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A sementeira do porvir: higiene e infância no século XIX

Sowing the future: hygiene and childhood in the 19th century

Resumos

Este artigo apresenta uma análise e reflexão sobre a produção da idéia da infância no Brasil. Religião, ciência, progresso, indústria, comércio e civilização são alguns dos signos que têm participado da configuração e construção desse conceito no contexto brasileiro. Diante da complexidade da questão e da proliferação dos discursos sobre a infância, examina-se aqui um deles, bastante expressivo no século XIX, que incide na combinatória entre regenerar e civilizar. Esta fórmula, cuja legitimidade foi forjada no interior da ordem médica, determinou que o trabalho viesse a focalizar a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ), um dos lugares em que o tema da infância esteve presente regularmente ao longo do século XIX. Com a perspectiva de analisar as representações que a respeito da infância foram produzidas, trabalhou-se com parte da produção da FMRJ, sobretudo com as teses defendidas pelos alunos ao final do curso para a obtenção do título de doutor. Além disto, fez-se incursões precisas nas atas do I Congresso Brasileiro de Protecção á Infância e no conjunto das teses da I Conferência Nacional de Educação, na tentativa de indicar a permanência da infância na ordem do discurso médico, a ênfase na necessidade de sua higienização e certos deslocamentos das representações.

História da educação; Infância; Higiene; Educação escolar


This paper presents a reflection and analysis of the construction of the idea of childhood in Brazil. Religion, science, progress, industry, commerce and civilization are some of the signs that have been part of the shaping and construction of this concept within the Brazilian context. In face of the complexity of the issue, and of the proliferation of discourses about childhood, only one of them is examined here, a considerably influential discourse in the 19th century that rests upon an alliance between regenerating and civilizing. That formula, whose legitimacy was built inside the medical profession, determined that this work should focus the Medical School of Rio de Janeiro (FMRJ), one of the places where the issue of childhood was present throughout the 19th century. With a view to analyze the representations made about childhood, part of the academic production of the Medical School of Rio de Janeiro was examined, specially the doctoral theses. Apart from that, judicious use was made of the proceedings of the First Brazilian Congress on the Protection of Childhood, and of the ensemble of theses from the First National Conference on Education, in an attempt to indicate the continuity of childhood as a theme in the medical discourse, the emphasis on the need of its hygiene, and certain displacements of representations.

History of education; Childhood; Hygiene; School education


A sementeira do porvir : higiene e infância no século XIX

José G. Gondra

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Correspondência para:

José G. Gondra

Rua Zamenhof, 46 – apto.202

20240-070 Rio de Janeiro – RJ

e-mail: gondra@domain.com.br

Resumo

Este artigo apresenta uma análise e reflexão sobre a produção da idéia da infância no Brasil. Religião, ciência, progresso, indústria, comércio e civilização são alguns dos signos que têm participado da configuração e construção desse conceito no contexto brasileiro.

Diante da complexidade da questão e da proliferação dos discursos sobre a infância, examina-se aqui um deles, bastante expressivo no século XIX, que incide na combinatória entre regenerar e civilizar. Esta fórmula, cuja legitimidade foi forjada no interior da ordem médica, determinou que o trabalho viesse a focalizar a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ), um dos lugares em que o tema da infância esteve presente regularmente ao longo do século XIX.

Com a perspectiva de analisar as representações que a respeito da infância foram produzidas, trabalhou-se com parte da produção da FMRJ, sobretudo com as teses defendidas pelos alunos ao final do curso para a obtenção do título de doutor. Além disto, fez-se incursões precisas nas atas do I Congresso Brasileiro de Protecção á Infância e no conjunto das teses da I Conferência Nacional de Educação, na tentativa de indicar a permanência da infância na ordem do discurso médico, a ênfase na necessidade de sua higienização e certos deslocamentos das representações.

Palavras-chave

História da educação – Infância – Higiene – Educação escolar.

Sowing the future : hygiene and childhood in the 19th century

Abstract

This paper presents a reflection and analysis of the construction of the idea of childhood in Brazil. Religion, science, progress, industry, commerce and civilization are some of the signs that have been part of the shaping and construction of this concept within the Brazilian context.

In face of the complexity of the issue, and of the proliferation of discourses about childhood, only one of them is examined here, a considerably influential discourse in the 19th century that rests upon an alliance between regenerating and civilizing. That formula, whose legitimacy was built inside the medical profession, determined that this work should focus the Medical School of Rio de Janeiro (FMRJ), one of the places where the issue of childhood was present throughout the 19th century.

With a view to analyze the representations made about childhood, part of the academic production of the Medical School of Rio de Janeiro was examined, specially the doctoral theses. Apart from that, judicious use was made of the proceedings of the First Brazilian Congress on the Protection of Childhood, and of the ensemble of theses from the First National Conference on Education, in an attempt to indicate the continuity of childhood as a theme in the medical discourse, the emphasis on the need of its hygiene, and certain displacements of representations.

Keywords

History of education – Childhood – Hygiene – School education.

O homem brasileiro nada tem de inferior ao de outras terras, ao contrario, em muitas coisas lhe é superior; o que lhe falta é instrucção, educação hygienica, protecção sanitaria desde o ventre materno.

Dr. Gouveia, 1922

O sonho de um mundo melhor e a necessidade de organizá-lo constituem-se em um discurso recorrente ao longo da história da Humanidade. Atingir tal finalidade vem sendo associada, de diferentes modos e, por vezes, combinadamente, ao apego à religião, à ciência, ao progresso, à indústria, à civilização e também à concepção e ao tratamento que se dispensam à infância, por exemplo. Nesse trabalho, trato desse último aspecto, procurando refletir acerca da própria produção da idéia da infância no Brasil, das estratégias imaginadas para colocá-la na agenda das preocupações dos homens e das medidas pensadas para bem conformá-la.1 1 . Esse trabalho tem origem em minha tese de doutoramento, intitulada Artes de Civilizar: Medicina, Higiene e Educação Escolar na Corte Imperial. Nessa direção, examinei um dos lugares em que o tema da infância comparecia regularmente ao longo do século XIX, de modo a analisar quais as representações que aí foram produzidas. Assim sendo, trabalhei com parte da produção da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ), sobretudo com as teses defendidas pelos alunos ao final do curso, de modo a obter o título de Doutor. Em uma tentativa de indicar a permanência da infância na ordem do discurso médico, a ênfase na necessidade de sua higienização e deslocamentos das representações sobre essa questão, fiz incursões precisas nas atas do I Congresso Brasileiro de Protecção á Infância2 2 . Ocorrido no Rio de Janeiro, entre os dias 27 de agosto e 5 de setembro de 1922, organizado pelo Departamento da Creança no Brasil, contou com a inscrição de 2632 participantes, entre médicos, parlamentares, professores, representantes da delegações oficiais e de instituições públicas e privadas, advogados, religiosos, fazendeiros, comerciantes e engenheiros, dentre outros. Esse evento foi organizado em torno de cinco seções: 1- Sociologia e Legislação; 2- Assistência, 3- Pedagogia, 4- Medicina Infantil e 5- Higiene. e no conjunto das teses da I Conferência Nacional de Educação.3 3 . Evento organizado pela Associação Brasileira de Educação, com apoio do governo do Estado do Paraná, ocorrido em Curitiba, tendo sido aberto em 19 de dezembro de 1927. A I Conferência Nacional de Educação foi estruturada em torno de 5 comissões: duas do Ensino Primário, 1 do Ensino Secundário, 1 de Educação Higiênica e 1 do Ensino Superior. No total foram apresentadas 128 teses, distribuídas pelas comissões. No entanto, só foi possível recuperar 112 das teses e 14 pareceres referentes às não localizadas, sendo que em relação a duas, não foi possível localizar nem a própria tese, nem seu parecer (cf, INEP, 1997)

Um primeiro aspecto observado nesse estudo refere-se à subordinação da infância a uma das áreas do curso médico: a de higiene. Nesse caso, a higiene é representada como ciência-matriz, apontando para uma hierarquia a ser seguida no interior da ordem médica, assim como em seu exterior. Hierarquização que supõe a higiene como discurso matricial, o que fica evidenciado em um conjunto de teses sustentadas na FMRJ ao longo do século XIX. Dr. Coutinho, em 1857, ao introduzir o ponto de sua tese em que trata da questão escolar, enaltece a higiene, criada, segundo ele, pela Humanidade em sua luta contínua contra a destruição. Para esse médico, desde os tempos remotos até os nossos dias, a conservação e o aperfeiçoamento da espécie humana eram considerados uma necessidade indispensável, seja nos "esplendores da civilisação actual, nos desertos da Arabia, no centro da Grecia bellicosa, seja no tempo das grandezas da Roma antiga". Embora uma se revestisse do espírito religioso, outra se ostentasse no patriotismo espartano e outra tomasse a forma de princípio humanitário, era sempre "a hygiene dictando os preceitos para a conservação e o aperfeiçoamento das forças humanas", independentemente do espaço, do tempo e do princípio organizador das culturas.4 4 . Aqui encontra-se presente o aspecto do uso "pedagógico" do passado para justificar o papel de saber-mestre que deveria ser atribuído à higiene. Deste modo, parece haver uma compreensão de história tal qual enunciada por Spencer (1886), isto é, só tem valor fazer e conhecer a história se ela tiver um uso prático, se puder funcionar como um guia para ação: "O que nos importa conhecer é a história natural da sociedade. Precisamos saber toda a ordem de factos que nos podem ajudar a comprehender como se engrandeceu e se organisou uma nação" (p.53). Com isso, menos vale a distinção das sociedades trazidas como exemplo do que a incorporação por parte das mesmas de práticas higiênicas, causa do vigor dos homens e das sociedades. A respeito da concepção da história magister vitae, cf. Koselleck, s/d. Ao referir-se ao seu tempo, o médico fez questão de reafirmar o valor dessa ciência:

O seculo XIX deve dar a hygiene o lugar que ella occupa entre as sciencias, os progressos da chimica, da physica, da physiologia, as observações meteorologicas prestão-lhe o contingente de suas leis, que se convertem em principios hygienicos evitando e attenuando a acção dos agentes externos, e corrigindo a sua influencia sobre as funcções do organismo. Os Srs. Londe, Rostan, Tardieu, Levy e outros são os representantes da hygiene actual, a qual se ainda não chegou ao seu maior gráo de perfeição, marca comtudo uma pagina brilhante na sciencia que ensina a conservar o organismo em seu perfeito estado funccional. (1857)

Evitar, atenuar, corrigir e conservar são constituídos em ações diretamente vinculadas à Higiene, recobrindo-a de uma perspectiva antecipatória, preditiva e preventiva. Marcas que, de sua parte, também produzem uma espécie de religiosidade com que essa ciência se faz representar. Marcas que procuram deslocar a ênfase na cura para a ênfase na prevenção, processo cujos efeitos também são assinalados pelo Dr. Coutinho:

A hygiene com seus progressos tem sido de influencia incontestavelmente benefica, a humanidade tem ganho por toda a parte, em que sua acção se faz sentir, como se prova com o augmento da vida media, e o desaparecimento de enfermidades endemicas em certas localidades, mas talvez que não seja possivel á sciencia humana obstar o apparecimento de epidemias que caminhando do Oriente se propagão ás populações do Occidente, zombando das melhores condições de localidade, de clima, de estação e de asseio, como vimos no cholera-morbus, cuja marcha destruidora se estendia nos valles, galgava as collinas, e não respeitava nem condição social, nem sexo, nem idade. (1857)

Ao reconhecer e divulgar as contribuições da higiene, no sentido de aperfeiçoar e fazer progredir a Humanidade, esse médico vai construindo um argumento que procura produzir a legitimação do discurso higiênico, em cujo interior a infância e sua educação deveriam ser abrigadas. Coerente com esse raciocínio, invocou exemplos e modelos de boas práticas higiênicas. Segundo ele, a Europa, especialmente a França e a Alemanha, "não podiam ser indifferentes á hygiene das primeiras idades".5 5 . Sobre a variação no conceito de infância, cf. Kuhlmann Jr, 2000, Leite, 1997, Marcílio, 1997 e 1998 e Priori, 1999. Nesse caso, também vale lembrar o clássico estudo de Ariès, 1981. Nestes países, por ele considerados como cultos, "é a infancia cercada de cuidados e só a desampara quando adulta se confunde na massa commum da população". Lembra, ainda, os auspícios recebidos pelas mães pobres mais próximas de darem à luz ao produto da concepção, a existência de creches que recebiam os meninos durante o período em que seus parentes se ocupavam nos trabalhos diurnos, as casas de expostos, as leis severas contra o infanticídio, as diferentes instituições caridosas voltadas para a infância, para os surdos-mudos e os cegos, que recebiam apoio e proteção dos homens de coração (sem o que, tantas vidas se consumiriam inúteis a si e à sociedade) e, do mesmo modo, a preocupação em formar os professores que cursavam aulas especiais. De acordo com Dr. Coutinho, tudo isto se observava e se praticava na Europa.6 6 . Teses médicas sustentadas em Paris e Montpellier permitem problematizar uma representação muito recorrente no Brasil oitocentista; a de que os problemas de higiene no chamado mundo civilizado já se encontravam solucionados no século XIX. Nessa lista de teses é possível perceber que o tema da higiene, de forma mais ampla, e o da higiene escolar, mais particularmente, ainda se constituíam em objeto de estudo dos médicos franceses, indicando, assim, que, pelo menos, uma fração da intelectualidade médica francesa não dava como resolvidos os problemas de higiene com os quais se deparava. Ao se referir ao critério que indicava a qualidade dos estabelecimentos escolares, afirmava que o crédito obtido pelos colégios, na França, dependia do número de alunos premiados nos exames gerais, os quais eram feitos em comum e isentos do charlatanismo tão freqüente em nossos colégios, finalizando em tom de denúncia.

Higienizar os excluídos

Após a apresentação dos modelos de uma educação higiênica, Dr. Coutinho (1857) apresentava uma proposta para os colégios da Corte, que demonstrava tão bem conhecer, partindo do princípio de que não era somente a educação científica que mereceria cuidado, já que a educação física era convenientemente dirigida, na França e no restante da Europa, e a ginástica e as belas artes faziam parte importante da educação, desenvolvendo o corpo e corrigindo as naturezas ásperas. Com isto, o sentimento do belo, do justo e do honesto era inoculado na mocidade por intermédio dos diferentes ramos de ensino. Aqui, segundo ele, ao contrário, não poderia "deixar de mencionar o facto repugnante, e que se reproduz quasi quotidianamente no Rio de Janeiro;  fallamos do apparecimento de noticias que dão as folhas publicas de recem-nascidos espostos nas praças e praias da cidade", lamentando ainda "a completa indifferença que existe a esse respeito que, segundo a expressão de um muito illustrado Lente da Escola, parece que o infanticidio é um crime tão fóra da indole de nosso povo que as autoridades policiaes se persuadem que estas exposições tem sempre por causa a miseria dos parentes, que impossibilitados de enterrar os filhos, os lançam á caridade publica, e nunca se houve um crime afim de levarem os criminosos aos tribunaes competentes."7 7 . O tema do infanticídio é tratado em um significativo número de teses apresentadas à FMRJ ao longo do século XIX. Este tema preocupava, sobretudo, pelo elevado índice de mortalidade infantil provocado por um conjunto de práticas, dentre as quais a Revista do IHGB (tomo 89, nº 143) destaca a ação das parteiras e do comércio de leite: "Cruz preta no portal de uma casa, indicava, nos tempos antigos, a residência de parteira. Disseminadas aqui e alli, pelos beccos e villas do Rio de Janeiro, não tinham mãos a medir. Sem leis coercitivas exerciam com plena liberdade os difficeis encargos da profissão. Depositarias de varios segredos, conhecedoras de muitas vergonhas e escandalos, gosavam de grande respeito e dispunham de grandes amisades. Dividiam-se em duas classes: a primeira, a mais numerosa, comprehendia as simples curiosas, aparadeiras, vulgarmente conhecidas pelo nome de comadres. Da segunda faziam parte as que tinham carta de approvação. O exame era prestado perante os commissarios do proto-medicato, e em tempos posteriores na presença do cirurgião-mór ou de seus delegados. No numero destas ultimas havia também escravas. É bem de ver que os proventos da profissão iam encher as algibeiras do feliz senhor, que tinha a felicidade de contar entre seus captivos uma mulata ou negra ladina, entendida em parto. Nos archivos de nossa Municipalidade devem existir ainda os registros dessas curiosas cartas de approvação. Ainda depois da Independencia custavam ellas: de feitios tres mil e duzentos, de assignatura mil e duzentos, e de impressão seis mil e quatrocentos réis. As curiosas por serem mais baratas, eram em geral encarregadas de levar á roda os recem-nascidos escravos, cujos senhores não queriam ter os incommodos da criação. Prestados os socorros á parturiente, voltava á noite a aparadeira e, mediante modica retribuição, recebia o fardo arrancado ás caricias da pobre mãe e o ia depositar na portinhola da Casa dos Expostos. Envolvidas na clássica mantilha, não eram poucos os sustos que soffriam: evitar as vistas dos transeuntes e as indagações dos quadrilheiros da policia do Vidigal famoso. Passados os dias de resguardo, constituia-se a parturiente captiva, lucrativa fonte de renda. O escravocrata logo a annunciava como perfeita ama de leite, sadia, muito carinhosa, que não era dada as bebidas, nem fujona. E a ganancia chegava a tal ponto que com o leite de um só parto houve escravas que faziam a criação successivamente de duas e tres crianças" (1924, p.413-414). A transformação desse tema em objeto de estudo dos médicos confirma a denúncia presente no discurso do Dr. Coutinho, em 1857. É possível pensar que a defesa do aleitamento materno defendido pelos médicos seria também uma estratégia para combater o comércio mercenário do leite e a exploração gananciosa que os senhores faziam de suas escravas, seja na qualidade de parteira, seja na de ama e, com isso, também constituíam a moda e o luxo feminino em práticas a serem erradicadas. Pode-se, ainda, associar ao tema do infanticídio as teses que tratam do aborto, gravidez, parto e do funcionamento das Casas dos Expostos. Um exemplo de tese que trata deste último ponto é a de Gonçalves (1855).

Dois anos antes, a tese do Dr. Gonçalves (1855) explorava o tema dos enjeitados e, a par das duas doutrinas opostas sobre este tema, não oscila em associar-se àquela que conjuga o espírito cristão como o espírito da ciência médica. Neste sentido, este médico rejeita a posição que, segundo ele, era sustentada pelo Sr. Duchatel e por Lord Brougham, a qual não previa qualquer assistência aos enjeitados já que, nesta linha de raciocínio, esta medida faria a população crescer sem limite e, como conseqüência, a própria miséria. Em posição diametralmente oposta, apóia-se em Isaías e São Matheus para afirmar que os verdadeiros católicos, tendo por norma os dois preceitos da religião, de amar a Deus e ao próximo, não poderiam admitir o abandono dos "engeitados", sustentando que:

Para nós a criança, quer seja filha de união legítima, quer de uniões que a lei prohibe, tem igual direito ao interesse da sociedade; já nossas leis sabiamente dispostas, reconhecem este principio outr’ora desprezado, em tempos de ignorancia e barbarismo; sua benefica acção não pode ainda infelizmente modificar a opinião publica que quase inflexivel leva sua intolerancia; é pois bem triste que essa que não pôde resistir á linguagem dos sentidos, e da seducção, seja a única victima da censura, e do desprezo da opinião publica, ao passo que seu próprio seductor passa impune por seus crimes, zombando muitas vezes da miseria a que levou a infeliz. (1855)

Ao representar a mulher como vítima dos "sedutores", ajuda a construí-la como objeto e não como responsável pela gravidez, caracterização que, por sua vez, justificaria o "perdão" e a proteção da mulher e da criança sob o manto da religião e da medicina, insatisfeitas com os índices de mortalidade infantil, sobretudo junto à população pobre. É com base nestas posições que ele sustenta a necessidade de criação dos "hospicios dos engeitados", alegando que seria mais vantajoso socorrer os meninos pobres reunidos em uma casa comum, a qual garantiria a moralidade das crianças e das mães, bem como a proteção destas últimas. Em seguida, Dr. Gonçalves acrescentava que, ao se admitirem os "hospícios", estariam sendo salvas as vidas de "muitos infelizes" que, caso contrário, poderiam ser objeto de aborto, de infanticídio ou de uma exposição inevitável. No entanto, a casa dos expostos deveria ser organizada segundo os preceitos da higiene, sob pena de se ver mantido o alarmante índice de mortalidade, o qual, de acordo com a estatística deste médico, atingia 82% na Casa dos Expostos do Rio de Janeiro. Uma excepcionalidade, comparada com o que ocorria em casas assemelhadas em outras cidades do Brasil e do exterior, como ele apresenta no mapa reproduzido no Quadro 1.


Ao apresentar esta tabela, Dr. Gonçalves destaca o elevado índice de mortalidade do Rio de Janeiro, após o que procura apontar as causas que, segundo ele, mais poderosamente concorriam para a grande "destruição de infelizes abandonados por seus pais, que, procurando no hospicio a protecção, e amparo de sua vida", só encontravam "um caminho mais curto para a sepultura". Isto ocorria em virtude do estado da Casa dos Expostos do Rio de Janeiro: poucas acomodações para o número de crianças recebidas, falta de vigilância necessária, surtos epidêmicos de oftalmias, desinterias, tubérculos mesentéricos, sarampões e bexigas, contato entre os doentes, aleitamento coletivo, desprezo às regras de asseio e falta de equipamentos necessários à realização de algumas atividades clínicas.8 8 . Sobre a continuidade das Casas dos Expostos até meados do século XX, no Brasil, cf. Marcilio, 1997. Segundo essa autora, as Casas dos Expostos do Brasil foram as últimas do gênero existentes em todo o mundo ocidental. O fim dessas organizações coincidiu com o aparecimento de outras organizações voltadas para a infância. Sobre as Casas de Asilo em Portugal, cf. Fernandes, 2000, e sobre as creches e outras medidas de proteção e cuidado da infância no Brasil, cf. Kuhlmann Jr., 2000.

Adiciona, como causa, a própria idade: por ser a criança mais frágil, mais facilmente sucumbia às doenças e morria, além disso o próprio estado com que as crianças eram lançadas na "roda" (vindas de muito longe, sofrendo privações de toda a sorte, abalos consideráveis, expostas ao frio da noite ou ao calor do dia, por vezes depois de demoradas horas nas portas das igrejas ou nas escadas dos edifícios, ou então já quase a morrer) e, finalmente, a qualidade das amas. Tudo isto, combinado, explicava o elevado índice de mortalidade infantil. Ao traçar o mapa das causas, torna-se possível perceber as prescrições extraídas do guia da higiene no que diz respeito à manutenção da infância pobre e abandonada. Guia da higiene que, como o próprio Dr. Gonçalves afirma, encontrava-se em profunda sintonia com os preceitos da fé cristã. Guia, portanto, da razão e da fé, que pouco discute as causas da pobreza, mas sim os procedimentos a serem adotados para cuidar dos deserdados, dos infelizes, dos enjeitados. Neste sentido, trata-se de uma representação em torno da pobreza que estranha aquilo que identifica como práticas da barbárie (o abandono dos enjeitados), naturalizando, contudo, a própria pobreza.

No "1º Congresso de Proteção á Infância" (1922), esse tema manteve-se presente, ampliando-se, contudo, o leque dos argumentos em favor da higienização da infância. Uma flexão, observável nesse momento, articula os argumentos médico-religiosos ao econômico. Com esse deslocamento, o cuidado com a infância passa a ser representado como investimento, tendo em vista gerar/produzir sujeitos que pudessem ser integrados produtivamente ao mundo do trabalho. Nesse movimento, a proteção à infância encontrava outro motor.

Ao dirigir-se aos presentes na sessão de abertura desse evento, Dr. Fernando Magalhães9 9 . Membro da Comissão Executiva desse evento, médico da FMRJ, diretor da "Pro Matre". Esse discurso foi pronunciado em nome dos delegados oficiais dos Estados do Brasil. recolocava a preocupação em torno da infância, trazendo para o debate o aspecto econômico dessa questão. Para ele, o aproveitamento e avigoramento da criança representavam a economia, o acréscimo das forças vivas da nacionalidade. E indagava ao seu auditório: "De que valem sacrificios para trazer ao Brasil immigrantes quando deixamos emigrarem para a eternidade as creancinhas por falta de cuidados?"10 10 . De acordo com observação da ata, essa indagação foi objeto de "Applausos". Em seguida, comenta e posiciona-se: "O problema da creação dos meninos deixou de ser uma questão de ordem puramente familiar para abranger multiplos interesses de ordem social." Nessa linha, ele afirma: "Uma creança que se perde, material ou moralmente, não significa sómente uma saudade para a familia, uma vergonha para os paes; é, mais do isto, uma força que se perde para a sociedade" (1924, p.132). Nesses termos, a infância é mantida em discurso, instalando-a na condição de "maximo problema social", mantendo-se igualmente a fórmula articulada em nome da higiene de modo a resolvê-la, a qual encontra-se inscrita e expressa na gramática do guiar, ajudar, corrigir e substituir.

Para Dr. Magalhães (op. cit.), diferentes instituições deveriam conjugar tal gramática. Segundo ele:

No lar, na escola, nas officinas diversas, a creança não pertence sómente á familia, não cabe a esta cuidar de que ella viva, cresça, se desenvolva, se aperfeiçoe; á sociedade, aos governos cabe verificar, fiscalizar, assistir, defender no menino os seus proprios interesses, impedindo que elle seja mal ou insufficientemente nutrido, que se lhe exijam trabalhos intellectuaes ou physicos incompativeis com as suas forças ou com a sua edade, que se lhe negue o pão do espirito ou se lhes crestem as flôres da virtude e do coração, que se veja elle exposto ao contagio das molestias e dos vicios. (1924, p.133)11 11 . Trecho objeto de "Muittos applausos", de acordo com as atas do Congresso.

Combinando e conjugando esforços, obter-se-ia uma infância protegida, higienizada. Em consequência, obter-se-ia a própria defesa da sociedade12 12 . Uma reflexão instigante acerca dos procedimentos adotados em defesa da sociedade encontra-se em Foucault, 1999. , pois para o professor da FMRJ:

Surpresas admiraveis são commettidas por criminosos profissionaes, rebeldes a todas as injuncções das leis e da moral, insensiveis á vergonha d apena, preguiçosos e debochados, cynicos e cupidos, vivendo fóra da sociedade e á sua custa, porque sua infancia foi mal ou não foi absolutamente protegida. Por outro lado a sociedade arrasta comsigo um enorme peso morto de individualidades inuteis, porque creanças não foram adaptadas á collectividade.

Quando recolhemos um pequeno ser atirado sózinho nas tumultuosas marêtas dos refolhos sociaes, victimas de paes indignos ou de taras profundas, não é elle que nós protegemos, são as pessoas honestas que defendemos; quando tentamos chamar ou fazer voltar á saude physica ou moral seres decadentes e fracos, ameaçados pela contaminação do crime, é a própria sociedade que defendemos contra aggressões, das quaes para ella mesma, o abandono das creanças constitue uma ameaça ou um pressagio. (1924, p.133)

A manutenção da infância em discurso ocorre, portanto, com a agregação de novos elementos. Ao lado da economia, a defesa da sociedade, mais do que a defesa das individualidades das crianças, é eleita como razão para a proteção da infância. Ameaça ou presságio adjetivam os excluídos, aspectos que fundamentam a intervenção do Estado, qualificando o problema da infância ora como questão do Estado, ora como "magno problema social". Ao admitir que a defesa da infância implicava a defesa da sociedade, Dr. Magalhães propõe que tal questão também pudesse ser percebida na órbita do "direito penal", redimensionando mais uma vez o problema. Antes de finalizar seu discurso na abertura do referido evento, esse médico relembra uma afirmativa comumente ouvida: a de que "já não temos homens" e de que tudo se encontrava diminuído, degenerado e desmoralizado, em virtude do que exclamava: "somos um pais de perdidos!". Ele, então, dirige-se ao público: "Achaes assim? Julgaes deste modo? De quem a culpa? O que fazemos por prophylaxia? Não reagiremos? Deixaremos que a infecção se generalize no organismo social?" Ao comentar o questionário que apresentara ao público, ele assegura que se não "temos homens foi porque não foram bem aproveitados e dirigidos os meninos de hontem.", re-indagando seus ouvintes (e futuros leitores): "Como cruzar os braços e não agir no sentido de formar homens?"

Ao debater essa última interrogação, procura convencer e envolver seu auditório na luta em favor das idéias defendidas e do programa proposto, reafirmando a tese da criança como "sementeira do porvir", razão que o levava a conclamar todos a se aplicarem, com afinco, paixão e carinho, ao trabalho meritório de formar em cada criança um homem digno de amanhã.

Na I Conferência Nacional de Educação (1927) a infância permanece em discurso, o que pode ser evidenciado na quantidade de teses em que esse tema é tratado, central ou lateralmente. Dr. Belisario Penna, presidente da Comissão de Educação Higiênica desse evento, em sua tese, analisa a necessidade da educação higiênica. Apoiando-se em um "notável eugenista" espanhol13 13 . Qualificação atribuída pelo brasileiro a Luis Huerta. , chega a afirmar que "o problema humano é um problema de higiene, resolvido o qual, desaparecerão as causas da miséria humana" (p.32). No caso do Brasil, o problema de higiene, para o Dr. Penna, atingia mais de 90% da população que "não sabem ou não têm suficientemente educadas a inteligência e a vontade para defender e melhorar incessantemente a própria vida". Sendo assim, continua, era evidente que não contribuíam para a defesa e melhoramento da vida da família, da sociedade e da espécie. Ao contrário, afirma, o concurso de indolentes, de depositários e propagadores de doenças e taras patológicas é o de contínua e progressiva degeneração da família, da sociedade e da espécie.

Não bastasse esse quadro, o mesmo encontrava-se agravado pois, segundo Dr. Penna, dos poucos brasileiros que sabem defender e melhorar a própria vida, insignificante fração preocupava-se com a defesa e melhoramento da sociedade, contando-se pelos dedos os que cogitavam o aperfeiçoamento da espécie. Aqui, Dr. Penna deixa pistas para se compreender uma nova intervenção junto à infância. Lado a lado com o argumento econômico (melhorar a sociedade) e o jurídico (a defesa da sociedade), esse médico acopla a razão eugênica (aperfeiçoar a espécie), advertindo que depende do poder e vontade do homem "apurar as qualidades, corrigir ou eliminar os defeitos", superando-se "no produto, servindo-se no jardim do matrimônio com a vontade firme de criar filhos e que estes sejam melhores do que os que o geraram" (1997, p.33). A inobservância dos "deveres" sociais, morais e raciais conduziria ao seguinte quadro:

A inobservância desses deveres é que acarreta males profundos e graves perigos para os povos que os esquecem ou desprezam. São eles: a indolência, a doença. O descaso pela higiene física, mental e moral, as intoxicações euforísticas voluntárias, o suicídio, os atentados contra os bens e direitos do próximo, o homicídio, o egoísmo, a falsa concepção do casamento, a degeneração da raça, o luxo, a concupiscência, a prostituição, o jogo, a imoralidade, o latrocínio, a mortalidade infantil, a irreligiosidade, o antipatriotismo, a corrupção, o suborno, a tirania, o pavor à liberdade e à verdade e o predomínio da força sobre a justiça e o direito. (1997, p.32)

No amplo rol dos efeitos da não obediência aos preceitos da higiene e da eugenia, o médico prenuncia um quadro desolador de modo a aglutinar todos em torno do projeto em que acredita e com o qual encontra-se comprometido, individual e corporativamente, pois entendo que o que enuncia está autorizado pela ordem do discurso da qual faz parte, isto é, esse tipo de enunciação encontrava credenciado pela ordem médica. Nesse extenso conjunto, evidencia-se igualmente uma complexa combinatória das razões para higienizar. No discurso do Dr. Penna incidem os argumentos religiosos, higiênicos, econômicos, jurídicos e eugênicos, convergindo todos para uma infância a ser modelada exemplarmente. Nessa tarefa, agências distintas deveriam cumprir tarefas específicas e consorciadas: a casa, o asilo e a escola. Agências já referidas ao longo do século XIX. No entanto, o centro desse trabalho foi constituído em torno da reflexão acerca da relação entre o discurso da higiene, infância e educação escolar.

No que se refere aos colégios, destino de uma infância mais afortunada, Dr. Coutinho (1857), para alterar o quadro de insensibilidade e impunidade que percebia, exortava as autoridades para que se procedesse à adoção dos preceitos higiênicos, pois os cuidados que se deviam prestar à infância eram "quasi desconhecidos entre nós; no que é relativo á educação, a hygiene ainda não prestou o seu apoio, e seus preceitos ou são ignorados, ou desprezados em nossos collegios." O tom, marcadamente de denúncia, parece acentuar-se quando se dirige a uma suposta retórica, existente à época, que apregoava cuidados higiênicos ao mesmo tempo em que não criava condições para que os mesmos fossem efetivados: "Em nosso paiz, em que o charlatanismo e a especulação tem tomado proporções gigantescas." Com relação ao charlatanismo, afirmava: "a educação não foi esquecida pelos flibusteiros que abundão no paiz; engendrou-se o programa collegial com todo o cortejo de promessas nunca realisadas." Com relação à especulação, denunciava: "atrahe-se a concurrencia de alumnos com pomposos annuncios, as sciencias, a litteratura, e as bellas-artes são garantidas á mocidade: promettem tudo e nada cumprem." Aqui, também, é possível perceber, no reconhecimento daquilo que não se realizava, a presença do debate acerca da higiene nos colégios, embora, segundo Dr. Coutinho, o que se verificava era uma discrepância entre as propostas higiênicas e os atos efetivos.

Do ponto de vista dos atos, ao finalizar sua pregação em favor da higiene, ciência agregadora dos aspectos físicos, intelectuais e morais da educação escolar, insistiu no tom de denúncia ao se referir à perplexidade dos pais no momento de enviar seus filhos aos colégios, fosse pelo caráter especulativo e perigoso das casas de educação, fosse pela qualidade dos diretores dos estabelecimentos escolares, bem como a de seus professores:

Aquelles que não ignorão o estado de nossos collegios ficão perplexos quando tem de enviarem seus filhos á instrucção secundaria; e com razão, porque exceptuando poucos dignos collegios que conhecemos, os outros não são mais do que casas de especulação immoral e perigosa.

Os exames publicos a que forão obrigados os directores e professores mostrárão a sua ignorancia, e não é para admirar que muitos candidatos não conseguem com os exames actuaes se matricularem nas academias do Imperio; isto em relação á instrucção litteraria. A educação moral e religiosa é desgraçadamente nulla; a incredulidade vai se generalisando em nossa mocidade com todas as suas consequencias fataes; o desanimo penetra nos corações jovens, cria raizes perniciosas, e é o caminho seguro para o scepticismo que mata a crença, quebra os laços que unem os individuos entre si, desvirtua as forças da intelligencia e anniquila as tendencias humanitarias. (1857)

De posse dos modelos bem sucedidos no emprego dos preceitos higiênicos, Dr. Coutinho classificava o que via no Rio de Janeiro como algo a ser superado pela obediência à doutrina do higienismo, isto é, ao saber médico, cujo raio de ação procurava atingir o ser humano nas suas dimensões física, moral e intelectual, constituidor de uma trindade pedagógica, fundada, amparada e legitimada pela ordem médica. Assim, guiada pela ordem médica, estar-se-ia procedendo a uma operação com um duplo efeito: higienizar as "casas de educação" e dar à higiene o lugar de proeminência entre as demais ciências que floresciam (química, física, fisiologia e meteorologia).

A higiene como ciência da infância

Dr. Guimarães, em 1858, retoma a defesa da higiene alavancando-a à condição de "Ciência da Infância". Ao discutir as competências na educação dos filhos, afirmava haver três grandes agentes que deveriam participar desta tarefa: as mães, os pais e a higiene. O extenso discurso sobre a "Ciência da Infância" é bastante expressivo do modo como os médicos representavam a educação escolar, impondo a esta os princípios, métodos e procedimentos oriundos daquela. Sobre os agentes, defenderá uma educação pública que subtraísse a criança da influência única e exclusiva do ambiente familiar, posto que o Estado queria marcar seu filhos, educando-os. O Império desejava constituir seus súditos, não mais cabendo, portanto, uma educação exclusivamente doméstica, em que as mães cuidassem da formação moral e os pais, da formação intelectual. Defendia, contra esse formato, uma educação em que a família se constituísse em torno da criança, não cabendo, portanto, a separação de competências entre o pai e a mãe; o que alteraria o próprio conceito de família e o lugar da educação no seu interior.14 14 . Sobre a confluência entre o modelo familiar nuclear e o modelo escolar moderno, o estudo de Ariès (1981) constitui-se em referência obrigatória. No discurso do Dr. Guimarães é possível entrever a articulação, presente em sua defesa, entre uma "educação pública" e o reconhecimento das famílias, redefinindo e alterando, assim, as competências de pais, mães e as do próprio Estado. Para o caso brasileiro, o estudo de Costa (1989) indica, com um bom nível de precisão, como o processo de constituição da família conjugal foi representado pela ordem médica que, deste modo, procurou constituí-la. Defende, do mesmo modo, que a educação não se esgotasse nesse novo modelo de funcionamento familiar, sustentando a necessidade de uma educação pública a ser desenvolvida sob os auspícios da higiene:

Não admitimos como quer Mr. A. Martin, que sejão as mãis as unicas encarregadas da direcção moral de seos filhos, ficando reservado aos pais o cuidado da instrucção puramente. Com effeito pela propria lei da natureza a mãi deverá ter uma grande parte na educação dos primeiros annos tanto moral como de outra especie, mas pretender negar ao pai uma parte n’esta doce e sublime tarefa seria cruel, prejudicial e até mesmo impossivel. A harmonia, que deve subsistir entre o pái e o filho se romperia ficando aquelle extranho á formação do coração d’este; um desacordo contínuo reinaria entre o esposo e a esposa intervindo aquelle muitas veses de uma maneira contrária á esta nas relações sentimentaes de seos filhos.

Aos pais portanto, como temos visto, pertence uma parte d’esta dupla taréfa e à hygiene, como veremos é reservada outra. A hygiene, o mais importante dos ramos da Medicina, como diz o nosso distincto medico o Sr. Dr. Thomaz Gomes dos Santos, virá fornecer os meios de prolongar estas existencias vacillantes e de combater victoriosamente sua fraqueza nativa.

Esta sciencia da infancia virá mostrar ás familias e aos directores dos estabelecimentos publicos e particulares a importancia que devem ligar á constituição, temperamento, fraqueza e disposições morbidas da infancia, e ensinar-lhes a obviar estes incovenientes oppondo-lhes uma alimentação variada e escolhida, ar, agua, logar, clima adequado, uma gymnastica proporcionada e até mesmo agentes medicamentosos. (1858)

Como se pode verificar, o brado deste médico em favor da higiene, elevando-a à condição de grande ciência da infância, produz uma representação que a transforma em molde dos modos familiares, particulares e estatais de educar e formar o bom homem social. Ciência esta que, para atingir seus fins regenerativos  cuidar e elevar os débeis  poderia, inclusive, fazer uso da arte de formular, isto é, dos aspectos medicamentosos, o que sugere uma representação amplificada deste ramo da medicina, que, nesse discurso, se encontra elevado ao lugar "mais nobre e importante".

Neste sentido, não é de se estranhar que este traço também esteja presente na tese sustentada pelo Dr. Armonde em 1874. No prefácio, logo no primeiro parágrafo, sumaria a apresentação pessoal e o seu interesse pelo "ponto" escolhido:

Eis-nos, jovem timido, intelligencia pobre de illustração, espirito pouco affeito ás lidas que occupão os animos superiores e consummados pensadores, encetando um escripto publico sobre o assumpto do mais palpitante interesse, a synthese de todos os problemas sociaes - a educação.

O médico, ao se envolver no desafio de produzir um escrito público em que passa ao papel "apoucadas reflexões" e a "observação de algumas cousas relativas á educação na Côrte" toma para si um objeto que, segundo ele, era a síntese de todos os problemas sociais. Esta escolha não se constitui em uma escolha estritamente individual, mas profundamente controlada pelos discursos que a corporação médica elege como prioritários ao longo da formação, na conclusão do curso e também no exercício profissional. Após explicitar o valor do tema trabalhado, caracteriza, em seguida, o que entende como "Ciência da Infância". No ponto escolhido e desenvolvido pelo Dr. Armonde, ele procura, nesta perspectiva, valorizar a área de higiene no interior do campo médico:

A Hygiene é a primeira das sciencias. Realiza o ultimo desideratum de Hypocrates, é a aspiração principal do homem, dando-lhe a felicidade possivel na vida; a hygiene é o succo doce de todos os fructos colhidos pelos cultivadores dos diversos e numerosos ramos da grande arvore das Sciencias Medicas.

Como uma mãi extremosa para a humanidade, ella afasta de nós, e minuciosamente, todos os obstáculos que possão impedir ou perturbar a nossa vida. Mais piedosa que a propria Therapeutica, evita as molestias, que a esta só é dado curar. (1874)

A dissertação do Dr. Armonde fortalece a crença do poder da higiene, posto que esta "mãe extremosa" era a responsável por provocar um deslocamento no funcionamento da medicina, cujas preocupações, conforme os princípios da higiene, deveriam migrar da "cura" para a "prevenção". É, pois, com o entendimento de que as intervenções educacionais encontravam-se marcadas por um caráter preventivo que o autor desenvolve a sua dissertação, do que também decorria o seu interesse (e o da medicina) pela educação. Ainda no prefácio, o Dr. Armonde sinaliza para o tratamento que daria aos diferentes aspectos contidos em seu ponto. Assim, ele enuncia seu protocolo de leitura:

Á medida que discorrermos, fallaremos das relações existentes entre esse estado e a saúde dos habitantes, procurando mostrar que molestias ha entre nós, cujo desenvolvimento é devido á imperfeita educação; concluindo que, com o aperfeiçoamento desta, muito ganharão o nosso estado sanitario e a nossa civilisação, a nossa futura grandeza, seja material ou moral.

A educação, todos o sabem, comprehende tres ramos: educação physica, moral e intellectual. Tão intimas são as relações que entre si guarda esta triplice ramificação, que muitas questões não podem ser completamente classificadas em um ramo, por se ligarem igualmente aos outros. Tratando de uma questão de educação physica, por exemplo, nada mais natural do que passar-se insensivelmente para uma questão de educação moral ou intellectual. Uma das difficuldades do nosso ponto está, pois, precisamente nessa intima correlação, nessa quase inseparabilidade das questões. (1874)

Dr. Armonde explicita, portanto, em seu protocolo o interesse pela "imperfeita educação" na sua "tríplice ramificação" (física, intelectual e moral), a qual carecia de aperfeiçoamento e que, se efetivada sob os auspícios da medicina, interferiria positivamente na produção de "nossa futura grandeza". Isto é, o triunfo do Império encontrava-se subordinado a uma cadeia de relações causais, que teria em sua ponta inicial a higiene, a qual determinaria uma boa educação que, por sua vez, seria decisiva na construção de um bom estado sanitário, uma boa civilização e, conseqüentemente, a grandeza material e moral do país, estabelecendo, deste modo, uma hierarquia de saberes e de poderes. Neste sentido, nas teses médicas da FMRJ, pode-se perceber que, apesar de posições diferenciadas acerca de questões específicas, tais como o papel da igreja, da educação feminina e da obrigatoriedade do ensino, a ênfase anunciada na formação da mocidade é desenvolvida segundo um modelo discursivo marcado pelos elementos da modéstia, da autoridade (pela erudição e conhecimento do passado) e de relevância do tema estudado, bem como pela defesa de uma rede hierárquica de poder, em cuja origem e ponto superior localizava-se a "Ciência da Infância".

A higiene no discurso professoral

O discurso da higiene, no entanto, não se constituía em uma particularidade dos concluintes do curso de medicina. Também era legitimado junto ao corpo docente da faculdade. O médico-professor Carlos Rodrigues Vasconcellos, ao concorrer ao cargo de Lente de Higiene da FMRJ, foi obrigado, pelos dispositivos estatutários, a escrever e defender uma tese sobre esse tema, intitulada "Hygiene Escolar". Essa tese, contudo, distingue-se das demais pelo fato de pretender abordar um único ponto, a higiene escolar, e encontrar-se materialmente estruturada de modo distinto, já que possui capa e dados institucionais imediatamente seguidos pelo texto propriamente dito. Não encontramos, portanto, nem a seção de agradecimentos, nem a nota avaliativa, tampouco os aforismos de Hipócrates. Registro uma outra distinção, que se refere à presença de imagens gráficas no corpo do trabalho, dispostas ao final do mesmo, em que o leitor tem acesso aos desenhos de diferentes tipos de mobiliário escolar referidos pelo autor em seu discurso, quando dedica-se a abordar essa problemática, procurando comparar os modelos existentes no mundo, suas características e vantagens. É mantida, contudo, a nota de que "A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhes são apresentadas."

O discurso do Dr. Vasconcellos em torno da questão da higiene encontra-se organizado em cinco blocos: Introdução, Internatos e Externatos, A Escola, o Aluno e Moléstias Escolares. Na introdução, o autor procurou ressaltar a relevância do tema a que se dedicava, bem como a abordagem desenvolvida. Para ele, a higiene escolar constituía-se em um assunto que preocupava o espírito dos higienistas fazendo com que os múltiplos e variados elementos de análise encontrados nos estabelecimentos escolares estivessem despertando a atividade de um grupo de trabalhadores que clamava "todos os dias pelas urgentes reformas de que necessita esse ramo da hygiene." Reforma esta que, na ótica desse médico, deveria conjugar diferentes faculdades do homem, rompendo com uma tradição da Antigüidade em que os povos esmeravam-se na educação física dos adolescentes, mas desprezavam o lado intelectual. Em sua época, registra que ocorria um movimento oposto, isto é, em vez de ginásios onde se formavam grandes atletas, "vemos predios e pardieiros onde as crianças vão iniciar-se no culto dessas deusa attrahentes, difficeis de se mostrarem  A Sciencia ou a Arte , mas á custa do desenvolvimento physico, á custa da saude." Ao concluir o diagnóstico da educação de seu tempo, afirma que os adolescentes são vítimas "immoladas em honra da educação pela tuberculose, escrophulose, rachitismo, etc., ou deixando impressos os caracteres dos vicios de conformação adquiridos nesse meio ainda tão descurado entre nós". Para sustentar sua posição, recorreu a um higienista italiano15 15 . Fazio, Tratado de Igiene, de 1886. que confirmava a necessidade imperiosa de se dedicar atenção à escola e de reformá-la a partir dos postulados higienistas: "La scuola é il sacro Paladio ove é riposto l’avvenire della nazione." Descrita como sagrado palácio, a escola deveria ser ordenada pelos princípios, métodos e prescrições da higiene, de modo a poder formar sujeitos fortes, saudáveis, inteligentes e moralizados que, com essas características, alicerçariam a nação, constituindo-se em base segura para um futuro idealizado como grandioso.

Países16 16 . França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Suíça, Áustria, Itália, e até mesmo, segundo ele, a "tyrannisada" Rússia; nesta sequência. , personagens17 17 . Rousseau ( Emile), Montaigne ( Essaies, livro I), Locke ( Education des Enfants, 1821) e Brouzet ( Essai sur l’education medicinale des enfants et sur leurs maladies, 1754) , levantamentos18 18 . Apresenta dados de um recenseamento da Corte, de 1872, para provar que o número de crianças freqüentadoras de escolas já era bastante significativo. De acordo com esse censo, na Corte havia 67.064 crianças e, desse total, 15.923 encontravam-se matriculadas em uma rede de 192 escolas gratuitas (públicas e subvencionadas) e pagas. Desse quantitativo de escolas, 94 eram gratuitas, sendo 46 voltada para o ensino masculino e 48 para o público feminino. Neste censo discrimina-se ainda o público das escolas públicas e particulares quanto ao gênero, sendo encontrados 4.734 alunos e 4.588 alunas na rede pública e 3.470 meninos e 3.131 meninas nas escolas da rede privada. , procedimentos19 19 . Segundo ele, as conferências e exposições escolares que aconteciam eram interessantes, mas pouco práticas do ponto de vista da higiene escolar, sobretudo porque ainda tratavam as crianças de modo fragmentado, abandonando o trabalho corporal/físico. e estratégias20 20 . Reconhece que já se dispendia uma grande soma com o ramo escolar, apesar do atraso em que o mesmo ainda se encontrava, o que poderia nos levar à conclusão de que o problema era, então, de gerenciamento dos recursos. Este problema até poderia existir, mas este médico aponta, também, para a necessidade de elevação dos recursos a serem gastos com educação, propondo um imposto pequeno por habitante, a exemplo do que, segundo ele, já era praticado na maior parte dos países estrangeiros. A inclusão de um "imposto escolar" também esteve presente no horizonte do poder executivo central a ponto de, no relatório ministerial de 1879, o Ministro Carlos Leôncio de Carvalho defendê-lo como alternativa para o problema do financiamento da educação. integram a trama discursiva desse médico, cujo objetivo é convencer a todos de que o investimento em educação constitui-se em um esforço que poderia ser largamente recompensado quando se restituísse à "sociedade as crianças que foram entregues aos estabelecimentos de educação, educadas, fortes, robustas e aptas para pagarem com usura o emprestimo que contrahiram com ella indiretamente." Ao encerrar sua introdução, ele busca reconhecer que seu trabalho não era completo, assinalando que os problemas que abordava requereriam estudos especiais, o que era incompatível com as características de uma tese. Todavia, afirma que em sua tese estavam indicados "os verdadeiros principios em que se devem basear hygienistas e constructores", e que se sentiria suficientemente recompensado se tivesse a fortuna de ver "attendidas as nossas reclamações".

Neste conjunto de observações, fica ressaltada a presença de traços de um padrão discursivo identificado nas teses médicas: humildade, erudição, autoridade, valorização do objeto estudado e hierarquização de saberes tendo, como base, a ciência da higiene. No que se refere às representações deste último médico sobre o objeto educacional propriamente dito, verifica-se que ele propõe a realização de uma ampla cruzada moralizadora, combatendo veementemente o modelo escolar dos internatos, sendo este ponto merecedor de destaque, pois é possível, com isto, perceber uma disputa entre a forma escolar mais identificada com o modelo religioso – dos seminários/mosteiros, de uma vida reclusa – e aquele defendido pela higiene. Neste sentido, cabe acompanhar o seu posicionamento sobre este aspecto da cruzada moralizadora que pretendia ver deflagrada.

Higiene e o combate à reclusão

A principal reclamação do Dr. Vasconcellos, em sua tese de 1888, refere-se ao desprezo pelas regras de higiene escolar, o que terminava por orientar as demais reclamações que apresenta em seu discurso. No item intitulado "Internatos e Externatos", exprime uma recusa veemente com relação aos internatos que, para ele, se constituíam em uma das fontes de enfraquecimento orgânico e de decadência da espécie, pois aquele modelo de escola não possuía "interesse único na educação generosa da mocidade e no cumprimento da missão sagrada de entregar à pátria cidadãos robustos e aptos para todos os misteres". Ao contrário, o interesse único dos internatos residiria, segundo ele, no maior ou menor lucro que lhes poderia advir do ensino. Além deste aspecto, enumerava outros que também condenava como, por exemplo, o regime disciplinar que aprisionava as crianças, a alimentação quase sempre mal preparada, mal escolhida, mal distribuída e "não raras vezes pouco asseiada", a ausência de vigilância nos dormitórios, o número excessivo de alunos e o longo tempo de estudo.

Ao concluir sua exortação contra os internatos, o Dr. Vasconcellos recorreu à Arnould21 21 . Traitée de Hygiene Publique et Privée, p.1122. que afirmava "o internato é deplorável a todos os respeitos", sendo "nullo para a educação e torna-se odioso para os pensionistas."22 22 . Partilha da crítica formulada por Hippeau em seu relatório (1871), aproximando-se, deste modo, do modelo que segundo o relator francês encontrava-se em voga nos EUA. O médico brasileiro reconhecia, contudo, a utilidade dos internatos para os meninos que não possuíssem família próxima da localidade em que o colégio estivesse instalado, ou quando o menino precisasse de "sujeição". Nesses dois casos, considerados como exceção, mais do que em qualquer outro, os internatos deveriam ser organizados sob a égide da higiene e presididos pelos seus cânones, de modo a evitar desregramentos, desencaminhamentos, entrega à vida agitada das paixões e abandono completo dos deveres de aluno.

Contra o modelo dos internatos, o professor da FMRJ defendia a adoção dos externatos como padrão que, na perspectiva adotada, deveriam ser localizados, construídos, organizados e mantidos sob todas as regras que a higiene e a pedagogia prescreviam, de modo a preencher "completamente a missão" a que se destinavam. Com isso, enumerava as vantagens deste modelo:

Com effeito, terminada a tarefa escolar, o alumno regressa para a sua casa, onde, além dos cuidados da família, encontra a liberdade do exercicio, sem sujeitar-se a determinadas convenções disciplinares.

O exercicio que elle faz quando se dirige para a escola, ou quando d’ahi sae, produz a mais benefica influencia sobre o organismo; o alumno deixa atmosphera sobrecarregada de exhalações das salas dos collegios e aspira, pelo menos durante um certo tempo (duas a quatro vezes por dia), um ar mais puro e mais livre. (1888)

O externato permitiria às crianças uma espécie de liberdade, ao mesmo tempo em que as obrigava a um exercício físico diário em virtude do deslocamento que teriam de realizar entre a casa e a escola. Este é, portanto, o modelo de escola apregoado pelo Dr. Vasconcellos, especialmente porque:

Desgraçadamente, raro não é o collegio entre nós que possue, já não dizemos bôas, regulares condições de hygiene. Em geral as salas acanhadas, mal ventiladas, mal illuminadas, sem a conveniente orientação, sem espaço sufficiente para recreios, latrinas, etc.; além disso, um numero de alumnos ahi accumulados, excedendo do dobro, do triplo e além da lotação maxima. (1888)

A defesa dos externatos encontra-se, portanto, ancorada no argumento de que a saída da criança do prédio escolar é positiva, visto que a arquitetura do mesmo era contra-indicada, pois não atendia aos coeficientes higiênico-sanitários23 23 . O autor apresenta dados de um levantamento realizado em 15 colégios que atesta que os coeficientes de iluminação, ventilação e ar permanente comportariam apenas 1.145 alunos distribuídos em 618 para as escolas de meninas e 597 para os cursos de rapazes, de um total de 1.633 matriculados. Os dados funcionam para provar que o excesso de alunos é algo que deveria ser combatido em favor da boa higiene escolar. recomendados pelos médicos, sendo a saída dos espaços escolares um procedimento que funcionaria como linha de fuga, possibilitando ao aluno uma vida mais saudável do ponto de vista físico e moral. Na tentativa de ampliar a sustentação de seus argumentos, recorreu a um levantamento produzido pelo Delegado de Instrução da Freguesia de São Cristóvão, Sr. Silva Santos. Apoiado nesse levantamento, Dr. Vasconcellos conclui:

Agora, se considerarmos de um lado os grandes inconvenientes da agglomeração e de outro os que resultam da impropriedade dos predios, sobretudo de particulares, que são utilizados para tão exigente objectivo, baldos das principaes condições que a hygiene contemporanea prescreve e capazes de serios riscos pela falta de regular distribuição da luz natural e da renovação methodica e completa do ar respiravel que os alumnos devem consumir durante muitas horas no decurso de 300 dias do anno, a imaginação certamente não attinge de presente a enorme somma de prejuizos physicos e moraes que em taes estabelecimentos se preparam ou se consummam em nome da caridade e do progresso. (1888)

É, pois, preocupado com a formação intelectual, moral e física da juventude masculina e feminina que esse médico apresenta um conjunto de medidas orientadoras da reforma profunda a que pretendia submeter os externatos, voltados para toda a população, e os internatos (apenas os que fossem comprovadamente necessários). Tais medidas possuíam como ponto de origem comum a doutrina da higiene24 24 . Sobre o amplo arco de competências a ser recoberto pela higiene, o Dr. Vasconcellos afirma: "Não ha desconhecer-se que a hygiene escolar joga com todos os elementos da materia da hygiene, quer individualmente, quer em coletividade; não se póde, pois, exigir os preceitos de edificação, exposição, disposição, etc., estejam na dependencia dos preceptores; não, pertence aos hygienistas estipulal-os, aos governos a sua determinação e aos engenheiros a sua execução." Este discurso, além de assinalar a amplitude do arco higienista, também hierarquiza e ordena posições. No princípio e no fim, a higiene, na medida em que são os higienistas os formuladores e seriam, eles também, os fiscalizadores. Produtores e gerentes da ordem escolar, portanto. , mãe extremosa que deveria guiar o modo de conceber, estruturar, edificar e de funcionar dos colégios, intervindo, dessa maneira, na formação da juventude e, por conseguinte, na própria construção do futuro da Corte Imperial e da pátria brasileira. Posicionando-se contra a clausura dos internatos/seminários, esse médico posiciona-se, igualmente, contra a escola unidimensional, isto é, aquela preocupada fundamental e exclusivamente com a formação intelectual. Assim, combatendo uma forma escolar, combatia também um modelo pedagógico.

Ao percorrer a questão do conceito de educação partilhado pelos médicos por intermédio de uma série documental constituída por teses defendidas, na FMRJ, entre 1854 e 1888, foi possível acompanhar a manutenção do padrão discursivo e a existência de algumas tensões neste período. Do que foi possível perceber, para efeito de conclusão da análise do esforço dos médicos em produzir consenso em torno do corpo doutrinário da higiene, destacaria uma insistência e uma repetição presentes, seja nas teses que apresentam um recorte mais específico pelo tema da educação física, seja nas demais. Seja nas que procuram tematizar de modo mais enfático os "collegios", seja naquelas cujas preocupações giravam em torno da preocupação com a "formação da mocidade" carioca/fluminense. Insistência no poder da higiene. Repetição na compreensão da necessidade de se fazer uma intervenção higiênica que articulasse, cimentasse e desenvolvesse, simultaneamente, as três dimensões do homem, reconhecidas e referidas pelo discurso da "mãi extremosa": a moral, a física e a intelectual. Insistindo e circulando em torno desses princípios, os médicos procuraram instituir uma tripla representação dos colégios, que se manifesta em forma de combate. Combate à escola exclusivamente do físico, à escola exclusivamente do intelecto e à escola exclusivamente voltada para a formação moral. Recusa, pois, à manutenção da escola-ginásio, da escola-cárcere25 25 . Valho-me dessa associação porque os médicos, ao criticarem a escola do imobilismo e dos longos tempos dedicados ao estudo, freqüentemente associavam essa modalidade de ensino àquela preocupada exclusivamente com o desenvolvimento intelectual dos alunos e, desta forma, para eles, constituíam-se em verdadeiras prisões para os jovens. e da escola-igreja.26 26 . Hippeau (1871) trabalha com associações semelhantes ao combater os internatos que, segundo ele, eram uma "triste mistura de claustro e quartel".

Na nova ordem pedagógica imaginada pela higiene, não mais caberia cultuar uma faculdade do homem de modo exclusivo e mutuamente excludente. Nesse sentido, os higienistas rechaçavam a crença de um programa de formação inspirado no absolutismo de qualquer um dos fragmentos humanos, construindo, então, a crença na trindade pedagógica, fundida sob o calor dos saberes da higiene. Na ordem médico-higiênica, era tempo de integrar as dimensões humanas que, tradicionalmente, até o século XIX, na Corte Imperial e no Brasil, vinham sendo concebidas e tratadas isoladamente. Era tempo de uma nova religiosidade, ancorada no saber-poder da ciência. Era tempo de instituir uma nova representação dos colégios, das políticas públicas voltadas para a educação e, também, de novas práticas escolares. Era, enfim, chegado o tempo da trindade pedagógica e da utopia de intervir na formação de um homem novo. Novo porque bem constituído física, moral e intelectualmente. Novo porque inscrito em uma percepção do homem e da sociedade que buscava legitimar-se como nova, em um tempo no qual se dirigiam ações rumo à modernização da sociedade, do trabalho, da economia e da escola. Era tempo de urbanização e de aburguesamento. Portanto, também era tempo de higienização.

Higienização escolar que, recobrindo diversos aspectos (circumfusa, ingesta e applicata, dentre outros), desdobra-se também na partilha de conceitos referentes à produção de um corpo educado, de faculdades intelectuais higienizadas e do patrocínio e estímulo àquilo que os próprios médicos designam de "ginástica da vontade", isto é, a definição da própria moral do homem, que deveria presidir as práticas escolares. No interior desse complexo e descontínuo arcabouço discursivo, a idéia de infância e de educação escolar são constituídos simultânea, solidária e mutuamente dependentes. Com isso, ao representar a infância como o "porvir do amanhã", acionando o argumento da religião-caridade, da prevenção, da economia, da eugenia ou mesmo do direito, tal esforço colabora para se construir a representação da escola higiênica – higienizada e higienizadora – como incubadora de um "amanhã" regido e controlado pela racionalidade comprometida com uma ordem que produzia seus "engeitados" e "incluídos", tanto como enunciava dispositivos voltados mais para a redução dos efeitos das desigualdades existentes entre uns e outros do que propriamente para a erradicação de suas efetivas motivações.

Nesses termos, torna-se possível relativizar a reação "indignada" do Dr. Moncorvo Filho (1922) a Gustave Le Bon que, segundo ele, "ignominiosamente", "com ignorância deploravel" do Brasil, representou-nos como "um povo decadente e 'trop libéral pour des races sans energie et sans volonté...'" Contra essa posição, recusando esse suposto traço natural do povo brasileiro, dirigindo-se à audiência da sessão de abertura do I Congresso Brasileiro de Protecção á Infancia, o médico brasileiro afirmava: "Senhores, póde ser que laboremos em erro. Estamos, porém, convencidos de que o nosso trabalho, no sentido de conseguir para o nosso Brasil o melhor porvir, deverá ser cuidar desveladamente, dessa geração que amanhã bemdirá os nossos esforços, as nossas luctas e as nossas victorias." (1922, p.129). Assim, coloca na intervenção continuada junto às crianças toda a responsabilidade pelo futuro grandioso que idealizava e prometia, cujo alcance dependia de uma infância devidamente higienizada, mesmo que tal estratégia produzisse, legitimasse e terminasse por naturalizar as desigualdades da "geração do amanhã", o que, de sua parte, colaborava para manter viva a representação do eugenista francês que deixava o médico brasileiro "tão indignado".

Recebido em 31.08.00

Aprovado em 07.11.00

José G. Gondra é professor adjunto na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), coordenador da área de História da Educação e Doutor em Educação pela USP, na área de História da educação e historiografia.

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  • 1
    . Esse trabalho tem origem em minha tese de doutoramento, intitulada
    Artes de Civilizar: Medicina, Higiene e Educação Escolar na Corte Imperial.
  • 2
    . Ocorrido no Rio de Janeiro, entre os dias 27 de agosto e 5 de setembro de 1922, organizado pelo Departamento da Creança no Brasil, contou com a inscrição de 2632 participantes, entre médicos, parlamentares, professores, representantes da delegações oficiais e de instituições públicas e privadas, advogados, religiosos, fazendeiros, comerciantes e engenheiros, dentre outros. Esse evento foi organizado em torno de cinco seções: 1- Sociologia e Legislação; 2- Assistência, 3- Pedagogia, 4- Medicina Infantil e 5- Higiene.
  • 3
    . Evento organizado pela Associação Brasileira de Educação, com apoio do governo do Estado do Paraná, ocorrido em Curitiba, tendo sido aberto em 19 de dezembro de 1927. A I Conferência Nacional de Educação foi estruturada em torno de 5 comissões: duas do Ensino Primário, 1 do Ensino Secundário, 1 de Educação Higiênica e 1 do Ensino Superior. No total foram apresentadas 128 teses, distribuídas pelas comissões. No entanto, só foi possível recuperar 112 das teses e 14 pareceres referentes às não localizadas, sendo que em relação a duas, não foi possível localizar nem a própria tese, nem seu parecer (cf, INEP, 1997)
  • 4
    . Aqui encontra-se presente o aspecto do uso "pedagógico" do passado para justificar o papel de saber-mestre que deveria ser atribuído à higiene. Deste modo, parece haver uma compreensão de história tal qual enunciada por Spencer (1886), isto é, só tem valor fazer e conhecer a história se ela tiver um uso prático, se puder funcionar como um guia para ação: "O que nos importa conhecer é a história natural da sociedade. Precisamos saber toda a ordem de factos que nos podem ajudar a comprehender como se engrandeceu e se organisou uma nação" (p.53). Com isso, menos vale a distinção das sociedades trazidas como exemplo do que a incorporação por parte das mesmas de práticas higiênicas, causa do vigor dos homens e das sociedades. A respeito da concepção da história
    magister
    vitae, cf. Koselleck, s/d.
  • 5
    . Sobre a variação no conceito de infância, cf. Kuhlmann Jr, 2000, Leite, 1997, Marcílio, 1997 e 1998 e Priori, 1999. Nesse caso, também vale lembrar o clássico estudo de Ariès, 1981.
  • 6
    . Teses médicas sustentadas em Paris e Montpellier permitem problematizar uma representação muito recorrente no Brasil oitocentista; a de que os problemas de higiene no chamado mundo civilizado já se encontravam solucionados no século XIX. Nessa lista de teses é possível perceber que o tema da higiene, de forma mais ampla, e o da higiene escolar, mais particularmente, ainda se constituíam em objeto de estudo dos médicos franceses, indicando, assim, que, pelo menos, uma fração da intelectualidade médica francesa não dava como resolvidos os problemas de higiene com os quais se deparava.
  • 7
    . O tema do infanticídio é tratado em um significativo número de teses apresentadas à FMRJ ao longo do século XIX. Este tema preocupava, sobretudo, pelo elevado índice de mortalidade infantil provocado por um conjunto de práticas, dentre as quais a Revista do IHGB (tomo 89, nº 143) destaca a ação das parteiras e do comércio de leite: "Cruz preta no portal de uma casa, indicava, nos tempos antigos, a residência de parteira. Disseminadas aqui e alli, pelos beccos e villas do Rio de Janeiro, não tinham mãos a medir. Sem leis coercitivas exerciam com plena liberdade os difficeis encargos da profissão. Depositarias de varios segredos, conhecedoras de muitas vergonhas e escandalos, gosavam de grande respeito e dispunham de grandes amisades. Dividiam-se em duas classes: a primeira, a mais numerosa, comprehendia as simples curiosas, aparadeiras, vulgarmente conhecidas pelo nome de comadres. Da segunda faziam parte as que tinham carta de approvação. O exame era prestado perante os commissarios do proto-medicato, e em tempos posteriores na presença do cirurgião-mór ou de seus delegados. No numero destas ultimas havia também escravas. É bem de ver que os proventos da profissão iam encher as algibeiras do feliz senhor, que tinha a felicidade de contar entre seus captivos uma mulata ou negra ladina, entendida em parto. Nos archivos de nossa Municipalidade devem existir ainda os registros dessas curiosas cartas de approvação. Ainda depois da Independencia custavam ellas: de feitios tres mil e duzentos, de assignatura mil e duzentos, e de impressão seis mil e quatrocentos réis. As curiosas por serem mais baratas, eram em geral encarregadas de levar á roda os recem-nascidos escravos, cujos senhores não queriam ter os incommodos da criação. Prestados os socorros á parturiente, voltava á noite a aparadeira e, mediante modica retribuição, recebia o fardo arrancado ás caricias da pobre mãe e o ia depositar na portinhola da Casa dos Expostos. Envolvidas na clássica mantilha, não eram poucos os sustos que soffriam: evitar as vistas dos transeuntes e as indagações dos quadrilheiros da policia do Vidigal famoso. Passados os dias de resguardo, constituia-se a parturiente captiva, lucrativa fonte de renda. O escravocrata logo a annunciava como perfeita ama de leite, sadia, muito carinhosa, que não era dada as bebidas, nem fujona. E a ganancia chegava a tal ponto que com o leite de um só parto houve escravas que faziam a criação successivamente de duas e tres crianças" (1924, p.413-414). A transformação desse tema em objeto de estudo dos médicos confirma a denúncia presente no discurso do Dr. Coutinho, em 1857. É possível pensar que a defesa do aleitamento materno defendido pelos médicos seria também uma estratégia para combater o comércio mercenário do leite e a exploração gananciosa que os senhores faziam de suas escravas, seja na qualidade de parteira, seja na de ama e, com isso, também constituíam a moda e o luxo feminino em práticas a serem erradicadas. Pode-se, ainda, associar ao tema do infanticídio as teses que tratam do aborto, gravidez, parto e do funcionamento das Casas dos Expostos. Um exemplo de tese que trata deste último ponto é a de Gonçalves (1855).
  • 8
    . Sobre a continuidade das Casas dos Expostos até meados do século XX, no Brasil, cf. Marcilio, 1997. Segundo essa autora, as Casas dos Expostos do Brasil foram as últimas do gênero existentes em todo o mundo ocidental. O fim dessas organizações coincidiu com o aparecimento de outras organizações voltadas para a infância. Sobre as Casas de Asilo em Portugal, cf. Fernandes, 2000, e sobre as creches e outras medidas de proteção e cuidado da infância no Brasil, cf. Kuhlmann Jr., 2000.
  • 9
    . Membro da Comissão Executiva desse evento, médico da FMRJ, diretor da "Pro Matre". Esse discurso foi pronunciado em nome dos delegados oficiais dos Estados do Brasil.
  • 10
    . De acordo com observação da ata, essa indagação foi objeto de "Applausos".
  • 11
    . Trecho objeto de "Muittos applausos", de acordo com as atas do Congresso.
  • 12
    . Uma reflexão instigante acerca dos procedimentos adotados em defesa da sociedade encontra-se em Foucault, 1999.
  • 13
    . Qualificação atribuída pelo brasileiro a Luis Huerta.
  • 14
    . Sobre a confluência entre o modelo familiar nuclear e o modelo escolar moderno, o estudo de Ariès (1981) constitui-se em referência obrigatória. No discurso do Dr. Guimarães é possível entrever a articulação, presente em sua defesa, entre uma "educação pública" e o reconhecimento das famílias, redefinindo e alterando, assim, as competências de pais, mães e as do próprio Estado. Para o caso brasileiro, o estudo de Costa (1989) indica, com um bom nível de precisão, como o processo de constituição da família conjugal foi representado pela ordem médica que, deste modo, procurou constituí-la.
  • 15
    . Fazio,
    Tratado de Igiene, de 1886.
  • 16
    . França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Suíça, Áustria, Itália, e até mesmo, segundo ele, a "tyrannisada" Rússia; nesta sequência.
  • 17
    . Rousseau (
    Emile), Montaigne (
    Essaies, livro I), Locke (
    Education
    des Enfants, 1821) e Brouzet (
    Essai sur l’education medicinale des enfants et sur leurs maladies, 1754)
  • 18
    . Apresenta dados de um recenseamento da Corte, de 1872, para provar que o número de crianças freqüentadoras de escolas já era bastante significativo. De acordo com esse censo, na Corte havia 67.064 crianças e, desse total, 15.923 encontravam-se matriculadas em uma rede de 192 escolas gratuitas (públicas e subvencionadas) e pagas. Desse quantitativo de escolas, 94 eram gratuitas, sendo 46 voltada para o ensino masculino e 48 para o público feminino. Neste censo discrimina-se ainda o público das escolas públicas e particulares quanto ao gênero, sendo encontrados 4.734 alunos e 4.588 alunas na rede pública e 3.470 meninos e 3.131 meninas nas escolas da rede privada.
  • 19
    . Segundo ele, as conferências e exposições escolares que aconteciam eram interessantes, mas pouco práticas do ponto de vista da higiene escolar, sobretudo porque ainda tratavam as crianças de modo fragmentado, abandonando o trabalho corporal/físico.
  • 20
    . Reconhece que já se dispendia uma grande soma com o ramo escolar, apesar do atraso em que o mesmo ainda se encontrava, o que poderia nos levar à conclusão de que o problema era, então, de gerenciamento dos recursos. Este problema até poderia existir, mas este médico aponta, também, para a necessidade de elevação dos recursos a serem gastos com educação, propondo um imposto pequeno por habitante, a exemplo do que, segundo ele, já era praticado na maior parte dos países estrangeiros. A inclusão de um "imposto escolar" também esteve presente no horizonte do poder executivo central a ponto de, no relatório ministerial de 1879, o Ministro Carlos Leôncio de Carvalho defendê-lo como alternativa para o problema do financiamento da educação.
  • 21
    .
    Traitée de Hygiene Publique et Privée, p.1122.
  • 22
    . Partilha da crítica formulada por Hippeau em seu relatório (1871), aproximando-se, deste modo, do modelo que segundo o relator francês encontrava-se em voga nos EUA.
  • 23
    . O autor apresenta dados de um levantamento realizado em 15 colégios que atesta que os coeficientes de iluminação, ventilação e ar permanente comportariam apenas 1.145 alunos distribuídos em 618 para as escolas de meninas e 597 para os cursos de rapazes, de um total de 1.633 matriculados. Os dados funcionam para provar que o excesso de alunos é algo que deveria ser combatido em favor da boa higiene escolar.
  • 24
    . Sobre o amplo arco de competências a ser recoberto pela higiene, o Dr. Vasconcellos afirma: "Não ha desconhecer-se que a hygiene escolar joga com todos os elementos da materia da hygiene, quer individualmente, quer em coletividade; não se póde, pois, exigir os preceitos de edificação, exposição, disposição, etc., estejam na dependencia dos preceptores; não, pertence aos hygienistas estipulal-os, aos governos a sua determinação e aos engenheiros a sua execução." Este discurso, além de assinalar a amplitude do arco higienista, também hierarquiza e ordena posições. No princípio e no fim, a higiene, na medida em que são os higienistas os formuladores e seriam, eles também, os fiscalizadores. Produtores e gerentes da ordem escolar, portanto.
  • 25
    . Valho-me dessa associação porque os médicos, ao criticarem a escola do imobilismo e dos longos tempos dedicados ao estudo, freqüentemente associavam essa modalidade de ensino àquela preocupada exclusivamente com o desenvolvimento intelectual dos alunos e, desta forma, para eles, constituíam-se em verdadeiras prisões para os jovens.
  • 26
    . Hippeau (1871) trabalha com associações semelhantes ao combater os internatos que, segundo ele, eram uma "triste mistura de claustro e quartel".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Maio 2003
    • Data do Fascículo
      Jan 2000

    Histórico

    • Recebido
      31 Ago 2000
    • Aceito
      07 Nov 2000
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