Acessibilidade / Reportar erro

CORRELAÇÃO ENTRE TESTES FUNCIONAIS E AVALIAÇÃO ISOCINÉTICA DO JOELHO EM ATLETAS CORREDORES DE RUA

RESUMO

Introdução:

A avaliação de alterações biomecânicas relacionadas aos membros inferiores é necessária na prática clínica para mensurar os riscos potenciais de alguma lesão e as influencias sobre uma disfunção existente. As alterações biomecânicas relacionadas a lesões prévias de tornozelo são conhecidas pela influência na performance de todo o membro inferior.

Objetivo:

Correlacionar testes de força muscular, testes de performance e estabilidade do tornozelo com o teste de salto simples (Single Hop Test - SHT).

Métodos:

Foram avaliados 82 corredores amadores com testes isocinéticos de força muscular de quadríceps e isquiotibiais, além de testes Y Balance Test (YBT), Weight-bearing Lung Test (WBLT), e o SHT.

Resultados:

Os resultados demonstraram haver correlação significativa entre o SHT e o YBT nos indivíduos com relação Isquiotibiais/Quadríceps (relação I/Q) <0,55, e o comprimento do SHT unilateral com o pico de torque de extensores de joelho ipsilateral.

Conclusão:

O estudo foi bem sucedido em correlacionar os testes funcionais em questão com os resultados obtidos na dinamometria isocinética. Nível de Evidência V; Estudo Transversal.

Descritores:
Força Muscular; Equilíbrio Postural; Tornozelo; Fenômenos Biomecânicos; Lesões Musculoesqueléticas; Captura de Movimento Biomecânico

ABSTRACT

Introduction:

The assessment of biomechanical changes related to the lower limbs is necessary in clinical practice to measure the potential risks of injury and the influences on existing dysfunction. Biomechanical changes related to previous ankle injuries are known to influence the performance of the entire lower limb.

Objective:

The aim of this study was to correlate muscle strength tests, performance tests and ankle stability with the Single Hop Test (SHT).

Methods:

82 amateur runners were evaluated with isokinetic tests of quadriceps and hamstring muscle strength, as well as Y Balance Test (YBT), Weight-bearing Lung Test (WBLT), and the SHT.

Results:

The results showed there was a significant correlation between the SHT and the YBT in subjects with hamstring/quadriceps ratio (I/Q ratio) <0.55, and the length of the unilateral SHT with the peak torque of ipsilateral knee extensors.

Conclusion:

The study was successful in correlating the functional tests in question with the results obtained in isokinetic dynamometry. Level of Evidence V; Cross-Sectional Study.

Keywords:
Muscle Strength; Postural Balance; Ankle; Biomechanical Phenomena; Musculoskeletal Injuries; Movement Capture, Biomechanical

RESUMEN

Introducción:

La evaluación de los cambios biomecánicos relacionados con las extremidades inferiores es necesaria en la práctica clínica para medir los riesgos potenciales de lesión y las influencias sobre la disfunción existente. Se sabe que los cambios biomecánicos relacionados con lesiones previas de tobillo influyen en el rendimiento de toda la extremidad inferior.

Objetivo:

Correlacionar las pruebas de fuerza muscular, las pruebas de rendimiento y la estabilidad del tobillo con la prueba de salto simple (Single Hop Test, SHT).

Métodos:

Se evaluó a 82 corredores aficionados con pruebas isocinéticas de fuerza muscular de cuádriceps e isquiotibiales, además de pruebas como Y Balance Test (YBT), Weight-bearing Lung Test (WBLT) y la prueba SHT.

Resultados:

Los resultados mostraron que existía una correlación significativa entre el SHT y el YBT en sujetos con ratio isquiotibiales/cuádriceps (ratio I/Q) <0,55, y la longitud del SHT unilateral con el par máximo de los extensores de la rodilla ipsilateral.

Conclusión:

El estudio logró correlacionar las pruebas funcionales en cuestión con los resultados obtenidos en la dinamometría isocinética. Nivel de Evidencia V; Estudio Transversal.

Descriptores:
Fuerza Muscular; Equilibrio Postural; Tobillo; Fenómenos Biomecánicos; Lesiones Musculoesqueléticas; Captura de Movimiento Biomecánico

INTRODUÇÃO

As alterações biomecânicas do movimento são conhecidas por poderem predizer lesões musculoesqueléticas, especialmente em atletas, uma vez que nessas pessoas o aparelho locomotor é levado a situações de maior esforço e limites fisiológicos. Dentre os múltiplos fatores relacionados a alterações no padrão de movimento dos membros inferiores, a performance de tornozelo se encaixa entre um dos fatores modificáveis, pois pode ser facilmente avaliado e melhorado através de intervenções de treinamento.11 Malloy P, Morgan A, Meinerz C, Geiser C, Kipp K. The association of dorsiflexion flexibility on knee kinematics and kinetics during a drop vertical jump in healthy female athletes. Knee Surgery, Sport Traumatol Arthrosc. 2015;23(12):3550-5. A entorse é o tipo mais prevalente lesão no tornozelo e de maior incidência entre algumas modalidades esportivas.22 Fong DTP, Hong Y, Chan LK, Yung PSH, Chan KM. A systematic review on ankle injury and ankle sprain in sports. Sport Med. 2007;37(1):73-94. Quando negligenciadas ou mal reabilitadas, levam o indivíduo a déficits de força, proprioceptivos e neuromusculares,33 Someeh M, Norasteh AA, Daneshmandi H, Asadi A. Immediate effects of Mulligan's fibular repositioning taping on postural control in athletes with and without chronic ankle instability. Phys Ther Sport. 2015;16(2):135-9. resultando em 80% de chance de recorrência da entorse e 72% de progressão para instabilidade crônica.44 Lentell GL, Katzman LL, Walters MR. The relationship between muscle function and ankle stability. J Orthop Sports Phys Ther. 1990;11(12):605-11. Observa-se uma relação estatisticamente significativa entre as pontuações do Y-Balance Test (YBT) e a incidência de entorses.55 Manoel LS, Xixirry MG, Soeira TP, Saad MC, Riberto M. Identification of Ankle Injury Risk Factors in Professional Soccer Players Through a Preseason Functional Assessment. Orthop J Sport Med. 2020;8(6):1-9.,66 Gribble PA, Terada M, Beard MQ, Kosik KB, Lepley AS, McCann RS, et al. Prediction of Lateral Ankle Sprains in Football Players Based on Clinical Tests and Body Mass Index. Am J Sports Med. 2016;44(2):460-7.

Os testes funcionais são ferramentas clínicas amplamente utilizadas na avaliação da função dos membros inferiores, fornecendo dados qualitativos e quantitativos sobre propriocepção, força, amplitude de movimento e equilíbrio,77 Xixirry MG, Riberto M, Manoel LS. Analysis of y balance test and dorsiflexion lunge test in professional and amateur soccer players. Rev Bras Med Esporte. 2019;25(6):490-3. além do controle postural, estabilidade dinâmica e flexibilidade dos segmentos corporais.88 Filipa A, Byrnes R, Paterno MV, Myer GD, Hewett TE. Neuromuscular training improves performance on the star excursion balance test in young female athletes. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(9):551-8. Muitas das lesões de praticantes de atividade física, sobretudo corredores, têm etiologia possivelmente multifatorial associada à fatores biomecânicos99 Hulme A, Salmon PM, Nielsen RO, Read GJM, Finch CF. From control to causation: Validating a ‘complex systems model’ of running-related injury development and prevention. Appl Ergon. 2017;65:345-54. entre as quais podemos citar as alterações estruturais, limitações de amplitude de movimentos articulares, alterações cinemáticas como aumento da rotação interna de joelho, adução do quadril, aumento da pronação do pé,1010 Caylor D, Fites R, Worrell TW. The relationship between quadriceps angle and anterior knee pain syndrome. J Orthop Sports Phys Ther. 1993;17(1):11-6.,1111 Powers CM. The Influence of Abnormal Hip Mechanics on Knee Injury: A Biomechanical Perspective. J Orthop Sport Phys Ther. 2010;40(2):42-51. desequilíbrios e déficits de força muscular relacionados ao quadríceps, isquiotibiais ou músculos estabilizadores da pelve.1212 Suri P, Morgenroth DC, Hunter DJ. Epidemiology of Osteoarthritis and Associated Comorbidities. PM R. 2012;4(5 Supl):S10-9.

Para a avaliação de força dos membros inferiores, a dinamometria isocinética é utilizada como padrão ouro, sendo empregada para o registro de déficits de força específicos, ou para a mensuração dos resultados de intervenções.1313 Amaral GM, Marinho HVR, Ocarino JM, Silva PLP, De Souza TR, Fonseca ST. Muscular performance characterization in athletes: A new perspective on isokinetic variables. Braz J Phys Ther. 2014;18(6):521-9. O treinamento de força é de fundamental importância para a performance do corredor, sendo evidenciada melhora do desempenho de corredores em curtas e longas distâncias, em particular distâncias entre 1.500m e 10.000m, em indivíduos que realizaram o treinamento resistido associado a treinamento de endurance.1414 Alcaraz-Ibañez M, Rodríguez-Pérez M. Effects of resistance training on performance in previously trained endurance runners: A systematic review. J Sports Sci. 2018;36(6):613-29. Isso se deve a mecanismos adaptativos gerados pelo treinamento muscular resistido, através da maior sincronização e recrutamento da unidade motora, aumentando a capacidade de produzir força. Além disso, o maior recrutamento de fibras do tipo 1 reduz a fadiga e aumenta a capacidade reativa contra o solo.1515 Damasceno MV, Lima-Silva AE, Pasqua LA, Tricoli V, Duarte M, Bishop DJ, et al. Effects of resistance training on neuromuscular characteristics and pacing during 10-km running time trial. Eur J Appl Physiol. 2015;115(7):1513-22.,1616 Mikkola J, Vesterinen V, Taipale R, Capostagno B, HäKkinen K, Nummela A. Effect of resistance training regimens on treadmill running and neuromuscular performance in recreational endurance runners. J Sports Sci. 2011;29(13):1359-71.

O weight-bearing lunge test (WBLT) e o YBT são ferramentas de avaliação rápidas e acessíveis utilizadas, respectivamente, na quantificação da performance e estabilidade do tornozelo por apresentar boa reprodutibilidade e confiabilidade intraobservador.1717 Konor MM, Morton S, Eckerson JM, Grindstaff TL. Reliability of three measures of ankle dorsiflexion range of motion. Int J Sports Phys Ther. 2012;7(3):279-87. A baixa performance no WBLT relaciona-se com alterações biomecânicas em todo o membro inferior, que podem ocorrer devido à diminuição da extensibilidade dos músculos gastrocnêmio/sóleo e restrição do deslizamento posterior do tálus sobre a tíbia,1818 Dill KE, Begalle RL, Frank BS, Zinder SM, Padua DA. Altered knee and ankle kinematics during squatting in those with limited weight-bearing-lunge ankle-dorsiflexion range of motion. J Athl Train. 2014;49(6):723-32. que podem relacionar-se a lesões prévias de tornozelo nas quais observa-se tal mecanismo.1919 McKeon PO, Wikstrom EA. Sensory-targeted ankle rehabilitation strategies for chronic ankle instability. Med Sci Sports Exerc. 2016;48(5):776-84.,2020 Youdas JW, Mclean TJ, Krause DA, Hollman JH. Changes in Active Ankle Dorsiflexion Range of Motion After Acute Inversion Ankle Sprain. J Sport Rehabil. 2009;18(3):358-74.

Apesar das alterações da biomecânica do tornozelo apresentarem evidências em alterações biomecânicas em todo o membro inferior, a literatura não correlaciona os resultados de força muscular de quadríceps e isquiotibiais, WBLT e YBT com o SHT. Diante dos fatores expostos, é necessário entender a magnitude da correlação dos testes biomecânicos de força, performance e estabilidade do tornozelo com o SHT. A hipótese associada a este estudo é de que uma menor estabilidade do tornozelo, observada no YBT, aliada ao baixo desempenho no WBLT, diminuiria a capacidade de salto observada no SHT, como um mecanismo protetor para evitar o entorse do tornozelo.

OBJETIVO

O objetivo deste estudo é correlacionar os testes de desempenho e estabilidade do tornozelo ao SHT, além de verificar se possíveis déficits de força do membro inferior (quadríceps e isquiotibiais) poderiam influenciá-lo.

MÉTODOS

Aspectos Éticos

Este projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo e os participantes registraram sua concordância com o estudo por meio do termo de consentimento livre e esclarecido (CAAE 38265614.1.0000.5440).

Participantes

Foram incluídos no estudo homens e mulheres com idade mínima de 18 anos, corredores recreacionais ou competitivos, não profissionais, que corressem há pelo menos seis meses, um mínimo de 10 quilômetros por semana. Foram excluídos aqueles que apresentassem afecções musculoesqueléticas no momento da avaliação, tais como lesões musculares, ligamentares, lesões de tecidos moles, edemas, dor musculoesquelética em membros inferiores, instabilidade articular, pós-operatório recente e condições cardiovasculares não controlados. O recrutamento ocorreu na cidade de Ribeirão Preto, através de contatos com grupos de corrida e assessorias esportivas.

Procedimentos

Os participantes foram submetidos à uma avaliação física criteriosa incluindo níveis de dor, amplitudes de movimento das articulações envolvidas, perimetrias musculares e articulares. Para a realização dos testes no laboratório de marcha, dados antropométricos dos voluntários foram aferidos (peso, altura, comprimento de membros inferiores e distância entre espinhas ilíacas ântero-superiores).

Testes de salto Simples (Single Hop Test)

O SHT foi realizado a partir da posição estática, os participantes realizaram o salto em direção anterior objetivando a maior distância horizontal (Figura 1). O teste foi repetido 3 vezes para cada membro, com 30 segundos de intervalo, e só foram consideradas como tentativas válidas quando a aterrissagem fosse estável.

Figura 1
Execução do Single Hop Test.

O YBT é uma bateria de testes de alcance máximos das extremidades inferiores, enquanto o membro contralateral tenta manter o equilíbrio unipodal. Neste teste, a distância alcançada serve como uma medida do desempenho. Distâncias menores são associadas com a restrição mecânica ou déficit do sistema sensório-motor (Figura 2). Assim como o WBLT, este teste também é utilizado para avaliar performance e restrições articulares relacionadas à encurtamentos musculares (Figura 3).55 Manoel LS, Xixirry MG, Soeira TP, Saad MC, Riberto M. Identification of Ankle Injury Risk Factors in Professional Soccer Players Through a Preseason Functional Assessment. Orthop J Sport Med. 2020;8(6):1-9.

Figura 2
Y-Balance Test em direção anterior, posteromedial e posterolateral
Figura 3
Execução do Weight-bearing Lunge Test.

Teste de força

O torque dos músculos extensores e flexores de joelho foi quantificado (Newton-metro - Nm) por meio de um dinamômetro isocinético da marca Biodex® (Figura 4). Foram considerados o pico de torque a 60º/segundo destes grupos musculares para comparação entre os membros inferiores e foram comparados estes valores à dados normativos da literatura.2222 Liporaci RF, Saad M, Grossi DB, Riberto M. Clinical Features and isokinetic Parameters in Assessing Injury Risk in elite Football Players. Int J Sports Med. 2019;40(14):903-8.

Figura 4
Dinamômetro isocinético.

Análises estatísticas

Análise descritiva utilizou medidas de tendência central e de dispersão adequadas à distribuição das variáveis contínuas. As variáveis categóricas foram apresentadas em frequência absoluta e relativa.

Foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman devido a distribuição não normal dos resíduos dos dados, com nível de significância de p<0,05. A correlação de Spearman foi interpretada como baixa (rs <0.40), moderada (rs ≥0.40 to rs <0.70), ou alta (rs ≥0.70).2323 Domholdt E. Physical Therapy Research: Principles and Applications. 2 ed. Philadelphia, PA: Saunders; 2000.

RESULTADOS

Dados antropométricos

Foram recrutados 82 voluntários, sendo 57 homens e 25 mulheres. De forma geral, homens e mulheres apresentaram médias etárias semelhantes, divergindo quanto ao peso e altura, que foram maiores nos indivíduos do sexo masculino. (Tabela 1)

Tabela 1
Dados antropométricos da amostra estudada.

A distância do salto obtida pelos homens foi maior e percebe-se um equilíbrio entre membro direito e esquerdo. (Tabela 2)

Tabela 2
Desempenho médio no salto unipodal avaliado pelo SHT.

A Tabela 3 apresenta os resultados da dinamometria isocinética do joelho a 60º/s. Apesar do valor médio do pico de torque dos membros inferiores direito e esquerdo em ambos os sexos não diferir mais que 2,5%, o elevado desvio padrão sugere que esse tipo de desequilíbrio, superior a 10% entre os membros, poderia ser mais frequente, caracterizado como um fator de risco para a ocorrência de lesões.2222 Liporaci RF, Saad M, Grossi DB, Riberto M. Clinical Features and isokinetic Parameters in Assessing Injury Risk in elite Football Players. Int J Sports Med. 2019;40(14):903-8. A última coluna dessa Tabela mostra que 31,6% homens e 28% mulheres apresentavam desequilíbrio maior que 10% entre os lados do corpo para extensão de joelho e 33,3% homens e 64% mulheres para flexão.

Tabela 3
Variáveis do teste isocinético de joelho a 60º/segundo. (Newton-metro – Nm).

Quando foi identificada diferença superior a 10% no pico de torque da avaliação isocinética de extensores do joelho, o comprimento médio do STH do lado mais forte foi de 181,7 ± 32,4 cm, enquanto no lado mais fraco o valor foi de 177,8 ± 33,7 cm (p = 0,05). A comparação entre o comprimento dos saltos de cada membro não foi diferente nos atletas em que a diferença de pico de torque de extensão foi menor que 10%. A Figura 5 expressa a correlação positiva e forte (r = 0,577) entre o comprimento do SHT unilateral de acordo com o pico de torque de extensor de joelho ipsilateral.

Figura 5
Correlação entre o valor unilateral do SHT e o pico de torque de extensores de joelho a 60º/s ipsilateral.

A Tabela 4 indica boa mobilidade de tornozelo entre os participantes, sem diferenças significativas entre os sexos.

Tabela 4
Avaliação da mobilidade do tornozelo de acordo com o WBLT.

A avaliação das 3 dimensões do YBT não identificou diferenças entre os membros direito e esquerdo, mas mulheres demonstraram dimensões menores em todas as direções. (Tabela 5)

Tabela 5
Avaliação do controle motor do membro inferior de acordo com o YBT.

A correlação entre o SHT e as dimensões do YBT foram pequenas e estatisticamente não significativas, quando considerados conjuntamente os homens e mulheres e membros direito e esquerdo (SHT × YBT – para a direção Anterior coef=-0,069 p=0,54; direção posteromedial coef= 0,035; direção posterolateral coef= −0,127 e SHT × WBLT coef= −0,044).

Na Tabela 6, os joelhos destes atletas foram classificados quanto à presença de desequilíbrios musculares a partir da relação de torque isocinético de flexores e extensores a 60º/s (relação I/Q). Quando essa relação foi menor que 0,55 ou maior que 0,64 foi considerada a presença de desequilíbrio muscular.2222 Liporaci RF, Saad M, Grossi DB, Riberto M. Clinical Features and isokinetic Parameters in Assessing Injury Risk in elite Football Players. Int J Sports Med. 2019;40(14):903-8. Com essa estratificação foi possível calcular valores mais expressivos de coeficiente de correlação entre SHT e os componentes do YBT, que ainda assim podem ser classificados como correlações fracas ou moderadas. Essas correlações foram sempre mais baixas com o componente anterior do YBT, independentemente do grupo de classificação da relação I/Q. A maior parte dos membros estudados apresentou a relação I/Q menor que 0,55, indicando fraqueza relativa de flexores do joelho em relação aos extensores.

Tabela 6
Correlações entre o SHT e os componentes do YBT de acordo com o balanço muscular no joelho entre isquiotibiais e quadríceps.

A Tabela 7 apresenta as correlações entre os déficits de força de flexão e extensão dos membros inferiores com as variáveis estudadas e evidencia correlações de muito baixa dimensão e sem significância estatística.

Tabela 7
Correlação entres déficits de força de extensão (quadríceps) e flexão (ísquiotibiais) do joelho com variáveis estudadas.

DISCUSSÃO

Este estudo foi bem-sucedido para confirmar a relação entre o SHT e a avaliação isocinética do joelho e o YBT, mas não para o WBLT. Trata-se de um estudo original e contou com uma amostra numerosa de atletas não profissionais e pode ser um bom ponto de partida para estudos da biomecânica e prevenção de lesões em atletas corredores.

De um modo geral, o desempenho no SHT foi maior nos homens e similar entre os lados do corpo, o que pode ser evidenciado na Tabela 1 pela altura média menor das mulheres. Quando estratificado pelo pico de torque a 60º/s e diferenças >10% entre os membros para extensão de joelho, foi possível identificar que a média do SHT foi menor para o lado que apresentava déficit, demonstrando que a força propulsora do salto está relacionada aos resultados encontrados no isocinético. Outros fatores além da força muscular, como a estabilidade, controle neuromuscular, confiança do indivíduo na realização da tarefa, a potencialização pelo trabalho excêntrico anterior ao salto, bem como a utilização de estratégias de tronco e membros superiores para alcançar uma distância maior,2424 D’Alessandro RL, Paolinelli Silveira EA, Saldanha dos Anjos MT, Aurélio da Silva A, Teixeira da Fonseca S. Analysis on the association between isokinetic dynamometry of the knee's articulation and one-leg horizontal jump, hop test, in volleyball athletes. Rev Bras Med Esporte. 2005;11(5):271-5. podem influenciar na distância alcançada no SHT.

Quando os participantes foram estratificados de acordo com o desequilíbrio muscular (relação I/Q< 0,55 e I/Q>0,64) foi possível verificar o aumento das correlações entre SHT e YBT para as direções posteromedial e posterolateral, principalmente nos indivíduos que possuíam predominância de quadríceps (IQ<0,55), alcançando maiores distâncias na direção posteromedial e posterolateral e maior distância no SHT. Utilizando-se da explicação biomecânica, a fase de aterrissagem do SHT e a realização do YBT são parecidas, uma vez que se utilizam de estratégias de tronco e membros inferiores para realizarem a estabilização e alcance.2525 Dello Iacono A, Ayalon M, Wang W. The influence of single-leg landing direction on lower limbs biomechanics. J Sports Med Phys Fitness. 2019;59(2):195-203.

A partir da relação I/Q <0,55, notamos que 63% da amostra apresentou predominância de quadríceps sobre isquiotibiais. Além disso, 31% e 42% apresentaram assimetrias maiores que 10% entre os membros para quadríceps e isquiotibiais. Uma investigação a fundo sobre a rotina de treino e atividades de vida diária poderia trazer explicações para tais achados, o que não foi realizado no nosso estudo. Por isso, as avaliações individualizadas antes e entre as temporadas devem ser necessárias para a identificação de desequilíbrios e prevenção de lesões.

A ausência de correlação entre WBLT e SHT pode ser atribuída a um viés de seleção devido a amplitude de movimento para dorsiflexão normal nos atletas estudados. A nossa hipótese era de que pudessem existir tais correlações em indivíduos com restrição de movimento para dorsiflexão e/ou lesões prévias2626 Witchalls JB, Newman P, Waddington G, Adams R, Blanch P. Functional performance deficits associated with ligamentous instability at the ankle. J Sci Med Sport. 2013;16(2):89-93. não sendo a última o objetivo do estudo. Apesar do estudo possuir como critério de exclusão lesões no momento da avaliação, é importante identificar lesões prévias uma vez que sinalizam ainda mais a importância de parâmetros objetivos, representados por testes funcionais e/ou isocinéticos, para a definição estratégias de treinamento e retorno às atividades esportivas. Seria desejável que os valores de SHT e WBLT fossem suficientes para chegar a conclusões mais robustas a respeito das condições do indivíduo, através de uma tabela normativa que pudesse indicar um valor de corte relacionando, sendo essa uma sugestão para trabalhos futuros.

Sobre as limitações do estudo, inclui-se o viés de seleção, uma vez que somente atletas foram recrutados. A variabilidade da reprodutibilidade intra-observador, relacionada à experiência da equipe de pesquisa, também se encaixa como limitação. O uso de aparelho isocinético que é limitado pelo alto valor de investimento na prática clínica cotidiana. Por último, a ausência de variáveis não controladas, como informações de treinamento (frequência, duração, tipo de treinamento), atividade de vida diária e lesões prévias são fatores que poderiam trazer informações complementares e não foram colhidos, uma vez que a literatura traz a influência desses fatores na avaliação do atleta.

CONCLUSÃO

Esse estudo mostrou que o SHT é influenciado pela força de membros inferiores quantificada pela avaliação isocinética, em que membros mais fortes alcançam maiores distâncias. A avaliação isocinética serviu para estratificar a magnitude do pico de torque e, nos indivíduos com desequilíbrios >10%, o desempenho no SHT foi menor para o membro com menor torque isocinético dos extensores de joelho.

A partir da relação I/Q determinada pela avaliação isocinética do joelho a 60º/s, foi possível identificar correlações fracas ou moderadas entre os componentes do YBT e o desempenho no SHT. Não foi observada relação entre os resultados do WBLT e o SHT. Portanto, o estudo foi bem-sucedido em correlacionar os testes funcionais em questão.

REFERENCES

  • 1
    Malloy P, Morgan A, Meinerz C, Geiser C, Kipp K. The association of dorsiflexion flexibility on knee kinematics and kinetics during a drop vertical jump in healthy female athletes. Knee Surgery, Sport Traumatol Arthrosc. 2015;23(12):3550-5.
  • 2
    Fong DTP, Hong Y, Chan LK, Yung PSH, Chan KM. A systematic review on ankle injury and ankle sprain in sports. Sport Med. 2007;37(1):73-94.
  • 3
    Someeh M, Norasteh AA, Daneshmandi H, Asadi A. Immediate effects of Mulligan's fibular repositioning taping on postural control in athletes with and without chronic ankle instability. Phys Ther Sport. 2015;16(2):135-9.
  • 4
    Lentell GL, Katzman LL, Walters MR. The relationship between muscle function and ankle stability. J Orthop Sports Phys Ther. 1990;11(12):605-11.
  • 5
    Manoel LS, Xixirry MG, Soeira TP, Saad MC, Riberto M. Identification of Ankle Injury Risk Factors in Professional Soccer Players Through a Preseason Functional Assessment. Orthop J Sport Med. 2020;8(6):1-9.
  • 6
    Gribble PA, Terada M, Beard MQ, Kosik KB, Lepley AS, McCann RS, et al. Prediction of Lateral Ankle Sprains in Football Players Based on Clinical Tests and Body Mass Index. Am J Sports Med. 2016;44(2):460-7.
  • 7
    Xixirry MG, Riberto M, Manoel LS. Analysis of y balance test and dorsiflexion lunge test in professional and amateur soccer players. Rev Bras Med Esporte. 2019;25(6):490-3.
  • 8
    Filipa A, Byrnes R, Paterno MV, Myer GD, Hewett TE. Neuromuscular training improves performance on the star excursion balance test in young female athletes. J Orthop Sports Phys Ther. 2010;40(9):551-8.
  • 9
    Hulme A, Salmon PM, Nielsen RO, Read GJM, Finch CF. From control to causation: Validating a ‘complex systems model’ of running-related injury development and prevention. Appl Ergon. 2017;65:345-54.
  • 10
    Caylor D, Fites R, Worrell TW. The relationship between quadriceps angle and anterior knee pain syndrome. J Orthop Sports Phys Ther. 1993;17(1):11-6.
  • 11
    Powers CM. The Influence of Abnormal Hip Mechanics on Knee Injury: A Biomechanical Perspective. J Orthop Sport Phys Ther. 2010;40(2):42-51.
  • 12
    Suri P, Morgenroth DC, Hunter DJ. Epidemiology of Osteoarthritis and Associated Comorbidities. PM R. 2012;4(5 Supl):S10-9.
  • 13
    Amaral GM, Marinho HVR, Ocarino JM, Silva PLP, De Souza TR, Fonseca ST. Muscular performance characterization in athletes: A new perspective on isokinetic variables. Braz J Phys Ther. 2014;18(6):521-9.
  • 14
    Alcaraz-Ibañez M, Rodríguez-Pérez M. Effects of resistance training on performance in previously trained endurance runners: A systematic review. J Sports Sci. 2018;36(6):613-29.
  • 15
    Damasceno MV, Lima-Silva AE, Pasqua LA, Tricoli V, Duarte M, Bishop DJ, et al. Effects of resistance training on neuromuscular characteristics and pacing during 10-km running time trial. Eur J Appl Physiol. 2015;115(7):1513-22.
  • 16
    Mikkola J, Vesterinen V, Taipale R, Capostagno B, HäKkinen K, Nummela A. Effect of resistance training regimens on treadmill running and neuromuscular performance in recreational endurance runners. J Sports Sci. 2011;29(13):1359-71.
  • 17
    Konor MM, Morton S, Eckerson JM, Grindstaff TL. Reliability of three measures of ankle dorsiflexion range of motion. Int J Sports Phys Ther. 2012;7(3):279-87.
  • 18
    Dill KE, Begalle RL, Frank BS, Zinder SM, Padua DA. Altered knee and ankle kinematics during squatting in those with limited weight-bearing-lunge ankle-dorsiflexion range of motion. J Athl Train. 2014;49(6):723-32.
  • 19
    McKeon PO, Wikstrom EA. Sensory-targeted ankle rehabilitation strategies for chronic ankle instability. Med Sci Sports Exerc. 2016;48(5):776-84.
  • 20
    Youdas JW, Mclean TJ, Krause DA, Hollman JH. Changes in Active Ankle Dorsiflexion Range of Motion After Acute Inversion Ankle Sprain. J Sport Rehabil. 2009;18(3):358-74.
  • 21
    Lee DW, Yang SJ, Cho SI, Lee JH, Kim JG. Single-leg vertical jump test as a functional test after anterior cruciate ligament reconstruction. Knee. 2018;25(6):1016-26.
  • 22
    Liporaci RF, Saad M, Grossi DB, Riberto M. Clinical Features and isokinetic Parameters in Assessing Injury Risk in elite Football Players. Int J Sports Med. 2019;40(14):903-8.
  • 23
    Domholdt E. Physical Therapy Research: Principles and Applications. 2 ed. Philadelphia, PA: Saunders; 2000.
  • 24
    D’Alessandro RL, Paolinelli Silveira EA, Saldanha dos Anjos MT, Aurélio da Silva A, Teixeira da Fonseca S. Analysis on the association between isokinetic dynamometry of the knee's articulation and one-leg horizontal jump, hop test, in volleyball athletes. Rev Bras Med Esporte. 2005;11(5):271-5.
  • 25
    Dello Iacono A, Ayalon M, Wang W. The influence of single-leg landing direction on lower limbs biomechanics. J Sports Med Phys Fitness. 2019;59(2):195-203.
  • 26
    Witchalls JB, Newman P, Waddington G, Adams R, Blanch P. Functional performance deficits associated with ligamentous instability at the ankle. J Sci Med Sport. 2013;16(2):89-93.

Editado por

Editor Associado responsável pelo processo de revisão: Paulo Zogaib

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2022
  • Aceito
    16 Fev 2023
Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278, 6º and., 01318-901 São Paulo SP, Tel.: +55 11 3106-7544, Fax: +55 11 3106-8611 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: atharbme@uol.com.br