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A política de educação do estado de São Paulo (uma notícia): considerações sobre a política de educação do Estado de São Paulo

HOMENAGEM

A política de educação do estado de São Paulo (uma notícia)* * Publicado originalmente como uma brochura do Governo do Estado de Sào Paulo. A data provável é 1970 e o prof. José Mário Pires Azanha assina apenas a primeira parte, intitulada "Considerações sobre a política de educação do estado de São Paulo". (nota da edição)

Considerações sobre a política de educação do Estado de São Paulo** ** Nestas considerações pretendeu-se não a ampla justitficativa da política de educacão da atual Administração. Muitos problemas e muitos aspectos foram, propositadamente, deixados de lado. O que se visou foi apenas esclarecer que as providências adotadas nos vários níveis de ensino não são isoladas e fragmentadas, mas decorrem de reflexões e decisões que levaram em conta a problemática educacional em toda a sua amplitude.

José Mário Pires Azanha

O Estado de São Paulo está vivendo uma profunda alteração no seu panorama educacional. O ensino primário, o ensino secundário e o ensino normal foram modificados nas suas bases. Essa é uma verdade irrefutável; outra, não menos, é a de que essa comoção provocou inevitáveis e profundos desajustes, só historicamente superáveis. Não havia, contudo, alternativa face ao quadro existente.

No ensino primário, uma organização e um padrão curricular e programático de há mais de vinte anos sofrendo esporádicas e periféricas tentativas de renovação metodológica. Gerações de professores — e eles são mais de 50 mil — sucedendo-se num esforço nobre e louvável, mas indiscutivelmente abstraído do contorno social, econômico e histórico no qual a escola se insere. Para agravar a situação, pode-se dizer que as rotinas estabelecidas estavam muito bem organizadas. Na reforma em desenvolvimento, não se cuidou da substituição dessas rotinas, pois muitas vezes essa tentativa já havia sido feita sempre com os mesmos resultados periféricos. Era preciso uma alteração das coordenadas dai própria organização do ensino primário, e isso foi feito a partir da idéia de que "... para isso era necessário o rompimento com uma concepção das funções sociais da escola primária, que insiste em ver nesta instituição a agência realizadora de uma tarefa que, na verdade, supera as suas efetivas possibilidades de atuação. Pretender, por exemplo, que num contexto urbano-industrial em elevado estágio de desenvolvimento, a escola primária forme a personalidade integral do educando, não é, de maneira alguma, valorizar-lhe as funções. É antes uma colocação ingênua e até certo ponto prejudicial porque, desconsiderando as reais possibilidades de ação da escola primária, lhe propõe objetivos que, por inatingíveis, não propiciam ao processo educativo a orientação necessária à sua organização e desenvolvimento. Uma instituição que retém a criança durante apenas algumas horas do dia, quase sempre empobrecendo o seu ambiente, não pode nem deve se propor à formação integral da personalidade dessa criança porque essa é uma tarefa irrealizável nessas condições. Mas pode e deve procurar exercer uma influência integradora das experiências que a criança viva, dentro e fora da escola, com vistas ao desenvolvimento harmônico da personalidade do educando. Não é possível formar integralmente a criança no pedaço de vida que ela passa na escola, mas esse período pode ser o ponto de partida para o desenvolvimento de hábitos e atitudes que permitam à criança — sob a orientação do professor — uma 'integração de todas as suas experiências". Na linha dessa idéia, formulou-se um programa de ensino extremamente simples e organizado não mais por séries anuais, mas em dois níveis. Na sua simplicidade, o novo programa devolve ao professor e à escola a autêntica responsabilidade da tarefa educativa, de que, até certo ponto, estavam dispensados quando transformados em meros executores de instruções. E a verdade é que "... nenhuma fórmula, nenhum modelo, ainda que minuciosamente concebido, dispensará o trabalho criador do professor. A minúcia programática e a precisão da indicação metodológica nunca substituirão um trabalho que, num primeiro nível, é da responsabilidade do professor, e num segundo, das autoridades escolares e da própria comunidade. Dessa forma, o Programa — uma idéia que se ofereceu à reflexão e à experimentação dos educadores paulistas — é sobretudo a renúncia de uma ilusão. A ilusão de que uma metodologia, prolixamente explicada e uniformemente implantada, criará condições, por si só, de uma efetiva renovação do Ensino Primário".

Quais os resultados desse esforço de reforma? Como tem sido usada a ampla margem de liberdade que foi conferida ao professor e à escola? Ninguém o sabe ainda, nem saberá proximamente. Nem importa que as resistências ou a insuficiente assistência ao professor ainda continuem a manter, velhas rotinas. A Administração do Ensino tem a clara consciência de que não reformou nem reformará o ensino primário pela mera providência de adoção de um novo programa e de uma nova seriação do trabalho escolar. Com isso, pretendeu apenas fixar as coordenadas de uma organização, que permita ao professor assumir na sua plenitude o papel de educador, na firme convicção de que "... mesmo num ensino de massa, e por muito confusas que sejam as relações que o constituem, a educação continua a ser um caso pessoal, um colóquio singular e intermitente: no seio da massa coletiva, estabelece-se um 'encontro a dois' entre o aluno isolado e aquele ou aqueles dos seus professores cuja competência reconheceu... Tentar definir para a educação uma verdade 'em geral' foi pois o erro de muitos filósofos, que não deram conta de que em educação só pode haver verdades pessoais e singulares". (Georges Gusdorf, "Professores, para quê?", Livraria Morais Editora).

Com relação ao ensino ginasial, o ponto básico da política do Governo Estadual foi a ampliação das oportunidades educativas até o ponto de abranger, praticamente, todos os egressos da escola primária. Essa abertura do ginásio a todos — conseqüência prática e inevitável de uma filosofia de educação autenticamente democrática — não foi nem facilmente compreendida e nem está sendo facilmente implantada. Aos que resistem — e são muitos, mesmo dentre aqueles que de forma teórica e inconseqüente fazem profissão de fé democrática — o Professor Ulhôa Cintra disse "... alguns, movendo-se num plano, abstraído da realidade, dizem que apóiam a idéia da democratização e apenas combatem e lamentam a forma pela qual ela está sendo implantada, pelos problemas que traz. Não vejo, contudo, validade na posição desses que defendendo a democratização do ensino advogam a sua realização gradativa e na estrita medida e proporção das facilidades materiais para fazê-la. Não se trata de simples questão de estratégia, mas, basicamente, de atitude filosófica e de concepção da educação e do caráter do seu relacionamento com os demais processos sociais. Já não é mais historicamente possível esperar que a democratização do ensino decorra, como simples processo residual, de um desenvolvimento econômico. Isso já aconteceu na história de outras nações, mas não pode e não deve mais ocorrer. Sobretudo, não deve. Pois é eticamente indefensável o argumento de que, para ficarem mantidas num certo nível para alguns, as oportunidades educativas possam ser sonegadas a uma grande maioria, com os mesmos direitos".

É preciso ainda observar que a extraordinária expansão das oportunidades educativas no ensino ginasial tornou inviável a continuidade de um padrão de ensino que, na sua origem histórica, estava voltado à formação de uma elite intelectual. Daí - da sua origem, e somente daí — decorria a validade das exigências intelectuais que o faziam descontínuo com relação ao ensino primário. É preciso agora reformá-lo, porque a expansão das oportunidades não se concilia com um modelo de organização incompatível nos seus parâmetros com a efetiva democratização do ensino secundário. Os estudos necessários a esse esforço de reforma ainda estão sendo feitos. A idéia central que orienta esses estudos é a de que o ensino secundário — agora, simples continuidade do ensino primário — deve ser organizado segundo um modelo único, no que deve ter de básico e comum, mas suscetível de diferenciar-se e completar-se, de forma a atender e a estimular a variedade das aptidões individuais, com vistas à exploração vocacional do educando. É, contudo, muito importante frisar que não se espera nem se deseja que essa reformulação do ensino secundário ginasial se resuma no simples acréscimo ao ensino acadêmico de algumas oportunidades de experiência educativa, como aquelas proporcionadas pela instalação de oficinas de artes industriais. Esse acréscimo — a oficina de artes industriais ou outras — louvável como ampliação dos recursos educativos não deve ganhar, indevidamente, o significado de símbolo de um esforço de renovação do ensino secundário ginasial. E esse risco existe, pois, ainda que confusamente, esboçou-se um modelo de organização que no fundo representa a associação entre a legítima insatisfação com um padrão excessivamente intelectualizado de ensino e a valorização das atividades manuais como o recurso adequado de exploração vocacional. O resultado, porém, pode vir a ser uma simples degradação do trabalho intelectual, sem nem mesmo a compensação de uma estimulação vocacional do educando. Porque é preciso ter em conta que o intelectualismo a ser combatido é apenas aquele que desconsidera o caráter de formação geral do ensino secundário e nem é verdade que a definição vocacional tenha como preliminar necessária o exercício de algumas atividades manuais.

O Decreto Estadual n. 50/33, de 2 de agosto de 1968 alterou profundamente a organização do cicio colegial em São Paulo. lnstituiu-se, por força dessa medida, a unificação dos dois primeiros anos de estudos do ensino secundário e normal. Atendeu-se com isso a um duplo propósito: a valorização do curso normal e a devolução ao ensino secundário colegial do seu caráter de formação geral.

Em São Paulo há excesso de professores primários, e as medidas até aqui tomadas para impedir o agravamento dessa situação têm sido inócuas. Impede-se a instalação de escolas normais estaduais, mas não há recurso eficaz para impedir a crescente abertura de escolas normais particulares e municipais. A unificação dos estudos é uma forma de remeter a decisão de ser professor primário para um momento de maior maturidade intelectual e psicológica, ao mesmo tempo que, indiscutivelmente, representa uma valorização do próprio curso normal estendido na sua duração para quatro anos. Na nova organização retirou-se do curso normal a enganosa aparência que tinha de profissionalizar rapidamente e ao mesmo tempo permitir o acesso aos estudos superiores. Na verdade, não profissionaliza porque o mercado de trabalho está saturado e o acesso aos cursos superiores fica, na prática, restrito àqueles cuja proliferação é índice menos da sua necessidade do que da absoluta falta de critérios disciplinadores da expansão do ensino superior.

No que diz respeito ao ensino colegial secundário, a unificação dos estudos representa uma possibilidade de preservá-lo da profunda distorção que vinha sofrendo por força das restrições impostas pela preparação ao ensino superior. Os vestibulares — as suas exigências e os seus critérios — haviam marcado profundamente o cicio colegial de estudos. Logo ao sair do ginásio, com toda a precariedade das decisões prematuras, o aluno tinha que fazer uma opção decisiva em termos profissionais e pessoais, porque todo o segundo cicio desde o seu inicio estava organizado não em função dos objetivos de uma formação geral, mas pela expectativa de sucesso nos exames vestibulares. Por força disso, tornou-se principal, o que deveria ser simples decorrência: a preparação à continuidade dos estudos. Nessas condições, o insucesso dessa preparação ganhava a extraordinária e absurda dimensão de fracasso e inutilidade de todo o cicio colegial de estudos. A tradicional divisão entre estudos clássicos e científicos — até certo ponto tolerável — já estava na prática superada pelas múltiplas adequações impostas pela especificidade das oportunidades existentes no ensino superior. A unificação dos estudos representa um esforço de retorno e de reposição ao verdadeiro significado do ensino secundário como ensino de formação geral. Muitos dizem que a conseqüência dessa unificação será um incremento dos "cursinhos preparatórios". Isso é indesejável, mas possível. No entanto, a eventual ocorrência desse fato não invalida a tese de que o ensino secundário preparará eficientemente para o ensino superior na medida em que propiciar uma adequada formação geral. Nenhuma autêntica formação superior será possível a partir de uma formação geral mutilada.1 1 . Nestas considerações pretendeu-se não a ampla justificativa da política de educação da atual Administração. Muitos problemas e muitos aspectos foram, propositadamente, deixados de lado. O que se visou foi apenas esclarecer que as providências adotadas nos vários níveis de ensino não são isoladas e fragmentárias, mas decorrem de reflexões e decisões que levaram em conta a problemática educacional em toda a sua amplitude.

O Planejamento educacional em São Paulo

Os trabalhos desenvolvidos pela Secretaria da Educação resultaram da orientação fixada no primeiro ano do atual Governo pela Administração do Ensino, período em que foram tomadas as providências básicas para a reformulação de todo o sistema de ensino primário, secundário e normal. O conjunto das providências tomadas em 1967 e consolidadas e ampliadas em 1968 e 1969 — todas elas coerentemente assentadas em concepção democrática da educação — demonstram que se está empreendendo, neste Governo, ação firmemente orientada e planejada em matéria de educação. Assim, em São Paulo, pela primeira vez em algumas décadas, definiu-se, e deu-se início à execução de uma política educacional de âmbito geral.

Em 1967, começaram os estudos e providências no sentido de dotar o Estado de São Paulo de um Plano Estadual de Educação. Tratava-se de preceito constitucional, com prazo certo para seu cumprimento, que não criou, no entanto, obrigação nova para a Administração do Ensino, pois já vinham sendo desenvolvidos, desde o inicio do atual Governo, os estudos necessários à elaboração desse plano. Comprovante disso é o fato que, no mês seguinte ao da promulgação da Constituição Estadual, a Secretaria da Educação, convocada a participar do IV Encontro Nacional de Planejamento, realizado em Porto Alegre, por iniciativa do Ministério da Educação e Cultura, e destinado à elaboração do Anteprojeto do Plano Nacional de Educação, apresentou anteprojeto substitutivo, concebido nos seguintes termos:

Introdução: A Secretaria da Educação de São Paulo, ao aceitar o convite para participar do ENPLA, a realizar-se em Porto Alegre, insiste em deixar claro que a iniciativa do Ministério da Educação e Cultura, com a promoção dos ENPLA, significa esforço meritório e louvável, porque representa indicação segura de rompimento com uma indesejável tradição na Administração da educação brasileira, qual seja a de feitura de planos a portas fechadas. Sem nenhuma dúvida, o Ministério da Educação e Cultura escolheu o caminho mais difícil, embora o mais democrático, expondo-se, inusualmente e de "motu" próprio a críticas como as que ora são feitas.

Congratula-se, pois, a Secretaria da Educação de São Paulo, com o Ministério da Educação e Cultura pela decisão e pela coragem de empreender um diálogo, nem sempre fácil, mas sempre proveitoso.

1 - A exigüidade de tempo para que as unidades da Federação examinassem o anteprojeto de lei que estabelece o Plano Nacional de Educação, constitui limitação cujos efeitos poderão ser irreparáveis, pois embora se trate de consulta preliminar às atividades de Grupo de Trabalho que preparará o texto definitivo do anteprojeto de lei, a verdade é que cada Estado se encontrou face a alternativas, igualmente indesejáveis; a omissão, e conseqüentemente a perda de uma oportunidade inédita para as administrações estaduais de ensino, isto é, a de participação direta na elaboração do Plano Estadual de Educação, ou de subapro-veitamento dessa oportunidade. Porque, tendo cada Unidade Federada a sua experiência com a execução do Plano Nacional de Educação, esta seria a ocasião para estudos de profundidade sobre tal experiência, os quais, realmente, pudessem explicitar as dificuldades encontradas e sugerir as adequações necessárias.

2 - As tentativas brasileiras de planificação têm sido, de certo modo, infelizes, porque os planos se sucedem sem que tenham sido executados integralmente, e sem que cada nova plano tenha como preliminar a análise realista das razões de ineficácia do plano antecessor. Acabar-se-á assim por comprometer a própria idéia de planejamento. Até parece que a improvisação tem sido a marca constante dos esforços de planejamento. Essa situação, lamentável de modo geral, chega a ser assustadora em matéria de educação porque a tarefa educativa produz efeitos a longo prazo, e os erros cometidos são irreparáveis. Nessas condições, a Secretaria da Educação de São Paulo não pode deixar de registrar o seu pesar diante do esforço de estabelecimento de um novo Plano Nacional de Educação, sem que as dificuldades encontradas na execução anterior tenham sido suficientemente analisadas e debatidas.

3 - Não é juridicamente pacífica a tese de que o Plano Nacional de Educação deva ser estabelecido mediante lei. Mas do ponto de vista do próprio planejamento é, obviamente, desaconselhável. Porque uma das premissas básicas do planejamento, que é a flexibilidade e conseqüentemente a possibilidade de revisões e adequações, fica desnecessariamente dificultada. O estabelecimento de um plano deve, sobretudo, dotar a administração de um instrumento de ação. Ora, a fixação desse plano numa lei, para execução numa realidade, insuficientemente estudada, certamente, implica uma auto-limitação e facilmente poderá criar condições de ineficiência.

4 - O exame do anteprojeto revela algumas deficiências que, seguramente, indicam que o Ministério da Educação e Cultura pretende, com a sua apresentação, mais provocar um debate que recolher sugestões de minúcia. Somente a partir dessa interpretação é que se admite a inexistência de uma sistemática na sua elaboração. O anteprojeto versa sobre matéria vária e de diferentes níveis, desde condições para financiamento da educação até fixação de carga-horária semanal para o curso primário. Inúmeras vezes colide com dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases, afrontando mesmo a motivação primeira dessa Lei: autonomia dos Estados em matéria de educação. Para exemplificar, basta a referência de que numa das metas fixadas para o Ensino Médio (1ºciclo), se institui como norma a transformação dos ginásios secundários em ginásios voltados para o trabalho. Mesmo sem discutir o eventual mérito dessa transformação, esbarra-se aí com um problema de capital importância, porque a cada Estado cabe autonomamente, organizar o seu sistema de ensino, respeitadas as bases e diretrizes da Educação Nacional. Não cabe, pois, nenhum comprometimento dessa ordem.

5 - A Secretaria da Educação de São Paulo preferiu não apresentar emendas parciais ao anteprojeto levado aos ENPLA, pelo Ministério da Educação e Cultura. Porque, pelas considerações feitas, entendeu que se tratava menos de um documento a ser examinado e emendado, do que uma oportunidade para tomada de posição de cada Estado. Nessas condições, a Secretaria da Educação de São Paulo preferiu apresentar um substitutivo ao anteprojeto. Substitutivo modesto e incompleto, que reflete apenas, e vale por isto, a intenção de deixar claro que uma lei sobre a Plano Nacional de Educação deve apenas fixar princípios.

Logo mais, em outubro de 1967, a Lei Estadual n. 9.865, que reestruturou o Conselho Estadual de Educação, remeteu a esse órgão a competência para a elaboração do Plano Estadual de Educação. Diante disto, a Secretaria da Educação encaminhou ao Conselho os estudos então em desenvolvimento no Departamento de Educação. Dentre eles, é importante salientar o que se refere à conceituação de plano de educação:

CONCEITO DE PLANO: 'Plano de Educação' tem rotulado iniciativas com diferentes motivações, amplitudes e objetivos revelando que o uso da expressão não tem sido feito com muita clareza. Tal ambigüidade decorre não apenas da complexidade do problema do planejamento educacional, como também da relativa indiferença com que tem sido tratada a questão de uma nomenclatura em educação. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é omissa ou imprecisa em relação a um conjunto de termos que são fundamentais a um diploma legal que fixa os princípios da educação brasileira. No entanto, em um ponto esse texto é bem claro: quando ressalta que plano deve ser estabelecido para sistema de ensino, de modo que, não existindo sistema, não se pode propriamente falar de plano de educação, a não ser em sentido bem restrito de simples esquema de distribuição e aplicação de recursos. Tanto assim parece que na lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional fica explícito que planos de educação serão elaborados pelo Conselho Federal de Educação e pelos Conselhos Estaduais de Educação, isto é, deve haver planos para os sistemas de ensino admitidos pela Lei: o federal e os estaduais. Pressupõe pois — e essa pressuposição é coerente com o espírito da Lei — que a idéia de plano surge e ganha sentido em decorrência da necessidade de racionalização de esforços para o desenvolvimento de um dado sistema de ensino. A principal inferência que se impõe a partir dessa vinculação entre sistema e plano, é que o estabelecimento de um plano de educação implica, preliminarmente, a definição de uma política educacional, e a conseqüente fixação de metas para a melhoria do sistema de ensino e a expansão do atendimento escolar. Nesses termos, um plano de educação se define como um conjunto de medidas de natureza técnica, administrativa e financeira — a serem executadas num certo prazo — e selecionadas e escalonadas a partir de uma política educacional. Esse conceito de plano tem a sua principal vantagem no fato de pôr em relevo o que é realmente imprescindível: a definição de uma política educacional. Porque somente assim se tem um critério para decidir sobre as alterações na estratégia adotada e que a prática indicar como necessárias. Desse modo, não é indispensável nem é importante que um plano de educação se estabeleça exaustivamente, num certo momento. Ele pode e deve — para não se resumir em uma simples declaração de intenções — incluir, de início, apenas aquelas medidas imediatamente viáveis, a ser ampliado face às possibilidades que forem sendo criadas. O que importa é que as particulares medidas postas em execução em um certo momento e as demais acrescentadas ao longo da ação, sejam compatíveis entre si e coerentes com as diretrizes fixadas pela política educacional. Conceber a planificação educacional em outros termos, pode conduzir a uma estimativa, ingenuamente otimista, das efetivas possibilidades de uma intervenção racional nessa área. É preciso ter sempre presente a intrínseca complexidade do processo educativo, o seu relacionamento com os demais processos sociais — e a insuficiência e precariedade das informações e pesquisas disponíveis nesse setor.

Importante é notar que no Governo Abreu Sodré agiu-se sempre, no que diz respeito à Educação, em consonância com uma política educacional coerentemente executada. Na verdade, no final de 1967, já estavam firmemente assentadas as diretrizes e idéias necessárias à elaboração de um plano de Educação, para efetivamente orientar e disciplinar a ação governamental no sentido da organização de um sistema de ensino democratizado.

Ensino Primário

No que se refere ao Ensino Primário, a reforma consubstanciou-se em três grandes providências:

1. modificação da seriação do ensino;

2. reorganização do currículo e dos programa; e

3. reorganização e implantação da orientação pedagógica.

Considerando-se que a seriação anual do curso primário não pode e não deve ser entendida como uma natural e inevitável segmentação do processo educativo e que a organização de classes tem por fundamento tão somente a racionalização do trabalho docente, esse ensino foi reorganizado em dois níveis: I (1º e 2º anos letivos) e II (3º e 4º anos letivos). Simultaneamente foi constituída, por ato do Secretário, uma Comissão com a incumbência de elaboração de projeto para a reorganização do currículo e dos programas do curso primário.

Os trabalhos dessa comissão orientaram-se por conceitos fixados em documentos preparados pelo Departamento de Educação e pela Chefia do Ensino Primário. Do primeiro, é importante destacar:

No que diz respeito à melhoria qualitativa do ensino a tarefa é mais complexa ainda, porque sob essa expressão não se pode entender apenas a renovação de métodos, mas esforço mais amplo que abranja todas as dimensões do processo educativo. Para isso é necessário o rompimento com uma concepção das funções sociais da escola primária, que insiste em ver nesta instituição a agência realizadora de uma tarefa que, na verdade, supera as suas efetivas possibilidades de atuação. Pretender, por exemplo, que num contexto urbano-industrial em elevado estágio de desenvolvimento, a escola primária forme a personalidade integral do educando, não é, de maneira alguma, valorizar-lhe as funções. É antes uma colocação ingênua e até certo ponto prejudicial, porque, desconsiderando as reais possibilidades de ação da escola primária, lhe propõe objetivos que, por inatingíveis, não propiciam ao processo educativo a orientação necessária à sua organização e desenvolvimento. Uma instituição que retém a criança durante apenas algumas horas do dia, quase sempre empobrecendo o seu ambiente, não pode nem deve se propor à formação integral da personalidade dessa criança porque essa é uma tarefa irrealizável nessas condições. Mas pode e deve procurar exercer uma influência integradora das experiências que a criança viva, dentro e fora da escola, com vistas ao desenvolvimento harmônico da personalidade do educando. Não é possível formar integralmente a criança no pedaço de vida que ela passa na escola, mas esse período pode ser o ponto de partida para o desenvolvimento de hábitos e atitudes que permitam à criança — sob a orientação do professor — uma integração de todas as suas experiências. No pouco tempo em que retém o educando, a escola não mais pode propiciar-lhe a extensa gama de oportunidades de experiência educativa que seria desejável, mas nada impede que a ação da escola extravase os seus próprios muros e alcance a criança nos ambientes em que vive. No entanto, para isso é preciso que os padrões da atividade escolar sejam reformula-dos e adaptados à estrutura da sociedade na qual a escola se insere, de modo que essa agência educativa possa pretender à realização de uma integração e orientação das influências que a criança sofre.

Não há, entretanto, somente um único caminho capaz de conduzir a essa reestru-turação do processo educativo. Por isso não é necessário nem conveniente que o ensino primário do Estado se organize segundo um único modelo, mas antes é desejável que se multipliquem as tentativas experimentais. Tais tentativas — ainda que de pequena extensão num primeiro momento — acabarão por exercer decisiva pressão no sentido de vencer a inércia que tem imobilizado o ensino primário paulista num esforço meramente alfabetizante. As próprias comunidades acabarão por se mobilizar para conseguir que as escolas que as servem sejam organizadas segundo os padrões de um ensino renovado, compreendendo que a simples criação de escolas não pode constituir meta definitiva de suas reivindicações, pois nenhuma verdadeira reforma escolar se implantará enquanto as comunidades se contentarem com as más escolas.

Daí a orientação seguida na elaboração do atual Programa. Singelo, simples baliza-mento de um trabalho, que tornará a sua feição definitiva na própria sala-de-aula. Fugindo às especificações minuciosas, não se pretende apenas que ele seja simples. Mas que essa simplicidade seja uma condição de diferenciação e de complementação, que se fará levando em conta as características peculiares a cada comunidade em que a escola viva. Somente assim — básico e comum —, haverá o ensejo para que a escola realize a experiência de integradora de experiências. Mesmo a velha polêmica de um programa, formalmente diferenciado, para o campo e para a cidade, fica agora superada. Nem para o campo e nem para a cidade, mas básico e comum, e por isso mesmo com condições de universalidade, quase diríamos, de brasilidade. As adequações, os ajustamentos, os acréscimos necessários ficam agora na dependência de uma única variável: a capacidade de se fazer uma escola que seja realmente parte viva e integrante do meio em que se insere.

Concomitantemente à implantação, em 1968, do novo currículo e programas do curso primário do Estado, foi reestruturado e reorganizado, em profundidade, o serviço de orientação pedagógica. Funcionando em condições precárias, assim em recursos materiais como em elementos técnicos, está, hoje, perfeitamente equipado.

O Serviço de Orientação Pedagógica atua junto à escola como elemento de atualização metodológica em busca de melhoria do ensino. De sua natureza restrita e estática, está, agora, em condições de atuação irradiante e progressiva.

Ensino Ginasial

O Governo Estadual, na atual administração, promoveu extraordinária expansão do ensino ginasial. Praticamente, absorveram-se na primeira série ginasial todos os egressos da escola primária. Essa medida que, inicialmente, suscitou multas polêmicas, continua ainda totalmente incompreendida por pequena parcela do público e mesmo do próprio magistério. Nem todos foram capazes de compreender que a expansão do ensino ginasial não foi uma simples medida quantitativa — embora muito significativa desse ponto de vista —, mas antes e sobretudo, a decorrência de uma política educacional essencialmente democrática, cujo alcance não pode ser aferido pelo simples confronto com inegáveis dificuldades transitórias, mas na perspectiva histórica da evolução da educação brasileira e na sua inevitável ressonância no processo de desenvolvimento econômico do Estado e da Nação. O que importa ajuizar é que essa expansão significa a implantação da escolaridade obrigatória de oito anos, num País em que a escolaridade média mal ultrapassa a dois. Uma simples comparação dá a magnitude desse esforço do Governo Estadual: na Guana-bara, para 1969, foram oferecidas cerca de 16.500 vagas na 1ª série dos ginásios oficiais; em São Paulo, já em 1968, foram matriculadas, nos estabelecimentos estaduais, mais do que 200mil crianças aprovadas nos exames de admissão. Esse é um fato de significado incontestável e de conseqüências irreversíveis, porque foi ao encontro do nível de aspiração de toda a população, que de um modo ou de outro, vem tomando consciência da importância da educação como meio de ascensão social.

Ninguém negará, nem nega, o vulto e a importância do empreendimento a que se propôs o Governo do Estado. Mas, alguns, movendo-se num plano, abstraído da realidade, dizem que apóiam a idéia da democratização e apenas combatem e lamentam a forma pela qual ela está sendo implantada, pelos problemas que traz. Não vejo, contudo, validade na posição desses que defendendo a democratização do ensino advogam a sua realização gradativa e na estrita medida e proporção das facilidades materiais para fazê-la. Não se trata de simples questão de estratégia, mas, basicamente, de atitude filosófica e de concepção da educação e do caráter do seu relacionamento com os demais processos sociais. Já não é mais historicamente possível esperar que a democratização do ensino decorra, como simples processo residual, de um desenvolvimento econômico. Isso já aconteceu na história de outras nações, mas não pode e não deve mais ocorrer. Sobretudo, não deve. Pois é eticamente indefensável o argumento de que, para ficarem mantidas num certo nível para alguns, as oportunidades educativas podem ser sonegadas a uma grande maioria, com os mesmos direitos.

Para a democratização do ensino ginasial não havia, pois, estratégias alternativas à escolha. A opção era entre o fazer e o não fazer. E foi feito. Os exames de admissão foram unificados e facilitados, e a aprovação dos que a eles compareceram alcançou cerca de 90%. Todos foram matriculados. Então, muitos que haviam combatido a iniciativa convenceram-se do acerto global da política e vêm dando de si o que podem para superar os inúmeros problemas criados. Um desses problemas é o fantasma das reprovações em massa. Falou-se do rebaixamento do nível do ensino ginasial. Mas, quais os critérios históricos, sociológicos e pedagógicos para a definição do grau de cultura que esse nível deve representar? A idéia desse pretenso rebaixamento repousa numa visão distorcida e aristocrática do ensino ginasial. Não importa aquilo que, historicamente, esse ensino representou; hoje, é simples prosseguimento do ensino primário, e a passagem deste para aquele não pode converter-se em oportunidade de truncamento de um processo educativo que visa à formação geral do educando. Não pode o ensino ginasial iniciar-se num ponto não alcançado pelo ensino primário. Nem há como fugir a esse entendimento sem admitir, claramente, que o ginásio deve ministrar um "ensino de classe destinado a uma classe". No entanto, esse é um ponto de difícil aceitação por parte dos poucos que teimam em considerar a separação entre o ensino primário e ginasial como fato intemporal e imutável, desconhecendo as múltiplas soluções encontradas em outros países e que tornam flutuantes ou mesmo inexistentes os limites entre esses dois níveis de ensina.

No entanto, pode-se argumentar que ainda não houve uma reforma do ensino ginasial estadual, pois não obstante a extraordinária expansão das oportunidades educativas, permanece inalterada a organização pedagógica e administrativa desse nível de ensino. Esse raciocínio, todavia, não expressa a realidade da situação atual. A verdade é que a expansão do ensino ginasial foi de tal monta que tornou inviável, daqui para diante, a permanência de um padrão de ensino concebido para uma parcela da população, intelectual ou economicamente privilegiada. Nessas condições, o passo decisivo de uma autêntica reforma já foi dado. Resta agora o prosseguimento da tarefa, até que uma nova organização substitua a atual, realizando no plano pedagógico a revolução democrática já caracterizada no que diz respeito à oferta de vagas. Os estudos necessários estão sendo desenvolvidos e espera-se a sua conclusão até o próximo ano. Na verdade, a Resolução n. 7/63, do Conselho Estadual de Educação já havia fixado conceitos que, se tivessem produzido conseqüências práticas, teriam desencadeado a renovação de todo o primeiro ciclo do ensino médio. Mas, isso não aconteceu. Não apenas por culpa das administrações do ensino, mas, também e principalmente, pela própria timidez da referida resolução que, se de um lado fixou claramente a idéia do ginásio único como a verdadeira solução democrática do ensino médio de primeiro ciclo, de outro, regulamentou o funcionamento dos ginásios técnicos, permitindo, assim, que na prática permanecesse e se consolidasse uma injustificável diversificação do ciclo ginasial. Porém, em 1967, um novo dado acrescentou-se à situação: a Administração anterior à atual havia firmado convênio com o Ministério da Educação e Cultura para a instalação de algumas dezenas de oficinas de artes industriais junto a ginásios. A execução desse convênio denominou-se, talvez impropriamente, implantação dos ginásios pluricurriculares. Daí, facilmente difundiu-se a idéia de que o ginásio pluricur-ricular seria mais uma solução, paralela ao ginásio secundário e ao ginásio técnico. Mais grave ainda, porque — por várias razões a serem investigadas — o ginásio pluricurrícular ganhou o sentido de uma solução híbrida, de um meio termo incaracterístico entre ginásio acadêmico e ginásio profissional. E, no entanto, a Resolução 7/63 do CEE, ao empregar a expressão pluricur-ricular estava longe desse entendimento pois aplicou-a, não a uma outra diversificação do primeiro cicio, mas para designar a orientação de um currículo único capaz de propiciar experiências educativas amplas que marcassem o sentido instrumental de uma formação geral. Para repor convenientemente os dados da situação, criou-se comissão especial incumbida de orientar a implantação de ginásios pluricurriculares. Na instalação da comissão, apresentou-se como ponto de partida para os trabalhos, o seguinte conceito de educação secundária, extraído de documento elaborado pelo Departamento de Educação:

... O ensino secundário paulista se ressente ainda dos efeitos de uma perplexidade universal quanto aos rumos que deve tomar esse nível de ensino pois, praticamente, em todos os sistemas escolares do Ocidente, a orientação geral do ensino secundário é tema que tem conduzido a infindáveis polêmicas e a profundas divergências, porque a expressão "formação geral" aplicada aos objetivos e à organização do currículo desse grau de ensino não teve, historicamente, um sentido unívoco e preciso. No Renascimento, o estudo das línguas clássicas representou um poderoso instrumento de renovação e de libertação de modos de pensar e de sentir ao propiciar ao homem a oportunidade de acesso ao saber antigo. Entretanto, com o surgimento da ciência moderna e a renovação da filosofia e das matemáticas, deixou de existir a necessidade de que o desenvolvimento intelectual dos jovens se fizesse principalmente pela leitura dos textos clássicos. Então, daí para cá, abriu-se uma polêmica, que não se encerrou ainda, sobre o caráter que deve ter a formação geral da adolescência. Polêmica em grande parte ociosa e equivocada porque se deteve em problemas que são, na verdade, simples decorrências. Pois saber se o ensino secundário deve ser, preponderantemente, de cunho literário ou científico ou ainda se meramente propedêutico ao ensino superior, ou já, marcadamente, profissionalizante, não constitui na verdade o cerne da questão. O que importa é que, qualquer que seja a particular organização que se adote para o ensino secundário, ele tenha, como no Renascimento, um sentido essencialmente instrumental. Instrumento não de uma destinação profissional precoce da juventude — mas que lhe sirva de meios para que, com autonomia de vontade, se defina e faça opções frente às imprevisíveis oportunidades de um mundo em permanente mudança. O problema consiste, pois, na elucidação do sentido que deve ter a formação geral da adolescência nas condições atuais da vida brasileira. Para isso é necessário, preliminarmente, redefinir os componentes dessa chamada cultura geral. Redefinição que especifique claramente o conteúdo de uma formação geral destinada a se constituir em instrumento de integração dos jovens na sociedade em que vivem. Nesses termos essa formação deverá ser orientada de maneira que os elementos culturais transmitidos aos jovens possam levá-los a compreender os aspectos básicos e os valores fundamentais de sua sociedade e de sua época. É preciso, pois, que com relação ao ensino secundário se organize um único tipo de escola que ministre um ensino que continue e amplie a base comum fornecida pela escola primária, sem a multiplicação de cursos paralelos que apenas servem para reforçar a idéia de que a formação geral é necessariamente ociosa e não pode vir a ser instrumento de uma definição vocacional.

Ciclo Colegial: ensino secundário e normal

A reforma do ciclo colegial: secundário e normal foi instituída pelo Decreto n. 50/33, de 2 de agosto de 1968 e regulamentada pela Resolução do Conselho Estadual de Educação n. 36/68. Na sua essência a reforma consistiu na unificação dos estudos nos dois primeiros anos do ciclo colegial secundário e normal. Após esses dois anos, a terceira série, de orientação, se diversifica pela "organização de áreas-de-estudos, diferenciadas e operacionais, cada uma delas correspondente a um setor integrado de conhecimentos e de atividades". Foram as seguintes as áreas estabelecidas: Artes, Ciências Administrativas, Ciências Humanas, Ciências Físicas e Biológicas, Educação e Letras. A organização de áreas atende a um duplo propósito: a continuidade dos estudos em nível superior e a especialização pré-profissionalizante do técnico de grau médio.

Já em 1967, o ensino normal fora objeto de análise, numa tentativa de incluí-lo no esforço de renovação de todo o sistema de ensino. Essa, era uma tarefa inadiável por duas razões: em primeiro lugar devido à expansão de unidades de ensino normal; em segundo, porque praticamente desde a década de 30 nenhuma alteração substancial se produziu nesse ramo de ensino.

Em documento preparado pelo Departamento de Educação foi fixada a preocupação do Governo nos seguintes termos:

Uma profunda reforma do ensino normal exige, preliminarmente, a reformulação do próprio ensino primário, porque a concepção que se tenha deste é que fornecerá os critérios para organização daquele. Não é possível formar adequadamente o professor primária sem uma visão clara do papel que deve representar como educador nas atuais condições da escola primária. É, pois, a própria organização do processo de educação primária que determinará a orientação a ser impressa ao esforço do restabe-lecimento do ensino normal paulista em um padrão que ele já teve e que se perdeu com a rápida e indisciplinada expansão. Talvez em nenhum outro grau ou ramo de ensino seja mais evidente a relação direta entre a expansão desordenada da rede e a deteriorização conseqüente do nível e da qualidade do ensino; embora o problema não seja exclusivamente do ensino normal, é aqui talvez que os seus efeitos são mais graves porque acabam por afetar toda a rede de escolas primárias, Duas medidas são, pois, inadiáveis: ajustamento do ritmo de crescimento do número de escolas normais às efetivas exigências de expansão de organização e de funcionamento do ensino normal. É preciso que as escolas normais e principalmente os institutos de educação se organizem e funcionem integralmente em correspondência com os seus específicos objetivos, evitando-se o que ocorre presentemente nesses estabelecimentos onde o curso normal é um simples curso a mais e, talvez o menos valorizado e atendido.

A Comissão encarregada da elaboração da reforma do cicio colegial, secundário e normal, com a mesma preocupação, sintetizou da seguinte forma as idéias que a orientaram:

A preocupação básica da Comissão foi a de entender a regulamentação da Lei n.10/38 como a oportunidade de reforma do ensino normal estadual. Essa oportunidade foi ensejada, principalmente, pelo aumento da duração do curso normal para quatro anos. Ou aproveitava-se a ocasião para uma reforma de profundidade do ensino normal, ou simplesmente acrescentava-se um ano a mais a um curso, que há muito não mais corresponde às reais necessidades de formação do magistério primário. A comissão optou pela primeira alternativa, orientando o seu trabalho pelas seguintes considerações:

1. O mercado de trabalho para professores primários está saturado. Há dezenas de milhares de professores sem emprego, e a rede de escolas normais oficiais e particulares continua, anualmente, a aumentar esse número. Nos últimos concursos de ingresso apresentaram-se:

Ano Vagas Candidatos

1963 6.938 16.275

1964 6.809 19.935

1965 2.892 11.667

Mas, não obstante esse fato, a clientela que busca a escola normal é crescente, talvez com a ilusão de uma profissionalização rápida e ao mesmo tempo conducente aos estudos superiores. Face a essa situação, com suas vistas voltadas para áreas carentes de escolas de outro tipo, tem havido por parte do Conselho Estadual de Educação e da Administração de Ensino, um esforço de contenção da expansão da rede de escolas normais mas essa orientação lirnitou-se à rede oficial não podendo ser estendida às escolas particulares. Assinale-se ainda que esse esforço envolve um grande desgaste para a Administração pois é eriçado de dificuldades face às pressões da mais variada origem e motivação, que comunidades inteiras fazem no sentido de obtenção de um curso normal mesmo onde as condições locais materiais e humanas não recomendam a sua criação.

2. A opção pelo curso normal é feita prematuramente pelo adolescente o na maioria das vezes por influência dos pais antes que por uma definição vocacional autêntica, pois para isso faltam, na ocasião da escolha, condições de maturidade e de preparo intelectual que permitam uma opção consciente e feita a partir de uma visão crítica das perspectivas profissionais do nível médio e superior. Nem se diga que os erros da escolha do curso normal poderão ser corrigidos pela transferência para outros ramos do ensino médio, porque na verdade, o princípio da equivalência — uma das idéias centrais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional — é de aplicação difícil porque o processo de adaptação é muito complexo tendo se limitado na prática a simples exames. Acrescente-se a isso o lamentável e difundido equívoco em considerar o curso normal como preparatório para as funções da mulher no lar, pois com isso as suas finalidades básicas ficam sacrificadas por objetivos, válidos de um modo geral, mas espúrios nesse contexto.

3. A formação pedagógica implica uma sólida formação geral, sem o que facilmente é substituída pela assimilação passiva de um receituário resistente à renovação e à critica. Mais ainda: as disciplinas pedagógicas fundam-se em ciências humanas, que estudadas sem discernimento intelectual e maturidade podem ter efeito deformador criando-se facilmente uma oportunidade para aquisição de idéias feitas, preconceitos e prejuízos, sobre problemas de relevância pessoal, social e filosófica. Ora, o normalista recém-saído do ginásio não possui ainda — pela pouca idade e formação básica insuficiente — nem a maturidade nem o discernimento intelectual necessários para uma introdução crítica ao estudo das ciências humanas e pedagógicas.

Esse diagnóstico, embora sumário, alimenta-se em estudos cuja conclusão é iniludível: a situação atual impõe a revisão completa da organização do ensino normal paulista. Um outro fato torna essa revisão inadiável: a reformulação do ensino primário, atualmente em curso. Pois não é possível formar adequadamente o professor primário, senão preparando-o para o papel que deve representar como educador na nova organização que se pretende para o processo de educação primária.

As modificações propostas neste documento, não apenas atentam aos pontos acima referidos, mas vão além e repercutem — como não podia deixar de ser — sobre o ensino secundário, técnica ou mesmo superior. No ensino secundário ampliam, consideravelmente, as possibilidades de ajustamento dos estudos à sua continuidade em nível superior; no ensino técnico enseja-se a criação da 4ª série — esta, e a 3ª — amplamente diversificadas e, possivelmente, terminais, criando-se, num repente, novas oportunidades de profissionalização dos colégios técnicos. No ensino superior o reflexo das alterações no ensino secundária, normal e técnico será inevitável, pois não apenas deixará de bater às suas portas grande contingente de candidatos precocemente destinados a cursos, econômico e socialmente desnecessário face à realidade do mercado de trabalho, e por isso mesmo, altamente frustradores do ponto de vista individual, como também, abre-se a esse grau de ensino possibilidade de um esforço de profissionalização intensiva, paralelamente aos cursos de graduação.

Esse documento estabelece uma organização de ensino normal que é um passo decisivo na sua valorização. O aluno do curso normal não mais fará uma opção prematura: dois anos de estudos básicos e preparação para a sua escolha; depois disso, um ano de estudos intensivos de matérias pedagógicas lhe darão, de forma amadurecida, a oportunidade de saber se realmente deseja ser professor. Após esse ano ainda será possível escolher: ou continua num quarto ano intensivamente profissionalizante para ser professor primário, ou, pode já então tentar a busca de um curso superior. Dessa forma, não mais haverá a destinação precoce. Mais ainda: a formação do professor primário será feita sobre uma formação geral muito mais sólida do que a propiciada pelo ginásio.

Quanto ao ensino secundário, a reforma não é menos significativa. A remessa da opção, entre estudos clássicos ou científicos, para o terceiro ano, impede que o colégio secundário seja transformado num longo "cursinho" preparatório para os estudos superiores, com evidentes prejuízos para a formação geral dos alunos. Da mesma forma que com relação ao ensino normal, a escolha prematura não mais será necessária e inevitável. Após dois anos de estudos básicos e formativos, vem o terceiro intensivamente propedêutico aos estudos superiores, mas com maior amplitude cultural e humanística.

A diversificação especialmente do terceiro ano enseja uma excepcional oportunidade de profissionalização em nível médio. Porque, a exemplo do curso normal, fica aberta a possibilidade de organização de 4ªs séries intensivamente profissionalizantes."

Nota: O presente trabalho foi organizado a partir dos seguintes documentos elaborados e divulgados pela Secretaria de Estado dos Negócios da Educação de São Paulo:

– Relatório das atividades da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação de São Paulo - 1968 - Introdução.

– "Plano Estadual de Educação: Documentos Preliminar"- Departamento de Educação - Exemplar mimeografado, 1967.

– "Ulhôa Cintra fala do ensino"- Carta publicada no jornal "O Estado de S. Paulo", em 15 e 17 de dezembro de 1968.

– Encontro Nacional de Planejamento: Suplemento de Pôrto Alegre, Ministério da Educação e Cultura, 1967.

– Decreto n. 50133/68 - Justificativa.

– Programa da Escola Primária do Estado de São Paulo - Edição 1969.

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    Publicado originalmente como uma brochura do Governo do Estado de Sào Paulo. A data provável é 1970 e o prof. José Mário Pires Azanha assina apenas a primeira parte, intitulada "Considerações sobre a política de educação do estado de São Paulo". (nota da edição)
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    Nestas considerações pretendeu-se não a ampla justitficativa da política de educacão da atual Administração. Muitos problemas e muitos aspectos foram, propositadamente, deixados de lado. O que se visou foi apenas esclarecer que as providências adotadas nos vários níveis de ensino não são isoladas e fragmentadas, mas decorrem de reflexões e decisões que levaram em conta a problemática educacional em toda a sua amplitude.
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    . Nestas considerações pretendeu-se não a ampla justificativa da política de educação da atual Administração. Muitos problemas e muitos aspectos foram, propositadamente, deixados de lado. O que se visou foi apenas esclarecer que as providências adotadas nos vários níveis de ensino não são isoladas e fragmentárias, mas decorrem de reflexões e decisões que levaram em conta a problemática educacional em toda a sua amplitude.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004
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