Acessibilidade / Reportar erro

RESPOSTAS DO SONO ÀS CARGAS DE TREINAMENTO E RECUPERAÇÃO EM JOVENS NADADORES DURANTE O POLIMENTO

RESUMO

Introdução:

A etapa de polimento é uma fase decisiva no planejamento da preparação de um jovem nadador para a competição. Durante esse período, não somente as cargas de treinamento, mas também a recuperação, que inclui a qualidade do sono, devem ser constantemente monitoradas.

Objetivos:

Este estudo objetiva investigar o comportamento do sono como variável diretamente influenciada pela carga de treinamento durante a fase de polimento do treinamento de jovens nadadores.

Métodos:

O exame de polissonografia foi realizado no início da fase de polimento, como base para as variáveis do sono. Em cada sessão diária de treinamento foram medidas as variáveis de sobrecarga e de recuperação. A carga interna de treinamento foi avaliada pela sessão de PSE e a carga externa, pela quantificação do treinamento. As variáveis de recuperação foram divididas em variável de recuperação, com o questionário QTR e variáveis de sono, que incluíram sonolência pela escala de Karolinska e comportamento do sono com actígrafo e diário de sono.

Conclusões:

Conclui-se que não há influência significativa entre as cargas de treinamento e as variáveis do sono. Entretanto, foi observada forte associação entre TTS e CE no grupo sono irregular. Nível de evidência III; Estudo de comportamento.

Descritores:
Atletas; Actigrafia; Adolescentes; Desempenho esportivo

ABSTRACT

Introduction:

Tapering is a decisive phase in planning a young swimmer's preparation for competition. During this period, not only training loads, but also recovery, which includes sleep quality, must be constantly monitored.

Objective:

This study aims to investigate sleep behavior as a variable directly influenced by training load during the tapering phase of training for young swimmers.

Methods:

A polysomnography test was performed at the beginning of the tapering phase, as a baseline for sleep variables. In each daily training session, the overload and recovery variables were measured. The internal training load was evaluated in the PSE session and the external load by quantifying the training. The recovery variables were divided into the recovery variable, assessed using the TQR questionnaire, and sleep variables, which included sleepiness, scored using the Karolinska scale, and sleep behavior, using an actigraph and a sleep diary.

Conclusion:

It is concluded that there is no significant influence between training loads and sleep variables. However, a strong association was observed between TST and EL (External load), in the irregular sleep group. Level of evidence III, Study of behavior.

Keywords:
Athletes; Actigraphy; Adolescents; Athletic performance

RESUMEN

Introducción:

El tapering es una fase decisiva en la planificación de la preparación de un joven nadador para la competición. Durante este período, deben monitorearse constantemente no sólo las cargas de entrenamiento, sino también la recuperación, que incluye la calidad del sueño.

Objetivo:

Este estudio tiene como objetivo investigar el comportamiento del sueño como variable directamente influenciada por la carga de entrenamiento durante la fase de tapering del entrenamiento de jóvenes nadadores.

Métodos:

Se realizó una polisomnografía al inicio de la fase de tapering como base de las variables del sueño. En cada sesión diaria de entrenamiento se midieron las variables de sobrecarga y recuperación. La carga interna de entrenamiento fue evaluada por la sesión de PSE y la carga externa mediante cuantificación del entrenamiento. Las variables de recuperación se dividieron variables de recuperación, con el cuestionario QTR y variables de sueño, que incluían somnolencia mediante la escala de Karolinska y comportamiento del sueño con un actígrafo y diario de sueño.

Conclusiones:

Se concluyó que no existe una influencia significativa entre las cargas de entrenamiento y las variables del sueño. Sin embargo, se observó una fuerte asociación entre TTS y el CE, en el grupo de sueño irregular. Nivel de evidencia III, Estudio de comportamiento.

Descriptores:
Atletas; Actigrafía; Adolescentes; Rendimiento deportivo

INTRODUÇÃO

O treinamento esportivo propõem adaptações decorrentes do nível de estresse que o organismo impõem, determinadas pela qualidade, quantidade e organização de variáveis envolvidas, como volume e intensidade, além de considerar as características individuais das respostas às cargas de treinamento.11 Impellizzeri FM, Marcora SM, Castagna C, Reilly T, Sassi A, Iaia FM, et al. Physiological and performance effects of generic versus specific aerobic training in soccer players. Int J Sports Med. 2006;27(06):483-92.

O monitoramento das cargas de treinamento baseia-se na manipulação de estímulos através da carga externa, no qual os treinadores estipulam parâmentros de volume e intensidade, que são moduladas pela duração total do treinamento, duração dos intervalos de estímulo e recuperação na sessão, como também, números de séries, repetições e pesos.22 Moreira A, Nakamura FY, Cavazzoni PB, Gomes JH, Martignago P. O efeito da intensificação do treinamento na percepção de esforço da sessão e nas fontes e sintomas de estresse em jogadores jovens de basquetebol. J Phys Educ. 2010;21(2):287-96. A intensidade da carga planejada pelo treinador e a intensidade percebida pelos atletas (carga interna) é objeto de estudo de vários pesquisadores. Monitorar as cargas de treinamento é sumamente importante, visto que os estímulos incompatíveis com a capacidade físca do atleta podem desencadear em adaptações negativas e/ou nulas.33 Wallace LK, Slattery KM, Coutts AJ. The ecological validity and application of the session-RPE method for quantifying training loads in swimming. J Strength Cond Res. 2009;23(1):33-8.

Independentemente do tipo de periodização escolhida pela comissão técnica, na natação os estímulos são planejados e distribuídos em macrociclos geralmente anuais e a etapa de polimento é feita duas a três semana antes da competição alvo.44 Smith DJ. A framework for understanding the training process leading to elite performance. Sports Med. 2003;33(15):1103-26.

5 Issurin VB. New horizons for the methodology and physiology of training periodization. Sports Med. 2010;40(3):189-206.
- 66 Fortes LS, Ferreira MEC, de Oliveira SFM, Vieira LF. Efeito de um período de polimento sobre o estado de humor de nadadores. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2017;31(3):535-42. Nessa fase, além da maximização das capacidades físicas, a recuperação das ações motoras, táticas, psíquicas e emocionais (controle do estresse, ansiedade e motivação), devem ser cuidadosamente monitoradas, com a ciência que um sono reparador também faz parte dessa estratégia de recuperação.55 Issurin VB. New horizons for the methodology and physiology of training periodization. Sports Med. 2010;40(3):189-206.

A recuperação psicofisiológica é um elemento imprescindível na preparação física de atletas, visto que sessões de recuperação devem ser contempladas no planejamento e periodização durante a temporada.77 Fabiani MT. Psicologia do Esporte: a ansiedade e o estresse pré-competitivo. In: Congresso Nacional de Educação: EDUCERE. 2009. p. 12337-45. Halson88 Halson SL. Nutrition, sleep and recovery. Eur J Sport Sci. 2008;8(2):119-26. constatou que o sono é a estratégia mais eficaz de recuperação de atletas em competição. Alterações biológicas afetam o padrão do sono na fase da puberdade, observando-se diminuição no tempo total de sono (TTS), o que acentua características de vespertinidade em adolescentes.99 Seixas MP. Avaliação da qualidade do sono na adolescência: Implicações para a saúde física e mental [dissertação]. Porto: Universidade Fernando Pessoa; 2009.

As alterações no sono no período da adolescência são comuns e se devem ao processo de amadurecimento do sistema nervoso, promovidas pela ritmicidade biológica, levando a uma temporização no sistema nervoso central, especificamente no padrão circadiano do ciclo vigília/sono.1010 Rosinha MU. Influências da produção hormonal na determinação do padrão de sono normal do adolescente. In: Reimão R. Avanços em Sono e seus Distúrbios. São Paulo: Associação Paulista de Medicina; 2005. p. 39-40.

11 Van Cauter E, Knutson K, Leproult R, Spiegel K. The impact of sleep deprivation on hormones and metabolism. Medscape Neurol Neurosurg. 2005;7(1).
- 1212 Wakayama T, Yanagimachi R. Mouse cloning with nucleus donor cells of different age and type. Mol Reprod Dev. 2001;58(4):376-83. Nessa fase, a insônia ou Síndrome do Atraso da Fase do Sono1313 Braconnier A, Marcelli D. Adolescência e psicopatologia. Lisboa: Climepsi Editores; 2005. é o distúrbio mais encontrado entre adolescentes, que corresponde à diminuição do tempo de total de sono para uma média menor que 7 horas por noite, quando o indicado para essa faixa etária é de 9 a 9,5 horas de sono por noite.1414 Nunes ML. Distúrbios do sono. J Pediatr. 2002;78(1/S63):63-72. , 1515 Kliegman R, Joseph SG. Nelson textbook of pediatrics. Philadelphia: Elsevier Co; 2011. Quando um adolescente é atleta e seu volume de treinamento diário é elevado esta média diária de sono pode ser ainda menor, refletindo na performance do atleta no dia seguinte.1616 Nogueira FCDA, Nogueira RA, Miloski B, Cordeiro AHDO, Werneck FZ, Bara Filho M. Influência das cargas de treinamento sobre o rendimento e os níveis de recuperação em nadadores. Rev Educ Fís UEM. 2015;26(2):267-78. , 1717 Sargent C, Lastella M, Halson SL, Roach GD. The validity of activity monitors for measuring sleep in elite athletes. J Sci Med Sport. 2016;19(10):848-53. Assim, o objetivo do presente estudo foi analisar os efeitos e relações entre as cargas de treinamento e o comportamento do sono em jovens nadadores durante a fase de polimento.

MATERIAIS E MÉTODOS

Estudo de corte transversal e abordagem quantitativa. A amostra foi composta de 15 atletas de natação (masculino n=5 e feminino n=10), idade de 13,4±0,51 anos, massa 54,2±7,8 kg, estatura 163,2±7,5 cm e IMC 20,2±2,0%, representantes de dois clubes da cidade de Recife, filiados à Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos – CBDA. A amostra foi selecionada por conveniência e adesão, os participantes deveriam ter no mínimo um ano de treinamento na natação e carga mínima de 12h de treinamento semanal. Os participantes e seus responsáveis foram informados dos riscos e procedimentos da pesquisa, assinando seus respectivos termos de aceites, com estudo aprovado no Comitê de Ética, n° 3.366.677/2019.

Os dados foram coletados ao longo das três semanas (21 dias) antes da competição alvo, na fase de polimento do macrociclo. Dados antropométricos (massa corporal, estatura, IMC, estatura tronco-cefálica e envergadura), a maturação biológica,1818 Mirwald RL, Baxter-Jones AD, Bailey DA, Beunen GP. An assessment of maturity from anthropometric measurements. Med Sci Sports Exerc. 2002;34(4):689-94. assim como os dados da polissonografia foram coletados no primeiro dia da fase de polimento.

O comportamento do sono foi avaliado através da polissonografia, realizada na primeira semana, actígrafo e diário do sono, realizados ao longo de todo o polimento. A polissonografia foi realizada na residência do atleta, entre 21h e 7h, servindo como baseline deste estudo, fornecendo informações acerca da eficîência do sono (ES), tempo total do sono (TTS), latência do sono (LS) e o número de despertares após início sono (ND). Após a análise da ES, os atletas foram classificados em sono normal (ES>85%), conforme guidelines American Academy of Sleep Medicine (AASM);1919 Berry RB, Brooks R, Gamaldo CE, Harding SM, Lloyd RM, Marcus CL, et al. The American Academy of Sleep Medicine Manual for the Scoring of Sleep and Associated Events: Rules, Terminology, and Technical Specifications, Version 2. Drien, Illinois: American Academy of Sleep Medicine; 2012. sono regular (ES>85%) e sono irregular (ES<85%). As mesmas variáveis foram avaliadas ao longo das três semanas do polimento através do actígrafo e do diário do sono. Os dados sobre o ciclo virgília-sono foram coletados através do actígrafo (ActiGraph GT3X), colocado no punho não-dominante de cada atleta,1717 Sargent C, Lastella M, Halson SL, Roach GD. The validity of activity monitors for measuring sleep in elite athletes. J Sci Med Sport. 2016;19(10):848-53. com dados analisados pelo software Actilife. O diário do sono foi aplicado ao despertar do atleta, complementando as análises do actigrafo.2020 Lastella M, Roach GD, Halson SL, Sargent C. Sleep/wake behaviours of elite athletes from individual and team sports. Eur J Sport Sci. 2014;15(2):94-100.

As cargas de treinamento foram registradas ao longo das três semanas de polimento. A carga externa foi fornecida diariamente pelo técnico, levando em consideração o volume da sessão em metros e a intensidade, através da velocidade e o volume nadado em cada zona de treinamento, método proposto por Maglischo et al.,2121 Maglischo EW, Nascimento FG. Nadando ainda mais rápido. São Paulo: Manole; 1999. adaptada nesse estudo por Nogueira.1616 Nogueira FCDA, Nogueira RA, Miloski B, Cordeiro AHDO, Werneck FZ, Bara Filho M. Influência das cargas de treinamento sobre o rendimento e os níveis de recuperação em nadadores. Rev Educ Fís UEM. 2015;26(2):267-78. A percepção subjetiva do esforço (PSE) monitorou a carga interna através da PSE-sessão.22 Moreira A, Nakamura FY, Cavazzoni PB, Gomes JH, Martignago P. O efeito da intensificação do treinamento na percepção de esforço da sessão e nas fontes e sintomas de estresse em jogadores jovens de basquetebol. J Phys Educ. 2010;21(2):287-96. , 33 Wallace LK, Slattery KM, Coutts AJ. The ecological validity and application of the session-RPE method for quantifying training loads in swimming. J Strength Cond Res. 2009;23(1):33-8. , 2222 Foster C, Daines E, Hector L, Snyder AC, Welsh R. Athletic performance in relation to training load. Wis Med J. 1996;95(6):370-74. O cálculo foi composto do produto entre a intensidade do treinamento, obtida através da PSE sessão e o tempo total da sessão em minutos, apresentando o valor em unidades arbitrárias (U.A).55 Issurin VB. New horizons for the methodology and physiology of training periodization. Sports Med. 2010;40(3):189-206. , 2121 Maglischo EW, Nascimento FG. Nadando ainda mais rápido. São Paulo: Manole; 1999.

A sonolência foi verificada através da Escala de Karolinska, aplicada junto com a PSE-sessão, composta de 9 pontos, iniciando com o valor 1 (“Muito alerta”) e finalizando com o valor 9 (“Muito sonolento, brigando com o sono, muito esforço para ficar acordado”).2323 Åkerstedt T, Gillberg M. Subjective and objective sleepiness in the active individual. Int J Neurosci. 1990;52(1-2):29-37.

A avaliação da recuperação foi realizada através da escala de qualidade total de recuperação (TQR), proposta por Kenttä et al.,2424 Kenttä G, Hassmén P. Overtraining and recovery. Sports Med. 1998;26(1):1-16. respondido 30 minutos antes e 30 minutos ao término da sessão de treinamento, com escala entre seis a 20, onde o menor valor representa o pior estado de recuperação e o maior o melhor estado de recuperação.2424 Kenttä G, Hassmén P. Overtraining and recovery. Sports Med. 1998;26(1):1-16. , 2525 Suzuki S, Sato T, Maeda A, Takahashi Y. Program design based on a mathematical model using rating of perceived exertion for an elite Japanese sprinter: a case study. J Strength Cond Res. 2006;20(1):36.

Tratamento dos dados

Os dados foram apresentados através de estatística descritiva (média e DP), utilizando-se testes paramétricos em todo estudo. Os dados da qualidade do sono e os indicadores de sonolência e recuperação foram tratados através da análise multivariada de covariância (MANCOVA). Para as variáveis de comportamento do sono obtida pelo actígrafo e cargas de treinamento foi utilizada a ANOVA two-way de medidas repetidas (qualidade do sono x semanas de treinamento), com correção de Geisser-Greenhouse's épsilon. Os dados foram analisados por meio dos softwares SPSS, versão 20.0 (IBM, EUA) e Prisma versão 8.0 (Graphpad, EUA), considerando nível de significância de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

Conforme a escala TQR, na primeira semana de treinamento do período de polimento (6 sessões), os atletas estavam “razoavelmente recuperados” (pré sessão 14,7±0,5 e pós sessão 13,8±0,6); na segunda semana (6 sessões) estavam “bem recuperados” no pré treino (15,0±0,5) e “razoavelmente recuperados” no pós treino (13,8±0,3); na última semana da fase de polimento estavam “bem recuperados” no pré treino (15,0±0,2) e “razoavelmente recuperados” (13,8±0,4). Em nenhum momento da fase de polimento os atletas apresentaram sonolência diurna (3,3 ± 0,2 e 3,7 ± 0,2 para o pré e 3,8±0,2 e 4,1±0,2 pós) indicando nível de “alerta” e “nem alerta, nem sonolento”, respectivamente, como demonstra a Tabela 1 .

Tabela 1
Valores médios e desvio padrão, mínimo e máximo da amostra do estudo, referente ao sono, cargas de treinamento, recuperação e sonolência (n=15).

Na Figura 1 são apresentados os valores médios e de dispersão das variáveis do sono e da carga interna. Por meio da MANCOVA pôde-se verificar que não foram observadas diferenças significativas na recuperação pré (Z(4, 48)=0.480; p=0,750) e pós (Z(4, 48)=0.713; p=0,587); da mesma forma, na sonolência pré (Z(4, 48)=0.477; p=0,753) e pós (Z(4, 48)=1.070; p=0,382), entre as três semanas do período de polimento, demonstrando, para a amostra analisada, que não houve interação entre tais indicadores e o estágio maturacional em conjunto com a qualidade do sono.

Figura 1
Comparação dos valores médios das variáveis do sono e carga interna de treinamento, considerando os dois grupos.

De maneira complementar a ANOVA two-way de medidas repetidas não identificou interações entre a qualidade do sono e as semanas do polimento, para a carga interna (F(2, 11)=2.905; p=0,0971), o TTS(F(2, 39)=0.5735; p=0.5682), LS (F(2, 39)=0.5345; p=0,5902), ES (F(1.249, 6.867)=0.1526; p=0,7618) e ND (F(2, 11)=1.107; p=0,3648). Verificando os grupos isoladamente, percebeu-se que a carga interna variou de maneira significativa da primeira semana, para as semanas (2 e 3), seguintes (semana 1=2623 U.A. versus semana 2=488,3 U.A. e semana 3=487,5 U.A.) para o grupo de sono regular, e também para o grupo de sono irregular (semana 1=2035 U.A. versus semana 2=614 U.A. e semana 3=618,4 U.A.; TE=1,01; “grande”). De forma similar, o TTS (semana 1=8,386 horas versus semana 2=6,499 horas; TE=1,54; “grande”).

A Tabela 2 apresenta os coeficientes de correlação (Pearson e parcial) e seus respectivos valores de probabilidade (valor de p) entre os indicadores de sono e a carga interna de treinamento. Observou-se que apenas o TTS apresentou correlações significativas (inversas) com a carga interna de treinamento, mesmo após controle pela qualidade de sono.

Tabela 2
Coeficientes de correlação entre indicadores de sono e as cargas de treinamento (n=15).

De forma complementar, a Tabela 3 apresenta os coeficientes de correlação e seus respectivos valores de probabilidade (valor de p) entre os indicadores de sono e a carga interna de treinamento, considerando grupos distintos de acordo com a qualidade do sono.

Tabela 3
Coeficientes de correlação entre indicadores de sono e as cargas de treinamento, considerando grupos distintos (sono regular n=8 e sono irregular n=7).

A Figura 2 apresenta os coeficientes de correlação e regressão e seus respectivos indicadores, considerando apenas o TTS como variável dependente. Observa-se que são verificadas contribuições significativas (na ordem de 59%) da carga externa no TTS dos atletas, considerando o grupo caracterizado como sono irregular. Para efeito da analise estatística foram analisados 15 dias de registro actígrafo.

Figura 2
Análise de regressão entre a carga externa de treinamento e o TTS entre os grupos de atletas.

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo analisar os efeitos e relações entre as cargas de treinamento e o comportamento do sono em jovens nadadores, durante o período de polimento. A amostra foi divida em dois grupos: sono regular e sono irregular. Os resultados demostraram, a partir do exame da polissonografia (baseline), que o grupo de sono regular reportou uma média para o TTS de 6,2±1,8 horas, enquanto que o grupo irregular 5,6±1,3 representando que esses jovens atletas dormem menos de 6,5 horas/noite. Lastella et al.2020 Lastella M, Roach GD, Halson SL, Sargent C. Sleep/wake behaviours of elite athletes from individual and team sports. Eur J Sport Sci. 2014;15(2):94-100. demonstraram que, para uma população de atletas de elite, o TTS variou de 6,5 a 8,5 horas/noite, o que permite estabelecer valores de normalidade. Corroborando com o estudo de Taylor et al.,2626 Taylor SR, Rogers GG, Driver HS. Effects of training volume on sleep, psychological, and selected physiological profiles of elite female swimmers. Med Sci Sports Exerc. 1997;29(5):688-93. que mostrou ocorrer uma diminuição no TTS na fase de polimento, gerando aumento na sensação de vigor nos atletas. Estudos recentes revelaram que 64% dos atletas de alto rendimento reportaram sono perturbado na noite que antecedeu a competição.2727 Walsh JA, Sanders D, Hamilton DL, Walshe I. Sleep Profiles of Elite Swimmers During Different Training Phases. J Strength Cond Res. 2019;33(3):811-8. , 2828 Dumortier J, Mariman A, Boone J, Delesie L, Tobback E, Vogelaers D, et al. Sleep, training load and performance in elite female gymnasts. Eur J Sport Sci. 2018;18(2):151-61.

Para Taylor et al.,2626 Taylor SR, Rogers GG, Driver HS. Effects of training volume on sleep, psychological, and selected physiological profiles of elite female swimmers. Med Sci Sports Exerc. 1997;29(5):688-93. os distúrbios do sono em atletas são citados como efeito colateral do treinamento. Entretanto, a natureza exata desses distúrbios podem variar para cada atleta. Assim, as interrupções durante o sono podem alterar a arquitetura do sono, afetando os níveis de alerta e recuperação, além da performance.

O uso do actígrafo ao longo de três semanas, mostrou que o grupo de sono irregular apresentou para o TTS uma média de 7,5 h/noite, enquanto o grupo sono regular apresentou decréscimos médios de 8,3; 7,9 e 6,4 h/semana; entretanto, essas diferenças não apresentaram significância quando comparadas com os estudos de Conde2929 Conde JMDS. Qualidade e Perturbações do Sono em Jovens Nadadores [tese]. 2014. Coimba: Universidade de Coimbra; 2015. e Lastella et al.,2020 Lastella M, Roach GD, Halson SL, Sargent C. Sleep/wake behaviours of elite athletes from individual and team sports. Eur J Sport Sci. 2014;15(2):94-100. que demonstraram TTS média de 6,5 e 6,4h/noite, respectivamente, caracterizando este estudo na faixa normativa.

Os resultados mostram que a LS teve aumento gradual da segunda para terceira semana para os atletas do grupo sono regular, enquanto no grupo sono irregular esse aumento ocorreu da primeira para segunda semana, coincidentemente, o aumento das cargas de treinamento (volume) para o grupo sono regular se deu nesse mesmo momento, enquanto que o grupo sono irregular a PSE sessão (intensidade subjetiva) aumentou no período da primeira para segunda semana.

Em relação a ES, observou-se valores médios abaixo, que a literatura científica sugere, tanto para o grupo sono regular quanto para o irregular. Quanto maior forem esses níveis, melhor o suporte ao incremento de sobrecarga de treinamento e consequentemente a recuperação. Outros estudos mostraram valores para ES maiores para a mesma fase (polimento).2828 Dumortier J, Mariman A, Boone J, Delesie L, Tobback E, Vogelaers D, et al. Sleep, training load and performance in elite female gymnasts. Eur J Sport Sci. 2018;18(2):151-61. , 2929 Conde JMDS. Qualidade e Perturbações do Sono em Jovens Nadadores [tese]. 2014. Coimba: Universidade de Coimbra; 2015. Quanto ao ND, não sofreram variação no período de polimento das três semanas para os dois grupos, apresentando leve diminuição com a proximidade da competição.

Através da análise do efeito da carga interna de treinamento na qualidade do sono, constatou-se que não houve diferença significativa para os dois grupos estudados e, de acordo com a PSE sessão, às sessões foram classificadas, em media, como “moderado” a “um pouco pesado” para os dois grupos, classificações consideradas baixas em relação a intensidade prescrita pelo técnico. Nogueira et al.1616 Nogueira FCDA, Nogueira RA, Miloski B, Cordeiro AHDO, Werneck FZ, Bara Filho M. Influência das cargas de treinamento sobre o rendimento e os níveis de recuperação em nadadores. Rev Educ Fís UEM. 2015;26(2):267-78. observaram que a distribuição das cargas de treinamento aplicadas em nadadores, não atingiu seu desempenho máximo, devido a excessiva diminuição das cargas tanto interna (PSE) quanto externa (volume e intensidade), fato confirmado através da queda de rendimento dos atletas na competição.

Quando analisada a associação dos parâmetros do sono, o TTS apresentou influência negativa com a carga de treinamento externa, no grupo de sono irregular, o qual apresentou, em sua média atletas no extrato maturacional pós-púbere, apresentando R2=0,591, o que significa dizer que aproximadamente 60% da variação no TTS foi explicada pela carga de treinamento, que compreende mais da metade da amostra.

Dessa forma, supõe-se que o treinamento aplicado não promoveu melhoras significativas no nível de performance dos atletas, além de alterar padrões do sono, visto que a distribuição das cargas, não foi feita de forma equitativa para que atingissem a melhor performance na competição alvo. Os resultados também mostraram que os valores de recuperação obtidos através do TQR, apresentam no pré-treino “bem recuperado” e no pós-treino uma média para o descritor de “razoavelmente bem recuperado”. Em jovens atletas de natação podemos afirmar que as respostas metabólicas são mais rápidas em relação a adultos saudáveis. Conde2929 Conde JMDS. Qualidade e Perturbações do Sono em Jovens Nadadores [tese]. 2014. Coimba: Universidade de Coimbra; 2015. constatou que jovens nadadores apresentaram expressivos e rápidos níveis de recuperação física, vigor e estado de humor em comparação a jovens sedentários, e quanto mais jovens, mais bem recuperados físico e cognitivamente se apresentam.

Na análise da sonolência diurna, não foram observadas diferenças significativas entre os dois momentos: pré e pós treino, indicando níveis médios de “alerta” no pré treino e “nem alerta, nem sonolento’ no pós treino. Mujika et al.3030 Mujika I. Intense training: the key to optimal performance before and during the taper. Scand J Med Sci Sports. 2010;20:24-31. destacam que atletas as vésperas de competições podem apresentar níveis elevados de ansiedade, comportamento elevado de alerta, fatores psicológicos como estresse e ansiedade, que não foram controlados ou analisados neste estudo.

Entretanto, deve-se considerar infrequente que nadadores competitivos submeterem-se a longos períodos de pesquisa, levando-nos a presumir que comportamentos de ansiedade e estresse podem desencadear esses descritores de alerta, variáveis necessárias para futuras investigações.

O estudo constatou boa aplicabilidade, praticidade e facilidade na adequação dos métodos de monitoramento e controle da carga de treinamento utilizado, permitindo seu uso por parte da comissão técnica, bem como, para se observar os níveis de recuperação e sonolência, indicadores das alterações no comportamento do sono.

Apesar dos resultados expostos, o presente estudo apresenta limitações, incluindo o reduzido tamanho amostral, a ampliação da faixa etária e um período maior de observação da periodização. Além disso, uma avaliação psicológica preliminar à competição também poderia explicar alguns resultados, que conseguiria direcionar de forma mais efetiva os presentes achados.

CONCLUSÃO

Conclui-se que não há influência significativa entre as cargas de treinamento e os indicadores de qualidade do sono durante o período de polimento em jovens atletas de natação. Porém, as análises de correlação revelaram associação forte entre TTS e carga externa, no grupo sono irregular. A recuperação mostrou valores de boa recuperação nos atletas durante as três semanas, sem alterações significativas. Da mesma forma, a sonolência diurna não reportou diferenças significativas para as semanas. A aplicabilidade dos instrumentos usados foi eficaz no monitoramento das cargas e recuperação, de forma que os atletas expressem a melhor performance esportiva, não comprometendo a qualidade do sono.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ao Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício (CEPE), à Universidade de Pernambuco (UPE), à Interne – Home Care Ltda., CNPq, CAPES, à Associação Atlética Banco do Brasil (AABB Recife), ao Clube Português do Recife por apoiar a realização dessa pesquisa.

Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito. Os resultados do presente estudo não constituem endosso pelo Colégio Americano de Medicina do Esporte. Os resultados do estudo são apresentados de forma clara, honesta e sem fabricação, falsificação ou manipulação inadequada dos dados.

REFERENCES

  • 1
    Impellizzeri FM, Marcora SM, Castagna C, Reilly T, Sassi A, Iaia FM, et al. Physiological and performance effects of generic versus specific aerobic training in soccer players. Int J Sports Med. 2006;27(06):483-92.
  • 2
    Moreira A, Nakamura FY, Cavazzoni PB, Gomes JH, Martignago P. O efeito da intensificação do treinamento na percepção de esforço da sessão e nas fontes e sintomas de estresse em jogadores jovens de basquetebol. J Phys Educ. 2010;21(2):287-96.
  • 3
    Wallace LK, Slattery KM, Coutts AJ. The ecological validity and application of the session-RPE method for quantifying training loads in swimming. J Strength Cond Res. 2009;23(1):33-8.
  • 4
    Smith DJ. A framework for understanding the training process leading to elite performance. Sports Med. 2003;33(15):1103-26.
  • 5
    Issurin VB. New horizons for the methodology and physiology of training periodization. Sports Med. 2010;40(3):189-206.
  • 6
    Fortes LS, Ferreira MEC, de Oliveira SFM, Vieira LF. Efeito de um período de polimento sobre o estado de humor de nadadores. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2017;31(3):535-42.
  • 7
    Fabiani MT. Psicologia do Esporte: a ansiedade e o estresse pré-competitivo. In: Congresso Nacional de Educação: EDUCERE. 2009. p. 12337-45.
  • 8
    Halson SL. Nutrition, sleep and recovery. Eur J Sport Sci. 2008;8(2):119-26.
  • 9
    Seixas MP. Avaliação da qualidade do sono na adolescência: Implicações para a saúde física e mental [dissertação]. Porto: Universidade Fernando Pessoa; 2009.
  • 10
    Rosinha MU. Influências da produção hormonal na determinação do padrão de sono normal do adolescente. In: Reimão R. Avanços em Sono e seus Distúrbios. São Paulo: Associação Paulista de Medicina; 2005. p. 39-40.
  • 11
    Van Cauter E, Knutson K, Leproult R, Spiegel K. The impact of sleep deprivation on hormones and metabolism. Medscape Neurol Neurosurg. 2005;7(1).
  • 12
    Wakayama T, Yanagimachi R. Mouse cloning with nucleus donor cells of different age and type. Mol Reprod Dev. 2001;58(4):376-83.
  • 13
    Braconnier A, Marcelli D. Adolescência e psicopatologia. Lisboa: Climepsi Editores; 2005.
  • 14
    Nunes ML. Distúrbios do sono. J Pediatr. 2002;78(1/S63):63-72.
  • 15
    Kliegman R, Joseph SG. Nelson textbook of pediatrics. Philadelphia: Elsevier Co; 2011.
  • 16
    Nogueira FCDA, Nogueira RA, Miloski B, Cordeiro AHDO, Werneck FZ, Bara Filho M. Influência das cargas de treinamento sobre o rendimento e os níveis de recuperação em nadadores. Rev Educ Fís UEM. 2015;26(2):267-78.
  • 17
    Sargent C, Lastella M, Halson SL, Roach GD. The validity of activity monitors for measuring sleep in elite athletes. J Sci Med Sport. 2016;19(10):848-53.
  • 18
    Mirwald RL, Baxter-Jones AD, Bailey DA, Beunen GP. An assessment of maturity from anthropometric measurements. Med Sci Sports Exerc. 2002;34(4):689-94.
  • 19
    Berry RB, Brooks R, Gamaldo CE, Harding SM, Lloyd RM, Marcus CL, et al. The American Academy of Sleep Medicine Manual for the Scoring of Sleep and Associated Events: Rules, Terminology, and Technical Specifications, Version 2. Drien, Illinois: American Academy of Sleep Medicine; 2012.
  • 20
    Lastella M, Roach GD, Halson SL, Sargent C. Sleep/wake behaviours of elite athletes from individual and team sports. Eur J Sport Sci. 2014;15(2):94-100.
  • 21
    Maglischo EW, Nascimento FG. Nadando ainda mais rápido. São Paulo: Manole; 1999.
  • 22
    Foster C, Daines E, Hector L, Snyder AC, Welsh R. Athletic performance in relation to training load. Wis Med J. 1996;95(6):370-74.
  • 23
    Åkerstedt T, Gillberg M. Subjective and objective sleepiness in the active individual. Int J Neurosci. 1990;52(1-2):29-37.
  • 24
    Kenttä G, Hassmén P. Overtraining and recovery. Sports Med. 1998;26(1):1-16.
  • 25
    Suzuki S, Sato T, Maeda A, Takahashi Y. Program design based on a mathematical model using rating of perceived exertion for an elite Japanese sprinter: a case study. J Strength Cond Res. 2006;20(1):36.
  • 26
    Taylor SR, Rogers GG, Driver HS. Effects of training volume on sleep, psychological, and selected physiological profiles of elite female swimmers. Med Sci Sports Exerc. 1997;29(5):688-93.
  • 27
    Walsh JA, Sanders D, Hamilton DL, Walshe I. Sleep Profiles of Elite Swimmers During Different Training Phases. J Strength Cond Res. 2019;33(3):811-8.
  • 28
    Dumortier J, Mariman A, Boone J, Delesie L, Tobback E, Vogelaers D, et al. Sleep, training load and performance in elite female gymnasts. Eur J Sport Sci. 2018;18(2):151-61.
  • 29
    Conde JMDS. Qualidade e Perturbações do Sono em Jovens Nadadores [tese]. 2014. Coimba: Universidade de Coimbra; 2015.
  • 30
    Mujika I. Intense training: the key to optimal performance before and during the taper. Scand J Med Sci Sports. 2010;20:24-31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2020
  • Aceito
    20 Dez 2021
Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, 6º and., 01318-901 São Paulo SP, Tel.: +55 11 3106-7544, Fax: +55 11 3106-8611 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: atharbme@uol.com.br