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CONTEÚDO DE ÁGUA INTRACELULAR E EXTRACELULAR COM DIETAS DE CARREGAMENTO DE CARBOIDRATOS

RESUMO

Introdução:

Em atividades físicas prolongadas a reposição hídrica e o conteúdo de glicogênio muscular são fatores limitantes em corredores de maratonas. O carregamento de carboidrato (CHO) nos dias anteriores à competição de resistência é um método comumente empregado para otimizar os estoques de glicogênio muscular e o desempenho no exercício. Uma vez que cada grama de glicogênio muscular liga-se a ≈2,7 a 4 gramas de água, a retenção hídrica pode ocorrer durante dietas de carregamento de carboidrato.

Objetivo:

Avaliar diferenças entre as estratégias de carregamento de carboidratos (Bergström e Sherman) no teor de água intracelular (AIC) ou água extracelular (AEC).

Métodos:

Vinte e três corredores foram alocados aleatoriamente para duas intervenções (Bergström e Sherman) num delineamento em “crossover”. Os participantes foram submetidos a uma avaliação inicial antes dos 3 dias de depleção de glicogênio, seguidos por 3 dias de carga de carboidratos com tempo de “washout” de 30 dias consistindo em dieta e treinamento normais. Utilizou-se a bioimpedância multifrequencial (BIS) para avaliar AIC e AEC na Etapa Inicial, Pós-depleção e Pós-CHO para determinar quaisquer diferenças entre os protocolos de Bersgstrom e Sherman. Também foram obtidas coletas de sangue para avaliar o potássio. Foram determinadas associações entre AIC, AEC e glicogênio muscular.

Resultados:

Não houve diferenças no conteúdo de AIC ou AEC entre as duas intervenções em qualquer momento. Houve um efeito do tempo para AIC, com aumento da etapa Pós-depleção para Pós-CHO sem qualquer diferença entre as intervenções. O potássio plasmático diminuiu entre a Linha de base e Pós-depleção em ambas condições. Não houve diferença no conteúdo de glicogênio muscular entre intervenções ou momentos.

Conclusão:

Não houve diferenças no conteúdo de AIC e AEC entre as intervenções de Bergström e Sherman em qualquer momento. Nível de Evidência I; Testes de Critérios Diagnósticos Desenvolvidos Anteriormente.

Descritores:
Composição Corporal; Glicogênio; Hidratação; Exercício Físico; Dieta

ABSTRACT

Introduction:

In prolonged physical activities, water replacement and muscle glycogen content are limiting factors in marathon runners. Carbohydrate-loading (CHO) in the days prior to endurance competition is a commonly employed method to optimise muscle glycogen stores and optimise exercise performance. Since each gram of muscle glycogen binds ∼2.7-4 grams of water, water retention may occur during carbohydrate-loading diets.

Objective:

To evaluate differences between CHO loading strategies (Bergström and Sherman) on intracellular (ICW) and extracellular (ECW) water content.

Methods:

Twenty-three runners were randomly allocated to two interventions (Bergström and Sherman) in a crossover design. Participants underwent a baseline evaluation before 3 days of glycogen depletion followed by 3 days of carbohydrate loading with a washout of 30 days consisting of normal diet and training. Multifrequency bioimpedance (BIS) was used to assess ICW and ECW at Baseline, Post-depletion and Post-CHO to determine any differences between Bergström and Sherman protocols. Blood samples were also obtained to assess potassium levels. Associations between ICW and ECW and muscle glycogen were determined.

Results:

There were no differences in ICW or ECW content between the two interventions at any moment. There was an effect of time for ICW, with an increase from Post-depletion to Post-CHO without any difference between interventions. Plasma potassium decreased from Baseline to Post-depletion in both conditions. There was no difference in muscle glycogen content between interventions or moments.

Conclusion:

There were no differences in ICW and ECW content between the Bergström and Sherman interventions at any moment. Level of Evidence I; Tests of Previously Developed Diagnostic Criteria.

Descriptors:
Body Composition; Glycogen; Fluid Therapy; Exercise; Diet

RESUMEN

Introducción:

En actividades físicas prolongadas, la reposición de agua y el glucógeno muscular son factores limitantes en los corredores de maratón. La carga de carbohidratos (CHO) en los días previos a la competencia de resistencia es un método empleado para optimizar las reservas de glucógeno muscular y el rendimiento del ejercicio. Cómo cada gramo de glucógeno muscular se une a ≈ 2,7 a 4 gramos de agua, puede producirse retención de agua durante las dietas ricas en carbohidratos.

Objetivo:

Evaluar las diferencias entre las estrategias de carga de carbohidratos (Bergström y Sherman) en el contenido de agua intracelular (AIC) o extracelular (AEC).

Métodos:

Veintitrés corredores fueron asignados aleatoriamente a dos intervenciones (Bergström y Sherman) en un diseño cruzado. Los participantes se sometieron a una evaluación inicial antes de los 3 días de agotamiento del glucógeno, seguido de 3 días de carga de carbohidratos con un tiempo de “washout” de 30 días que consistía en una dieta y entrenamiento normales. Se utilizó bioimpedancia multifrecuencia (BIS) para evaluar AIC y AEC al inicio, después del agotamiento y después de CHO para determinar cualquier diferencia entre las dos intervenciones. También se obtuvieron muestras de sangre para evaluar el potasio. Se determinaron asociaciones entre AIC, AEC y glucógeno muscular.

Resultados:

No hubo diferencias en el contenido de AIC o AEC entre las dos intervenciones en ningún momento. Hubo un efecto de tiempo para AIC, con un aumento desde Post-agotamiento hasta Post-CHO sin ninguna diferencia entre las intervenciones. El potasio plasmático disminuyó entre el inicio y el post-agotamiento en ambas condiciones. No hubo diferencia en el contenido de glucógeno muscular entre las intervenciones o momentos.

Conclusión:

No hubo diferencias en el contenido de AIC y AEC entre las dos intervenciones en ningún momento. Nivel de Evidencia I; Pruebas de Criterios Diagnóstico Desarrollados Previamente.

Descriptores:
Composición Corporal; Glucógeno; Fluidoterapia; Ejercicio Físico; Dieta

INTRODUÇÃO

Corridas como maratonas apresentam lesões térmicas,11 Mizumoto M. Hipotermia e hipertermia. Barueri, SP: Editora Manole Ltda.; 2013. 846 p. desidratação ou hiponatremia22 Lavoué C, Siracusa J, Chalchat É, Bourrilhon C, Charlot K. Analysis of food and fluid intake in elite ultra-endurance runners during a 24-h world championship. J Int Soc Sports Nutr. 2020;17(1):36. quando a velocidade de sudorese e desidratação for maior que a reposição hídrica, ocasionando perdas de 5 a 6% de água em relação ao peso corporal.33 Katch FI, Katch VL, McArdle WD. Nutrição para o Desporto e Exercício. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A.; 2001. Admitia-se que a perda de líquidos de 1% do peso corporal elevava a temperatura central,44 Sawka MN, Montain SJ, Latzka WA. Hydration effects on thermoregulation and performance in the heat. Comp Biochem Physiol A Mol Integr Physiol. 2001;128(4):679-90. de 3 a 4% do peso corporal aumentava a frequência cardíaca e diminuía o volume do débito cardíaco55 Sawka MN, Wenger CB, Pandolf KB. Thermoregulatory responses to acute exercise-heat stress and heat acclimation: John Wiley & Sons, Ltd; 1996. 51226 p. e de 4 a 5% do peso corporal diminuiria a dissipação do calor, comprometendo a função cardiovascular e a capacidade de realizar trabalho.66 Cheuvront SN, Kenefick RW, Montain SJ, Sawka MN. Mechanisms of aerobic performance impairment with heat stress and dehydration. J Appl Physiol (1985). 2010;109(6):1989-95. Entretanto, corredores de longa distância finalizam corridas com percentuais de perda de peso superiores a 5% em relação a largada, sem alterações importantes da homeostasia térmica.77 Kreitzman SN, Coxon AY, Szaz KF. Glycogen storage: illusions of easy weight loss, excessive weight regain, and distortions in estimates of body composition. Am J Clin Nutr. 1992;56(1 Suppl):292S-3S.

Bergström et al.88 Bergström J, Hultman E. Muscle glycogen synthesis after exercise: an enhancing factor localized to the muscle cells in man. Nature. 1966;210(5033):309-10. e Ahlborg et al.99 Ahlborg B, Berstrom J, Ekelund J, Hultman E. Muscle glycogen and muscle electrolytes during prolonged physical exercise. Acta Physiologica. 1967;70(2):129-42. pesquisaram o glicogênio no músculo esquelético como determinante do desempenho do exercício de resistência e o tempo até a exaustão; posteriormente, Bergström et al.1010 Bergström J, Hermansen L, Hultman E, Saltin B. Diet, muscle glycogen and physical performance. Acta Physiol Scand. 1967;71(2):140-50. descreveram o consumo de dieta rica em carboidratos e o aumento do glicogênio muscular, conhecido como “carga de carboidrato” para carregamento de glicogênio muscular com melhor desempenho de resistência. Karlsson e Saltin1111 Karlsson J, Saltin B. Diet, muscle glycogen, and endurance performance. J Appl Physiol. 1971;31(2):203-6. demonstraram melhores resultados obtidos entre 114 e 163 minutos em corridas de 30 quilômetros quando precedida por dieta especial de três dias de dieta com 2.500 kcal/dia sem exercícios pesados, precedida de três dias de dieta sem CHO com exercícios pesados. Sherman et al.1212 Sherman WM, Costill DL. The marathon: dietary manipulation to optimize performance. Am J Sports Med. 1984;12(1):44-51. relacionaram a depleção do glicogênio muscular com fadiga em exercícios prolongados. Hawley et al.1313 Hawley JA, Schabort EJ, Noakes TD, Dennis SC. Carbohydrate-loading and exercise performance. An update. Sports Med. 1997;24(2):73-81. e Burke et al.1414 Burke LM, Hawley JA, Jeukendrup A, Morton JP, Stellingwerff T, Maughan RJ. Toward a Common Understanding of Diet-Exercise Strategies to Manipulate Fuel Availability for Training and Competition Preparation in Endurance Sport. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2018;28(5):451-63. concluíram que nos exercícios prolongados submáximos (75% do VO2max) maior que 90 minutos, o glicogênio muscular minimiza a fadiga muscular.

Olsson e Saltin1515 Olsson KE, Saltin B. Variation in total body water with muscle glycogen changes in man. Acta Physiol Scand. 1970;80(1):11-8. demonstraram com água marcada (3H-trítio) uma associação de 3-4 gramas de água para cada grama de glicogênio corporal. Maughan et al.1616 Maughan RJ, Shirreffs SM, Leiper JB. Errors in the estimation of hydration status from changes in body mass. J Sports Sci. 2007;25(7):797-804. sugeriram erros nas suposições do estado de hidratação, pelas alterações na osmolaridade tecidual e liberação de água ligada ao glicogênio muscular, pois a oxidação metabólica resulta em dióxido de carbono e água. Assim, o conteúdo corporal é provavelmente influenciado pelo conteúdo de carboidratos da dieta.

Como os atletas são rotineiramente sugeridos a empregar dietas pobres e ricas em carboidratos, dependendo de seus objetivos, isso provavelmente influenciará seu conteúdo intracelular e extracelular de água corporal. Assim, seria interessante determinar o quanto esses fatores mudam e se diferentes dietas de depleção e reposição de glicogênio levam a efeitos diferenciais no conteúdo de água. O objetivo deste estudo foi determinar os efeitos de duas dietas pobres em carboidratos seguidas de dietas ricas em carboidratos (Sherman e Bergström) sobre o conteúdo de água intracelular e extracelular.

MATERIAIS E MÉTODOS

Este foi um estudo experimental randomizado, duplo-cego, cruzado, primeiramente aprovado pela primeira vez pelo comitê de ética local (CAAE: 33434720.9.0000.0068).

Amostra

Inicialmente contatados 48 sujeitos da CORPORE e 31 sujeitos da Nutroex, após explanação dos critérios de elegibilidade: a) homens saudáveis com idade entre 25 e 60 anos; b) massa muscular normal ou acima, de acordo com o valor de referência fornecido pela análise da BIS; c) altura entre 160 cm e 190 cm; d) corredor com volume de treino maior ou igual a 40 km/semana; e após questionário de investigação clínica: a) ocorrência de doenças cardíacas, pulmonares, ortopédicas ou cirúrgicas; b) sintomas na cabeça, pescoço, tórax, abdômen ou aparelho locomotor; c) Síndrome Metabólica; foram inscritos como elegíveis 10 voluntários da CORPORE e 13 voluntários da Nutroex. A Tabela 1 apresenta idade, peso, altura, km/semana, maratonas realizadas e a sensação de cansaço após a segunda metade da maratona, fenômeno conhecido como “bater no muro” entre os corredores de maratona, com a queda do desempenho associado à fadiga pela depleção do glicogênio muscular.

Tabela 1
Características dos 16 voluntários: idade, peso, altura e grau de condicionamento físico.

Alocação

Todos os voluntários foram informados sobre os protocolos e riscos associados ao estudo e receberam o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), em acordo com as recomendações da Resolução no 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde. Após TCLE assinado, foram randomizados por meio de software computacional e alocados no acesso A ou B; determinando o início com intervenção de Bergström ou Sherman. Alocados 11 voluntários para o acesso A e 12 para o acesso B.

Cada voluntário participou nas duas intervenções com estudo de delineamento cruzado (crossover) entre as intervenções de Bergström e Sherman, com intervalo de 30 dias. Após alocação ocorreram três desistências do acesso A e quatro desistências do acesso B, restando oito do acesso A e oito do acesso B que entregaram o TCLE. Durante o intervalo de 30 dias para “washout” houve uma desistência do acesso A (COVID-19) e um do acesso B (viajou), sete do acesso A e sete do acesso B concluíram as duas intervenções em “crossover”, totalizaram 15 coletas para a intervenção de Bergström e 15 coletas para Sherman. (Figura 1)

Figura 1
Fluxograma dos participantes.

Detalhamento das intervenções

Foi colhida valores de AIC e AEC e amostras de músculo e sangue (Figura 2) no primeiro dia como Linha de base (Pré-depleção), após três dias de dieta restrita em carboidratos (dia 4, Pós-depleção) e depois mais três dias de uma dieta rica em carboidratos (dia 7, Pós-CHO). Em Bergström, a dieta restrita contava com 10% de carboidrato das calorias diária e exercício exaustivo (90 minutos corrida entre 70 a 80% FCmax) durante três dias. No quarto dia, depois das coletas foi introduzido 90% de carboidratos das calorias diária e repouso da atividade física durante três dias. Em Sherman, a dieta restrita contava com 50% de carboidrato e 90 (dia 1), e 40 (dias 2 e 3) minutos de corrida com intensidade de 73% da frequência cardíaca máxima (FCmax) durante três dias. No quarto dia depois das coletas foi introduzido 70% de carboidratos e 20 minutos de exercício com intensidade de 73%FCmax durante dois dias e repouso da atividade física no sexto dia.

Figura 2
Detalhamento da intervenção de Bergström e Sherman com coletas de bioimpedância, potássio plasmático e biópsia muscular.

Dieta

A quantidade e qualidade da dieta com alimentos ricos em carboidratos e pobres ou ausentes de carboidratos foi orientado de acordo com o gasto energético diário individual, por meio de classificação em cores, sendo os carboidratos do grupo vermelho e os demais do grupo verde com suas quantidades calóricas determinadas por cada porção.

Composição corporal

O participante chegou no laboratório com jejum prévio de três horas, bexiga vazia, vestindo short, ambiente a 21 ºC, higienização das mãos e pés com álcool etílico a 70%. Calculado média ponderal de três pesagens consecutivas para medidas de ACT, AIC e AEC em litros. Foi utilizado BIS com 30 medições de impedância, seis correntes elétricas de frequências diferentes (1 kHz, 5 kHz, 50 kHz, 250 kHz, 500 kHz e 1000 kHz), pois correntes elétricas de frequências abaixo de 50 kHz contornam as células e acima de 50 kHz atravessam as células. Variáveis da bioimpedância (inBody770®) foram avaliadas de acordo com Lee et al.1717 Lee SY, Ahn S, Kim YJ, Ji MJ, Kim KM, Choi SH, et al. Comparison between Dual-Energy X-ray Absorptiometry and Bioelectrical Impedance Analyses for Accuracy in Measuring Whole Body Muscle Mass and Appendicular Skeletal Muscle Mass. Nutrients. 2018;10(6):738. e Chen et al.1818 Chen B, Yu J, Gao XE, Zheng QG. A human body physiological feature selection algorithm based on filtering and improved clustering. PLoS One. 2018;13(10):e0204816.

Potássio

Foi utilizado o analisador Point-of-Care para analisar imediatamente a concentração do potássio plasmático por punção venosa; visto que, o potássio liga-se ao glicogênio na razão de 0,45 mmol K/g glicogênio hidratado.77 Kreitzman SN, Coxon AY, Szaz KF. Glycogen storage: illusions of easy weight loss, excessive weight regain, and distortions in estimates of body composition. Am J Clin Nutr. 1992;56(1 Suppl):292S-3S. Mensuradas no cartucho CHEM 8+ (para potássio: 2,0-9,0 mEq/L) do Point of Care (Abbott i-STAT®).

Biópsia muscular

Amostras de biópsias foram extraídos de seis voluntários, sendo quatro de voluntários durante a dieta Bergström e dois voluntários durante a dieta Sherman. Foi extraída aproximadamente 100 miligramas do músculo vasto lateral, por meio de agulha de biópsia de Bergström com técnica modificada por Shanely et al.1919 Shanely RA, Zwetsloot KA, Triplett NT, Meaney MP, Farris GE, Nieman DC. Human skeletal muscle biopsy procedures using the modified Bergström technique. J Vis Exp. 2014(91):51812. armazenadas em nitrogênio líquido a −80º C e análise quantitativa do glicogênio determinada por meio de duplo ensaio enzimático por métodos colorimétricos (570 nm) e fluorométricos (585/530 nm), número de catálogo produto MAK016 da Sigma-Aldrich® (EUA).

Estatística

As variáveis das duas intervenções foram analisadas pela aplicação de Modelos Mistos de Medidas Repetidas pelo pacote estatístico SAS (SAS® OnDemand for Academics, SAS Institute Inc., EUA) e são apresentados como média ± 1 desvio padrão. A distribuição normal foi confirmada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Como a maioria dos dados foi considerada normal (P > 0,15), todas as análises foram realizadas usando modelos mistos considerando intervenção (2 níveis: Sherman e Bergström) e tempo (3 níveis: Pré, Pós-depleção, Pós-CHO) como fatores fixos e indivíduos como fatores aleatórios. Os ajustes de Tukey-Kramer foram realizados quando um valor significativo de F foi obtido. Correlações de Pearson foram realizadas para determinar quaisquer associações entre o glicogênio muscular e a) AEC, b) AIC e c) potássio. A significância estatística foi aceita em P≤0,05.

RESULTADOS

AEC

Não houve efeito entre as intervenções Sherman vs. Bergström (P=0,99), ou da interação entre as intervenções vs. Tempo (P=0,77), nem tampouco para efeito do tempo nas intervenções entre Linha de base, Pós-depleção e Pós-CHO (P=0,13; Figura 3).

Figura 3
Água extracelular nas dietas Bergstrom (quadrados pretos) e Sherman (círculos cinzas) nos três momentos do estudo.

AIC

Não houve efeito entre as intervenções Sherman vs. Bergström (P=0,91), ou da interação entre as intervenções vs. Tempo (P=0,37), contudo, mostrou efeito do tempo (P=0,01), com pós-hoc mostrando diferença apenas entre a condição Pós-depleção e Pós-CHO em ambas as intervenções com desvio para cima no teor da AIC (P=0,01; Figura 4).

Figura 4
Água intracelular nas dietas Bergstrom (quadrados pretos) e Sherman (círculos cinzas) nos três momentos do estudo. *Efeito do tempo entre Pós-depleção e Pós-CHO após análise post-hoc (P = 0,01).

Potássio

Não houve diferença na concentração de potássio entre as intervenções Sherman vs. Bergström (P=0,45), ou da interação entre as intervenções vs. Tempo (P=0,51), contudo, mostrou efeito do tempo (P=0,002) com pós-hoc mostrando diferença entre a Linha de base e Pós-depleção em ambas as intervenções com desvio para baixo. (Figura 5)

Figura 5
Potássio nas dietas Bergstrom (quadrados pretos) e Sherman (círculos cinzas) nos três momentos do estudo. *Efeito do tempo entre Pós-depleção e Linha de base após análise post-hoc (P = 0,001).

Glicogênio muscular

A análise estatística dos dados obtidos entre Sherman versus Bergström mostrou que não houve efeito entre as intervenções (P=0.99) para o glicogênio muscular ou da interação entre intervenções versus tempo (P=0.64) e nem tampouco efeito do tempo (P=0.74).

Glicogênio muscular e AEC ou AIC

Não houve correlações entre Glicogênio muscular e AEC (r=0,033, P=0,90; Figura 6, Painel A) ou Glicogênio muscular e AIC (r=0,087, P=0,73; Figura 6, Painel B).

Figura 6
Correlação entre água extracelular (Painel A; r = 0,033, P = 0,90) e água intracelular (Painel B; r = 0,087, P = 0,73) e o conteúdo de glicogênio muscular.

Glicogênio muscular e potássio

Houve uma correlação significativa entre glicogênio muscular e potássio sanguíneo (r=-0,517, P=0,03; Figura 7) com desvio para direita e para baixo, independente de todas as amostras temporais terem sido analisadas conjuntamente.

Figura 7
Correlação entre o potássio plasmático e o conteúdo de glicogênio muscular (r = −0,517, P = 0,03).

DISCUSSÃO

Este estudo mostrou que o AIC e o AEC não foram influenciados diferencialmente pelas duas dietas ricas em carboidratos, nem o potássio no sangue ou o glicogênio muscular. No entanto, seguindo uma dieta pobre em carboidratos, as dietas ricas em carboidratos aumentaram o AIC. O potássio no sangue diminuiu com uma dieta pobre em carboidratos, independentemente de qual dieta específica. Esses dados sugerem que as dietas de Bergström e Sherman não inferem efeitos diferenciais nesses parâmetros medidos.

Nem a dieta pobre em carboidratos e nem a rica em carboidratos afetou o AEC, no entanto, houve um aumento no AIC após a sobrecarga de carboidratos, independentemente da dieta específica. Isso era esperado, já que cada grama de glicogênio é armazenado junto com 3-4 gramas de água1515 Olsson KE, Saltin B. Variation in total body water with muscle glycogen changes in man. Acta Physiol Scand. 1970;80(1):11-8. e confirma o trabalho de estudos anteriores.2020 Shiose K, Yamada Y, Motonaga K, Sagayama H, Higaki Y, Tanaka H, et al. Segmental extracellular and intracellular water distribution and muscle glycogen after 72-h carbohydrate loading using spectroscopic techniques. J Appl Physiol (1985). 2016;121(1):205-11. A falta de alteração no AIC com as dietas com baixo teor de carboidratos não é clara, mas estudos anteriores não mostraram alteração no AEC ou AIC após a depleção de glicogênio,2121 Shiose K, Yamada Y, Motonaga K, Takahashi H. Muscle glycogen depletion does not alter segmental extracellular and intracellular water distribution measured using bioimpedance spectroscopy. J Appl Physiol (1985). 2018;124(6):1420-5. sugerindo que a depleção de glicogênio por si só não altera a distribuição de água corporal. Não houve relação entre AEC ou AIC e o conteúdo de glicogênio muscular. Trabalhos futuros devem investigar a importância dessas mudanças no AIC para o desempenho do exercício de endurance.

O glicogênio muscular não foi influenciado pelas dietas, o que contraria as expectativas. No entanto, isso pode ser explicado pelo baixo número de participantes que se dispuseram a fornecer uma amostra. Apenas dois participantes forneceram amostras durante a dieta Sherman, enquanto quatro forneceram amostras musculares durante a dieta Bergstrom. Houve uma variação substancial nessas amostras com alguns valores aumentando após a dieta pobre em carboidratos e diminuindo após a fase de carregamento de carboidratos, sugerindo que os participantes podem não ter aderido estritamente às suas dietas. Atualmente é difícil fornecer conclusões sólidas sobre os dados atuais e estudos adicionais podem querer determinar a influência de dietas ricas ou restritas em carboidratos no conteúdo de glicogênio muscular total, dentro de fibras individuais e dentro de regiões de fibra (por exemplo, subcelular, intrafibrilar, interfibrilar).2222 Watanabe D, Wada M. Effects of reduced muscle glycogen on excitation-contraction coupling in rat fast-twitch muscle: a glycogen removal study. J Muscle Res Cell Motil. 2019;40(3-4):353-64.

Dietas ricas em carboidratos habitualmente contém maior quantidade de potássio,2020 Shiose K, Yamada Y, Motonaga K, Sagayama H, Higaki Y, Tanaka H, et al. Segmental extracellular and intracellular water distribution and muscle glycogen after 72-h carbohydrate loading using spectroscopic techniques. J Appl Physiol (1985). 2016;121(1):205-11. portanto, na coleta Pós-depleção podemos considerar uma queda de potássio plasmático em detrimento da dieta pobre em carboidratos nesta etapa, demonstrando a associação entre a ingestão de carboidratos na dieta e os níveis de potássio no sangue. No entanto, a carga de carboidratos não resultou em aumento significativo do potássio no sangue e contrasta um pouco com os efeitos do período de baixo carboidrato. O conteúdo de glicogênio muscular foi correlacionado com a concentração de potássio no sangue, independentemente da dieta e do momento, sugerindo uma relação entre esses fatores. Mais trabalho é necessário para determinar a importância da ingestão de carboidratos no potássio sanguíneo.

Segar et al.2323 Segar JL, Balapattabi K, Reho JJ, Grobe CC, Burnett CML, Grobe JL. Quantification of body fluid compartmentalization by combined time-domain nuclear magnetic resonance and bioimpedance spectroscopy. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2021;320(1):R44-R54. relata que a avaliação com a ressonância magnética nuclear no domínio do tempo (RMN-DT) para avaliar ACT combinada com a BIS para avaliar compartimentos de AIC e AEC permitem medições altamente precisas. Utilizamos a BIS como método que investigação de AIC e AEC relacionado com o glicogênio, inicialmente relatado como instrumento adequado na prática;1717 Lee SY, Ahn S, Kim YJ, Ji MJ, Kim KM, Choi SH, et al. Comparison between Dual-Energy X-ray Absorptiometry and Bioelectrical Impedance Analyses for Accuracy in Measuring Whole Body Muscle Mass and Appendicular Skeletal Muscle Mass. Nutrients. 2018;10(6):738.,1818 Chen B, Yu J, Gao XE, Zheng QG. A human body physiological feature selection algorithm based on filtering and improved clustering. PLoS One. 2018;13(10):e0204816.,2020 Shiose K, Yamada Y, Motonaga K, Sagayama H, Higaki Y, Tanaka H, et al. Segmental extracellular and intracellular water distribution and muscle glycogen after 72-h carbohydrate loading using spectroscopic techniques. J Appl Physiol (1985). 2016;121(1):205-11. entretanto, posteriormente, nova pesquisa de Shiose et al.2121 Shiose K, Yamada Y, Motonaga K, Takahashi H. Muscle glycogen depletion does not alter segmental extracellular and intracellular water distribution measured using bioimpedance spectroscopy. J Appl Physiol (1985). 2018;124(6):1420-5. demonstrou que as alterações de depleção de glicogênio muscular não alteram as medidas de AIC e AEC medidas pela BIS, concordando com os nossos achados.

Paragrafo de limitações

Limitações do estudo: a) o baixo número de biópsias e o fato das biópsias serem colhidas apenas em um braço do crossover (dois voluntários durante Sherman e quatro voluntários durante Bergström) limitou a análise da AIC, AEC e do glicogênio muscular comparativamente entre as duas intervenções e entre as etapas de coleta Linha de base, Pós-depleção e Pós-CHO; b) a ausência do recordatório alimentar durante as etapas, dificultou a monitorização individualizada. Posteriores estudos são necessários para investigação complementar.

CONCLUSÕES

Este estudo não mostrou diferenças no AIC, AEC, potássio no sangue ou glicogênio muscular após a depleção de glicogênio ou carga de carboidratos usando duas dietas. Houve um aumento no AIC com carga de carboidratos, embora a relevância disso para o desempenho do exercício ainda não tenha sido determinada.

  • Editor Associado responsável pelo processo de revisão: André Pedrinelli

AGRADECIMENTOS

Expressamos nossa gratidão aos participantes deste estudo. BG (2017/13552-2) e BS (2021/06836-0) reconhecem auxílios pessoais ou bolsas de pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2023
  • Aceito
    15 Set 2023
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