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SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA D: EFEITO SOBRE O PERFIL DE 25(OH)D E OCORRÊNCIA DE LESÕES MUSCULARES EM ATLETAS DE FUTEBOL PROFISSIONAL

RESUMO

Contexto:

A insuficiência de vitamina D tem sido descrita entre atletas de futebol profissional.

Objetivo:

Avaliar perfil de 25(OH)D e ocorrência de lesões musculares (LM) em atletas da série A com (temporada 2015 - T1) e sem suplementação de vitamina D (temporada 2016 - T2).

Métodos:

Estudo observacional, analítico, de coorte, prospectivo com 22 atletas que receberam a mesma avaliação no início das temporadas e dosagens de 25(OH)D e cálcio total nos meses de janeiro e agosto da T1 e T2. Dados das LM foram obtidos no setor de fisioterapia do clube.

Resultados:

Idade cronológica: 23,4 ± 3,0 anos; estatura (cm) 182 ± 0,7; massa corporal total (kg) 78,5 ± 8,6; massa magra total (kg) 65,9 ± 6,7 e massa gorda total (kg) 13,2 ± 3,3. A radiação solar (kj/m2) às 10 horas não foi diferente entre T1 e T2 (p = 0,19), porém, às 15 horas houve diferença significativa (T2 > T1, p = 0,01). O cálcio total foi diferente entre janeiro e agosto da T2 (p < 0,001); em agosto, a 25(OH)D da T2 foi significativamente menor do que a da T1 em janeiro (p = 0,01). Em agosto da T2, 78,9% dos atletas tinham valor de 25(OH)D no nível de insuficiência/deficiência (p = 0,02). As LM foram o dobro na T2 (31 vs. 16); os jogadores de meio de campo e os atacantes foram os mais afetados; as LM de grau I foram mais prevalentes; na T1 predominaram as LM do membro inferior dominante (75,0%), enquanto na T2 não houve diferença entre membro dominante (35,5%) e não dominante (48,4%).

Conclusão:

Os atletas de futebol profissional com exposição adequada à radiação solar não parecem se beneficiar de suplementação de vitamina D visando a prevenção de lesões musculares. Nível de evidência II, Estudos terapêuticos.

Descritores:
Desempenho Atlético; Futebol

ABSTRACT

Context: Vitamin D insufficiency has been described among professional soccer athletes.

Objective:

To evaluate 25(OH)D profile and occurrence of muscle injuries (MI) in Series A athletes with (2015 season - S1) and without Vitamin D supplementation (2016 season - S2).

Methods:

An observational, analytical, prospective, cohort study of 22 athletes who received the same evaluation at the start of the seasons and 25(OH)D and total calcium measurements in January and August of S1 and S2. Data on MI were obtained from the physiotherapy department of the club.

Results:

Chronological age: 23.4 ± 3.0 years; height (cm) 182 ± 0.7; total body mass (kg) 78.5 ± 8.6; total lean mass (kg) 65.9 ± 6.7 and total fat mass (kg) 13.2 ± 3.3. Solar radiation (kj/m2) at 10 a.m. did not differ between S1 and S2 (p = 0.19) while at 3 p.m., there was a significant difference (S2 > S1, p = 0.01). Total calcium was different between January and August of S2 (p <0.001); in August, the 25(OH)D of S2 was significantly lower than that of S1 in January (p = 0.01). On August of S2, 78.9% of the athletes had 25(OH)D values within the range of insufficiency/deficiency (p = 0.02). MI were twice as frequent in S2 (31 vs 16); the midfield and forward athletes were the ones most affected; grade I injuries were more prevalent; in S1, MI were more frequent in the dominant limb (75.0%) while in S2, there was no difference between the dominant (35.5%) and non-dominant (48.4%) limbs.

Conclusion:

Professional soccer athletes with adequate exposure to solar radiation do not appear to benefit from vitamin D supplementation to prevent muscle injuries. Level of evidence II, Therapeutic study.

Keywords:
Athletic performance; Soccer

RESUMEN

Contexto:

Se ha descrito una insuficiencia de vitamina D entre los atletas de fútbol profesional.

Objetivo:

Evaluar el perfil de 25(OH)D y la ocurrencia de lesiones musculares (LM) en atletas de la serie A con suplementación de vitamina D (temporada 2015 - T1) y sin suplementación (temporada 2016 - T2).

Métodos:

Estudio observacional, analítico, de cohorte, prospectivo con 22 atletas que recibieron la misma evaluación al inicio de las temporadas y medición de 25(OH)D y calcio total en enero y agosto de las T1 y T2. Los datos de las LM fueron obtenidos del sector de fisioterapia del club.

Resultados:

Edad cronológica: 23,4 ± 3,0 años; estatura (cm) 182 ± 0,7; masa corporal total (kg) 78,5 ± 8,6; masa magra total (kg) 65,9 ± 6,7 y masa grasa total (kg) 13,2 ± 3,3. La radiación solar (kj/m2) a las 10h no fue diferente entre las T1 y T2 (p = 0,19), sin embargo, hubo una diferencia significativa a las 3 de la tarde (T2 > T1, p = 0,01). El calcio total fue diferente entre enero y agosto de la T2 (p < 0,001); el nivel de 25(OH)D, en agosto de la T2 fue significativamente menor que en enero de la T1 (p = 0,01). En agosto de la T2, el 78,9% de los atletas presentaba un valor de 25(OH)D en el nivel de insuficiencia/deficiencia (p = 0,02). Las lesiones musculares fueron el doble en la T2 (31 frente a 16); los atletas de medio campo y los delanteros fueron los más afectados; las LM de grado I fueron más frecuentes; en la T1 predominaron las lesiones del miembro inferior dominante (75,0%), mientras que en la T2 no hubo diferencia significativa (35,5% miembro dominante y 48,4% no dominante).

Conclusión:

Los atletas de fútbol profesional con una exposición adecuada a la radiación solar no parecen beneficiarse de la suplementación con vitamina D para prevenir lesiones musculares. Nivel de evidencia II, Estudios terapéuticos.

Descriptores:
Rendimiento atlético; Fútbol

INTRODUÇÃO

Vitamina D tem sido objeto de um número crescente de pesquisas nos últimos anos, demonstrando outras funções além do papel na fisiologia óssea. A causa principal de deficiência de vitamina D é a diminuição da exposição à radiação ultravioleta B (UVB). Fatores ambientais: horário/tempo de exposição solar, sazonalidade, latitude e, individuais: área corpórea irradiada, pigmentação cutânea, envelhecimento, obesidade, uso de protetor solar11 Moreira CA, Ferreira CEDS, Madeira M, Silva BCC, Maeda SS, et al. Reference values of 25-hydroxyvitamin D revisited: a position statement from the Brazilian Society of Endocrinology and Metabolism (SBEM) and the Brazilian Society of Clinical Pathology/Laboratory Medicine (SBPC). Arch Endocrinol Metab. 2020;64(4):462-78.,22 Holick MF. Vitamin D status: measurement, interpretation, and clinical application. Ann Epidemiol. 2009;19(2):73-8. interferem na síntese de vitamina D.33 Halliday TM, Peterson NJ, Thomas JJ, Kleppinger K, Hollis BW, et al. Vitamin D status relative to diet, lifestyle, injury, and illness in college athletes. Med Sci Sports Exerc. 2011;43(2):335-43. Em atletas, tipo de vestimenta e esporte (área coberta/ar livre), são fatores intervenientes.

Para se determinar o nível de vitamina D utiliza-se a dosagem de 25(OH)D11 Moreira CA, Ferreira CEDS, Madeira M, Silva BCC, Maeda SS, et al. Reference values of 25-hydroxyvitamin D revisited: a position statement from the Brazilian Society of Endocrinology and Metabolism (SBEM) and the Brazilian Society of Clinical Pathology/Laboratory Medicine (SBPC). Arch Endocrinol Metab. 2020;64(4):462-78. e, com base nos valores plasmáticos obtidos, classificar o status de vitamina D em deficiência, insuficiência ou suficiência. Atualmente, não há consenso sobre qual o nível fisiológico de vitamina D, embora se tenha proposto a definição de deficiência, valores menores que 20 ng/mL; insuficiência, valores entre 20 e 30 e, suficiência, qualquer valor acima de 30.4

Em 2017, a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia propuseram novos intervalos de referência de 25(OH)D: acima de 20 ng/mL para população saudável até 60 anos e entre 30 e 60 ng/mL para grupos de risco (idosos, gestantes, lactantes, osteoporose, quedas e fraturas, doenças autoimunes, doença renal crônica e síndromes de má absorção).11 Moreira CA, Ferreira CEDS, Madeira M, Silva BCC, Maeda SS, et al. Reference values of 25-hydroxyvitamin D revisited: a position statement from the Brazilian Society of Endocrinology and Metabolism (SBEM) and the Brazilian Society of Clinical Pathology/Laboratory Medicine (SBPC). Arch Endocrinol Metab. 2020;64(4):462-78.

Para atletas, tem sido recomendado valores acima de 30 ng/mL, pois, a partir deste nível a vitamina D é armazenada no tecido muscular e na gordura e pode aprimorar o desempenho atlético.55 Angeline ME, Gee AO, Shindle M, Warren RF, Rodeo SA. The effects of vitamin D deficiency in athletes. Am J Sports Med. 2013;41:461-4.,66 Lechner K, Lechner B, Engel H, Halle M, Worm N, Scherr J. Vitamin D and athletic performance: perspectives and pitfalls. Dtsch Z Sportmed. 2020;71(2):35-42. Entretanto, valores na faixa deficiência/insuficiência são frequentes num percentual importante de atletas.77 Morton JP, Iqbal Z, Drust B, Burgess D, Close GL, et al. Seasonal variation in vitamin D status in professional soccer players of the English Premier League. Appl Physiol Nutr Metab. 2012;37(4):798-802.,88 Wyon MA, Wolman R, Nevill AM, Cloak R, Metsios GS, et al. Acute effects of vitamin D3 supplementation on muscle strength in judoka athletes: a randomized placebo-controlled, double-blind trial. Clin J Sport Med. 2015;26(4):279-84. Estudos envolvendo jogadores da National Football League mostraram que 80%99 Shindle MK, Voos JE, Gulotta L, Weiss L, Rodeo S, et al. Vitamin D status in a Professional American football team. Med Sci Sports Exercise. 2011;43(5):511. e 69%1010 Maroon JC, Mathyssek CM, Bost JW, Amos A, Winkelman R, et al. Vitamin D profile in National Football League players. Am J Sports Med. 2015;43(5):1241-45. apresentavam níveis diminuídos de 25(OH)D; metanálise de 23 estudos envolvendo 2313 atletas mostrou níveis inadequados em 56%.1111 Farrokhyar F, Tabasinejad R, Dao D, Peterson D, Ayeni O, et al. Prevalence of vitamin D inadequacy in athletes: a systematic-review and meta-analysis. Sports Med. 2015;45(3):365-78.

Atletas de futebol profissional antes de serem engajados num ritmo intenso de treinos e competições passam por ampla avaliação clínica-laboratorial. Destarte, é razoável questionar se um atleta saudável e apto para prática desse esporte, com valor de 25(OH)D entre 20 e 30 ng/mL, deva ser considerado insuficiente de vitamina D.

O conceito de normalidade de níveis de 25(OH)D em jogadores de futebol profissional num país tropical como o Brasil, não parece estar plenamente estabelecido.

O presente estudo avaliou o perfil de 25(OH)D em atletas de futebol profissional de um clube da Série A da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), com e sem suplementação de vitamina D, e os efeitos da suplementação sobre o histórico de LM.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo observacional, analítico, coorte prospectivo da avaliação do perfil de 25(OH)D e do histórico de LM de atletas de futebol profissional de um clube da Série A da CBF durante temporada completa com suplementação de vitamina D (2015) e temporada completa sem suplementação de vitamina D (2016).

Critérios de inclusão

Atletas profissionais residentes no Centro de Treinamento (CT), liberados pelo Departamento Médico (DM), em treinamento regular intensivo (cinco sessões de 2-3 horas semanais), aptos para participar das competições.

Critérios de exclusão

Lesão traumática (óssea ou ligamentar) ou problema clínico com duração acima de quatro semanas consecutivas que interrompesse a participação em treinos/ competições e rescisão contratual durante o estudo.

População de estudo

De 32 atletas regularmente inscritos na temporada de 2015, 10 foram excluídos; sendo assim, 22 atletas constituíram a população de estudo.

MÉTODOS

Avaliação clínica, ortopédica, cardiorrespiratória, exames bioquímicos de rotina e testes de campo (físico, técnico e tático) no início das temporadas.

Colecalciferol, na dose de 50.000 UI, foi administrado uma vez por semana, logo após o desjejum, de fevereiro a novembro de 2015.

Lesões Musculares

As LM observadas durante o estudo foram descritas e registradas regularmente nos relatórios da fisioterapia, sob supervisão do ortopedista, sendo anotados: gravidade da lesão (graus I, II e III) de acordo com Barroso & Thiele;1212 Barroso GC, Thiele ES. Lesão muscular nos atletas. Rev Bras Ortop. 2011;46(4):354-8. membro inferior afetado e posição funcional.

Controle Dietético

No CT, as refeições foram feitas exclusivamente no refeitório do clube e, em outras cidades, o cardápio seguia as mesmas prescrições alimentares elaboradas pela mesma nutricionista.

Exames Laboratoriais

Dosagens bioquímicas de início das temporadas: hemograma completo, ureia, creatinina, sódio, potássio, insulina, glicose, HbA1c, lipidograma, TGO, TGP, GGT, proteínas totais e frações, TSH, T4 livre, testosterona, cálcio total, fósforo, fosfatase alcalina, CK, DHL. No início das temporadas e mês de agosto dosou-se a 25(OH)D.

Dosagem de 25(OH)D

Método A: ao longo do estudo, pelo Laboratório do Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG), com kit comercial (Architect 25-OH vitamin D 5P02®, Abbott Laboratories, Abbott Park, IL 60064, USA). Método B: ao final do estudo, pelo Laboratório de Análises Clínicas do Hospital de Clínicas da UFPR (HC-UFPR) em amostras de soro coletadas nas duas temporadas, armazenadas em freezer a −20°C e dosadas com kit comercial (LIAISON® 25-OH vitamin D, DiaSorin Inc, MN 55082, USA).

Radiação Solar

Medidas de radiação solar (kj/m2), às 10 e 15 horas, na cidade de Curitiba, em 2015 e 2016, foram obtidas do Sistema de Informações Hidro-Meteorológicas do Instituto Nacional de Meteorologia (termômetro QMT 102, Vaisala).

Composição Corpórea

A composição corpórea foi determinada pelo método de densitometra por dupla emissão de raios X (RX QDR®, Hologic®, Hologic Inc., Bedford, MA 0173, USA).

Análise estatística

As variáveis quantitativas foram descritas considerando as estatísticas de média e desvio padrão. A estimativa de diferença entre variáveis repetidas foi realizada pelo teste Anova com teste post-hoc de Duncan. Para as variáveis categóricas foi aplicado o teste exato de Fisher, teste para diferença entre proporções. Dentro de cada um dos semestres, para avaliação de associação entre nível de 25(OH)D e número de LM, foi adotado o modelo de Regressão de Poisson.

Considerou-se nível mínimo de significância de 5% e poder de teste mínimo de 90%.

Estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do HC – UFPR (Registro CAAE: 45068215.9.0000.0096). Os atletas assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; resolução 196/96, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

Na Tabela 1 são mostradas as características gerais dos 22 atletas. Na admissão, a média de idade era 23,4 ± 3,0 anos; estatura 182 ± 0,7cm; massa corporal total 78,5 ± 8,6kg; massa magra total 65,9 ± 6,7 kg e massa gorda total 13,2 ± 3,3 kg. A maioria (72,7%) apresentava cor escura de pele. Quanto à posição funcional, 22,7% eram zagueiros, 22,7% atacantes, 18,2% goleiros, 18,2% meios de campo, 9,1% laterais e 9,1% volantes.

Tabela 1
Características gerais da amostra – atletas da categoria.

Não se observou diferença dos perfis bioquímicos entre 2015 e 2016, exceto diferença significativa dos níveis de cálcio entre janeiro e agosto de 2016 (p < 0,001) e de 25(OH)D entre janeiro de 2015 e agosto de 2016 (p = 0,01). (Tabela 2, Figuras 1 e 2).

Figura 1
Distribuição da diferença entre as medidas de cálcio total
Figura 2
Distribuição semestral da média das medidas de 25(OH)D.
Tabela 2
Parâmetros bioquímicos medidos semestralmente em 2015-2016.

As faixas de distribuição dos valores individuais de 25(OH)D de janeiro e agosto de 2015 e janeiro de 2016 são semelhantes, enquanto que a de agosto de 2016 tem um padrão diferente, isto é, maior concentração de valores na faixa entre 20 e 30 ng/m (Figura 3).

Figura 3
Distribuição dos valores individuais de 25(OH)D.

Como mostra a Figura 4, a maioria dos valores de 25(OH)D pelo método A é maior que aqueles obtidos pelo método B em todos os semestres analisados.

Figura 4
Distribuição dos valores individuais de 25(OH)D de acordo com os métodos A e B

Em agosto de 2016, como mostrado na Tabela 3, um número significativo de atletas apresentou valor de 25(OH)D na faixa de insuficiência/deficiência (78,9%; p = 0,02).

Tabela 3
Distribuição da classificação dos valores de 25(OH)D

Quatorze atletas (63,6%) apresentaram um total de 47 lesões: 16 em 2015 e 31 em 2016, sendo uma lesão em 7; duas em 3, três em 1 e quatro ou mais em 3 atletas (Tabela 4). Apesar da ocorrência de maior número de LM na temporada de 2016 não se observou diferença significativa entre as duas temporadas.

Tabela 4
Número e percentual de atletas com lesões por semestre.

Na Tabela 5 são apresentados os valores de p dos testes estatísticos, para cada um dos semestres. Como se observa não se encontrou associação entre nível de 25(OH)D e número de LM.

Tabela 5
25(OH)D vs lesões musculares.

A distribuição percentual das LM de acordo com a posição funcional do atleta foi semelhante nas duas temporadas. Não se observou diferença significativa na distribuição das lesões de acordo com a gravidade, predominando as lesões grau I em ambas as temporadas (Tabela 6).

Tabela 6
Distribuição das lesões musculares de acordo com a gravidade.

Não houve diferença significativa do grau de radiação solar medida às 10 horas, nas duas temporadas (1.516,7 e 1.728,3; p = 0,19), porém, observou-se diferença (p = 0,01) quando se mediu a radiação solar às 15 horas (1.339,7 e 1.526,9). Não se observou associação entre valores de 25(OH)D e cor da pele.

Enquanto em 2015 houve predomínio significativo (p = 0,02) de lesões no membro dominante (75,0 vs 25,0%), em 2016 as lesões ocorreram de forma mais homogênea (35,5% no membro dominante, 48,8% no membro não dominante e 16,1% sem dominância). Não se observou associação (p = 0,30) entre ocorrência de lesões e níveis (suficiência ou insuficiência/deficiência) de 25(OH).

DISCUSSÃO

A utilização de vitamina D corre em paralelo com as demandas fisiológicas e é razoável admitir que o atleta possa necessitar de uma quantidade maior de vitamina D para assegurar armazenamento e disponibilidade.1313 Holick MF. The vitamin D epidemic and its health consequences. J. Nutr. 2005;135(11):2739-48. Em atletas no hemisfério norte, tem sido referido melhor desempenho atlético no verão, seguido de acentuado declínio no início do outono, mimetizando a variação sazonal de vitamina D.1414 Bartoszewska M, Kamboj M, Patel DR. Vitamin D, muscle function, and exercise performance. Pediatr Clin North Am. 2010;57(3):849-61. A causa bem documentada de deficiência de vitamina D é a diminuição da exposição à radiação UVB, como observada durante a maior parte do inverno, em latitudes superiores a 35° - 37° graus.1515 Holick MF, Binkley NC, Bischoff-Ferrari HA, Gordon CM, Hanley DA, et al. Evaluation, treatment, and prevention of vitamin D deficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(7):1911-30. A radiação solar observada na cidade de Curitiba (clima subtropical, latitude 25°S) nos dois anos deste estudo apresentou acentuada amplitude de variação, tanto no horário matinal quando no meio da tarde. A maioria dos treinos ocorreu no período matinal, durante o qual não se observou diferença da quantidade de radiação solar entre 2015 e 2016.

Embora não tenha sido objetivo do presente estudo comparar valores de 25(OH)D obtidos em laboratórios diferentes, porém com metodologia semelhante, observou-se diferenças entre os valores obtidos, confirmando dados descritos na literatura.1616 Binkley N, Krueger D, Cowgill CS, Plum L, Lake E, et al. Assay variation confounds the diagnosis of hypovitaminosis D: a call for standardization. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89:3152-7.,1717 Lips P. Relative value of 25 vitamin D and 1,25(OH)D meansurements. J Bone Miner Res. 2007;22(11):1668-71. Neste estudo, o tratamento estatístico considerou os valores de 25(OH)D pelo método B visando diminuir o coeficiente de variação interensaio.

A análise dos valores de 25(OH)D de 2015 não evidenciou diferença significativa entre as médias de janeiro e agosto, isto é, não se observou variação sazonal, indicando o efeito da suplementação de vitamina D, embora os níveis de 25(OH)D alcançados foram menores do que o esperado. Holick et al.,1515 Holick MF, Binkley NC, Bischoff-Ferrari HA, Gordon CM, Hanley DA, et al. Evaluation, treatment, and prevention of vitamin D deficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(7):1911-30. referem que dose de 50.000 UI/semana de vitamina D, durante oito semanas, é suficiente para aumentar seus níveis séricos na maioria dos indivíduos. Uma possível explicação para a não observância de níveis mais elevados durante a suplementação poderia ser a inativação da vitamina D em um indivíduo sob radiação solar adequada. Contudo, no ano de 2016 os valores de janeiro foram significativamente maiores que os de agosto evidenciando a variação sazonal da vitamina D. Por outro lado, os valores de janeiro de 2016 e janeiro de 2015 não foram diferentes, provavelmente pela somatória da suplementação de vitamina D feita até o final de 2015 e exposição solar durante o mês de dezembro do mesmo ano.

Ao longo do estudo, o percentual de atletas com níveis de 25(OH)D na faixa considerada de insuficiência (<30 ng/mL) por alguns pesquisadores22 Holick MF. Vitamin D status: measurement, interpretation, and clinical application. Ann Epidemiol. 2009;19(2):73-8.,44 Ebeling PR. Vitamin D and bone health: Epidemiologic studies. Bonekey Rep. 2014;3:511. variou entre de 35% em janeiro de 2015 e 78,9% em agosto de 2016 (incluídos cinco atletas com valores <20 ng/mL). Dados semelhantes foram reportados por Kopec et al.,1818 Kopec A, Solarz K, Majda F, Slowinska M, Medras M. An evaluation of the levels of vitamin D and bone turnover markers after the summer and winter periods in Polish professional soccer players. J Hum Kinet. 2013;38:135-40. que avaliaram 24 atletas poloneses de futebol profissional e identificaram 50% com níveis insuficientes de vitamina D no verão e 83,3% no inverno. Estudo com 521 atletas masculinos de diferentes esportes de campeonatos nacionais do Qatar, dos quais 269 futebolistas da divisão de elite, observou níveis de suficiência (25(OH)D ≥ 30 ng/mL) em apenas 23%.1919 Allison RJ, Close GL, Farooq A, Riding NR, Salah O, et al. Severely vitamin D deficient athletes present smaller hearts than sufficient athletes. Eur J Prev Cardiol. 2015;22(4):535-42. Outros estudos na mesma linha reforçam os achados de níveis de insuficiência ou deficiência em atletas profissionais.99 Shindle MK, Voos JE, Gulotta L, Weiss L, Rodeo S, et al. Vitamin D status in a Professional American football team. Med Sci Sports Exercise. 2011;43(5):511.,1010 Maroon JC, Mathyssek CM, Bost JW, Amos A, Winkelman R, et al. Vitamin D profile in National Football League players. Am J Sports Med. 2015;43(5):1241-45.,1111 Farrokhyar F, Tabasinejad R, Dao D, Peterson D, Ayeni O, et al. Prevalence of vitamin D inadequacy in athletes: a systematic-review and meta-analysis. Sports Med. 2015;45(3):365-78.

Atletas com altas concentrações de melanina na pele precisam de uma exposição mais prolongada à radiação UVB para alcançar e/ou manter níveis normais de vitamina D.11 Moreira CA, Ferreira CEDS, Madeira M, Silva BCC, Maeda SS, et al. Reference values of 25-hydroxyvitamin D revisited: a position statement from the Brazilian Society of Endocrinology and Metabolism (SBEM) and the Brazilian Society of Clinical Pathology/Laboratory Medicine (SBPC). Arch Endocrinol Metab. 2020;64(4):462-78. Hamilton et al.,2020 Hamilton B, Whiteley R, Farooq A, Chalabi H. Vitamin D concentration in 342 professional football players and association with lower limb isokinetic function. J Sci Med Sport. 2014;17(1):139-43. num estudo de 342 jogadores da primeira divisão do Qatar, encontraram níveis mais baixos entre africanos e jogadores do oriente médio do que nos caucasoides, mostrando a relação entre pigmentação da pele e níveis de vitamina D. Segundo Owens et al.,2121 Owens DJ, Allison R, Close GL. Vitamin D and the Athlete: Current Perspectives and New Challenges. Sports Medicine. 2018;48(1):3-16. atletas negros frequentemente apresentam baixo nível sérico de 25(OH)D sem alterações fisiológicas.

De um modo geral, publicações abordando a temática de níveis adequados de 25(OH)D e atletas de futebol88 Wyon MA, Wolman R, Nevill AM, Cloak R, Metsios GS, et al. Acute effects of vitamin D3 supplementation on muscle strength in judoka athletes: a randomized placebo-controlled, double-blind trial. Clin J Sport Med. 2015;26(4):279-84.,1313 Holick MF. The vitamin D epidemic and its health consequences. J. Nutr. 2005;135(11):2739-48. seguem a mesma linha do “adequar” o atleta ao valor de 25(OH)D, mesmo que ele esteja saudável e em plena atividade profissional. Vale a pena salientar que o atleta de futebol profissional antes de ser engajado num processo intenso de treinos e competições passa por uma série de avaliações. Assim, se um atleta na plenitude de sua saúde, com alta demanda física, tem no seu perfil bioquímico um valor considerado insuficiente de 25(OH)D (20 - 30 ng/mL), é válido questionar os valores de referência preconizados. A nosso ver, esta equação deveria ser invertida, especialmente para o jogador de futebol como os deste estudo: jovem, alimentação adequada, exposição solar mínima de duas horas diárias e alto rendimento atlético, isto é, essas variáveis é quem deveriam ditar o valor de suficiência de 25(OH)D.

Por essa linha de raciocínio, num país de condições climáticas tropicais e subtropicais como o Brasil, não se deveria incluir a dosagem de 25(OH)D no perfil bioquímico de um atleta com características semelhantes aos dos avaliados neste estudo. Com isso se diminuiria o gasto financeiro de qualquer clube, ou seja, eliminar-se-ia a repetição do exame para confirmação de um eventual valor baixo, não haveria suplementação de vitamina D e nem se repetiria a dosagem de 25(OH)D para assegurar que a suplementação foi eficaz.

No concernente às LM, a análise estatística não evidenciou diferença significativa entre as duas temporadas, apesar do número maior de lesões verificadas em 2016 (ano sem suplementação). A recorrência de lesões em alguns atletas poderia justificar o achado de não associação entre níveis de 25(OH)D e lesão muscular. As lesões em alguns atletas podem ser atribuídas a vários fatores, tais como sobrecarga muscular, micro lesões musculares repetitivas, alta precoce do DM e stress relacionado às competições.

Diferentemente dos achados deste estudo, vários autores referem que atletas com deficiência de vitamina D podem ser considerados uma população de risco aumentado para LM, diminuição de força muscular e menor desempenho atlético.2222 Fishman MP, Lombardo SJ, Kharrazi FD. Vitamin D deficiency among professional basketball players. Orthop J Sports Med. 2016;4(7). Rebolledo et al.,2323 Rebolledo BJ, Bernard JA, Werner BC, Finlay AK, Nwachukwu BU, et al. The association of vitamin D status in lower extremity muscle strains and core muscle injuries at the National Football League Combine. Arthroscopy. 2017.p.1-6. relataram associação entre baixos níveis de vitamina D e risco aumentado de LM, sugerindo que a suplementação de vitamina D deva ser considerada para prevenir/diminuir o risco de lesões.

Nas duas temporadas observou-se que jogadores das posições de meio de campo e atacante foram os que mais se lesionaram e que as lesões grau I foram as mais preponderantes.2424 Astur DC, Novarettir JV, Uehbe RK, Arliani GG, Moraes ER, Pochini AC, Ejnisman B, Cohen M. Lesão muscular: perspectivas e tendências atuais no Brasil. Rev Bras Ortop. 2014;49(6):537-80., 2525 Goulart LF, Dias RMR, Altimari LR. Variação do equilíbrio muscular durante uma temporada em jogadores de futebol categoria sub-20. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(1):17-21. Houve maior incidência de lesão no membro dominante no ano de 2015 enquanto que em 2016 a frequência de lesões entre membro dominante e não dominante não foi diferente.

Uma limitação do presente trabalho é o número de atletas analisados, em consequência do recorrente processo de admissão e rescisão contratual ao longo da pesquisa.

CONCLUSÃO

Atletas de futebol profissional da série A da CBF, radicados em área tropical ou subtropical não parecem se beneficiar de suplementação de vitamina D visando prevenção de lesões musculares.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2019
  • Aceito
    26 Jul 2021
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