applied.

Results:

The main results showed that G3 presented better quality of sleep, as well as more effective sleep, compared to the other two groups. In addition, G1 showed poorer scores for quality of life compared to G3 in the domains general health, vitality, and social aspect.

Conclusion:

We suggest that more frequent physical activity (swimming) has a positive effect on quality of sleep and quality of life of people with visual impairments. Level of evidence III, case control study .

Keywords:
Swimming; Visually impaired persons; Sleep; Quality of life

RESUMEN

Introducción:

La práctica del ejercicio físico puede traer beneficios importantes en el ámbito físico, psicológico y comportamental. Sin embargo, la literatura es escasa al relacionar ejercicio físico y sueño en las personas con discapacidad.

Objetivo:

Este estudio tuvo como objetivo analizar los beneficios que la natación promueve en la salud y en la calidad del sueño de discapacitados visuales con diferentes niveles de aptitud física.

Métodos:

Participaron en la investigación 30 voluntarios del sexo masculino, discapacitados visuales, con edad entre 16 y 60 años, divididos en tres grupos, a saber, irregularmente activos (G1), practicantes de natación 2 veces por semana (G2) y practicantes de natación 5 veces por semana (G3). Fueron aplicados los cuestionarios relacionados con el patrón de sueño (Pittsburgh), somnolencia (Epworth), cronotipo (Horne y Östberg) y calidad de vida (SF-36).

Resultados:

Los principales resultados mostraron que G3 presentó mejor calidad de sueño, bien como mayor eficiencia del sueño con relación a los otros dos grupos. Además, G1 demostró peores puntajes para calidad de vida con relación a G3 en los dominios estado general de salud, vitalidad y aspecto social.

Conclusión:

De esa forma, podemos sugerir que la frecuencia mayor en la práctica de actividad física (natación) actuó positivamente sobre la calidad del sueño y la calidad de vida de las personas con discapacidad visual. Nivel de evidencia III; Estudio de caso control .

Descriptores:
Natación; Personas con daño visual; Sueño; Calidad de vida

INTRODUÇÃO

Já é bem relatado na literatura que pessoas com deficiência apresentam diferentes distúrbios de sono, bem como alterações no padrão de sono. 11. Zuculo GM, Knap CCF, Pinato L. Correlation between sleep and quality of life in cerebral palsy. Codas. 2014;26(6):447-56.,22. Ramos AR, Wallace DM, Williams NJ, Spence DW, Pandi-Perumal SR, Zizi F, et al. Association between visual impairment and sleep duration: analysis of the 2009 National Health Interview Survey (NHIS). BMC Ophthalmol. 2014;14:115.

Os estudos demonstram que a maioria dos problemas de sono entre os indivíduos cegos está relacionado ao aumento da latência de sono, sono fragmentado, curta duração do sono e cochilos diurnos. 33. Leger D, Guilleminault C, Santos C, Paillard M. Sleep/wake cycles in the dark: sleep recorded by polysomnography in 26 totally blind subjects compared to controls. Clin Neurophysiol. 2002;113(10):1607-14.,44. Leger D, Guilleminault C, Defrance R, Domont A, Paillard M. Prevalence of sleep/wake disorders in persons with blindness. Clin Sci (Lond). 1999;97(2):193-9. Leger et al.3ao avaliarem indivíduos cegos e com ritmo circadiano em livre curso, demonstraram uma redução da duração e eficiência do sono, bem como o aumento da latência para o sono REM, quando comparados a indivíduos sem deficiência visual. Corroborando com os resultados, o estudo de Aubin et al. 55. Aubin S, Jennum P, Nielsen T, Kupers R, Ptito M. Sleep structure in blindness is influenced by circadian desynchrony. J Sleep Res. 2018;27(1):120–8. demonstrou que deficientes visuais em livre curso, apresentaram aumento da latência do sono e tempo de vigília, porém os que não estavam em livre curso, apresentaram um padrão de sono similar ao controle vidente.

Em adição, também já está bem consolidado na literatura que a qualidade do sono está relacionada com a qualidade de vida. Alguns estudos relatam que problemas relacionados ao sono, como dificuldades para iniciar ou manter o sono, sono não restaurador e sonolência excessiva diurna, diminuem a qualidade de vida na população em geral. 66. Strine TW, Chapman DP. Associations of frequent sleep in sufficiency with health-related quality of life and health behaviors. Sleep Med. 2005;6(1):23-7.,77. Mello MT, Boscolo RA, Esteves AM, Tufik S. O exercício físico e os aspectos psicobiológicos. Rev Bras Med Esporte. 2005;11(3):203-7. No caso de atletas paralímpicos, a literatura sugere que a percepção de qualidade de vida é reduzida naqueles com deficiência visual. 88. Kawashima M, Hiratsuka Y, Nakano T, Tamura H, Ono K, Murakami A, et al. The association between legal Japanese visual impairment grades and vision-related quality of life. Jpn J Ophthalmol. 2016;60(3):219-25.

A relação entre o sono, a qualidade de vida e o exercício físico pode sofrer influência de fatores como nível de aptidão física, intensidade do exercício, duração e o tipo de exercício físico realizado. 99. Viana VA, Esteves AM, Boscolo RA, Grassmann V, Santana MG, Tufik S, et al. The effects of a session of resistance training on sleep patterns in the elderly. Eur J Appl Physiol. 2012;112(7):2403-8.,1010. Flausino NH, Da Silva Prado JM, de Queiroz SS, Tufik S, de Mello MT. Physical exercise performed before bedtime improves the sleep pattern of healthy young good sleepers. Psychophysiology. 2012;49(2):186-92. A intensidade do exercício físico apresenta uma relação direta com a qualidade do sono, sendo que exercício físico realizado em alta intensidade, pode apresentar efeitos negativos na qualidade do sono. 1111. Martins PJF, Mello MT, Tufik S. Exercício e sono. Rev Bras Med Esporte. 2001;7(1):28-36. Estudos com atletas paralímpicos demonstraram que os mesmos apresentam alterações no padrão de sono, bem como a presença de distúrbios do sono. 1212. Juliff LE, Halson SL, Peiffer JJ. Understanding sleep disturbance in athletes prior to important competitions. J Sci Med Sport. 2015;18(1):13-18.,1313. Agüero SD, Jofre PA, Standen CV, Herrera-Valenzuela T, Cantillana CM, Robledo RP, et al. Calidad del sueño, somnolencia e insomnio en deportistas paralímpicos de elite chilenos. Nutr Hosp. 2015;32(6):2832-7.

A prática da natação por deficientes visuais é uma opção viável e que, quando bem orientada, torna-se um exercício seguro e capaz de trazer vários benefícios, como por exemplo: o desenvolvimento motor, autoconhecimento, correção postural, equilíbrio, orientação espacial e aumento da qualidade de vida. 1414. Greguol M. Natação adaptada: em busca do movimento com autonomia. Barueri, SP: Manole; 2010.

Neste contexto, a necessidade de avaliar o sono e a qualidade de vida de pessoas com deficiência visual praticantes de exercício físico se torna importante, uma vez que exercem grande influência na saúde dessa população. Assim, o presente estudo teve como objetivo analisar os benefícios que a natação promove no sono e na qualidade de vida de deficientes visuais com diferentes níveis de aptidão física.

MÉTODOS

Participantes

Foram selecionados para o estudo 30 pessoas com deficiência visual do sexo masculino, com idade entre 16-60 anos. O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp (658.272) de acordo com a Resolução CNS nº 466/12, e a declaração de Helsinki de 1995.

Os voluntários foram distribuídos em 3 grupos, sendo um irregularmente ativo e dois que praticavam exercício físico regularmente. A distribuição dos grupos exercício físico foi realizada em função da frequência e intensidade da prática da atividade.

Grupo 1: não praticavam nenhuma atividade física regularmente.

Grupo 2: a natação era praticada 2 vezes por semana com intensidade baixa, com duração de uma hora por dia e não participavam de competições.

Grupo 3: a natação era praticada todos os dias da semana (segunda à sexta-feira), com intensidade moderada, com duração de uma hora por dia e participavam de competições de forma amadora.

Aos praticantes da modalidade natação, foi solicitada a entrega de um comprovante especificando a sua classificação funcional esportiva. Essa classificação distribui o deficiente visual em três categorias (B1, B2 e B3), caracterizadas através da escala LogMAR e campimetria computadorizada. Assim, o B1 é caracterizado com a acuidade visual menor do que LogMAR 2,60; o B2 com acuidade visual variando de LogMAR 1,50-2,60 e/ou campo visual restrito até um diâmetro de menos de 10 graus; e o B3 com a acuidade visual variando de LogMAR 1,40-1 e/ou campo visual restrito até um diâmetro de menos de 40 graus. 1515. International Blind Sports Federation (IBSA). Classification Manual for Classifiers. Disponível em: http://www.ibsasport.org/documents/files/144-1-IBSAClassification-Manual-classifiers.pdf Acesso em 06 de junho de 2020.
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Desenho experimental

A seleção da amostra foi realizada em duas localidades. O grupo irregularmente ativo foi contactado através de instituições que promovem assistência a pessoas com deficiência visual. O grupo praticante de exercício físico foi selecionado em um clube paradesportivo. Após contato, explanação do projeto, leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) os voluntários responderam a questionários relacionados ao padrão de sono, sonolência, cronotipo (preferência circadiana) e qualidade de vida. A aplicação dos questionários foi realizada pelo próprio pesquisador, de maneira individual e em sala reservada nas Instituições, onde o mesmo fez a leitura dos questionários e o voluntário apontou a resposta que melhor respondesse a sua condição.

Protocolo Experimental

O questionário Morningness–Eveningness Questionnaire (MEQ), adaptado para a língua portuguesa 1616. Benedito-Silva AA, Menna-Barreto LS, Marques N, Tenreiro S. A self-assessment questionnaire for the determination of morningness-eveningness types in Brazil. In: Hayes DK, Pauly JE, Reiter RJ (Org.). Chronobiology: its role in clinical medicine, general biology and agriculture, part B. New York: Wiley-Liss; 1990. p. 89-98. foi utilizado para a determinação do perfil de preferência circadiana. Esse questionário classifica os indivíduos em: matutinos, indiferentes e vespertinos. O questionário se baseia em 19 questões de múltipla alternativa sobre a preferência e/ou a possibilidade de se escolher o horário de se praticar atividades, dormir e acordar. O resultado é dado por um valor numérico, que varia entre 16 e 86 pontos, classificando o indivíduo em: vespertino (16 a 41 pontos), indiferente (42 a 58 pontos), e matutino (59 a 86 pontos).

O Questionário de Pittsburgh (Pittsburgh Sleep Quality Index – PSQI), adaptado para a língua portuguesa (PSQI-BR), 1717. Bertolazi AN. Tradução, adaptação cultural e validação de dois instrumentos de avaliação do sono: Escala de Sonolência de Epworth e Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh. Dissertação para obtenção do título de Mestre (Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, 2008. Disponível em: < http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/14041> Acesso em: 21/11/2017.
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foi utilizado para indicar o índice de qualidade do sono dos voluntários. O questionário consiste em 21 itens que avaliam a qualidade do sono e seus distúrbios através do registro do último mês nos componentes: latência do sono, duração do sono, eficiência do sono, distúrbios do sono, uso de medicamentos e disfunções durante o dia. O critério de classificação se baseia na pontuação total obtida, agrupando segundo o sono dos participantes, como bom (abaixo de 4 pontos) ou ruim (igual a 5 ou superior).

Para mensurar o grau de sonolência dos voluntários foi utilizada a escala de sonolência de Epworth (Epworth Sleepiness Scale – ESS) 1818. Johns MW. A new method for measuring daytime sleepiness: the Epworth sleepiness scale. Sleep. 1991;14(6):540-5. adaptada para a língua portuguesa (ESS-BR). 1717. Bertolazi AN. Tradução, adaptação cultural e validação de dois instrumentos de avaliação do sono: Escala de Sonolência de Epworth e Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh. Dissertação para obtenção do título de Mestre (Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, 2008. Disponível em: < http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/14041> Acesso em: 21/11/2017.
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A pontuação se baseia no relato dos episódios de sonolência em diferentes situações e ambientes, sendo igual ou maior do que 10 pontos avaliado como sonolento.

Para avaliar a Qualidade de Vida, foi utilizado o Questionário de Qualidade de Vida “Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey’’ ( SF-36 ), adaptado para a língua portuguesa. 1919. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39:143-50. Consiste em um questionário multidimensional formado por 36 itens, englobados em 8 escalas ou domínios, que são: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral da saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Apresenta um escore final de 0 (zero) à 100 (obtido por meio de cálculo do Raw Scale ), onde o zero corresponde ao pior estado geral de saúde e o 100 corresponde ao melhor estado de saúde.

Análise estatística

Os resultados foram analisados através do programa Statistic 7.0. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para avaliar a distribuição dos dados sendo a ANOVA ONE-WAY realizada para os dados paramétricos e o teste de KRUSKALL WALLIS para os dados não paramétricos. Os resultados foram representados em média ± erro padrão. O nível de significância considerado foi o de p<0,05 para a rejeição da hipótese de nulidade.

RESULTADOS

A relação da classificação funcional dos participantes dos grupos 1 (n=10), 2 (n=10) e 3 (n=10) está descrita na tabela 1 . O grupo G2 não foi composto por nenhum indivíduo da categoria B3.

Tabela 1
Distribuição da classificação funcional nos grupos.

Em relação à qualidade de sono, avaliada pelo Questionário de Pittsburgh, o grupo G3 apresentou menor escore (PSQI), demonstrando melhor qualidade do sono e também maior eficiência do sono em relação aos outros grupos (G1 e G2). ( Tabela 2 )

Tabela 2
Questionário de Qualidade do Sono (Pittsburgh).

Não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para a sonolência entre os grupos, G1 (9,1±3,38), G2 (9,60±5,18) e G3 (7,20±4,02 - Anova One-Way, p>0,05), bem como para as classificações funcionais B1, B2 e B3.

Os resultados relacionados à frequência da distribuição do cronotipo ( Figura 1 ) demonstraram que a grande maioria foi classificada como matutino (66,67%), seguido de indiferente (26,67%) e vespertino (6,67%). No entanto, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes na pontuação dos cronotipos ao comparar os três grupos (Anova, p>0,05).

Figura 1
Frequência da distribuição dos voluntários de acordo com o questionário de cronotipo (MEQ). Classificação: V: vespertino <41, I: indiferente >42 < 58 e M: matutino: > 59.

Em relação à qualidade de vida, o grupo G1 apresentou escores significativamente reduzidos nos domínios de capacidade funcional (F(2,27)=10,408, p=,00045) e dor (F(2,27)=6,1499, p=,00630) em relação aos grupos 2 e 3, e nos domínios estado geral de saúde (F(2,27)=4,8535, p=,01582), vitalidade (F(2,27)=3,8836, p=,03293) e aspecto social (F(2,27)=4,7809, p=,01669) para o G3. ( Figura 2 )

Figura 2
Resultados do Questionário de Qualidade de Vida (SF-36) nos diferentes grupos. ANOVA ONE-WAY - * Difere do G1, p<0,05. CF: capacidade funcional; AF: aspectos físicos; D: dor; EGS: estado geral de saúde; V: vitalidade; AS: aspectos sociais; AE: aspectos emocionais; SM: saúde mental. Grupo 1: irregularmente ativo; Grupo 2: 2 vezes/semana; Grupo 3: 5 vezes/semana.

Ao analisar a qualidade de vida levando em consideração a classificação funcional, verificou-se que os deficientes B1 (G1) apresentaram menores escores estatisticamente significantes para estado geral de saúde (F(2,9)=8,0156, p=,01002) e vitalidade (F(2,9)=9,9000 p=,00533) em relação aos grupos 2 e 3. Já os deficientes do G1 classificados como B2 demonstraram menores escores estatisticamente significantes para capacidade funcional (F(2,8)=8,5877, p=,01020), dor (F(2,8)=15,605, p=,00173) e aspectos sociais (F(2,8)=4,6195, p=,04638) em relação aos grupos 2 e 3. ( Figura 3 )

Figura 3
Resultados do Questionário de Qualidade de Vida (SF-36) nos diferentes grupos levando em consideração a classificação funcional (B1 e B2). ANOVA ONE-WAY - * Difere do G1, p<0,05. CF: capacidade funcional; AF: aspectos físicos; D: dor; EGS: estado geral de saúde; V: vitalidade; AS: aspectos sociais; AE: aspectos emocionais; SM: saúde mental. Grupo 1: irregularmente ativo; Grupo 2: 2 vezes/semana; Grupo 3: 5 vezes/semana.

DISCUSSÃO

O presente estudo avaliou a influência da natação no sono e qualidade de vida de deficientes visuais com diferentes níveis de aptidão física. Os resultados mostraram que o G3 apresentou um menor escore de qualidade de sono (PSQI), demonstrando uma melhor qualidade de sono, bem como uma maior eficiência do sono. Em relação à qualidade de vida, o G1 apresentou piores escores para os domínios de estado geral de saúde, vitalidade e aspecto social em relação ao G3.

Segundo o estudo de Tamura et al., 2020. Tamura N, Sasai-Sakuma T, Morita Y, Okawa M, Inoue S, Inoue Y. A Nationwide Cross-Sectional Survey of Sleep-Related Problems in Japanese Visually Impaired Patients: Prevalence and Association With Health-Related Quality of Life. J Clin Sleep Med. 2016;12(12):1659–67. problemas relacionados ao sono são observados com mais frequência em indivíduos com deficiência visual quando comparados a pessoas sem deficiência visual, além disso, as queixas são maiores entre os sujeitos sem percepção luminosa, principalmente as relacionadas ao ritmo circadiano, podendo estar associadas a uma menor qualidade de vida.

Já é bem descrito na literatura a relação do sono em atletas de alto rendimento com deficiência, demonstrando fatores que podem piorar a qualidade do sono em decorrência da carga de treinamento e redução do período de descanso. No entanto, existe uma lacuna em relatar a influência da prática da atividade física em atletas amadores, bem como em praticantes de atividade física em menor frequência.

Em um estudo realizado com atletas paralímpicos chilenos, praticantes das modalidades de natação, tênis de mesa, futebol 5, levantamento de peso e tênis de cadeira, em período de preparação para os Jogos Pan-americanos de Toronto 2015 (n = 44), foi verificado que 78,7% desses atletas apresentavam baixa qualidade do sono, sendo que 69,6% relataram insônia e apenas 33,3% dormiam as horas suficientes. 1313. Agüero SD, Jofre PA, Standen CV, Herrera-Valenzuela T, Cantillana CM, Robledo RP, et al. Calidad del sueño, somnolencia e insomnio en deportistas paralímpicos de elite chilenos. Nutr Hosp. 2015;32(6):2832-7. Outro estudo, realizado com atletas australianos de natação e atletismo, que não apresentavam deficiência, mostrou que 64% mencionou ter um sono de menor qualidade principalmente antes de uma grande competição, além disso, 42,1% dos atletas apresentaram sonolência diurna. 1010. Flausino NH, Da Silva Prado JM, de Queiroz SS, Tufik S, de Mello MT. Physical exercise performed before bedtime improves the sleep pattern of healthy young good sleepers. Psychophysiology. 2012;49(2):186-92. De acordo com isso, Juliff et al., 1212. Juliff LE, Halson SL, Peiffer JJ. Understanding sleep disturbance in athletes prior to important competitions. J Sci Med Sport. 2015;18(1):13-18. usando avaliações de questionários, verificaram que 28% dos atletas com deficiência sofrem com distúrbios do sono durante períodos de treinamento pesado. Já Pancotto et al., 2121. Pancotto HP, Silva AN, Esteves AM. Extension and restriction of sleep time in the physical performance of athletes with visual and intellectual disabilities: new possibilities. Brazilian Journal of Motor Behavior. 2019;13(4):104-12. demonstraram em atletas de natação com deficiência visual, uma piora na qualidade do sono, bem como na latência de sono.

Os resultados referentes ao padrão de sono do presente estudo demonstraram que o G3 (praticantes de natação 5 vezes/semana) apresentou menor escore no questionário de Pittsburgh, ou seja, melhor qualidade do sono e maior eficiência do sono em relação aos grupos 1 (irregularmente ativo) e 2 (praticantes de natação 2 vezes/semana). Esses resultados talvez se justifiquem devido à rotina de treinamento dos atletas avaliados no presente estudo, visto que, mesmo sendo considerados atletas por participarem de competições de caráter amador, quando comparados a atletas de alto rendimento (que participam de competições a nível internacional, e com uma carga e um volume de treinamento muito intensos), os mesmos apresentaram uma melhor qualidade de sono.

Os resultados referentes à caracterização do cronotipo demonstraram que a grande maioria foi classificada como matutino (66,67%), seguido de indiferente (26,67%) e vespertino (6,67%). Esses resultados corroboram com o estudo de Pancotto et al., 2121. Pancotto HP, Silva AN, Esteves AM. Extension and restriction of sleep time in the physical performance of athletes with visual and intellectual disabilities: new possibilities. Brazilian Journal of Motor Behavior. 2019;13(4):104-12. o qual mostrou predominância do cronotipo matutino, em atletas da modalidade atletismo deficientes visuais e intelectuais.

Com relação à sonolência excessiva, nosso estudo não identificou diferenças significativas entre os grupos, no entanto, os grupos 1 (9,1±3,38) e 2 (9,60±5,18) apresentaram valores limítrofes com o escore positivo para sonolência (>10). No estudo de Leger, et al., 33. Leger D, Guilleminault C, Santos C, Paillard M. Sleep/wake cycles in the dark: sleep recorded by polysomnography in 26 totally blind subjects compared to controls. Clin Neurophysiol. 2002;113(10):1607-14. o tempo total de sono reduzido e outras alterações no padrão de sono foram associadas à queixa de sonolência diurna em deficientes visuais. Essas alterações no padrão de sono, que podem estar relacionadas à condição de livre curso, representam um desafio adicional para esses indivíduos. Talvez essa característica tenha se apresentado no G2, visto que o mesmo apresentou o maior número de participantes na classificação funcional B1 (cego total).

No presente estudo escores mais elevados de qualidade de vida foram apresentados nos grupos que praticavam natação, tanto os que não competiam, quanto os que participavam de competições amadoras, demonstrando melhor qualidade de vida. Diversos autores6,7,22já demonstraram que a prática de atividade física proporciona benefícios biopsicossociais ao indivíduo. O G1 (irregularmente ativo) apresentou menores escores nos domínios da capacidade funcional e dor, em relação aos grupos 2 e 3; e menores escores, em relação ao G3, para os domínios estado geral de saúde, vitalidade e aspecto social. Miki et al. 2222. Miki Y, Kanayama C, Nakashima S, Yamasaki M. Health-Related Quality of Life in Active Persons with Spinal Cord Injury. Japanese J Phys Fit Sports Med. 2012;61(2):177–82. examinaram os efeitos específicos da prática do basquetebol em cadeira de rodas sobre a qualidade de vida relacionada à saúde. O instrumento SF-36 foi aplicado a um grupo de 81 atletas (21 quadriplégicos e ٦٠ paraplégicos), onde foi verificada uma associação significativa entre a saúde geral e prática semanal do esporte, demonstrando que quanto maior a frequência de exercícios semanais, melhor a qualidade de vida percebida.

Problemas relacionados ao sono podem ser considerados como um fator de risco importante para menor qualidade de vida entre os indivíduos com deficiência visual. 2020. Tamura N, Sasai-Sakuma T, Morita Y, Okawa M, Inoue S, Inoue Y. A Nationwide Cross-Sectional Survey of Sleep-Related Problems in Japanese Visually Impaired Patients: Prevalence and Association With Health-Related Quality of Life. J Clin Sleep Med. 2016;12(12):1659–67. O estudo de Tamura et al. 2020. Tamura N, Sasai-Sakuma T, Morita Y, Okawa M, Inoue S, Inoue Y. A Nationwide Cross-Sectional Survey of Sleep-Related Problems in Japanese Visually Impaired Patients: Prevalence and Association With Health-Related Quality of Life. J Clin Sleep Med. 2016;12(12):1659–67. demonstrou uma associação entre um padrão irregular de vigília/sono e dificuldade em acordar no momento desejado com uma menor qualidade de vida em indivíduos com deficiência visual sem percepção luminosa. Além disso, foi verificado que 48,9% a 57,40% dos deficientes visuais apresentaram uma redução na qualidade de vida, quando comparados a população geral (31,30%) sem deficiência visual. 2323. Mori K, Kawano Y, Tada Y, Hida A, Nagasawa N, Inoue K, et al. Relationship of dietary intake and lifestyle factors to health-related quality of life in the community-dwelling elderly. J Nutr Sci Vitaminol. 2010;56(6):364–71.

Para as pessoas com deficiência, o foco atual tem sido a análise de qualidade de vida e não as limitações impostas por sua condição. Esta ideia foi claramente reforçada pela criação da Classificação Internacional do Funcionamento, da Incapacidade e da Saúde. 2424. World Health Organization. The International Classification of Functioning, Disability and Health – ICF. Geneva: World Health Organization; 2001. A independência funcional tem sido enfatizada como um fator relevante na qualidade de vida por ser um importante marcador de independência no desempenho das atividades cotidianas.

CONCLUSÃO

Neste contexto, o presente estudo demonstrou que uma maior frequência na prática da natação apresentou influência positiva na qualidade do sono de deficientes visuais. No entanto, as alterações positivas na qualidade de vida já foram percebidas a partir da prática da natação 2 vezes na semana. Assim, pessoas com deficiência visual devem ser incentivadas a participar de programas esportivos, os quais devem ser estruturados para recebê-los. Promovendo assim, os aspectos positivos do esporte para pessoas com deficiência, a inclusão social, o aumento da qualidade de vida e melhora na qualidade do sono.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Laboratório de Sono e Exercício Físico – LASEF / UNICAMP pelo apoio dado a este trabalho, ao Centro de Pesquisa em Ciências do Esporte (CEPECE) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Código de Financiamento 001).

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr/Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2018
  • Aceito
    05 Out 2020
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