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A questão da diversidade na experiência escolar de jovens na Guiana Francesa

The issue of diversity in the school experience of youngsters in the French Guiana

Resumos

O artigo apresenta uma pesquisa realizada em dois colégios (5ª à 8ª séries do Ensino Fundamental) da cidade de Caiena, na Guiana Francesa, e analisa práticas discursivas produzidas por alunos, visando compreender como se manifesta a questão da diversidade e como ela participa da construção da experiência escolar. O dispositivo empírico consistiu em entrevistas coletivas e individuais e se apoiou numa perspectiva compreensiva das práticas sociais, que valoriza a capacidade de ação e reflexão dos atores. Examina-se o modo como esses alunos constroem sua experiência escolar numa sociedade dependente e marcada pela diversidade cultural e lingüística, numa escola que combina a retórica da igualdade de oportunidades e um clima fortemente competitivo. A sociabilidade entre pares se destaca como importante dimensão da experiência escolar e os jovens relatam como ela é balizada pelas imagens de si e do outro, construídas a partir de elementos próprios ao mundo escolar, ao universo das culturas juvenis, ao contexto sociocultural da Guiana. Os alunos fazem eco às diferentes visões sobre a escola na Guiana e, situando-se entre a crítica e a adesão ao modelo e às práticas da escola francesa, expressam suas expectativas, formulam suas perspectivas. Por trás das críticas que tecem, os adolescentes formulam a demanda de serem reconhecidos como pessoa singular, questão que se situa no cerne dos processos de sua construção subjetiva.

Diversidade; Experiência escolar; Jovens e educação; Guiana Francesa


The article presents a study conducted with two schools (5th to 8th year of fundamental school) in the city of Cayenne, French Guiana. It analyzes discursive practices produced by pupils with the purpose of understanding how the issue of diversity is manifested, and how it takes part in the construction of the experience of schooling. The empirical device consisted of collective and individual interviews, and was supported by a perspective sensitive to the social practices, recognizing the value of the agents' capacity for action and reflection. The text examines the way in which these pupils construct their school experience in a dependent society, marked by cultural and linguistic diversity, at a school that combines the rhetoric of equal opportunities with an intensely competitive atmosphere. The sociability between peers stands out as an important dimension of the school experience, and the youngsters describe how it is oriented by the images of the self and of the other constructed from elements of the world of school, of the universe of youth culture, and of the social-cultural context of the Guiana. The pupils echo the different visions of the school in the Guiana and, caught between the criticism of the model and practices of the French school and the adhesion to it, express their expectations and formulate their perspectives. Behind the criticism they make, the adolescents demand being recognized as singular people, an issue that sits at the core of the processes of their subjective construction.

Diversity; School experience; Youngsters and education; French Guiana


ARTIGOS

A questão da diversidade na experiência escolar de jovens na Guiana Francesa

The issue of diversity in the school experience of youngsters in the French Guiana

Izabel GalvãoI,* * Artigo elaborado durante pós-doutorado na Universidade Paris 13, com bolsa da CAPES. ; Jean-Jacques SchallerII

IUniversidade de São Paulo

IIUniversidade Paris 13

Correspondência Correspondência: Izabel Galvão izagal@usp.br Jean-Jacques Schaller schaller@lshs.univ-paris13.fr

RESUMO

O artigo apresenta uma pesquisa realizada em dois colégios (5ª à 8ª séries do Ensino Fundamental) da cidade de Caiena, na Guiana Francesa, e analisa práticas discursivas produzidas por alunos, visando compreender como se manifesta a questão da diversidade e como ela participa da construção da experiência escolar. O dispositivo empírico consistiu em entrevistas coletivas e individuais e se apoiou numa perspectiva compreensiva das práticas sociais, que valoriza a capacidade de ação e reflexão dos atores.

Examina-se o modo como esses alunos constroem sua experiência escolar numa sociedade dependente e marcada pela diversidade cultural e lingüística, numa escola que combina a retórica da igualdade de oportunidades e um clima fortemente competitivo. A sociabilidade entre pares se destaca como importante dimensão da experiência escolar e os jovens relatam como ela é balizada pelas imagens de si e do outro, construídas a partir de elementos próprios ao mundo escolar, ao universo das culturas juvenis, ao contexto sociocultural da Guiana. Os alunos fazem eco às diferentes visões sobre a escola na Guiana e, situando-se entre a crítica e a adesão ao modelo e às práticas da escola francesa, expressam suas expectativas, formulam suas perspectivas. Por trás das críticas que tecem, os adolescentes formulam a demanda de serem reconhecidos como pessoa singular, questão que se situa no cerne dos processos de sua construção subjetiva.

Palavras-chave: Diversidade – Experiência escolar – Jovens e educação – Guiana Francesa.

ABSTRACT

The article presents a study conducted with two schools (5th to 8th year of fundamental school) in the city of Cayenne, French Guiana. It analyzes discursive practices produced by pupils with the purpose of understanding how the issue of diversity is manifested, and how it takes part in the construction of the experience of schooling. The empirical device consisted of collective and individual interviews, and was supported by a perspective sensitive to the social practices, recognizing the value of the agents' capacity for action and reflection.

The text examines the way in which these pupils construct their school experience in a dependent society, marked by cultural and linguistic diversity, at a school that combines the rhetoric of equal opportunities with an intensely competitive atmosphere. The sociability between peers stands out as an important dimension of the school experience, and the youngsters describe how it is oriented by the images of the self and of the other constructed from elements of the world of school, of the universe of youth culture, and of the social-cultural context of the Guiana. The pupils echo the different visions of the school in the Guiana and, caught between the criticism of the model and practices of the French school and the adhesion to it, express their expectations and formulate their perspectives. Behind the criticism they make, the adolescents demand being recognized as singular people, an issue that sits at the core of the processes of their subjective construction.

Keywords: Diversity – School experience – Youngsters and education – French Guiana.

Embora adquira contornos peculiares na Guiana, a diversidade dos públicos escolares é uma questão que atinge todos os sistemas que se encaminharam à universalização do acesso. As escolas brasileiras enfrentam agudamente os desafios que decorrem da bem-vinda e ainda inacabada democratização do acesso. Este estudo1 1 . O estudo se inscreveu num convênio de pesquisa entre a Universidade de São Paulo, a Universidade Paris 13 e o Rectorat da Guiana. A pesquisadora brasileira recebeu auxílio da Fapesp e, nas fases iniciais do projeto, da Pró-Reitoria de Pesquisa e da Comissão de Cooperação Internacional, instâncias da Universidade de São Paulo. sobre escolas na Guiana, departamento ultramar da república francesa, permite que se vejam num outro contexto elementos presentes, com outras configurações, na realidade brasileira. Este artigo não se pretende, contudo, um estudo comparativo, mas situa os dados da pesquisa realizada na problemática do sistema de ensino francês e no contexto sociocultural da Guiana. Privilegiando o ponto de vista dos alunos, aborda como a questão da diversidade participa da construção de sua experiência escolar.

O sistema de ensino francês em face da diversidade do público escolar

No sistema de ensino francês, a diversificação do público escolar se torna especialmente visível e aguda no collège2 2 . Etapa correspondente ao segundo ciclo do Ensino Fundamental, isto é, da 5ª à 8ª séries. O termo francês será traduzido, nesse artigo, por colégio. , etapa comum e obrigatória3 3 . Na França, a escolaridade obrigatória vai até os dezesseis anos. que condensa as ambigüidades decorrentes da tentativa de conciliar o provimento de uma escolaridade comum para todos e a seleção de talentos segundo o princípio do mérito (Dubet, 2003). Segundo Derouet (2003), a progressiva implantação do 'colégio único' a partir de 1975 respondeu ao desejo de radicalizar o ideal de uma escola que permitisse a qualquer criança, independente de sua origem social, chegar à melhor posição social possível, graças a critérios de seleção e orientação intrínsecos à personalidade e não como efeito da origem social. Após a chamada Reforma Haby, os ramos diferenciados nos quais antes eram distribuídos os alunos desde a 5ª série, em função dos resultados obtidos no primário, foram progressivamente abolidos e a todos deve ser oferecida a mesma escolaridade. Contudo, o lycée4 4 . Correspondente ao Ensino Médio, será traduzido por liceu. continua estruturado em carreiras fortemente hierarquizadas5 5 . Tentando traduzir em poucas linhas a complexa miríade de ramos e especializações na qual se divide o sistema de Ensino Médio francês, podemos destacar que são três os tipos de liceu: o liceu geral, que dá acesso aos estudos superiores universitários; o técnico, que forma técnicos de nível superior, dirigentes de nível intermediário; o profissional, que forma os agentes operacionais situados nas posições mais baixas da hierarquia profissional. e sem mobilidade entre elas. A colocação num ou noutro tipo de liceu (e no interior de cada um, nos diferentes ramos) depende do histórico escolar e da obtenção do brevet, exame nacional ao qual devem se submeter todos os alunos na 8ª série. Além da pressão que o brevet e a perspectiva de ingresso no liceu exercem sobre as práticas escolares da etapa anterior, o 'colégio único' foi implantado calcado no modelo do secundário, privilegiando os saberes abstratos e a acumulação de conhecimentos visando a realização de estudos longos, isto é, voltados para o ingresso na universidade (Dubet; Duru-Bellat, 2000). Assim, a despeito dos textos oficiais que determinam que a orientação do aluno aos diferentes ramos do liceu deve ser feita com base nos 'gostos' e nas 'aptidões' individuais (Merle, 2003), os encaminhamentos são feitos de acordo com o rendimento no colégio – sendo os alunos aconselhados a escolher em função do que os seus resultados lhes possibilitam – e das expectativas e das estratégias das famílias, favorecendo as que conhecem melhor o complexo funcionamento do sistema. Assim, as carreiras mais seletivas (liceu geral) continuam acolhendo jovens de camadas sociais mais favorecidas, ratificando as desigualdades sociais. Se antes da massificação a seleção dos alunos era anterior ao ingresso no colégio, etapa então acessível somente para alguns, agora ela é feita durante o colégio, pois a implantação do colégio único não quebrou a lógica seletiva (Dubet, 2004).

Diante desse quadro, as classes heterogêneas tornam-se o grande entrave para o trabalho pedagógico e, a despeito das orientações oficiais do colégio único, os estabelecimentos encontram formas de criar agrupamentos mais homogêneos. Essas soluções respondem às demandas dos professores, que se vêem despreparados para lidar com a diversidade crescente entre os alunos, mas também dos alunos e das famílias mais 'competitivos' que exercem pressão por uma educação seletiva (Van Zanten, 2001). A opção pelas línguas estrangeiras representa uma das soluções. No leque de opções que o aluno deve cursar durante o colégio6 6 . São duas as línguas estrangeiras a serem cursadas: a primeira a partir da 5ª série; e a segunda a partir da 7ª série. , há línguas mais valorizadas e seletivas do que outras, como é o caso do alemão, que atrai os 'bons alunos' e favorece a constituição de 'classes de elite'. A opção pelo latim, língua clássica não obrigatória que, a partir da 7ª série, pode ser cursada além das duas línguas modernas, constitui outro filtro para criar 'boas' classes7 7 . A criação de 'classes européias', onde os alunos têm o ensino de uma das línguas estrangeiras reforçado, é outra estratégia de homogeneização, já que tais classes são compostas pelos alunos com melhores rendimentos. .

Além do fato de a criação de 'boas' classes ter por conseqüência inevitável a criação de classes 'ruins', como bem lembra Agnès Van Zanten (2001), existem outros mecanismos que favorecem a permanência das segregações que a proposta do colégio único pretendia eliminar. A SEGPA, Seção de Ensino Geral e Profissional Adaptado, que acolhe, em classes separadas dentro do colégio comum, alunos a quem se atribuem grandes dificuldades de aprendizagem, distúrbios de comportamento ou deficiências leves, constitui-se em ramo paralelo, com pouca comunicação com as classes comuns e do qual o aluno raramente sai. As classes de acolhimento aos alunos estrangeiros, embora projetadas como estruturas provisórias destinadas à rápida integração nas classes comuns daqueles que ao ingressarem no sistema não dominam a língua francesa, também tendem a se perenizar e a manter segregados crianças e adolescentes que, embora colocados na mesma categoria, podem se encontrar em situações muito distintas (Berque, 1985; Lazaridis, 2001).

Ao lado dessas soluções regressivas que tentam restaurar a homogeneidade perdida e cujo efeito é aumentar a distância entre os bons e os maus alunos (Duru-Bellat, 2002), constata-se a emergência de dispositivos que buscam a redução dessas distâncias. Kerlan (2003) faz um levantamento dos numerosos dispositivos que visam construir uma escola na qual o ideal de igualdade de chances passe pelo reconhecimento das diferenças, mas mostra como permanecem soluções marginais às práticas dominantes.

A maior autonomia que as diretrizes oficiais atribuem aos colégios desde a década de 1990 possibilita tanto a construção de projetos pedagógicos comprometidos com a redução das desigualdades como a criação de dispositivos que atendam às pressões do 'mercado escolar', corroborando a seletividade dos alunos e a competitividade entre os estabelecimentos (Broccolichi; Ben-Ayed, 2003; Dutercq, 2003). Essas pressões são recobertas pelas desigualdades geográficas e sociais e, a despeito do princípio de unidade do sistema, caro à escola republicana francesa, as desigualdades entre as escolas situadas no 'centro' e as da 'periferia' são cada vez mais visíveis. Estudos como os de Van Zanten (2001), Payet (1995) e Charlot, Beautier e Rochex (1992) trazem importante contribuição para compreender a dinâmica de funcionamento dessas escolas e o modo como os alunos inseridos em contextos que tendem a se configurar como guetos sociais e étnicos constroem sua experiência escolar. A coincidência entre a concentração de crianças de camadas sociais desfavorecidas e de origem estrangeira nas classes ou nos estabelecimentos desvalorizados revela que o colégio ainda não conseguiu neutralizar os efeitos das desigualdades sociais e culturais.

Como bem insiste Duru-Bellat (2002), as práticas escolares não são simples canais de reprodução das desigualdades herdadas da sociedade, mas espaço de produção de novas desigualdades. Os processos escolares que produzem desigualdade são diluídos no seu modo de funcionamento e se traduzem pelas sucessivas seleções e orientações que marcam inexoravelmente a vida dos estudantes. Esses processos são calcados na retórica da igualdade de oportunidades que permite justificar a produção de desigualdades numa sociedade democrática em que o nascimento e a tradição não são aceitos como justificativa. Os indivíduos são vistos como iguais no início e se diferenciariam de acordo com seus méritos, o que tornaria, aos olhos dessa retórica, a competição justa. Ocorre que, ao não reconhecer situações que de início representam chances desiguais, essa retórica favorece a legitimação das desigualdades sociais pela chancela do mérito escolar. Os que perdem essa competição são objeto de desprezo e humilhação além de responsabilizados pelo próprio fracasso. Posicionando-se do lado dos 'vencidos' do sistema, Dubet (2004) aponta os limites do princípio do mérito e alerta para a necessária articulação com outros princípios de justiça.

Além das desigualdades traduzidas pelo nível socioeconômico, alguns autores enfatizam a necessidade de considerar a variável étnica, pois há uma forte coincidência entre esses dois elementos. No entanto, esse não é um debate simples na França. Ignorando-se como país de imigração, o debate público francês só toma consciência desse fato a partir da retração econômica iniciada na década de 1970, quando a numerosa presença de imigrantes, em sua maior parte vindos das ex-colônias da África do Norte8 8 . Nacira Guénif-Souilamas (2000) mostra como a categoria 'imigrante' é associada a uma origem específica – os 'magrebinos' – e como essa última designação, hetero-atribuída, é por sua vez redutora, na medida em que assimila a uma mesma origem (Magreb, região que compreende o Marrocos, a Tunísia, a Argélia) povos que se consideram fortemente distintos entre si. , passa a ser vista como um 'problema social'. Segundo J.-P. Payet (1996), o postulado indiferenciador da escola republicana impede que a variável étnica ou cultural seja reconhecida, tanto no âmbito do discurso dos atores institucionais como na produção científica, donde a timidez das pesquisas sobre o tema. Lorcerie (2003) sugere que, embora tirado do currículo explícito, o etnonacionalismo que sacraliza a França como nação do universal democrático e exclui da representação da nação o aporte de outras culturas que não a 'gaulesa' continua agindo no currículo oculto. O paradoxo é que, paralelamente à ocultação da variável étnica e cultural, constata-se inflação de explicações etnicizantes sobre o fracasso ou a violência escolar, nutridas pelo contexto social de crescente xenofobia. Ao lado do discurso de 'indiferença às diferenças', convive um discurso preconceituoso que convoca categorias como 'estrangeiro', 'não-francofônico', 'oriundo de imigração', 'classe popular' para explicar, de modo simplificador, condutas ou resultados escolares. Além de abranger realidades muito distintas, esse tipo de explicação desconsidera o fato de que as identidades étnicas não são um dado estanque, mas um elemento dinâmico que se constrói nas interações sociais, atravessadas pelas relações de dominação e desconsidera, sobretudo, que o espaço escolar participa ativamente da construção da etnicidade (Guénif-Souilamas, 2000; Tichit, 2001; Alamartine, 2003).

Um território francês na Amazônia

Fato muito presente para quem mora na região Norte, a fronteira do Brasil com a França pode passar por ficção aos olhos de um habitante da região Sudeste... No entanto, a Guiana Francesa, que se estende por uma superfície de 91.000 km2, possui quase 700 km de fronteira com o Brasil, dividindo as águas do rio Oiapoque com o estado do Amapá. A chegada do Império colonial francês nessas terras amazônicas se deu em 1604 e a Guiana viveu sob o estatuto de colônia até 1946. Nessa data, a chamada 'lei de assimilação' a transforma em Departamento9 9 . O departamento é uma das principais divisões administrativas do território francês: são 96 na França metropolitana e 4 no ultramar. Ultramar da República Francesa, juntamente com as ilhas da Martinica, de Guadelupe – nas Antilhas – e a da Reunião, no oceânico Indico. Os sujeitos coloniais guianenses ganham o estatuto de cidadãos franceses e a Guiana, território nacional francês, passa a ter seu espaço político e institucional organizado segundo os mesmos moldes dos demais departamentos da França hexagonal. Essa solução atende à reivindicação das elites locais (Farraudière, 1989), favorece a estruturação dos serviços públicos (educação, saúde etc.) e a ampliação dos benefícios sociais. O intenso fluxo de recursos vindos do Estado francês desde a departamentalização – e mais recentemente da União Européia – possibilita um nível de vida superior ao dos demais territórios amazônicos, mas não se inscreve num projeto que impulsione o desenvolvimento local. Se a aquisição do estatuto de Departamento representa importante avanço em relação à condição de colônia, essa solução não rompe com a situação de extrema dependência. A continuidade existente entre esses dois períodos se expressa, aliás, no uso do termo 'metrópole' pelo qual os habitantes da Guiana se referem à França hexagonal.

Considerada sobretudo como apoio para a colonização das Antilhas, a Guiana foi uma colônia de segundo plano, cujas hesitantes tentativas de valorização foram marcadas por sucessivos fracasso (Jolivet, 1990). As tentativas de impulsionar as atividades econômicas na Guiana sempre foram vinculadas à política de povoamento e à necessidade de importação de mão-de-obra. A economia açucareira que, diferente das colônias das Antilhas sempre foi frágil, desmoronou com a abolição da escravidão em 1848: os escravos libertos se recusam a exercer atividades que remetessem aos tempos de escravidão (Jolivet, 1982) e os colonos brancos retornam à metrópole. As tentativas de revitalização por parte do Governo determinaram o primeiro movimento de imigração de trabalhadores livres, os quais vieram da África, Índia e China (Mam-Lam-Fouck, 1997a).

A implantação do bagne – prisão de trabalhos forçados – oficializada por Napoleão III em 1852, pretendia, além de livrar a metrópole de seus prisioneiros submetidos à pena de degredo, responder às necessidades de povoamento e de desenvolvimento econômico da colônia. Impedidos de voltar à Europa, os prisioneiros representavam mão-de-obra em potencial. Contudo, as severas condições de encarceramento deixaram poucos sobreviventes, frustrando-se mais essa tentativa de povoamento por colonos brancos. Extinto somente em 1938, o bagne contribuiu para a intensificação da imagem negativa da Guiana.

Nesse período (de 1855 a 1930), o garimpo é a atividade que impulsiona a economia, atraindo garimpeiros e comerciantes das Antilhas (Santa Lúcia, República Dominicana, Martinica, Guadelupe) e dos países vizinhos, datando dessa época uma primeira onda de migrantes brasileiros. O garimpo promove também aproximação com parte das populações quilombolas instaladas na fronteira com a então Guiana Holandesa (atual Suriname), os businenge ou noirs marrons, cujas habilidades na navegação dos rios eram muito úteis para exploração e escoamento do metal10 10 . Essas comunidades constituíram-se entre meados do século XVII e final do século XVIII. Os grupos de evadidos reuniam africanos ou afro-descendentes de diferentes línguas e tradições que construíram formas de vida comuns adaptadas à região de floresta em que se implantavam, vindo a se constituir diferentes grupos étnicos, quatro deles – saramaka, paramaka, aluku, ndjuka – presentes no território francês (Price; Price, 2003). A guerra civil do Suriname (1986-1992) é um dos fatores que levou à presença crescente dos businenges em território francês. . O desenvolvimento econômico que promove é efêmero, mas favorece o enriquecimento de algumas famílias guianenses, de comerciantes antilhanos e franceses, que tendem a fortalecer o processo de urbanização da cidade de Caiena (Jolivet, 1990). Vale ressaltar que o garimpo é ainda hoje muito explorado, em sua maioria de modo clandestino e com meios precários, causando graves problemas ambientais, de violência, além de evasão de recursos.

A imigração brasileira se intensificou a partir de 1965, com a construção do Centro Espacial Francês na cidade de Kourou, que contou também com mão-de-obra de venezuelanos, marrons saramaka e outros grupos imigrantes. A instalação desse projeto tecnológico de ponta representou mais uma iniciativa para o desenvolvimento da Guiana, mas 40 anos após sua instalação, o hoje Porto Espacial da Europa ainda não foi bem assimilado (Le Hir, 2003) e essa vitrine tecnológica parece frear a diversificação dos projetos locais de desenvolvimento.

As condições de vida forjadas pela departamentalização fizeram da Guiana território extremamente atrativo para habitantes dos países próximos em busca de melhores perspectivas, estimulando os índices elevados de imigração espontânea e clandestina. Segundo os dados do censo de 1999 (Charrier, 2002), os brasileiros foram os primeiros a chegar e hoje cerca de 5% da população da Guiana é de nacionalidade brasileira, o que representa a terceira comunidade estrangeira. A posição de primeira comunidade estrangeira é ocupada pelos surinameses, que representam, em 1999, cerca de 14% da população. Essa posição foi antes ocupada pelos haitianos, cuja onda migratória se intensificou em meados da década de 1970 e se atenuou ao final da década de 1980, hoje segunda comunidade estrangeira, representando 9% da população11 11 . Segundo Charrier (2002), em 1999, por volta de 30% da população era de nacionalidade estrangeira. É importante observar que as referências aos dados demográficos são sempre acompanhados da ressalva de que se trata de estimações imprecisas, dado à dificuldade de recenseamento da população. . O departamento recebeu ainda populações a quem o governo francês concedeu asilo político, como é o caso dos hmongs que vieram refugiados do Laos e foram instalados em comunidades agrícolas no interior da Guiana.

A presença de imigrantes chineses é significativa e as ondas recentes se distinguem da imigração durante o período colonial, quando os chineses, menos numerosos, misturaram-se à população crioula por meio de casamentos mistos. A imigração recente tende a se organizar em colônias com pouca mistura com a população local e forte solidariedade interna, a ponto de membros dessa comunidade terem adquirido o quase monopólio do varejo de produtos alimentícios (Jolivet, 1990).

Diferentes povos indígenas habitam esse território desde antes da colonização, atualmente divididos em seis grupos12 12 . Ka'lina, Wayana, Arawak, Palikur, Emerillon, Wayampi (mantivemos a grafia em francês). e situados, sobretudo, em regiões de floresta do interior ou às margens dos rios que fazem fronteira com o Brasil e o Suriname. Desde os anos 1970, apresentam crescimento demográfico e se fazem mais visíveis no debate público pela reivindicação do reconhecimento de direitos e pela afirmação da identidade indígena (Collomb, 1999).

A Guiana oferece uma ótima ilustração das tensões entre a formação de um conjunto de tipo nacional e a afirmação de identidades étnicas singulares. Se há uma identidade coletiva predominante, uma guianidade, ela se apóia principalmente na comunidade crioula, que historicamente goza do maior peso demográfico e do poder político local13 13 . Segundo Jolivet (1997), o termo créole vem do espanhol crioullo e designa, inicialmente, a pessoa nascida na colônia. Na Guiana, o termo foi logo reservado para designar os descendentes de africanos, sobretudo após a abolição, quando os crioulos brancos voltaram para a Europa. É utilizado para designar o grupo social, a cultura e a língua. Utilizado em todas as antigas colônias, o sentido do termo varia conforme o lugar e mesmo conforme a época. . Marie-José Jolivet (1990; 1997) distingue dois momentos do que podemos chamar de guianidade. Marcados pela experiência da escravidão, os crioulos forjaram sua identidade pela assimilação dos valores ocidentais franceses. Identificando-se com a 'Civilização', definiram-se pela rejeição aos grupos indígenas e businenge, vistos por eles como símbolo de um estado 'selvagem' do qual queriam se distanciar. A integração dos demais grupos, chamada de crioulização, se dava desde que estes partilhassem alguns pilares dos valores ocidentais.

Essa dinâmica se modifica a partir dos anos 1970, com a perda do peso demográfico do grupo crioulo acarretada pelos fluxos migratórios recentes (Mam-Lam-Fouck, 1997b), as desconfianças em relação aos efetivos benefícios da departamentalização e a presença no debate público das reivindicações identitárias dos povos indígenas e businenge. Os crioulos (elites urbanas) partem em busca de definir a substância de sua 'crioulidade'14 14 . Essa noção foi forjada por autores antilhanos (Bernabé; Chamoiseau; Confiant, 1989), cuja contribuição participa do debate guianense. , num processo de reconstrução identitária em que a ancestralidade, as raízes são valorizadas, determinando a reconciliação, no âmbito do imaginário, dos grupos 'primitivos' antes rejeitados. Segundo Hidair (2003), a partir desse momento, é possível distinguir duas ideologias opostas na base dessa construção identitária – assimilação e raízes – que definem duas atitudes extremas – metro-afirmativa e afro-militante – em cuja busca de equilíbrio se funda a identidade crioula. Quanto aos grupos de imigrantes mais recentes, as relações que os crioulos guianenses mantêm com eles são oscilantes e ambivalentes, sobretudo num momento em que sua posição dominante se vê ameaçada. Conforme as circunstâncias, a crioulidade de certos grupos será incorporada ou rejeitada e o certificado de guianidade pode ser outorgado a uma comunidade até então deixada de fora (Cherubini, 2002). Segundo Mam-Lam-Fouk (1997b), no momento atual, a fragilidade da posição de dominação, ameaçada pela entrada de novos atores, cria reações defensivas que favorecem a atitude de recusa ao estrangeiro.

A dinâmica flutuante pela qual se organiza a identidade crioula pode ser compreendida à luz do conceito de etnicidade proposto por Frederik Barth (1995), segundo o qual um grupo étnico se define menos pelos conteúdos de sua cultura do que pelas fronteiras que o separam dos outros grupos.

Sociedade de imigração, a paisagem sociocultural da Guiana é estruturada a partir das relações de trabalho e produção. Para Lena (1997), embora a Guiana possa de fato ser bem caracterizada pela sua diversidade cultural e étnica, ainda é marcada pela convivência justaposta entre várias sociedades de peso demográfico e político muito desigual, que se ladeiam, sem verdadeiramente se conhecer. A imagem de um 'mosaico' é comumente utilizada para descrever sua população. Segundo Chalifoux (1997), essa imagem – utilizada nos documentos oficiais que pretendem valorizar a diversidade cultural – veicula uma visão irredutível das distâncias culturais e representa as relações interculturais como essencialmente relações de exclusão. A hipótese de que as fronteiras entre os grupos são menos permeáveis nas sociedades em que a organização das identidades étnicas é ligada à repartição diferenciada das atividades do setor econômico (Poutignat; Streiff-Fénart, 1995) me parece útil para a interpretação das relações interculturais na Guiana.

Para Collomb (2001), recentemente15 15 . Esse modelo se expressou claramente no Colóquio "A identidade guianense em questão", realizado em Caiena em 1995, que mobilizou pesquisadores, lideranças políticas e representantes da sociedade civil. se define um novo momento da guianidade, o qual gira em torno da noção de interculturalidade, resultado do temor da fragmentação social que pode decorrer das afirmações identitárias das diferentes comunidades. As imagens de fusão e síntese, pilares das representações anteriores da crioulização são substituídas pelas imagens de relação e de troca entre grupos humanos portadores de identidades particulares. Segundo esse autor, a construção de uma guianidade a partir da noção de interculturalidade permite, em princípio, que a diversidade cultural seja vista como elemento que enriquece e não como obstáculo a ser reduzido, posição potencialmente favorável à integração das novas populações presentes na Guiana, embora contraditória à dominação política e cultural ainda exercida pelo grupo crioulo.

Essas diferentes etapas da definição da guianidade constituem representações identitárias simultaneamente disponíveis no presente, num movimento que se aproxima ao de um caleidoscópio, cujas formações são determinadas também pelo cenário político, pelo contexto socioeconômico e pelas relações de dominação entre os diferentes grupos e entre os poderes centrais franceses e os poderes locais.

O colégio na Guiana

As escolas públicas da Guiana pertencem ao sistema nacional de ensino16 16 . A Guiana é uma das 30 academias em que se divide o sistema francês. . A maior parte dos professores vem de fora e desconhece as especificidades regionais. Mesmo os professores nativos são formados na metrópole, pois a habilitação para o magistério em nível do colégio é ainda muito incipiente17 17 . Atualmente, o Instituto Universitário de Formação de Professores (IUFM) da Guiana forma somente professores de letras modernas e de tecnologia para o nível do colégio. . Para alguns, sobretudo os que são lotados nas escolas mais afastadas, a Guiana é uma etapa inicial da carreira no magistério e, nesses casos, ao desconhecimento das questões locais se acrescenta a pouca experiência profissional.

Os programas de ensino são unificados nacionalmente, embora as orientações oficiais proponham certa flexibilidade. Por exemplo, a necessidade de "melhor adaptar o ensino à realidade intercultural da Guiana" é apresentada como um dos eixos do Projeto Acadêmico (período 2000-2003), documento que orienta a política do Ministério da Educação Nacional em cada unidade administrativa. Apesar dessa abertura, as tentativas de uma efetiva inserção das práticas escolares no território da Guiana se limitam essencialmente ao primário. No colégio, os livros didáticos utilizados são produzidos na metrópole e escolhidos dentre o elenco distribuído nacionalmente, constituindo recurso que reforça a exterioridade da escola ao território local. A submissão aos exames nacionais se, por um lado, possibilita a obtenção de equivalência pelos alunos, pressiona as práticas pedagógicas em direção à padronização e desestimula a invenção de novas práticas.

Um desvio na história ajuda a situar esse modelo. Lorcerie (2003) esclarece que, na política colonial francesa, a despeito da escassez dos estabelecimentos acessíveis aos nativos, a escola foi importante vetor da doutrina da 'assimilação'. Em relação ao caso específico da Guiana, Farraudière (1989) relata que, no período colonial, os crioulos aderiam ao modelo de escola francesa e que esta teve importante papel na consolidação desse grupo em torno de Caiena e dos valores da francidade, assim como os fortaleceu frente aos demais grupos implantados no território. Segundo a autora, essa adesão correspondia a um dos meios que esse grupo tinha de se afirmar frente à potência colonial e de conquistar mais dignidade aos olhos dela. Desde que a implantação da escola republicana leiga triunfou também na Guiana, em fins do século XIX, seu funcionamento tem sido caracterizado pela busca de total similitude com o funcionamento da escola na metrópole. Historicamente, se houve adaptações, elas resultaram, sobretudo, da necessidade de lidar com as restrições financeiras impostas às escolas das colônias.

As escolas da Guiana sofrem de modo agudo com as questões que atingem os estabelecimentos de ensino situados na França hexagonal. às dificuldades resultantes da tentativa de conciliar democratização do acesso e da função seletiva, elas se ressentem dos desajustes entre o sistema de ensino, unificado nacionalmente, e as especificidades históricas, geográficas, sociais e culturais desse território.

O exame de alguns dados produzidos pelo Ministério da Educação Nacional (2003)18 18 . Ministère de l'Education Nationale (2003). Indicateurs Généraux: Aide au diagnostic, au pilotage des académies et à la contractualisation; Académie de Guyane. e pelo serviço de estatística da academia da Guiana (2003-2004)19 19 . Note d'information, n. 1, novembre 2003; Note d'information, n. 2, décembre 2003; Note d'information, n.3, mars 2004; Note d'information, n. 4, Claude Michaud, Académie de Guyane. referentes ao colégio permite uma aproximação desse complexo panorama. De uma população estimada em 172.000 habitantes em 200220 20 . A estimativa produzida pelo INSEE, órgão nacional de recenseamento, em 2004, é de 184.400 habitantes. , 52,6% correspondem a crianças e jovens de até 26 anos, o percentual de longe mais elevado dentre o conjunto das academias. O atendimento dessa população escolar em constante crescimento – de 2002 para 2003 constata-se uma elevação de 4,7% do efetivo atendido pelos 23 colégios públicos da Guiana – é dificultado pelo intenso fluxo migratório, com a chegada continuada de novos habitantes em idade escolar21 21 . Acrescente-se a isso a dificuldade de calcular e localizar os imigrantes em idade escolar – que o Estado francês tem por obrigação escolarizar – já que muitos são clandestinos. . Embora registre ligeira baixa em 2003, a porcentagem de estrangeiros escolarizados no colégio ainda é significativa: 26,2% dos 23.406 alunos inscritos nesse nível (em 2002 a porcentagem era de 26,6%).

Em termos de rendimento escolar, as estatísticas oficiais indicam a Guiana como a academia com resultados mais baixos em diversos aspectos. O atraso escolar (dois anos ou mais) atingia, em 1999, 9,41% dos alunos, sendo que em 1996 era de 17%. Apesar da queda, ainda está distante do índice de 1,17% da metrópole ou dos 2,60% dos demais departamentos de ultramar (DOM). O número de reprovações é elevado. Em 2002, do total de alunos na 5ª série, 23,8% são reprovados, contra 8,6% de média na metrópole e 11,70% para os outros DOM. Na 9ª série, o índice de reprovação é de 8,7% contra 6,7% da média da metrópole e 6,1% para os outros DOM.

O índice de aprovação no brevet está em progressão: foi de 73,3% em 2002, contra os 64,5% em 1995. A média da metrópole, em 2002, é de 78,6% e nos outros DOM, de 67,2%. As orientações ao final da 8ª série mostram uma grande porcentagem sendo encaminhada para o ensino profissional: 33,9% vão integrar o liceu profissional, contra 24% da média metropolitana e 40,6% dos jovens vão integrar um liceu geral ou técnico (contra 59,1% na metrópole). Num cálculo aproximativo, a adição dessas porcentagens suscita a pergunta sobre o destino dos 25% dos jovens que não figuram em nenhum tipo de liceu: ou eles vão para outras formações profissionais ainda menos qualificadas ou param de estudar.

Quanto aos resultados obtidos no baccalauréat, exame que permite a entrada no Ensino Superior, eles são muito inferiores à média metropolitana: em 2002, 32,2% dos jovens guianenses de uma mesma faixa etária obtiveram o bac (incluindo os três tipos: geral, tecnológico e profissional), ao passo que na metrópole o efetivo correspondeu a 61,8%.

Como veremos mais adiante, essa posição desfavorável no conjunto do sistema de ensino francês participa da experiência escolar dos jovens.

A pesquisa

O estudo de que trata este artigo foi realizado em dois dos cinco colégios da cidade de Caiena. A investigação com os alunos22 22 . A investigação com professores foi dimensão importante dessa pesquisa, mas não será analisada neste artigo. fez-se mediante encontros em grupo e entrevistas individuais, num dispositivo empírico inspirado na 'intervenção sociológica' de Alain Touraine (1978) e nos trabalhos de François Dubet (1994; 1996), inscrevendo-se numa perspectiva compreensiva das práticas sociais.

Ao se construírem em oportunidade de reflexão, expressão e debate, as discussões em grupo e as entrevistas individuais buscaram favorecer a apreensão do modo como os jovens constroem sua experiência escolar, isto é, como articulam diferentes lógicas de ação e que sentidos atribuem ao conhecimento, às situações escolares, às relações estabelecidas nesse espaço, à escolaridade em seus projetos de vida. Mais especificamente buscou-se compreender como a diversidade, manifestada nas inúmeras diferenças que podem traduzi-la, participa da construção dessa experiência.

Nas entrevistas coletivas, a fala dos adolescentes foi desencadeada a partir de uma pergunta aberta – "contem-nos como é a vida de vocês no colégio" – que remete a um registro descritivo e permitiu que tratassem de diversos aspectos do dia-a-dia na escola – as atividades escolares, os professores, as relações entre os alunos, as regras – bem como de seus projetos de vida. As entrevistas individuais se constituíram em ocasião de aprofundamento dos temas tratados no grupo e de aproximação com a história social e familiar dos adolescentes voluntários.

Perfil dos alunos

Gozando de boa reputação, o Colégio Z atrai um alunado com nível socioeconômico mais favorecido do que o do colégio R23 23 . No colégio R, 55,2% dos alunos recebem bolsa do Ministério da Educação (destinada a cobrir despesas com material e alimentação) ao passo que no colégio Z a porcentagem é de 37,8%. . Este tem seu prestigio em queda, mas ainda consegue preservar 'bons alunos' graças à oferta das opções 'alemão' e 'latim'. Ambos possuem classes européias, uma Segpa e classes para acolhimento de estrangeiros recém-chegados à Guiana.

Interviemos em três grupos, dois com alunos das classes comuns e um da Segpa. Os grupos das classes comuns foram compostos mediante convite feito aos alunos pelos professores que participavam da pesquisa: ao todo, foram feitos sete encontros, alguns deles quando cursavam a 7ª série, outros quando já estavam na 8ª série. O último encontro juntou os alunos aos professores, visando o confronto entre os pontos de vista dos dois atores. O terceiro grupo reuniu alunos da 7ª série da Segpa, com quem realizamos dois encontros. Paralelamente às discussões coletivas, foram feitas treze entrevistas individuais com alunos das classes comuns. O conjunto dos dados foi gravado em áudio e a análise baseou-se nas transcrições.

Do ponto de vista do desempenho escolar, a média global dos alunos das classes comuns permite caracterizar os grupos como compostos por alunos com desempenho de médio para bom e, em alguns casos, excelente.

Nos grupos das classes comuns, a presença de meninas foi muito superior à de meninos, tendência que ficou ainda mais marcada nas entrevistas individuais, já que dos trezes entrevistados, doze são meninas.

No que concerne ao componente étnico-cultural, os grupos traduzem a maioria crioula ainda presente na cidade de Caiena, expressando também as ambigüidades que essa categoria comporta: boa parte de nascidos na Guiana ou na metrópole, durante deslocamento dos pais, ou nas Antilhas francesas, onde muitos têm família instalada. Compuseram-se também de alguns imigrantes do Haiti, da República Cooperativa da Guiana (ex-Guiana inglesa), do Brasil e de metropolitanos.

Os jovens e as imagens de si e do outro: entre diversidade e desigualdades

A análise dos enunciados dos jovens destaca a importância que atribuem às relações interpessoais estabelecidas no espaço escolar. Esse aspecto aparece com muito mais força do que a relação com o conhecimento. A relação com os professores emerge como tema desde que lhes perguntamos o que é uma boa aula, um curso relevante. Da rápida menção sobre as matérias do programa, passam ao clima que se instaura entre professor e alunos e assimilam boa aula a bom professor. Produzem denso material discursivo sobre como vêem e o que esperam das relações com os professores.

Para este artigo, nossa análise baseia-se sobre o que nos contam das relações entre pares. O destaque que os depoimentos dão a essas relações sugere a importância da sociabilidade entre pares na construção da experiência escolar. Para muitos, o sentido que ir à escola tem no presente é justamente o de encontrar os amigos, dimensão que faz da escola um espaço muito apreciado. As relações são de diferente natureza — amizade, 'colegagem', hostilidade – e a distinção entre um amigo "com quem a gente pode se abrir" e um colega "para quem a gente dá oi" determina o sentido do que se diz ao outro: quando dito a um amigo, um insulto é só para divertir, ao passo que a mesma expressão dita a alguém que não se considera amigo pode desencadear sério conflito. A inserção das afinidades pessoais em turmas ou clãs é uma característica da sociabilidade juvenil, que descrevem como presente no espaço do colégio, e as rivalidades entre grupos ou indivíduos são evocadas, sobretudo, para descrever os momentos em que elas degeneram em briga ou agressão física.

A análise desses relatos permite destacar as imagens de si, isto é, o modo como se sentem vistos pelo outro e como vêem o outro, como elemento que desempenha papel decisivo na sociabilidade entre pares. Permite a identificação de elementos que parecem ser mais determinantes na construção dessas imagens, elementos que remetem às especificidades do universo escolar, ao universo das culturas juvenis, ao contexto sociocultural da Guiana, ao processo de subjetivação do adolescente. Passemos então ao que nos dizem os adolescentes.

A questão do gênero se evidencia pela própria composição dos grupos participantes da pesquisa, predominantemente femininos. Tendo em vista que a participação foi voluntária e o convite foi feito por atores institucionais, essa composição ilustra o vínculo diferenciado que meninos e meninas estabelecem com o universo escolar. Nas entrevistas individuais com as meninas e nas duas entrevistas coletivas com um grupo exclusivamente feminino, foi possível perceber a ambigüidade destas frente ao sexo oposto: ao mesmo tempo que denunciam a "imaturidade" dos meninos da classe, contam da sedução que exercem os mais velhos e o quanto são freqüentes as situações em que meninas brigam por causa de algum menino.

Os resultados escolares são importante componente da imagem de si e do outro. Os alunos sabem as notas recebidas pelos colegas (é comum os professores as anunciarem em voz alta) e ter bons resultados é fonte de grande valorização. Esse elemento participa da construção da imagem individual e também da imagem das classes, sobretudo num dos colégios onde as 'boas classes' são bem identificadas. As entrevistas individuais que fizemos com diferentes membros de uma classe considerada a melhor das 8as séries do colégio R revelaram a existência de uma forte tensão entre as primeiras colocadas no ranking das médias e um outro grupo de meninas cujas médias não atingem o mesmo grau de excelência, embora sejam também boas alunas. Numa rivalidade explícita, as primeiras dizem não gostar das segundas porque elas são 'hipócritas' e as segundas, mostrando-se pessoalmente atingidas, dizem se sentir muito diminuídas em face das colegas que se vangloriam de ter as melhores notas.

"Quando eu vejo as meninas da minha classe que são muito boas, eu tenho a tendência de me desvalorizar, a achar que eu não sou boa." (aluna da 8ª série, classe comum)

Os depoimentos ilustram como o clima competitivo impregna a imagem que cada um faz de si e do outro e que a posição desfavorável na classificação escolar pode ser percebida como legítima avaliação do valor da pessoa. A dinâmica conflitual presente na 'classe boa' indica que a 'homogeneidade' é uma ilusão. No âmbito de uma classe, sempre se constroem diferenças e elas tendem a ser transformadas em desigualdade se inseridas num contexto seletivo. No âmbito do colégio, a classificação em 'bons' e 'ruins' cristaliza a fronteira entre 'nós' e 'eles', e quando essa fronteira se sobrepõe a agrupamentos hierarquizados pela instituição, a posição de inferioridade pode ter efeitos ainda mais determinantes.

A figura paradigmática da 'classe ruim' é a Segpa, e o pertencimento a esse grupo constitui um estigma. Os alunos dessas classes se percebem como alvo de discriminação: as condições e a localização do edifício que utilizam são piores que as das classes comuns, eles têm acesso restrito a materiais e equipamentos vistos como abundantes para os demais alunos, são sempre apontados como responsáveis por todo problema que acontece no colégio. Eles dizem ter vergonha de fazer parte dessa seção e tentam ocultar esse fato:

"Eu tenho vergonha de estar na Segpa, porque a gente é sempre malvisto em relação às [classes] comuns. Eles acham que a Segpa só tem gente burra, boboca, que não sabe falar, que não sabe ler. Não é porque a gente tem dificuldade que a gente não é igual às pessoas. Para nós, tudo vem atrasado, sempre depois. Para eles, é sempre primeiro, tudo certo. Nós, é como se fossemos um lixo." (aluna da 7ª série, classe Segpa)

O tom desse depoimento é de ressentimento. Ao denunciar as discriminações, essa jovem demonstra importante capacidade de distanciamento, de 'descolamento' em relação ao modo como a instituição classifica os alunos da Segpa. Essa capacidade de refletir sobre suas experiências, confrontá-las e colocá-las em palavras representa um recurso importante de distanciamento. Além do recuo que o espaço de fala pode propiciar, os alunos das classes especiais relataram situações em que a necessária distância é buscada por meio da ação. Na impossibilidade de se fazerem respeitar pelo mérito, resta-lhes a possibilidade de se fazerem respeitar pelo medo. Isso ficou claro com o relato de um episódio de conflito entre uma das meninas do grupo e uma aluna de classe comum. A garota narra em detalhes os golpes desferidos, os desdobramentos que a briga provoca na direção do colégio e, apesar da duração que nos parecia já excessiva, seu relato é atentamente seguido pelos colegas, que completam aqui e ali com mais uma precisão. Deixam nítido que a reputação de força e temeridade adquirida por ela beneficiou o grupo todo e possibilitou o deslocamento de uma posição dominada na qual eles se viam colocados: "agora precisam nos respeitar!", "a geral [classes comuns] tem medo da Segpa!" são exemplos das expressões entusiasmadas geradas pelo relato. A narração desse episódio possibilitou uma mudança de posição subjetiva que se manifestou durante a entrevista: após o relato da briga, alguns dizem não terem mais vergonha de ser da Segpa: invertem o discurso, dizendo-se orgulhosos em pertencer a uma classe que contribui para a manutenção de setores do colégio (mediante atividades feitas nas oficinas profissionalizantes que compõem o currículo dessa seção). "Se a Segpa não existisse, o que as classes comuns fariam sem nós? Felizmente estamos aqui, se não eles não seriam nada!" Graças ao entusiasmo produzido pelo relato de uma situação de afirmação de si, um dos componentes das estratégias de correção do estigma explicitadas por Goffman (1975), a posição de inferioridade atribuída às seções profissionalizantes é transformada em motivo de orgulho e fonte de valorização. Impedidos de aceder ao reconhecimento ligado ao mérito escolar, esses jovens lançam mão da provocação, da bravata e mesmo da violência. Sugerem que, diante de um contexto em que as classificações são cristalizadas, a agressão pode ser o único meio de se aproximar do outro.

A reputação como elemento que participa da imagem de si e do outro aparece também nos depoimentos dos alunos das classes comuns, que fazem várias referências aos jovens que querem 'se mostrar'. Ao contrário dos alunos da Segpa, as referências são sempre a outros que não eles próprios e o tom é de desaprovação:

"Eles jogam papel no chão de propósito para se mostrar mais forte, tem uns que fazem qualquer coisa para se mostrar mais forte do que os colegas." (aluna da 7ª série, classe comum)

Além da participação em brigas, a transgressão às regras de convivência é outro meio pelo qual um jovem pode se destacar perante o conjunto de alunos, pode adquirir uma reputação. Composto por alunos que no geral têm bom desempenho, a desconfiança dos jovens do grupo das classes comuns para com os colegas que buscam uma reputação por meios 'ilícitos' sugere o quanto esse é um recurso que tem mais apelo para aqueles que se vêem sem chances de serem reconhecidos por critérios validados pelo universo escolar.

A atenção aos trajes, outra importante face da imagem de si, exprime-se pela queixa quanto à obrigatoriedade do uso do uniforme escolar24 24 . O uso do uniforme é exigido somente dos alunos do colégio e é uma especificidade regional. . Em todos os grupos, a reclamação sobre a obrigação de vestir camiseta da cor definida pelo colégio é feita no início da conversa e inaugura um tom reivindicativo no discurso, gerando intenso debate entre os alunos. Embora expressem opiniões divergentes sobre a eficácia do uniforme no combate à diferenciação ostensiva entre classes sociais, dizem concordar com as razões apresentadas pela administração que apontam para o objetivo de impedir as discriminações, pois se dizem incomodados com colegas que vêm à escola usando 'roupas de marca' e que querem mostrar com isso uma posição social superior, que têm de fato ou que simulam ter. Os alunos que defendem o uniforme por acharem que sem ele a discriminação entre clãs seria ainda maior pautam sua crítica no fato de essa regra não ser exigida igualmente de todos alunos, já que os funcionários seriam mais tolerantes com uns, mais exigentes com outros. Outra razão contra o uso obrigatório do uniforme é formulada sobretudo pelas meninas, que falam do desconforto em não poder vestir calças com bordados ou detalhes, camiseta sem manga ou minissaia, sendo obrigadas a fazer parte de uma massa vestida de uma mesma cor.

O tema do uniforme pode ser tomado como analisador de vários aspectos da experiência escolar. O discurso sobre a igualdade faz eco à retórica institucional (agentes escolares, pais...) e é desdobrado na denúncia ao arbitrário das regras escolares, constituindo um revelador do clima de justiça. Por outro lado, a recusa em usar o uniforme remete ao desejo de singularização. É o que sugerem as críticas das meninas, sob as quais se pode inferir um desejo de se mostrar para além do papel de aluna, em sua singularidade e sensualidade adolescente. Aliás, é importante notar como as meninas encontram brechas de singularização e feminização – pelo trançado dos cabelos, pelo esmalte colorido sobre as unhas – à margem do uniforme. Por fim, a insistência de alguns em ir ao colégio com roupas de marca pode ser interpretada como a necessidade de sinalizar que pertencem a uma comunidade juvenil globalizada (Canclini, 1995) que ultrapassa as fronteiras da Guiana. A importância que o tema uniforme adquire na fala dos jovens sugere que o modo de se vestir é um componente da imagem de si que comporta maior plasticidade, que corresponderia a uma espécie de persona que pode ser construída por cada um, representando uma possibilidade de construção da própria imagem.

Na Guiana, sociedade marcada pela escravatura, a segmentação racial se justapõe à estratificação socioeconômica e a cor de pele é um aspecto essencial do modo como as pessoas e os grupos sociais se situam uns em relação aos outros. As designações utilizadas para indicar os diferentes tons de pele, que indicam também a composição das mestiçagens, são numerosas e dispostas numa clara hierarquia entre o branco e o preto. Essas designações emergem espontaneamente no discurso dos jovens guianenses, sugerindo que, no espaço escolar, a cor de pele pode ser um critério de afinidade ou hostilidade entre eles. Marcados pela história colonial, os jovens não brancos nos dizem esse problema fundamental, experimentam sua mestiçagem na busca de um caminho de apoio individual e étnico, mergulhados na frustração fundamental posta em evidência por Frantz Fanon (1952) em Pele preta, máscara branca, pela qual cada um parece alimentar, aos olhos dos outros, uma relação persecutória e prejudicial.

Os jovens relatam que expressões como 'branco velho' (vieux blanc) ou 'preto sujo' (sale noir) fazem parte do repertório de insultos para agredir o outro, designações evocadas para explicar as várias situações de racismo narradas e nomeadas como tal. As entrevistas individuais com jovens crioulos sugerem que quando a pele negra se sobrepõe a um mau rendimento escolar, criando uma espécie de 'dobra' (Deleuze, 1989) na subjetividade, a conciliação entre as imagens sociais negativas e uma imagem positiva de si fica mais difícil, da qual resulta um sentimento de humilhação e inferioridade. A situação oposta parece confirmar essa idéia, na medida em que ao narrar situações que identificam como de racismo, jovens com rendimento escolar de excelência mostram-se muito menos atingidos.

A questão da origem se articula à da cor de pele. Origem que pode ser inferida ainda pela língua, sotaque, nome, traços físicos e que representa importante aspecto do modo como os jovens vêem a si e aos outros. Tal como o componente anterior, a origem é um elemento da imagem de si que se insere na dinâmica de etnicidade da sociedade da Guiana. No grupo de alunos de Segpa, a língua foi veículo privilegiado do tema da origem. Na situação de entrevista coletiva, com freqüência falavam em crioulo. Em geral, eram comentários dirigidos a um colega, o que sinalizava cumplicidade entre eles e parecia marcar uma distância com os pesquisadores. No entanto, pudemos observar que em algumas situações o crioulo se misturava ao francês mesmo nos enunciados dirigidos aos pesquisadores. Isso ocorria nas situações em que se exaltavam, sobretudo quando narravam episódios de violência e perigo. Por outro lado, o tema das origens não foi objeto de debate, o que só ocorreu com os alunos das classes comuns. Fragilizados por uma trajetória escolar marcada pelo fracasso e por histórias de vida que podemos supor difíceis, os alunos da Segpa não tomam esse tema como objeto de uma reflexão explícita, mas o tornam presente no modo como falam de si e do seu cotidiano na escola: é como se, impedidos do distanciamento que permite elaborar uma hetero-atribuição que enclausura, não agissem sobre esta, mas 'agidos' por ela.

Nos grupos das classes comuns, os jovens contam que a designação de um colega a partir de sua nacionalidade ou grupo étnico é prática corrente e narram situações em que a atribuição de origem pode gerar conflito.

"Várias vezes me fizeram comentários do tipo 'sua branca suja, o que você está fazendo aqui, esse não é o seu país, volta para a França, você não tem nada para fazer aqui. Aqui é um país negro.' Mas eu nem ligo, faz oito anos que eu moro aqui e me sinto mais guianense do que francesa." (aluna da 7ª série, classe comum)

O depoimento dessa jovem metropolitana descreve uma situação de recusa ao estrangeiro, narrada também por outros jovens que consideram esta uma conduta comum na Guiana, presente igualmente na escola. Essa idéia coincide com a de autores evocados anteriormente, que consideram a recusa ao 'diferente' como um traço da identidade crioula (Cherubini, 2002), intensificado nesse momento em que o grupo vê ameaçada sua posição dominante no cenário local. O depoimento aponta também a imbricação entre cor e origem e como, no confronto entre crioulo e metropolitano, não é a nacionalidade que conta, já que os nascidos na Guiana são, pelo menos no papel, tão franceses quanto os franceses nascidos na Europa.

É importante ressaltar que essa mesma aluna que, no depoimento acima, afirma sua identidade guianense, em outro momento, afirma-se metropolitana: conta que passa suas férias na França, que é lá que moram aqueles que considera seus amigos e que não pretende passar sua vida toda na Guiana. A sinceridade com que faz as duas afirmações, mais do que indicar uma contradição que invalide uma delas, ilustra uma identidade fluida e instável, ora afirmando a identidade guianesa, ora designando um pertencimento móvel a essa categoria.

No entanto, no 'mercado' das origens nem sempre é assim que as coisas se passam. Os estrangeiros de outras origens não dispõem da mesma sorte que os 'estrangeiros' da metrópole. Os jovens nos dizem que a imagem do aluno é fortemente determinada pela imagem do país de que ele ou a família procedem. Segundo os relatos, a origem mais desvalorizada é a do Haiti25 25 . Jolivet (1982) relata que na década de 1970 eram os brasileiros o alvo privilegiado das condutas de rejeição. , país pobre e destruído pelos conflitos internos. Nas entrevistas, os jovens se mostram incomodados com os preconceitos e com as discriminações que sofrem os originários desse país.

"Agora haitiano não é mais uma nacionalidade, é um insulto." (aluno da 7ª série, classe comum)

Ao ser designado pelo nome de sua nacionalidade, o jovem pode se sentir ofendido e reagir com violência. Aliás, nossos entrevistados contam que com freqüência o termo usado para agredir é 'haichien', numa mistura de haitiano com cachorro (chien, em francês).

"Se um haitiano se torna um grande médico, tenho certeza que a pessoa que vai consultar com ele não vai dizer 'haitiano'! [...] as pessoas pensam que é inferior. Se uma pessoa é rica, ninguém vai dizer que ela é haitiana." (aluno da 7ª série, classe comum)

Esse depoimento deixa clara a associação entre origem e status social, a origem haitiana sendo hetero-atribuída para enfatizar uma posição social desvalorizada. Os inúmeros relatos de situações de discriminação dirigidas contra os haitianos sugerem que a vergonha é um sentimento comum diante da imagem negativa que lhes é atribuída. A interiorização da inferioridade pode levar à tentativa de negar a própria origem, que pode se traduzir pela tentativa de ocultar o fato de ser haitiano quando alguém pergunta ou pelo esforço para aceder a um outro grupo de identificação, como os dos bons alunos. Os relatos sugerem que os alunos haitianos que conseguem bom desempenho tendem a se distanciar de sua comunidade, buscando outras amizades no espaço escolar. Ao falarem do caso de uma jovem haitiana que obtivera destaque num exame nacional, os entrevistados exprimem surpresa, como se tal posição fosse incompatível com as perspectivas reservadas a jovens dessa origem, indicando que, em alguns casos, a categoria étnica pode prevalecer sobre outras identificações.

Ao lado da vergonha, a afirmação de orgulho pareceu atitude mais rara. Tivemos, contudo, um exemplo relevante. Morando há cinco anos na Guiana, Tamires critica a comunidade haitiana por não "mostrar o seu valor ao povo guianense", e seus compatriotas por reagirem com violência quando insultados ou objeto de gozação. Ela diz que gosta de dizer sua origem, pois tem "orgulho de ser haitiana", e quando perguntada sobre o motivo do orgulho diz, sem hesitar, a razão: "a cultura". Ela relata também que no ano anterior havia solicitado à diretora do colégio autorização para fazer uma exposição sobre o Haiti na biblioteca e que esta foi um sucesso.

Uma pista para interpretar a posição dessa jovem é sua ativa participação numa associação cultural haitiana, onde ela pratica danças tradicionais e auxilia os recém-chegados de seu país. O fato de sentir-se parte desse grupo parece lhe favorecer a construção de um sentido positivo à origem haitiana e reduzir a tensão entre as hetero-identificações e a auto-identificação (Melucci, 2005). A natureza da associação de que ela participa reduz os riscos de uma afirmação ostensiva e violenta, comum nas afirmações identitárias que se dão em reação a estereótipos sociais muito ativos.

Os relatos dos alunos mostram como as diferenças e as desigualdades sociais adentram o espaço escolar e participam das relações que se estabelecem entre eles, manifestam-se por signos diretamente ligados aos recursos econômicos, por indicadores propriamente escolares como as notas de rendimento, mas também pela hierarquização das diferenças culturais e étnicas.

É de destacar que, quando narram os conflitos entre eles, os jovens não fazem alusão a uma eventual intervenção dos agentes escolares. O cenário é sempre o de uma escola sem adultos. Essa configuração pode se explicar por uma voluntária separação que buscam frente ao mundo adulto, mas ela remete também à efetiva omissão dos agentes escolares, que tendem a conceber sua ação como restrita à instrução e a ver qualquer situação de conflito como estorvo ao desenvolvimento dos conteúdos programáticos (Galvão, 2004).

Fora do campo de reflexão dos atores escolares e de suas práticas, ausência que Luiz Alberto Gonçalves (1985) chamou de ritual pedagógico do silêncio26 26 Na literatura brasileira, cf. ainda Cavalleiro (2000) e De Souza (2000). , os estigmas sociais invadem o espaço escolar e se sobrepõem à hierarquização própria à competição de notas e resultados. Quando essa sobreposição faz coincidir bons rendimentos a 'boas' origens ou cores de pele, o resultado é perverso, pois os preconceitos sociais adquirem o estatuto de objetividade associado à instituição escolar.

Se a condição de aluno representa uma oportunidade de igualdade, esta é gravemente desperdiçada dadas as condições de injustiça da 'competição escolar' e, sobretudo, dada a própria existência dessa competição, que imprime sua marca impiedosa nas mais diferentes situações do cotidiano escolar. Por mecanismos de reprodução, na acepção de Bourdieu, a hierarquia dos desempenhos escolares tende a coincidir com a hierarquização das posições sociais e diferenças culturais. Os resultados escolares atuam legitimando as desigualdades sociais e naturalizam estas ao fazer apelo à retórica da igualdade de oportunidades do discurso meritocrático.

Os alunos frente a diferentes projetos de escola, sociedade e futuro

Das inúmeras perspectivas de análise que abrem as práticas discursivas dos alunos, gostaríamos ainda de abordá-las do ponto de vista de seus ecos ao debate mais amplo sobre a escola na Guiana.

Os enunciados produzidos nas situações da pesquisa sugerem que a posição desfavorável que a escola da Guiana ocupa no sistema de ensino francês está presente na imagem que os alunos fazem de sua escolaridade. Representam-na como uma escolaridade de 'nível' mais baixo do que o da escola na França, sugerindo familiarização com um discurso de inferiorização frente a uma metrópole idealizada, representada como sem diferenças ou desigualdades internas.

"Costumam dizer que a gente não pode fazer isto ou aquilo porque a Guiana não tem o nível." (aluna da 8ª série, classe comum)

Os alunos cujo percurso de excelência lhes permite aspirar a carreiras concorridas não parecem, contudo, se abalar com os prognósticos pessimistas resultantes dessa imagem negativa. Foi isso que nos sugeriram as entrevistas com alguns alunos para quem prosseguir os estudos em nível superior na França é um projeto pessoal já definido antes mesmo do término do colégio. Vale ressaltar que é muito pequena a oferta de estudos universitários na Guiana, e a maior parte dos jovens que obtêm o bac, passaporte para ingresso no Ensino Superior, vão para a França ou para as Antilhas27 27 . Segundo Hidair (2003), os jovens que vão estudar na França correspondem a 55% dos que obtêm o bac. .

No entanto, como sugere a baixa porcentagem dos alunos que obtêm o bac, para uma maioria o ingresso na Universidade não é um projeto possível. Aliás, para um bom número, a escolaridade deixa precocemente de fazer parte dos projetos pessoais.

Em nossa pesquisa, pudemos ver que, para os alunos em situação de dificuldade escolar que ainda mantêm vínculo com a instituição de ensino, como é o caso das classes da Segpa, a perspectiva otimista que acalentam é a de cursar o liceu profissional, e o esforço que fazem é o de se manter no sistema de ensino mesmo após atingirem os dezesseis anos, idade em que a escolaridade deixa de ser obrigatória.

"A 8ª série é mais difícil, é preciso escolher a melhor classe para poder ir para o liceu profissional, se não... dá medo, porque a escola é só até os dezesseis anos, depois disso eles não têm mais a obrigação de ficar com a gente." (aluna da 7ª série, classe Segpa)

Tal como para os alunos das classes comuns, para os da Segpa, a 8ª série é momento decisivo. O enunciado da aluna sugere que a possibilidade de não mais ser acolhida pelo sistema é fonte de grande inquietação. Preocupação bem fundamentada, tendo em vista que, para um grande número, a Segpa representa o fim dos estudos e, para os que conseguem prosseguir, o liceu profissional é a melhor perspectiva.

Segundo Coïaniz (2001), os jovens que pretendem prosseguir os estudos na metrópole são em sua grande maioria crioulos, traduzindo a distribuição desigual das oportunidades no contexto guianense e a adesão histórica desse grupo28 28 . Adesão que não é sem ambigüidade, a se julgar pelas conotações do termo negropolitain,usado para designar os crioulos que retornam à Guiana depois de uma temporada de estudo e/ou trabalho na França. Segundo os relatos de nossos professores, o termo traduz sentimento de traição por parte dos crioulos que ficam. à escola e aos valores franceses.

Pudemos ver, nas práticas discursivas dos adolescentes, reflexos da relação ambivalente que baliza a identidade crioula – entre os ideais e valores metropolitanos e as referências aos povos e às culturas tradicionais. Essa ambivalência fica explícita diante das perguntas que dirigem aos professores na situação de encontro promovida pela pesquisa. Desvelam-se dois projetos de escola, os quais se diferenciam, sobretudo, pelo modo de considerar a diversidade.

Para uns, a presença de alunos com bagagem e recursos escolares muito díspares é uma situação difícil, mas que deve ser considerada pelas práticas escolares, visando a inclusão de todos. O trecho a seguir ilustra essa posição.

Em sua pergunta, a aluna interpela os agentes escolares para uma transformação de sua ação:

"Numa classe heterogênea, como vocês fazem para adaptar o ensino a todos sem penalizar os outros? [...] porque os professores não adaptam o nível deles ao da classe? Em certas classes, há sempre alunos que nunca conseguem acompanhar." (aluna da 8ª série, classe comum)

Para outros, a diversidade é um obstáculo que querem eliminar. No conjunto de vozes em que predomina a lógica da estratégia (Dubet, 1994), fica claro como buscam ultrapassar o que consideram a 'mediocridade local' por uma tenaz dedicação aos estudos e à sua carreira de estudante. Mostram-se muito incomodadas com o 'baixo nível' e, enquanto não chega a hora de partir para a metrópole, pensam em soluções que poderiam poupá-las do atraso que esse contato provoca. A afirmativa de uma aluna ilustra essa posição:

"As classes de elite são malvistas, mas é preciso pensar em criá-las." (aluna da 8ª série, classe comum)

A heterogeneidade é considerada um problema e a criação de classes organizadas, segundo o nível dos alunos, a solução. No caso dessa aluna, sua impaciência com os medíocres ganha amplitude se considerarmos o fato de que ela está numa classe que reúne alunos que estudam alemão e línguas clássicas, de certa forma já uma classe de elite.

Entretanto, os alunos não restringem a questão da diversidade à heterogeneidade do ritmo de aprendizagem, exprimem-se também sobre a diversidade cultural que caracteriza a população da Guiana. Essa dimensão é trazida por aqueles que manifestam sua preocupação com o grande número de alunos que não acompanham as aulas. Segundo estes, a diversidade cultural da Guiana é uma riqueza e deveria ser um beneficio e não um handicap:

"Eu gostaria de saber se o fato de haver todas essas diferenças culturais, essas línguas que variam, se a gente não poderia fazer disso algo de benéfico para nossa educação de todos os dias." (aluna da 8ª série, classe comum)

Essa fala inverte o discurso dominante que atribui aos alunos estrangeiros ou não-francofônicos a responsabilidade pelo 'baixo nível', sugerindo que, ao contrário, é o sistema escolar que falha ao não dispor de dispositivos apropriados para receber pessoas de diferentes grupos socioculturais. No entanto, os dispositivos que essa aluna propõe se distinguem das estruturas especializadas que segregam os 'diferentes' entre si. Ela questiona, por exemplo, porque os colégios não oferecem a possibilidade de aprender línguas dos povos tradicionais:

"A gente tem a opção latim, será que não poderiam ensinar as outras línguas? Por exemplo, o taki taki29 29 . Termo usado para designar, de modo indistinto, as línguas dos grupos businenge. Trata-se, segundo Jolivet (1990), de uma simplificação que traduz o desconhecimento sobre essas populações, além de uma tendência a folclorizá-las. , como opção. [...] Quando eu falo de língua, para mim, uma língua abrange a cultura, as atitudes, o modo de vida, isso agrupa tudo, tudo, tudo, não é somente o modo de falar." (aluna da 8ª série, classe comum)

Por trás de novas opções de língua, essa jovem propõe uma abertura às culturas normalmente excluídas das referências legitimadas pelo currículo escolar. Não é preciso dizer que essa proposta gera fortes reações contrárias. Reações que explicitam a defesa de uma escola onde o interesse dos conteúdos está em sua utilidade no mercado das carreiras escolares, o que faria do contato com línguas minoritárias uma 'perda de tempo'. O debate sobre o ensino de língua estrangeira propiciado pela situação de pesquisa é revelador do projeto de escola que defendem.

"Agora a gente está numa comunidade européia e eu acho que aqui a gente preferiu aprender o português porque há o Brasil ao lado, o espanhol com a América do Sul. Bem, mas se a gente quer ir longe, é melhor voltar-se para a Europa. Portugal não é um país tão importante na Europa, eu não penso que seja um país dominante lá. Eu acho que o aprendizado do alemão é outra coisa, é verdade que a Alemanha é a maior potência da Europa também. Todo o mundo me diz 'ah, você está estudando alemão'". (aluna da 8ª série, classe comum)

Ao se opor à proposta da colega e defender o ensino do alemão, esse enunciado propõe uma escola voltada para a Europa. Dessa perspectiva, a língua estrangeira é escolhida por render status e vale mais a língua do país mais rico (ou mais branco...). Nesse caso, a oferta da opção 'português' seria pouco valorizada, tanto em face de uma possível aproximação com o Brasil – que valeria pouco nessa visão em que a Guiana se volta para a Europa – como do ponto de vista de Portugal – membro inexpressivo da Comunidade Européia.

Esse debate apresenta, de um lado, o projeto de uma escola voltada para a Europa, capaz de 'branquear' os alunos de diferentes origens e repertórios, ilustrando o que Hidair (2003) chama de retórica metro-afirmativa. De outro lado, o projeto de uma escola inserida no território da Guiana, que valorize os conhecimentos locais e faça da diversidade de culturas e línguas uma riqueza e não um prejuízo.

Na tímida literatura sobre a escola na Guiana, autores como Coïaniz (2001), Lena (1997) e Vernon (2004) criticam a exterioridade dessa instituição em relação ao território local, às tradições, às línguas e às formas de saber de suas populações. Voltam-se para questão do francês como única língua de escolarização e atribuem a essa limitação as grandes dificuldades encontradas nas escolas no interior, onde há grande concentração de populações businenge e indígenas. O exemplo das escolas indígenas brasileiras bilíngües é evocado como solução importante, embora sua implementação na França não seja possível por ferir o princípio de unidade da República.

Apoiando-se nas brechas da legislação nacional, uma equipe de lingüistas do Institut de Recherche et Développement – IRD (Goury et al., 2000) desenvolve, desde 1998, uma experiência piloto formando jovens oriundos de comunidades não-francofônicas para atuar como mediadores culturais bilíngües, acolhendo as crianças em sua língua materna para facilitar sua aproximação com a cultura escolar e com a língua francesa. Apesar da ainda incipiente, essa experiência, que abre perspectivas profícuas, vem ganhando reconhecimento por parte do sistema de ensino.

Se a possibilidade do bilingüismo é pertinente para as escolas situadas em comunidades não-francofônicas homogêneas, o é menos para as escolas de Caiena, onde as línguas maternas dos alunos não-francofônicos são muito diversas e a língua crioula, embora falada por boa parte dos alunos no espaço familiar, é tampouco dominada por todos.

A questão da diversidade na escola não se reduz, portanto, à dimensão da língua e não se resolve com a introdução de mais uma língua para escolarização, embora esta possa ser medida decisiva conforme o contexto, nem tampouco se resolve com a introdução de manifestações das culturas ditas minoritárias em atividades periféricas do currículo ou em festas ocasionais, numa visão estilizada e folclorizante das identidades culturais.

Além do caráter reducionista de tais representações da diversidade, elas remetem a nominações do 'estrangeiro' que reservam a alteridade a certos sujeitos sociais (Santamaría, 2001), como se alteridade e identidade não fossem duas faces da mesma moeda, dinâmica que atravessa toda relação e age na definição dos contornos de cada indivíduo ou grupo social. A demanda insistente que os alunos dirigem aos agentes escolares é de serem reconhecidos como pessoa singular, não redutível a um desempenho ou a um pertencimento hetero-atribuído.

Os sinais de reconhecimento a serem fornecidos pelas práticas escolares não se confundem, pois com os lugares fornecidos pelas representações cristalizadas da diferença e pelos rígidos rituais escolares que dificultam aos indivíduos tomarem distância em relação a seus papéis e posições, distanciamento necessário ao 'devir sujeito", o reconhecimento da diversidade supõe reconhecer o outro e a alteridade em si mesmo, o que é particularmente pertinente para o adolescente cujo agudo processo de transformação coloca face ao estrangeiro em si mesmo (Quentel, 2004). E supõe também a reflexão sobre a construção das diferenças e desigualdades, trabalho de desconstrução de categorias estigmatizantes com o qual as práticas escolares têm muito a contribuir.

Recebido em 22.06.05

Aprovado em 26.06.06

Izabel Galvão é doutora em Educação, com pós-doutorado na Universidade Paris 13, professora da Faculdade de Educação da USP. Atualmente é pesquisadora associada ao Centro de pesquisas interuniversitário EXPERICE (Paris 13/Paris 8).

Jean-Jacques Schaller é doutor em Sociologia (CADIS/EHESS), professor da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade Paris 13 (EXPERICE) e responsável pelo Master Politiques Sociales, Territoires et Stratégies de Direction.

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  • Correspondência:
    Izabel Galvão
    Jean-Jacques Schaller
  • *
    Artigo elaborado durante pós-doutorado na Universidade Paris 13, com bolsa da CAPES.
  • 1
    . O estudo se inscreveu num convênio de pesquisa entre a Universidade de São Paulo, a Universidade Paris 13 e o
    Rectorat da Guiana. A pesquisadora brasileira recebeu auxílio da Fapesp e, nas fases iniciais do projeto, da Pró-Reitoria de Pesquisa e da Comissão de Cooperação Internacional, instâncias da Universidade de São Paulo.
  • 2
    . Etapa correspondente ao segundo ciclo do Ensino Fundamental, isto é, da 5ª à 8ª séries. O termo francês será traduzido, nesse artigo, por colégio.
  • 3
    . Na França, a escolaridade obrigatória vai até os dezesseis anos.
  • 4
    . Correspondente ao Ensino Médio, será traduzido por liceu.
  • 5
    . Tentando traduzir em poucas linhas a complexa miríade de ramos e especializações na qual se divide o sistema de Ensino Médio francês, podemos destacar que são três os tipos de liceu: o liceu geral, que dá acesso aos estudos superiores universitários; o técnico, que forma técnicos de nível superior, dirigentes de nível intermediário; o profissional, que forma os agentes operacionais situados nas posições mais baixas da hierarquia profissional.
  • 6
    . São duas as línguas estrangeiras a serem cursadas: a primeira a partir da 5ª série; e a segunda a partir da 7ª série.
  • 7
    . A criação de 'classes européias', onde os alunos têm o ensino de uma das línguas estrangeiras reforçado, é outra estratégia de homogeneização, já que tais classes são compostas pelos alunos com melhores rendimentos.
  • 8
    . Nacira Guénif-Souilamas (2000) mostra como a categoria 'imigrante' é associada a uma origem específica – os 'magrebinos' – e como essa última designação, hetero-atribuída, é por sua vez redutora, na medida em que assimila a uma mesma origem (Magreb, região que compreende o Marrocos, a Tunísia, a Argélia) povos que se consideram fortemente distintos entre si.
  • 9
    . O departamento é uma das principais divisões administrativas do território francês: são 96 na França metropolitana e 4 no ultramar.
  • 10
    . Essas comunidades constituíram-se entre meados do século XVII e final do século XVIII. Os grupos de evadidos reuniam africanos ou afro-descendentes de diferentes línguas e tradições que construíram formas de vida comuns adaptadas à região de floresta em que se implantavam, vindo a se constituir diferentes grupos étnicos, quatro deles – saramaka, paramaka, aluku, ndjuka – presentes no território francês (Price; Price, 2003). A guerra civil do Suriname (1986-1992) é um dos fatores que levou à presença crescente dos businenges em território francês.
  • 11
    . Segundo Charrier (2002), em 1999, por volta de 30% da população era de nacionalidade estrangeira. É importante observar que as referências aos dados demográficos são sempre acompanhados da ressalva de que se trata de estimações imprecisas, dado à dificuldade de recenseamento da população.
  • 12
    . Ka'lina, Wayana, Arawak, Palikur, Emerillon, Wayampi (mantivemos a grafia em francês).
  • 13
    . Segundo Jolivet (1997), o termo
    créole vem do espanhol
    crioullo e designa, inicialmente, a pessoa nascida na colônia. Na Guiana, o termo foi logo reservado para designar os descendentes de africanos, sobretudo após a abolição, quando os crioulos brancos voltaram para a Europa. É utilizado para designar o grupo social, a cultura e a língua. Utilizado em todas as antigas colônias, o sentido do termo varia conforme o lugar e mesmo conforme a época.
  • 14
    . Essa noção foi forjada por autores antilhanos (Bernabé; Chamoiseau; Confiant, 1989), cuja contribuição participa do debate guianense.
  • 15
    . Esse modelo se expressou claramente no Colóquio "A identidade guianense em questão", realizado em Caiena em 1995, que mobilizou pesquisadores, lideranças políticas e representantes da sociedade civil.
  • 16
    . A Guiana é uma das 30 academias em que se divide o sistema francês.
  • 17
    . Atualmente, o Instituto Universitário de Formação de Professores (IUFM) da Guiana forma somente professores de letras modernas e de tecnologia para o nível do colégio.
  • 18
    . Ministère de l'Education Nationale (2003). Indicateurs Généraux: Aide au diagnostic, au pilotage des académies et à la contractualisation; Académie de Guyane.
  • 19
    . Note d'information, n. 1, novembre 2003; Note d'information, n. 2, décembre 2003; Note d'information, n.3, mars 2004; Note d'information, n. 4, Claude Michaud, Académie de Guyane.
  • 20
    . A estimativa produzida pelo INSEE, órgão nacional de recenseamento, em 2004, é de 184.400 habitantes.
  • 21
    . Acrescente-se a isso a dificuldade de calcular e localizar os imigrantes em idade escolar – que o Estado francês tem por obrigação escolarizar – já que muitos são clandestinos.
  • 22
    . A investigação com professores foi dimensão importante dessa pesquisa, mas não será analisada neste artigo.
  • 23
    . No colégio R, 55,2% dos alunos recebem bolsa do Ministério da Educação (destinada a cobrir despesas com material e alimentação) ao passo que no colégio Z a porcentagem é de 37,8%.
  • 24
    . O uso do uniforme é exigido somente dos alunos do colégio e é uma especificidade regional.
  • 25
    . Jolivet (1982) relata que na década de 1970 eram os brasileiros o alvo privilegiado das condutas de rejeição.
  • 26
    Na literatura brasileira, cf. ainda Cavalleiro (2000) e De Souza (2000).
  • 27
    . Segundo Hidair (2003), os jovens que vão estudar na França correspondem a 55% dos que obtêm o bac.
  • 28
    . Adesão que não é sem ambigüidade, a se julgar pelas conotações do termo negropolitain,usado para designar os crioulos que retornam à Guiana depois de uma temporada de estudo e/ou trabalho na França. Segundo os relatos de nossos professores, o termo traduz sentimento de traição por parte dos crioulos que ficam.
  • 29
    . Termo usado para designar, de modo indistinto, as línguas dos grupos businenge. Trata-se, segundo Jolivet (1990), de uma simplificação que traduz o desconhecimento sobre essas populações, além de uma tendência a folclorizá-las.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      26 Jun 2006
    • Recebido
      22 Jun 2005
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