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Editorial

EDITORIAL

Dentre os artigos aprovados para publicação em Educação e Pesquisa, chama a atenção o número de trabalhos sobre formação de professores, temática que acaba por constituir-se quase que numa regularidade na revista. Para este volume, selecionamos cinco diferentes e interessantes estudos que abordam a formação, sob variados pontos de vista.

O artigo Do pensamento abissal à ecologia de saberes na escola: reflexões sobre uma experiência de colaboração, de Marco Túlio de Urzêda Freitas, da Universidade Federal de Goiás, apresenta reflexão sobre a colaboração entre o pesquisador e uma professora de inglês da rede estadual de ensino, com vistas a investigar os aspectos e desafios que permeiam essa colaboração. Trazer à tona questões relacionadas ao ensino de língua estrangeira, área com características peculiares que demanda constante atualização, e, ao mesmo tempo, discutir a já conhecida distância entre universidade e escola, por um lado, e focalizar a pesquisa colaborativa em relação à construção de saberes e à formação de professores, por outro, acaba por indicar que esse tipo de pesquisa pode aproximar pesquisadores e professores, articulando teorias e práticas e promovendo um trabalho conjunto que possa dar mais qualidade à educação.

Ainda sobre colaboração, o texto Aprendizagem da docência em grupo colaborativo: histórias infantis e matemática, de Ana Paula Gestoso de Souza e Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira, da Universidade Federal de São Carlos, focaliza a formação inicial no curso de pedagogia. Trata-se de pesquisa cujo objetivo era compreender como um material educativo, desenvolvido em um grupo colaborativo, pode se configurar em fonte de aprendizagem da docência. Para tanto, foi escolhida uma atividade de integração entre ensino, pesquisa e extensão, utilizada para o desenvolvimento do processo de aprender a ensinar matemática, que permitia que os participantes compartilhassem experiências e saberes durante a produção de livros infantis com conteúdos matemáticos. A análise dos depoimentos das estudantes de pedagogia constitui interessante referência para uma melhor compreensão de seus processos de aprendizagem.

Focalizando a formação oferecida pelo Programa de Educação Continuada (PEC) Formação Universitária Municípios, realizado no Estado de São Paulo, o terceiro artigo, Formação às avessas: problematizando a simetria invertida na educação continuada de professores, de Adolfo Samuel de Oliveira e Belmira Oliveira Bueno, da Universidade de São Paulo, investiga os processos formativos das professoras da rede pública colocadas em situação de alunas por meio de observações e da coleta de diferentes materiais utilizados no programa, inclusive de trabalhos produzidos pelo grupo acompanhado. O artigo apresenta a proposta, a estrutura e a logística do PEC Formação Universitária Municípios como contexto para a análise tanto de situações de aprendizagem ocorridas ao longo do programa, quanto de como essas situações foram apreendidas pelas docentes-estudantes. Os autores discutem o princípio da simetria invertida, orientador do programa, e apontam processos de aprendizagem não previstos, que denominam formação às avessas.

O texto O desenvolvimento da autocompreensão em posturas pedagógicas: explicitando o implícito entre os novos docentes, de Carolina Guzmán-Valenzuela, da Universidade de Valparaíso, no Chile, e Ronald Barnett, da Universidade de Londres, investiga a prática docente inicial de professores universitários e suas dificuldades para promover a aprendizagem dos alunos. Trata-se de abordagem qualitativa que, por um lado, evidencia dificuldades explícitas, reconhecidas pelos docentes em relação ao seu trabalho, e, por outro, apresenta dados que apontam para as dificuldades implícitas no desempenho profissional. Os autores destacam que entre os componentes explícitos e implícitos pode ser reconhecida uma variedade de relações que vão interferir no processo de autocompreensão desenvolvido pelos professores.

As relações entre trabalho docente e gênero, que constituem o artigo Professores discriminados: um estudo sobre os docentes do sexo masculino nas séries do ensino fundamental, de Amanda Oliveira Rabelo, da Universidade Federal Fluminense, são o objeto da pesquisa que, por meio de entrevistas e questionários com professores do ensino fundamental, vai discutir a docência nas séries iniciais, no Rio de Janeiro (Brasil) e em Aveiro (Portugal). Como são reconhecidos os homens numa atividade considerada feminina? Como a presença de professores do sexo masculino nas séries iniciais pode contribuir para a discussão sobre gênero? Essas são algumas questões que o texto busca tratar.

A esse primeiro conjunto seguem outras duas produções, centradas na educação da infância. Letramento no ensino fundamental de nove anos no Brasil: ações legais e pedagógicas previstas nos documentos oficiais, de Jonathas de Paula Chaguri e Neiva Maria Jung, da Universidade Estadual do Paraná, propõe discutir a política de ampliação do ensino fundamental de nove anos e verificar as ações educacionais previstas nesse cenário educacional em termos de leitura e escrita. Trata-se de reflexão que contribui para a problematização da política educacional, levantando elementos que questionam as relações entre o maior tempo de permanência na escola, as expectativas e ações relativas ao processo de letramento e as características infantis no que se refere às práticas culturais de contato com a língua escrita. Dessa maneira, pretende reconhecer se há uma preocupação efetiva em assegurar a aprendizagem das crianças por meio da garantia de acesso à escolaridade um ano mais cedo.

O artigo de Eloísa Acires Candal Rocha e Marcia Buss-Simão, da Universidade Federal de Santa Catarina, Infância e educação: novos estudos e velhos dilemas da pesquisa educacional, analisa a produção acadêmica relacionada ao tema educação e infância no âmbito dos programas de pós-graduação em educação da Região Sul do Brasil, entre 2007 e 2011. A análise recupera questões sobre as relações entre teoria e prática na interlocução entre o ensino superior e a educação básica, visto que "uma perspectiva avaliativa da contribuição da pós-graduação para a educação básica brasileira exige um olhar sobre as relações da pesquisa com as práticas pedagógicas nos sistemas educativos". Segundo as autoras, não se trata de realizar um estado da arte, mas de evidenciar as relações entre a pesquisa, a infância e as dimensões que envolvem a educação de crianças.

Em seguida, apresentamos dois textos que abordam a temática da educação escolar de pessoas em situação de privação de liberdade. Marcados pela preocupação em ouvir os principais sujeitos envolvidos, tais artigos investigam as visões e os desafios da educação escolar na prisão a partir do ponto de vista de seus alunos e professores. Em A educação escolar nas prisões: uma análise a partir das representações dos presos da penitenciária de Uberlândia (MG), Carolina Bessa Ferreira de Oliveira busca conhecer o entendimento dos presos da penitenciária Prof. João Pimenta da Veiga, situada na cidade mineira, a respeito dos programas de educação escolar ali existentes. Além da discussão de aspectos mais jurídicos, a autora entrevistou um conjunto de presos, interrogando-os sobre as repercussões da escola em suas vidas. Pôde perceber, desse modo, o sentido dado pelos próprios detentos à educação, frequentemente secundarizada diante do trabalho, opção primeira da maioria deles, definida pela possibilidade de profissionalização e de ganhos financeiros, além da diminuição da pena. O artigo constata a grande distância entre as prescrições legais para esse tipo de educação e a realidade, resultante do emaranhado de instituições e instâncias envolvidas - Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Secretarias Estaduais de Educação, de Defesa Social e/ou de Administração Prisional - , que certamente dificulta a articulação de todos na direção de uma educação adequada e pertinente às expectativas dos presos. Estes, por sua vez, têm sobre a educação uma visão mais pragmática, reconhecendo nela um potencial transformador, mas principalmente a possibilidade de obtenção de trabalho e diminuição dos estigmas sociais dos quais são vítimas. Raramente esses homens em situação prisional pensam a educação como direito. Entrecruzando os documentos normativos legais com as experiências dos detentos, o texto adverte sobre a urgência de novas práticas que são, simultaneamente, do direito e da escola.

Já no artigo escrito por Andréa Sandoval Padovani e Marilena Ristum, intitulado A escola como caminho socioeducativo para adolescentes privados de liberdade, investiga-se a posição dos educadores envolvidos com esses jovens e suas reflexões sobre a influência do conhecimento e da experiência escolar na prevenção e/ou diminuição da reincidência. As autoras também usaram entrevistas como ferramenta de pesquisa e, a partir dos depoimentos, levantaram quatro questões mais frequentemente apresentadas pelos professores: semelhanças e diferenças entre a escola da instituição de internação e a escola normal; papel social da escola na educação dos adolescentes infratores; sugestão de medidas preventivas e causas da reincidência. Analisando as falas de nove professores - quatro mulheres e cinco homens - , o trabalho mostra uma preocupação maior, por parte dos docentes, com conteúdos ligados à formação moral e à instrução profissional, considerados fundamentais para a reinserção dos jovens na sociedade, e assinala a falta de orientações coletivamente planejadas para esse fim. Trata-se de discussão bastante contemporânea, principalmente quando se consideram os debates sobre redução da maioridade penal.

Os dois trabalhos seguintes privilegiam fontes documentais - textos oficiais, jornalísticos e literários - do século XIX. Em A criação do Colégio Pedro II e seu impacto na constituição do magistério público secundário no Brasil, Ana Waleska P. C. Mendonça, Ivone Goulart Lopes, Jefferson da Costa Soares e Luciana Borges Patrollo - todos ligados ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - estudam os primeiros anos dessa instituição tão longeva, fundada em 1837. A proposta do artigo, apresentada em duas partes, envolve uma revisão dos modos pelos quais o processo de criação do colégio é tradicionalmente descrito e uma análise de sua primeira geração de professores, inserindo-se, portanto, em duas temáticas mais amplas: história das instituições escolares e história da profissão docente. Os autores procuram, inicialmente, rever o caráter monumental e laudatório com o qual, em geral, a história desse estabelecimento de ensino tem sido contada, atentando para sua contextualização nos quadros da criação do Estado-Nação brasileiro. Na segunda parte, trabalham com os primeiros professores do Colégio Pedro II, no período que se estende da criação da instituição até o ano de 1847, quando se iniciam os concursos para ingresso de docentes. Essa primeira geração, composta via nomeação pelo Ministro do Império, é perseguida em necrológios publicados na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, anúncios veiculados pelo Almanak Laemmert e outras fontes impressas que permitem algumas caracterizações: em geral, gozavam de prestígio entre as elites intelectuais, vinculavam-se por nascimento ou formação ao mundo europeu e, não raras vezes, trabalhavam em outras instituições e/ou ofícios por conta dos baixos salários. O artigo traz, portanto, significativa contribuição para a reflexão sobre a história do ensino e do magistério secundário brasileiros.

Outro tipo de fonte - a literatura de Machado de Assis - é mobilizado pelo professor Rogério de Almeida que, em perspectiva filosófica, discute uma faceta ainda pouco explorada do escritor em pauta, tomado como educador. Trabalhando com um conjunto de contos machadianos e movimentando contribuições teóricas ligadas tanto à literatura quanto à filosofia, Rogério de Almeida discute o que denomina desaprendizagem e pedagogia da escolha, processo capaz de promover uma desnaturalização do mundo. Considerado um educador terrorista, Machado de Assis aponta em sua obra, segundo o autor do artigo, para o caráter trágico da existência e, desse modo, questiona os sentidos de verdade - científica, moral ou de crença - com os quais, na tradição escolar, é pensada a educação. Intitulado Aprendizagem de desaprender: Machado de Assis e a pedagogia da escolha, o artigo sugere outros caminhos, mais significativos, para a produção de conhecimento.

Os dois textos seguintes se articulam pelo valor que concedem ao reconhecimento da diversidade cultural e às práticas de plena cidadania nele implicadas. No primeiro caso, o cenário é a Holanda contemporânea e a difícil convivência entre holandeses e imigrantes muçulmanos; no segundo, as visões do outro - os moradores das favelas - aos olhos de crianças.

Em La religión como currículo social: educación, valores e Islam en Europa, os pesquisadores Vicente Javier Llorent García - professor do Departamento de Educação da Universidade de Córdoba, Espanha - e Carolina Ivanescu - ligada à Universidade de Erasmus, Rotterdam, Holanda - discutem as repercussões, no âmbito da educação, da presença de grande número de imigrantes muçulmanos na Europa, em geral, e na Holanda, em particular. A hipótese central do artigo é a de que existe, atualmente, o que denominam religionalização (em tradução livre) da política com consequências que se estendem a diferentes esferas sociais e, especialmente, à educação; identificam, ainda, uma mudança na ação do Estado holandês no tratamento da questão dos imigrantes centrada em discursos e práticas que pensam a integração do estrangeiro como abandono das culturas de origem e aderência aos valores do Ocidente. O texto apresenta um panorama dos conflitos ligados à presença do imigrante, resultado de uma visão que o vincula, pelo preconceito religioso, à negação das máximas do racionalismo, do Iluminismo e da ciência com que os europeus constroem um imaginário positivo de si. A seguir, aponta uma mudança recente na relação entre nativos e estrangeiros caracterizada por um processo de individualização: se antes a integração dos imigrantes era entendida, inclusive em termos de políticas públicas, como empregabilidade - com maior tolerância e mesmo defesa da permanência de traços culturais identitários, apoiada na ideia do retorno dos imigrantes aos seus locais de origem - , hoje ela é encarada como adesão plena à sociedade holandesa numa atitude individual de cada imigrante. Daí a hipótese da religionalização, com a decorrente sacralização da cultura holandesa apresentada como laica, moderna e progressista. Nesse processo, a escola, enquanto lugar de produção e difusão da nacionalidade - língua, valores e práticas tipicamente holandesas - , torna-se espaço de moralização do imigrante muçulmano. O resultado, como se pode entrever, é o recrudescimento de posturas mais conservadoras que tendem à segregação e à intolerância, dentro e fora da escola.

As percepções dos alunos sobre o espaço e suas consequências para a produção de conhecimento geográfico são os eixos do artigo Desenho e vozes no ensino de geografia: a pluralidade das favelas pelos olhares das crianças, escrito por Juliana Maddalena Trifilio Dias. A autora perseguiu a produção de sentidos e significados sobre o espaço urbano por parte de estudantes do segundo ciclo do ensino fundamental de uma escola particular, usando para isso 140 desenhos feitos por eles sobre o tema favela. Também entrevistou as crianças procurando identificar outras experiências, não escolares, atuantes em suas percepções do/sobre o espaço. Com base no conceito de topofilia, Juliana Maddalena Trifilio Dias investiga os modos pelos quais as crianças constroem uma representação de favela muito intermediada pelos meios de comunicação de massa, ressaltando as dimensões mais subjetivas, afetivas e não escolares aí envolvidas.

Encerramos este número com a publicação de texto inédito escrito por Colin Gordon, seguido de entrevista com o mesmo autor. No artigo intitulado Governamentalidade e a genealogia da política, o pesquisador analisa as repercussões, duas décadas à frente, da publicação do livro The Foucault effect: studies in governmentality (sem tradução em português), bem como as amplas possibilidades abertas pelo trabalho de Michel Foucault e sua contemporaneidade. Trata-se de contribuição fundamental quando considerada a influência do pensamento do filósofo francês no Brasil em todos os campos das ciências humanas e particularmente na educação. A entrevista foi realizada pela professora Fabiana Jardim, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, quando da presença de Gordon em São Paulo, em maio de 2013, por ocasião do Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências, organizado pelo Grupo de Pesquisadores sobre Governo, Ética e Subjetividade (GES) e realizado com apoio da FAPESP e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Acreditamos que a diversidade de temas, tempos e espaços presente nos artigos que compõem este número de Educação e Pesquisa segue a proposta de valorização da pluralidade de olhares e abordagens teóricas sobre o campo da educação, oferecendo aportes importantes para o alargamento de seus horizontes.

Maria Angela Borges Salvadori

Maria Letícia Barros Pedroso Nascimento

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2013
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