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INFLUÊNCIA DO PRÉ-CONDICIONAMENTO ISQUÊMICO NO DESEMPENHO NEUROMUSCULAR

RESUMO

Introdução:

O pré-condicionamento isquêmico (PCI) tem sido descrito na literatura como um recurso capaz de melhorar o desempenho físico.

Objetivo:

O objetivo deste estudo randomizado duplo cego foi avaliar a influência do PCI no desempenho neuromuscular de indivíduos treinados.

Métodos:

Foram selecionados 24 indivíduos (6 mulheres) com média de idade de 25,8 ± 4,6 anos, praticantes de treinamento resistido, divididos em dois grupos, sendo um grupo de membros superiores (GMS), composto por 12 indivíduos (4 mulheres) e grupo de membros inferiores (GMI), composto por 12 indivíduos (2 mulheres). O teste de repetições máximas foi aplicado no exercício de supino para o GMS e no leg press 45° para o GMI com 50% de uma repetição máxima, nas condições de controle, placebo e PCI, de forma aleatória com intervalo de 72 horas entre os testes. O PCI foi aplicado quatro horas antes dos testes por meio de um manguito de esfigmomanômetro analógico inflado a 220 mmHg no braço para o GMS e na coxa para o GMI, sendo três ciclos de cinco minutos de isquemia e cinco minutos de reperfusão, alternando os lados direito e esquerdo. Para o placebo, o manguito ficou em 40 mmHg, sem provocar isquemia. O nível de significância do teste de Wilcoxon foi de p < 0,017, devido à correção de Bonferroni. O tamanho do efeito (TE) também foi analisado.

Resultados:

Com o PCI, o GMS realizou 34,8 ± 4,8 repetições, representando melhora de 11,29% (PCI vs. controle, TE = 0,68 e p = 0,002) e o GMI realizou 40,5 ± 15,7 repetições, representando melhora de 37,47% (PCI vs. controle, TE = 0,84 e p = 0,002). Com o placebo, ambos os grupos não apresentaram melhora.

Conclusão:

Nossos dados mostraram que o PCI influenciou positivamente o desempenho neuromuscular tanto de membros superiores quanto inferiores. Nível de evidência II; Estudos terapêuticos–Investigação dos resultados do tratamento (Estudo prospectivo comparativo).

Descritores:
Treinamento de resistência; Força muscular; Isquemia; Resistência à tração

ABSTRACT

Introduction:

Ischemic preconditioning (IPC) has been described in the literature as a resource capable of improving physical performance.

Objective:

The purpose of this randomized double-blind study was to evaluate the influence of IPC on the neuromuscular performance of trained individuals.

Methods:

Twenty-four (24) resistance training participants (6 of them women) with a mean age of 25.8 ± 4.6 years were selected and divided into two groups: the upper limb group (ULG) composed of 12 individuals (4 women) and the lower limb group (LLG) composed of 12 individuals (2 women). The maximum repetitions test was applied in the bench press for the ULG and in the 45° leg press for the LLG, with 50% of the one-repetition maximum under control, placebo and IPC conditions, at a random interval of 72 hours between tests. The IPC was applied four hours before the tests by means of an analog sphygmomanometer cuff inflated to 220 mmHg on the arm for the ULG and on the thigh for LLG, with three cycles of five minutes each of ischemia and reperfusion, alternating between the right and left sides. For the placebo, the cuff was inflated to 40 mmHg without causing ischemia. The significance level for the Wilcoxon test was p <0.017, due to the Bonferroni correction. The effect size (ES) was also analyzed.

Results:

With IPC, the ULG performed 34.8 ± 4.8 repetitions, representing an improvement of 11.29% (IPC vs. control, ES = 0.68 and p = 0.002) and the LLG performed 40.5 ± 15.7 repetitions, representing an improvement of 37.47% (IPC vs. control, ES = 0.84 and p = 0.002). No significant improvements were observed for the placebo in either group.

Conclusion:

Our data showed that IPC positively influenced neuromuscular performance of both the upper and lower limbs. Level of evidence II; Therapeutic studies investigating the results of treatment (Prospectived comparative studye).

Keywords:
Resistance training; Muscle strength; Ischemia; Tensile strength

RESUMEN

Introducción:

El preacondicionamiento isquémico (PCI) ha sido descrito en la literatura como un recurso capaz de mejorar el desempeño físico.

Objetivo:

El objetivo de este estudio aleatorio doble ciego fue evaluar la influencia del PCI en el desempeño neuromuscular de individuos entrenados.

Métodos:

Fueron seleccionados 24 individuos (6 mujeres) con promedio de edad de 25,8 ± 4,6 años, practicantes de entrenamiento resistido, divididos en dos grupos, siendo un grupo de miembros superiores (GMS) compuesto por 12 individuos (4 mujeres) y grupo de miembros inferiores (GMI) compuesto por 12 individuos (2 mujeres). El test de repeticiones máximas fue aplicado en el ejercicio de supino para el GMS y en el leg press 45° para el GMI con 50% de una repetición máxima, en las condiciones de control, placebo y PCI, de forma aleatoria con intervalo de 72 horas entre los tests. El PCI fue aplicado cuatro horas antes de los tests mediante un manguito de esfigmomanómetro analógico inflado a 220 mmHg en el brazo para el GMS y en el muslo para el GMI, siendo tres ciclos de cinco minutos de isquemia y cinco minutos de reperfusión, alternando los lados derecho e izquierdo. Para el placebo, el manguito quedó en 40 mmHg, sin provocar isquemia. El nivel de significancia del test de Wilcoxon fue p <0,017, debido a la corrección de Bonferroni. El tamaño del efecto (TE) también fue analizado.

Resultados:

Con el PCI, el GMS realizó 34,8 ± 4,8 repeticiones, representando mejora de 11,29% (PCI vs control, TE = 0,68 y p = 0,002) y el GMI realizó 40,5 ± 15,7 repeticiones, representando mejora de 37,47% (PCI vs control, TE = 0,84 y p = 0,002). Con el placebo, ambos grupos no mostraron mejora.

Conclusión:

Nuestros datos mostraron que el PCI influenció positivamente el desempeño neuromuscular tanto de miembros superiores como inferiores. Nivel de evidencia II; Estudios terapéuticos: investigación de los resultados del tratamiento (estudio comparativo prospectivo).

Descriptores:
Entrenamiento de resistencia; Fuerza muscular; Isquemia; Resistencia a la tracción

INTRODUÇÃO

O pré-condicionamento isquêmico (PCI) tem sido descrito na literatura como um recurso capaz de melhorar o desempenho físico, especulando-se que os mecanismos fisiológicos responsáveis por tal melhora estejam associados ao fato do PCI proporcionar uma diminuição do estresse isquêmico, reduzindo assim o dano muscular durante exercícios de alta intensidade através de uma vasodilatação periférica, acompanhada de maior fluxo sanguíneo local e oxigenação tecidual, além de um efeito poupador de ATP devido a uma contração muscular mais eficiente, melhora na eficiência mitocondrial, e reduções nos sinais de fadiga. 11. Halley SL, Marshall P, Siegler JC. The effect of IPC on central and peripheral fatiguing mechanisms in humans following maximal single limb isokinetic exercise. Physiol Rep. 2019;7(8):e14063.33. Salvador AF, De Aguiar RA, Lisboa FD, Pereira KL, Cruz RS, Caputo F. Ischemic Preconditioning and Exercise Performance: A Systematic Review and Meta-Analysis. Int J Sports Physiol Perform. 2016;11(1):4-14.

Caracterizado por breves períodos de isquemia seguidos de reperfusão sanguínea aplicados em um ou mais segmentos corporais, principalmente braço ou coxa, inicialmente o PCI foi descrito na literatura como uma técnica para prevenir lesões miocárdicas. 44. Murry CE, Jennings RB, Reimer KA. Preconditioning with ischemia: a delay of lethal cell injury in ischemic myocardium. Circulation. 1986;74(5):1124-36.,55. Succi JE, Gerola LR, Succi GM, Almeida RA, Novais LS, Rocha B. Ischemic preconditioning influence ventricular function in off-pump revascularization surgery. Arq Bras Cardiol. 2010;94(3):319-24, 39-44.,66. Opie LH. Reperfusion injury and its pharmacologic modification. Circulation. 1989;80(4):1049-62. Há duas décadas o PCI começou a ser investigado como estratégia para melhorar o desempenho esportivo. 77. Libonati JR, Cox M, Incanno N, Melville SK, Musante FC, Glassberg HL, et al. Brief periods of occlusion and reperfusion increase skeletal muscle force output in humans. Cardiologia. 1998;43(12):1355-60. Estudos anteriores mostraram que o PCI promoveu aumento do consumo de oxigênio e da produção de força após um teste incremental máximo em ciclistas treinados. 88. de Groot PC, Thijssen DH, Sanchez M, Ellenkamp R, Hopman MT. Ischemic preconditioning improves maximal performance in humans. Eur J Appl Physiol. 2010;108(1):141-6. Também foram evidenciados efeitos positivos do PCI no desempenho de nadadores altamente treinados, 99. Jean-St-Michel E, Manlhiot C, Li J, Tropak M, Michelsen MM, Schmidt MR, et al. Remote preconditioning improves maximal performance in highly trained athletes. Med Sci Sports Exerc. 2011;43(7):1280-6. bem como em corredores. 1010. Bailey TG, Jones H, Gregson W, Atkinson G, Cable NT, Thijssen DH. Effect of ischemic preconditioning on lactate accumulation and running performance. Med Sci Sports Exerc. 2012;44(11):2084-9.,1111. Foster GP, Giri PC, Rogers DM, Larson SR, Anholm JD. Ischemic preconditioning improves oxygen saturation and attenuates hypoxic pulmonary vasoconstriction at high altitude. High Alt Med Biol. 2014;15(2):155-61.

Por outro lado, existem dados na literatura mostrando não haver influência significativa do PCI no desempenho da corrida. 1212. Tocco F, Marongiu E, Ghiani G, Sanna I, Palazzolo G, Olla S, et al. Muscle ischemic preconditioning does not improve performance during self-paced exercise. Int J Sports Med. 2015;36(1):9-15.,1313. Slysz JT, Burr JF. Impact of 8 weeks of repeated ischemic preconditioning on running performance. Biomed Res Int. 2019;119(6):1431-7.,1414. Kaur G, Binger M, Evans C, Trachte T, Van Guilder GP. No influence of ischemic preconditioning on running economy. Eur J Appl Physiol. 2017;117(2):225-35. Curiosamente, após um teste Wingate realizado por ciclistas amadores o PCI apresentou um efeito prejudicial sobre o desempenho, diminuindo a potência anaeróbia total dos indivíduos, 1515. Paixao RC, da Mota GR, Marocolo M. Acute effect of ischemic preconditioning is detrimental to anaerobic performance in cyclists. Int J Sports Med. 2014;35(11):912-5. e na natação, após 2 e 24 horas da aplicação do PCI não foram observadas alterações no desempenho no nado de 100 e 200 metros. 1616. Williams N, Russell M, Cook CJ, Kilduff LP. Effect of Ischemic Preconditioning on Maximal Swimming Performance. J Strength Cond Res. 2021;35(1):221-6.

Sendo assim, nota-se que o real efeito do PCI sobre o desempenho é controverso na literatura, talvez pela variabilidade metodológica entre os estudos, incluindo diferenças nas modalidades esportivas, protocolos utilizados, modo de execução dos exercícios, duração do exercício, e tempo entre o PCI e o esforço, dificultando o fornecimento de diretrizes quanto a utilização do PCI no meio esportivo. 33. Salvador AF, De Aguiar RA, Lisboa FD, Pereira KL, Cruz RS, Caputo F. Ischemic Preconditioning and Exercise Performance: A Systematic Review and Meta-Analysis. Int J Sports Physiol Perform. 2016;11(1):4-14. Portanto, há uma lacuna persistente na literatura, sobretudo quanto a influência do PCI nos exercícios de força ou em esportes nos quais essa valência física é predominante, visto que a maioria dos estudos disponíveis na literatura voltaram seus esforços a análise do desempenho em exercícios dinâmicos.

Dados recentes da literatura mostraram influência positiva do PCI sobre a resistência de força na extensão dos joelhos, porém, os resultados ainda não estão consolidados, 1717. Carvalho L, Barroso R. Ischemic Preconditioning Improves Strength Endurance Performance. J Strength Cond Res. 2019;33(12):3332-7. sendo necessárias mais pesquisas neste sentido. Desta forma, o objetivo do presente estudo foi investigar a influência do PCI no desempenho neuromuscular de membros superiores e inferiores de indivíduos treinados.

MATERIAL E MÉTODOS

Amostra

Estudo duplo cego e randomizado no qual participaram 24 indivíduos (6 mulheres) com idade entre 18 e 34 anos (25,8 ± 4,6), todos praticantes de treinamento resistido de forma ininterrupta há 4,3 ± 2,9 anos. Todos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Esta pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos sob o n° 60434016.4.0000.5433.

Os critérios de inclusão foram (1) estar praticando musculação por um período maior que 2 anos de forma ininterrupta e (2) estar realizando os exercícios supino reto e leg press 45° de forma sistemática nesse período. Os critérios de exclusão foram (1) qualquer doença metabólica ou cardíaca, (2) uso de esteroides anabolizantes, (3) tratamento de reposição hormonal, (4) uso de medicamentos, (5) dores ou lesões articulares/musculares. Os indivíduos foram instruídos a não iniciar nem suspender nenhum tipo de suplementação alimentar ou a realizar alterações dietéticas significativas durante a pesquisa. Além disso os voluntários abstiveram-se de qualquer tipo de estimulante, bebidas alcoólicas e exercícios vigorosos pelo menos 48 horas que antecederam os testes. A Tabela 1 apresenta uma caracterização dos participantes do estudo.

Tabela 1
Caracterização dos participantes do estudo apresentado em média e desvio padrão.

Previamente a todos os procedimentos de pesquisa na primeira visita ao laboratório além da avaliação de anamnese e avaliações antropométricas, todos os indivíduos foram familiarizados com os procedimentos e equipamentos da pesquisa (intervenção PCI, teste de força e teste de resistência muscular localizada). Em seguida, foram divididos randomicamente em dois grupos, sendo um de membros superiores (GMS) n=12 (4 mulheres) que tiveram apenas os membros superiores ocluídos e realizaram os testes no exercício supino reto com barra, e o outro de membros inferiores (GMI) n=12 (2 mulheres) que tiveram apenas os membros inferiores ocluídos e realizaram os testes no exercício leg press 45°. Posteriormente cada indivíduo retornou ao laboratório mais quatro vezes com o mínimo de 72 horas de intervalo e não mais que 5 dias de diferença entre as visitas, sendo uma para a realização do teste de uma repetição máxima (1RM) e as demais para aplicação do teste de repetições máximas em três condições diferentes (controle, placebo e PCI) de forma randômica e aleatória, o procedimento placebo e PCI foram realizados quatro horas antes dos testes. O pesquisador que aplicava o PCI e o avaliador do teste de repetições máximas eram pessoas diferentes, onde o avaliador não tinha conhecimento sobre qual das três intervenções o indivíduo havia sido submetido horas antes, além disso, os indivíduos também não saiam que uma das intervenções se tratava de placebo, de modo a garantir um estudo duplo cego. Os testes foram realizados na mesma hora do dia para cada indivíduo, garantindo condições ambientais semelhantes em todas as avaliações. ( Figura 1 )

Figura 1
Desenho experimental do estudo.

Avaliação da Capacidade Neuromuscular

Após todos os indivíduos estarem devidamente familiarizados aos procedimentos do estudo, foi aplicado o teste de uma repetição máxima (1RM), com realização de duas séries de 20 repetições para aquecimento separadas por um minuto com carga submáxima, três minutos após o aquecimento foram realizadas no máximo quatro tentativas para encontrar a carga de 1RM, de acordo com estudos anteriores. 1818. Baechle TR, Earle RW. Essentials of strength training and conditioning. Champaign, Illinois: Human kinetics, 2008. Para o GMS o teste foi realizado no exercício supino reto com barra e para o GMI no leg press 45°.

Quatro horas após as intervenções PCI ou placebo, respeitando o mesmo horário para a avaliação controle, foi realizado o teste de repetições máximas (até a falha concêntrica) com carga correspondente a 50% de 1RM nos mesmos exercícios, três minutos antes do teste foi realizada uma série de 15 repetições com 25% de 1RM para aquecimento. A velocidade de movimento foi de ~1 segundo em cada fase (concêntrica/excêntrica), com amplitude de movimento padronizada em 90° tanto nas articulações dos cotovelos para o GMS quanto dos joelhos para GMI em todas as repetições.

Pré-condicionamento isquêmico

O PCI foi realizado com os indivíduos em decúbito dorsal, a isquemia foi provocada por oclusão vascular utilizando o manguito de um esfigmomanômetro de escala analógica modelo Premium ML 040 (BIC – Itupeva, SP, Brasil) inflado a 220mmHg, sendo três séries de cinco minutos de isquemia intercaladas com cinco minutos de reperfusão em cada membro alternando entre membro esquerdo e direito, totalizando 30 minutos de intervenção. 33. Salvador AF, De Aguiar RA, Lisboa FD, Pereira KL, Cruz RS, Caputo F. Ischemic Preconditioning and Exercise Performance: A Systematic Review and Meta-Analysis. Int J Sports Physiol Perform. 2016;11(1):4-14.,88. de Groot PC, Thijssen DH, Sanchez M, Ellenkamp R, Hopman MT. Ischemic preconditioning improves maximal performance in humans. Eur J Appl Physiol. 2010;108(1):141-6.,1010. Bailey TG, Jones H, Gregson W, Atkinson G, Cable NT, Thijssen DH. Effect of ischemic preconditioning on lactate accumulation and running performance. Med Sci Sports Exerc. 2012;44(11):2084-9.,1818. Baechle TR, Earle RW. Essentials of strength training and conditioning. Champaign, Illinois: Human kinetics, 2008.2020. Marocolo M, da Mota GR, Simim MA, Appell Coriolano HJ. Myths and Facts About the Effects of Ischemic Preconditioning on Performance. Int J Sports Med. 2016;37(2):87-96. Para a intervenção placebo o protocolo utilizado foi idêntico, com exceção do manguito que foi inflado apenas a 40 mmHg sem provocar bloqueio do fluxo sanguíneo, ou seja, sem provocar isquemia. 1111. Foster GP, Giri PC, Rogers DM, Larson SR, Anholm JD. Ischemic preconditioning improves oxygen saturation and attenuates hypoxic pulmonary vasoconstriction at high altitude. High Alt Med Biol. 2014;15(2):155-61. Durante o procedimento, por meio de um estetoscópio Littmann modelo Classic II SE (3M company - Maplewood, MN, EUA), foi realizada ausculta das artérias radial para GMS e tibial posterior para GMI, para verificar presença ou ausência de oclusão vascular nos procedimentos PCI e placebo, respectivamente.

Análise estatística

Foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk para verificar a normalidade de distribuição das variáveis quantitativas. Para a comparação entre os três momentos, placebo, controle e PCI foi empregado o teste não paramétrico de Friedman com nível de significância de p<0,05. Para discriminar as diferenças foi utilizado o teste de Wilcoxon aplicando-se a correção de Bonferroni, consequentemente, o nível de significância para este teste foi de p<0,017.

O tamanho do efeito (TE) foi classificado como trivial (<0,35), pequeno (0,35 a 0,80), moderado (0,80 a 1,50) e grande (>1,5), com base em diretrizes específicas para indivíduos treinados em força. 1919. Rhea MR. Determining the magnitude of treatment effects in strength training research through the use of the effect size. J Strength Cond Res. 2004;18(4):918-20. Os dados foram analisados por meio do programa SPSS, versão 20 (IBM – Armonk, NY, EUA).

RESULTADOS

Os indivíduos do GMS realizaram 31,4 ± 5,1 repetições no momento controle, na intervenção placebo esse número não se alterou permanecendo 31,4 ± 5,0 repetições, já no momento PCI eles realizaram 34,8 ± 4,8 repetições, evidenciando aumento de 11,29% em relação ao momento controle e de 11,20% em relação ao momento placebo. O TE foi considerado trivial entre controle e placebo (TE=0,00), pequeno entre PCI e controle (TE=0,68) e entre PCI placebo (TE=0,69).

Já os indivíduos do GMI realizaram 28,9 ± 6,0 repetições no momento controle, 33,5 ± 10,4 repetições no momento placebo e 40,5 ± 15,7 repetições no momento PCI, mostrando um aumento de 37,47% em relação ao controle e de 22,05% em relação ao placebo. O TE foi considerado pequeno entre controle e placebo (TE=0,51) e entre PCI e Placebo (TE=0,50) e moderado entre PCI e controle (TE=0,84).

O teste de Friedman mostrou diferença na comparação entre controle, placebo e PCI, tanto do GMS quanto no GMI (p < 0,001). A Tabela 2 apresenta os resultados dos testes estatísticos realizados para discriminar essas diferenças.

Tabela 2
Comparação entre os diferentes momentos de avaliação.

DISCUSSÃO

O objetivo do presente estudo foi avaliar a influência do PCI no desempenho neuromuscular de membros superiores e inferiores em indivíduos treinados, nossos dados confirmaram a hipótese de que a resistência de força melhora algumas horas após a aplicação de ciclos de isquemia e reperfusão nos membros envolvidos no exercício, tendo em vista que, tanto o GMS quanto o GMI apresentaram melhor desempenho no teste de repetições máximas após a intervenção com PCI. Estes resultados corroboram com um estudo recente que avaliou o número de repetições no exercício de extensão do joelho com 85% de 1RM, mostrando um efeito positivo do PCI no desempenho neuromuscular. 1717. Carvalho L, Barroso R. Ischemic Preconditioning Improves Strength Endurance Performance. J Strength Cond Res. 2019;33(12):3332-7.

Neste estudo, o protocolo de PCI foi realizado por meio de três ciclos de cinco minutos de isquemia intercalados com cinco minutos de reperfusão, além disso, o intervalo entre o PCI e os exercícios foi de quatro horas, este procedimento foi definido com base numa importante revisão sistemática com metanálise, que incluiu 19 estudos e demonstrou que o PCI proporcionou efeito benéfico sobre o desempenho em exercícios aeróbios e anaeróbios, concluindo que o protocolo para aplicação do PCI, bem como o tempo entre o PCI e o esforço são fatores determinantes para a eficácia do procedimento. 33. Salvador AF, De Aguiar RA, Lisboa FD, Pereira KL, Cruz RS, Caputo F. Ischemic Preconditioning and Exercise Performance: A Systematic Review and Meta-Analysis. Int J Sports Physiol Perform. 2016;11(1):4-14. Contrapondo aos achados do estudo supracitado, outra revisão sistemática concluiu que o PCI não influenciou de forma relevante o desempenho físico, bem como as variáveis fisiológicas relacionadas. Entretanto, entre os estudos analisados nessa revisão, foi observada uma grande variação quanto ao tipo de exercício, horário em que os testes eram realizados e tempo de intervalo entre o PCI e o exercício. 2020. Marocolo M, da Mota GR, Simim MA, Appell Coriolano HJ. Myths and Facts About the Effects of Ischemic Preconditioning on Performance. Int J Sports Med. 2016;37(2):87-96.

Para verificar a real influência do PCI no desempenho neuromuscular, o protocolo do presente estudo incluiu um procedimento placebo, onde a pressão do manguito foi de apenas 20 mmHg, de modo a não provocar isquemia. Nossos resultados mostraram que não houve efeito placebo, pois tanto no GMS quanto no GMI foi observada melhora no desempenho apenas quando a pressão do manguito foi suficiente para provocar isquemia (220 mmHg), ou seja, na intervenção PCI verdadeira. Lembrando que o estudo foi duplo cego, pois os participantes não sabiam que o procedimento com 20 mmHg se tratava de placebo e durante os testes o avaliador não sabia se o participante estava no momento PCI, placebo ou controle. Por outro lado, um estudo prévio avaliou 13 indivíduos treinados nas mesmas condições, PCI, placebo e controle, e observaram pequenos benefícios sobre o desempenho no teste de extensão de joelho, tanto na condição PCI quanto placebo. Entretanto, no referido estudo pode ter havido influência tanto dos participantes quanto dos avaliadores, tendo em vista que não foi um estudo cego. 2121. Marocolo M, Willardson JM, Marocolo IC, da Mota GR, Simao R, Maior AS. Ischemic Preconditioning and Placebo Intervention Improves Resistance Exercise Performance. J Strength Cond Res. 2016;30(5):1462-9.

Nossos resultados mostraram que o PCI melhorou significativamente o desempenho no teste de repetições máximas tanto de membros superiores quanto inferiores, além disso, analisando a melhora percentual no desempenho, notou-se que o PCI influenciou de forma mais expressiva o desempenho de membros inferiores, provavelmente porque neste caso, o manguito utilizado no PCI de membros inferiores foi maior do que o utilizado para membros superiores, ou seja, a área submetida à isquemia parece influenciar no efeito do PCI, conforme apontado em estudos anteriores. 33. Salvador AF, De Aguiar RA, Lisboa FD, Pereira KL, Cruz RS, Caputo F. Ischemic Preconditioning and Exercise Performance: A Systematic Review and Meta-Analysis. Int J Sports Physiol Perform. 2016;11(1):4-14.

Considerando que a região da coxa permite a aplicação do PCI numa área maior do que o braço, é indicado que se aplique o PCI na coxa mesmo quando a exigência física seja para membros superiores, tendo em vista o efeito remoto do PCI evidenciado anteriormente por um estudo que avaliou a resistência de força na pressão manual de homens fisicamente ativos após serem submetidos ao PCI nos membros inferiores, e observaram que o PCI apresentou um efeito remoto retardando o desenvolvimento da fadiga e consequentemente prolongado o tempo até a falha. 2222. Barbosa TC, Machado AC, Braz ID, Fernandes IA, Vianna LC, Nobrega AC, et al. Remote ischemic preconditioning delays fatigue development during handgrip exercise. Scand J Med Sci Sports. 2015;25(3):356-64.

Ainda neste sentido, outro estudo observou efeito remoto do PCI no teste de flexão do cotovelo, no entanto, neste estudo, a intervenção placebo também influenciou no aumento do número de repetições máximas, provavelmente porque o intervalo entre o PCI e o esforço foi de apenas 8 minutos e o estudo não foi duplo cego. 2323. Marocolo M, Marocolo IC, da Mota GR, Simao R, Maior AS, Coriolano HJ. Beneficial Effects of Ischemic Preconditioning in Resistance Exercise Fade Over Time. Int J Sports Med. 2016;37(10):819-24.

O tempo entre a aplicação do PCI e a realização do exercício é um ponto que ainda merece atenção, uma vez que há uma grande variação desse tempo nos estudos realizados até o momento, portanto, sobre esse aspecto, persiste uma lacuna. Um estudo evidenciou efeitos positivos do PCI sobre o desempenho em sprints, no salto contra movimento e no tempo de recuperação, tanto imediatamente após quanto 24 horas depois da aplicação do PCI. 2424. Beaven CM, Cook CJ, Kilduff L, Drawer S, Gill N. Intermittent lower-limb occlusion enhances recovery after strenuous exercise. Appl Physiol Nutr Metab. 2012;37(6):1132-9. Enquanto que, em outro estudo não foram observadas diferenças no teste de 1RM, bem como no número de repetições até a falha com o PCI aplicado 40 minutos antes do exercício supino, mas a temperatura da pele na região do bíceps e do peitoral foi reduzida. 2525. Valenzuela PL, Martín-Candilejo R, Sánchez-Martínez G, Bouzas Marins JC, de la Villa P, Sillero-Quintana M. Ischemic Preconditioning and Muscle Force Capabilities. J Strength Cond Res. 2019. Na metodologia do presente estudo, o tempo entre PCI e exercício foi de quatro horas, evidenciando influência positiva do PCI no número de repetições, tanto no exercício de supino quanto no Leg press, sugerindo que o intervalo de quatro horas entre o PCI e o esforço pode ser uma boa escolha.

Certamente, quando se trata de esporte competitivo, a melhora no desempenho é o efeito mais desejável do PCI, contudo, essa melhora de desempenho pode ocorrer sem que haja alterações significativas nas variáveis fisiológicas, a concentração de lactato por exemplo. 1717. Carvalho L, Barroso R. Ischemic Preconditioning Improves Strength Endurance Performance. J Strength Cond Res. 2019;33(12):3332-7. Sendo assim, estudos mais aprofundados das respostas fisiológicas ao PCI podem contribuir ampliando a compreensão sobre a influência deste método no desempenho, entretanto, salientamos que o desempenho ainda é o aspecto mais importante.

LIMITAÇÕES

Neste estudo não foi possível realizar coletas de sangue, impossibilitando a análise direta das variáveis fisiológicas. Além disso, o estudo também não contou com eletromiografia, que garantiria maior acurácia na avaliação do desempenho neuromuscular. Entretanto, os métodos aqui utilizados foram rigorosamente executados, garantido reprodutibilidade e fidedignidade dos resultados apresentados.

CONCLUSÃO

Nossos dados mostraram que houve influência positiva do PCI no desempenho neuromuscular, sugerindo que este método pode ser utilizado como estratégia para melhorar o desempenho competitivo em modalidades que exigem resistência de força, tanto de membros inferiores quanto inferiores.

A aplicação do PCI na coxa parece ser mais eficaz do que no braço, tendo em vista a possibilidade se submeter uma área maior à isquemia. Além disso, nossos dados sugerem que quatro horas de intervalo entre o PCI e o esforço é uma boa escolha para melhorar o desempenho neuromuscular.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr/Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2020
  • Aceito
    08 Mar 2021
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