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A escola como caminho socioeducativo para adolescentes privados de liberdade

Resumos

Neste trabalho objetivou-se verificar como educadores de medida socioeducativa, que atuam junto a adolescentes autores de ato infracional, avaliam a atuação da escola em uma comunidade de atendimento socioeducativo quanto à prevenção e diminuição da reincidência em atos infracionais. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, realizada na própria instituição, e analisados utilizando-se a técnica do discurso do sujeito coletivo. O resultado, após a análise das entrevistas, destaca quatro ideias centrais: as semelhanças e diferenças entre a escola da instituição e as demais escolas da rede escolar; o papel da escola na medida socioeducativa de internação e suas ações preventivas; a sugestão de ações preventivas; e as causas da reincidência. No discurso coletivo dos educadores, pode-se observar que a escola tem papel fundamental na prevenção e na diminuição da reincidência infracional. Contudo, faltam ações articuladas com a rede de apoio social externa à instituição. Problemas de segurança são as principais diferenças, apontadas pelos participantes da pesquisa, em relação às escolas externas. Fatores familiares, socioeconômicos e pessoais constituem, segundo os educadores, um risco para os adolescentes, dificultando a descontinuidade de atos infracionais. A importância da elaboração de um projeto de vida, pelos adolescentes, e a falta de acompanhamento ao egresso são enfatizadas, no discurso desses profissionais, demonstrando a urgência de políticas públicas articuladas para um melhor atendimento aos jovens egressos do sistema socioeducativo.

Medidas socioeducativas; Escola; Reincidência; Educadores de medida


The purpose of this paper is to verify how educators applying social/educative measures, working with adolescents who have broken the law, evaluate the performance of the school in a community context of social/educative care regarding prevention and reduction of recidivism in breaking the law. Data was collected by means of semi-structured interviews, conducted within the institution and analyzed making use of the discourse of collective subject. The results, after interviews were analyzed, highlight four major themes: the similarities and differences between that specific school and the other public schools; the role of the school while enforcing the social/educative measure of confinement (SEMC) and its preventative actions; the recommendation of preventative actions; and the causes of recidivism. In the collective discourse of educators, one may note that school plays a key role in preventing and reducing recidivism of offenses. However, there is a lack of connections with the social work network outside the institution. Security issues are the major difference, identified by research participants, in relation to schools external to the institution. Family, socioeconomic and personal factors are, according to educators, risk factors for adolescents, which make it difficult to discontinue the legal offenses. The importance of adolescents being able to build their own life project and the inability to follow up with the ex-inmates are emphasized in the narrative of these professionals, which demonstrates the urgency of articulated public policies for a better service to young people when they leave the (Brazilian) social/educative system.

Social/educative measures; School; Recidivism; Educators applying measures


IUniversidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. Contatos: apadovani@ufba.br; ristum@ufba.br

IIFederal University of Bahia, Salvador, Brazil. Contact: apadovani@ufba.br; ristum@ufba.br

RESUMO

Neste trabalho objetivou-se verificar como educadores de medida socioeducativa, que atuam junto a adolescentes autores de ato infracional, avaliam a atuação da escola em uma comunidade de atendimento socioeducativo quanto à prevenção e diminuição da reincidência em atos infracionais. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, realizada na própria instituição, e analisados utilizando-se a técnica do discurso do sujeito coletivo. O resultado, após a análise das entrevistas, destaca quatro ideias centrais: as semelhanças e diferenças entre a escola da instituição e as demais escolas da rede escolar; o papel da escola na medida socioeducativa de internação e suas ações preventivas; a sugestão de ações preventivas; e as causas da reincidência. No discurso coletivo dos educadores, pode-se observar que a escola tem papel fundamental na prevenção e na diminuição da reincidência infracional. Contudo, faltam ações articuladas com a rede de apoio social externa à instituição. Problemas de segurança são as principais diferenças, apontadas pelos participantes da pesquisa, em relação às escolas externas. Fatores familiares, socioeconômicos e pessoais constituem, segundo os educadores, um risco para os adolescentes, dificultando a descontinuidade de atos infracionais. A importância da elaboração de um projeto de vida, pelos adolescentes, e a falta de acompanhamento ao egresso são enfatizadas, no discurso desses profissionais, demonstrando a urgência de políticas públicas articuladas para um melhor atendimento aos jovens egressos do sistema socioeducativo.

Palavras-chave: Medidas socioeducativas - Escola - Reincidência - Educadores de medida.

A definição jurídica de adolescência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), em seu artigo segundo, é: a pessoa que tem idade entre doze e dezoito anos incompletos. Adolescentes são considerados, por alguns estudiosos (AYRES, 2006; MELO et al., 2007), como um segmento da população de elevada vulnerabilidade, devido à estrutura social encontrada em países como o Brasil. Alguns aspectos associados a essa vulnerabilidade são a dificuldade de acesso a informações adequadas, a necessidade de explorar, experimentar riscos e transgredir, a dificuldade de escolhas, a indefinição de identidades, a necessidade de afirmação perante o grupo, a desagregação familiar e o acesso a drogas.

Atualmente, os jovens se deparam com um rápido desenvolvimento tecnológico, uma instantaneidade temporal que traz superficialidade na aquisição de conhecimentos e uma multiplicidade de necessidades descartáveis, provocadas pela cultura do consumo. Todos esses aspectos ampliam a exclusão social, exacerbam o individualismo e o desinteresse pelo público e coletivo e estimulam comportamentos que geram conflitos, além de banalizar a violência e as condutas ilícitas (ANTONI, KOLLER, 2002; ROCHA, 2002). São os jovens que, enquanto vítimas, testemunhas ou agentes nesse contexto, estão expostos a violências, reproduzindo-as em suas relações, podendo chegar a incorrer em atos infracionais (RANÑA, 2005; TROMBETA, GUZZO, 2002; SANTOS, 2000).

Para melhor compreender o adolescente em conflito com a lei, segundo Volpi (2002), temos de nos desviar de concepções extremistas, em que o adolescente ou é visto como vítima, produto do meio e, portanto, sem responsabilidade por seus atos; ou como aquele que tem excluída qualquer responsabilidade do ambiente, o que impõe ao jovem a responsabilidade exclusiva e definitiva.

Evidenciando a pluralidade de posições a respeito das origens do ato infracional, Assis (1999) afirmou que estudos apontam o ato infracional ou como subproduto estrutural, ligado a fatores sociais; ou relacionando-o à vinculação do jovem a instituições, como família, escola e religião; ou privilegiando os mecanismos internos do sujeito, sejam esses biológicos ou características da personalidade. Contudo, não se pode perder de vista que a relação entre indivíduo e meio é uma via de mão dupla. Assim, o cometimento de atos infracionais deve ser estudado à luz de uma interação que englobe esses três níveis. A partir desse ponto de vista, tem-se que o ato infracional torna-se produto de fatores complexos, que perpassam tanto a fase de desenvolvimento como as condições familiares, sociais, culturais e econômicas nas quais os jovens estão inseridos (ASSIS, 1999; PADOVANI, 2006).

O estudo de Silva e Rosseti-Ferreira (2002) sobre a criminalidade, além de considerar diversas especificidades implicadas na ação ligada ao crime, demonstra a "existência de diferentes trajetórias de envolvimento, de continuidade e de descontinuidade" no cometimento de atos infracionais (SILVA, ROSSETI-FERREIRA, 2002, p. 577).

De um modo geral, tanto o cometimento de atos infracionais como a reincidência e a violência impressa nesses atos têm sido discutidos pela sociedade e, principalmente, pela mídia, ambos envoltos em preconceitos que não apenas distorcem a realidade, mas também "alimentam a indiferença, a estigmatização e o estreitamento das análises acerca do tema" (TEJADAS, 2005, p. 1). Na contramão do que se tem feito, defendemos uma posição segundo a qual devemos procurar o sentido da reincidência, bem como da violência, "menos no interior da subjetividade do ator, e mais a partir do referencial das redes sociais e das coações materiais legítimas onde o indivíduo está colocado" (MARTUCCELLI, 1999, p. 172).

A reincidência em atos infracionais, diferentemente do que é veiculado pela mídia, não faz parte do repertório da maioria dos adolescentes. Segundo informações divulgadas pela Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA), responsável pelo atendimento a adolescentes privados de liberdade no estado de São Paulo, a taxa de reincidência, em 2010, foi menor que 13%. Muitos adolescentes relatam que a Medida Socioeducativa de Internação (MSEI) foi um breque, uma imposição que os retirou do movimento de continuidade em atos infracionais. Isso porque a internação implica em uma descontinuidade que lhes assegura uma chance de rever o caminho trilhado até o momento da apreensão. Por conseguinte, essa parada promove, na maioria dos casos, uma ruptura na vida infracional.

Os dados sobre a reincidência dos egressos da unidade pesquisada foram verificados pelo contato de alguns técnicos com os adolescentes e familiares, após um ano da saída daqueles da unidade. Esses dados, obtidos de forma assistemática, demonstram que 52% não são reincidentes, 4% são falecidos, 13% são reincidentes, e não foi possível obter informações a respeito de 31% dos egressos. Trata-se, portanto, de dados inconclusivos.

As causas da reincidência são de difícil identificação e delimitação, já que essas envolvem uma multiplicidade de fatores em interação. Esse fato é agravado pela escassez de pesquisas e pela precariedade de dados acerca da reincidência entre os adolescentes, devido a falhas no acompanhamento dos egressos do processo socioeducativo. Tal acompanhamento fica a cargo de alguns profissionais das unidades de internação, os quais se baseiam, principalmente, no depoimento do próprio egresso ou de seus familiares.

As medidas socioeducativas

O atendimento aos adolescentes que cometem atos infracionais deve considerar não apenas as sanções punitivas, de natureza coercitiva, mas, antes de tudo, aspectos educativos. Pretende-se, com isso, garantir a proteção integral dos adolescentes e o atendimento aos seus direitos, por meio de um conjunto de ações que possa inseri-los na vida social, proporcionando uma "educação formal, profissionalização, saúde, lazer e demais direitos assegurados legalmente" (VOLPI, 2002, p. 14).

Conforme artigo 112º do ECA (BRASIL, 1990), o adolescente autor de ato infracional será submetido a medidas socioeducativas, aplicadas e operacionalizadas de acordo com a gravidade da infração. Fica, assim, garantida a possibilidade de superar sua condição de exclusão, proporcionando uma formação voltada a valores positivos de participação na vida social, com o envolvimento familiar e comunitário.

No presente trabalho, a medida socioeducativa focalizada é a de internação, isto é, a privação de liberdade em instituição especializada, conforme artigos 121, 123 e 124 do ECA (BRASIL, 1990), em que se destacam a condição peculiar de desenvolvimento, a excepcionalidade e brevidade da medida, a obrigatoriedade de atividades pedagógicas e profissionalizantes, além de atividades culturais, esportivas e de lazer.

Segundo Volpi (2002), a medida de internação guarda conotações coercitivas e educativas, assim, falar de internação significa referir-se a um programa de privação que, por definição, implica contenção do adolescente em um sistema de segurança eficaz. Contudo, afirma o autor, a contenção não é a medida socioeducativa em si, mas tão somente a condição para sua aplicação, significando limitação no exercício do direito de ir e vir, porém com a garantia de que os demais direitos sejam atendidos, incluindo-se o acesso à educação.

A escola na comunidade de atendimento socioeducativo

O ECA (BRASIL, 1990) destaca a prioridade da ação educativa na aplicação das medidas.

[...] devendo, pois, estar presente inclusive quando da aplicação de suas mais graves modalidades - as que restringem ou privam o direito à liberdade aos adolescentes. Por possuir inexoravelmente uma finalidade social, compreende-se seu caráter obrigatório. (ROCHA, 2010, p. 207)

Segundo Facci (2010), Vigotski, ao elaborar sua teoria,

[...] tinha clareza da importância da escola para o desenvolvimento individual daquela nova sociedade, na transformação socialista do homem. Ele via na coletividade a formação motora para a emancipação dos homens. (FACCI, 2010, p. 308)

A escola tem, de acordo com Saviani (2008), a função de socializar os conhecimentos produzidos pelos homens. Para isso, o trabalho pedagógico deve criar condições para que o aluno se aproprie dos conhecimentos, o que faz com que a escola seja responsável pelo processo de humanização dos indivíduos. Tal afirmação, segundo o autor, corrobora a ideia de Vigotski de que o homem se torna humano ao se apropriar da cultura, sendo que o "aprendizado é fundamental para que as funções psicológicas superiores aconteçam" (FACCI, 2010, p. 302). O professor tem, assim, papel fundamental nesse processo.

A escola surge como um

[...] espaço estratégico para o desenvolvimento de uma política cultural voltada ao exercício da cidadania, do resgate e afirmação dos valores morais e éticos e, essencialmente, da prática da inclusão (SARAIVA, 2006, p. 55)

A aplicação das medidas socioeducativas de internação traz consigo grandes questionamentos, tais como: a medida socioeducativa tem cumprido o papel de prevenir a recidiva? A privação de liberdade consegue, isoladamente, ser uma ação de prevenção à reincidência? Qual o papel da escola em uma unidade de internação? O que, de fato, influencia na recidiva de adolescentes em atos infracionais? Estas são perguntas que requerem pesquisas e estudos mais aprofundados, distanciando-se do senso comum e buscando respostas junto à realidade dos jovens, das instituições sociais e dos organismos de operacionalização das políticas públicas voltadas aos jovens que cometeram atos infracionais.

Nesta pesquisa, o objetivo geral foi verificar como os educadores de medida, de uma unidade que atende adolescentes privados de liberdade, percebem e avaliam a atuação da escola dessa instituição em relação à prevenção da reincidência em atos infracionais. Especificamente, pretendeu-se investigar, na percepção desses profissionais: a) as especificidades da escola como parte da medida socioeducativa; b) as ações da escola que são voltadas para a prevenção da reincidência; c) as ações que deveriam ser implantadas para prevenir a reincidência; e d) as possíveis causas da reincidência.

Em nossa pesquisa, partimos da observação da Comunidade de Atendimento Socioeducativo (CASE), vinculada à Fundação da Criança e do Adolescente (FUNDAC), que tem capacidade para abrigar 120 adolescentes do sexo masculino, com idade entre 12 e 21 anos. Segundo Volpi (2001), as unidades de internação

[...] são entidades onde adolescentes que cometem atos infracionais ficam internos em tempo integral... é definida por ocupar um determinado espaço físico e ter uma equipe específica. (VOLPI, 2001, p. 66)

Nas dependências da unidade funcionam os serviços de saúde integral, educação formal, arte-educação e qualificação profissional, além de serviços administrativos e gerais. Seu quadro de 300 funcionários é composto por profissionais que desempenham as funções de médico, dentista, enfermeiro, técnico de enfermagem, psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, coordenador pedagógico, professor, instrutor de oficinas profissionalizantes e artísticas, educador de medida, orientador, segurança patrimonial, equipe administrativa, equipe de limpeza, manutenção e alimentação.

No período da pesquisa, a unidade atendia 68 adolescentes, entre 14 e 19 anos, com a predominância das idades entre 15 e 17 anos, o que está de acordo com pesquisas que evidenciam uma maior incidência de delitos nesta faixa etária (CRUZ NETO, MOREIRA, SUCENA, 2001; PADOVANI, 2006; VALLE, 2003; VOLPI, 2001, 2002). Os atos cometidos foram furto, arrombamento, roubo, tráfico de drogas, homicídio e latrocínio.

O trabalho dos profissionaisda CASE é norteado pela Pedagogia da Presença (COSTA, 1997), cujo enfoque é de que a presença dos profissionais que atuam na unidade é essencial na socioeducação e que cabe a cada profissional ser, antes de tudo, um educador, independente de sua função, tornando-se presente na vida do educando, estando próximo de seu cotidiano, buscando um vínculo afetivo e de confiança mútuo. Nessa perspectiva, a presença é entendida como essencial na socioeducação. Caberia, a cada profissional, ser, antes de tudo, um educador, independente de sua função, tornando-se presente na vida do educando, estando próximo de seu cotidiano, buscando um vínculo afetivo e de confiança mútua. Os princípios que orientam a organização do dia a dia dos adolescentes referem-se ao trabalho em equipe transdisciplinar, associando a teoria à prática diária. Desse modo, a ênfase é colocada na vida social e na convivência (COSTA, 2006a; VOLPI, 2002).

A escola ocupa um dos prédios da unidade, sendo formada por professores, coordenação pedagógica, direção e biblioteca. Os alunos são matriculados nos ensino fundamental I e II e ensino médio, sendo que a unidade não dispõe de todas as disciplinas ministradas no currículo básico do ensino médio. Para suprir essa lacuna curricular busca-se parceria com escolas externas ou a inserção dos adolescentes nessas escolas, para a realização da prova dos exames supletivos realizados pelas Comissões Permanentes de Avaliação (CPA). Importante pontuar que a escola funcionava de forma não regulamentada, mas, em 2009, foi oficializada e passou a ser regida pela Secretaria de Educação.

Em 2002, pesquisas indicavam que 51% dos adolescentes em privação de liberdade, no Brasil, estavam fora da escola no momento da apreensão e 6% eram analfabetos; a defasagem entre idade e série atingia 89,6% dos adolescentes internos, já que essa maioria encontrava-se na faixa etária entre 16 e 18 anos e não tinha concluído o ensino fundamental (ASSIS, CONSTANTINO, 2005).

Nossos dados a respeito da realidade atual da CASE mostram que 49% dos adolescentes em cumprimento de MSEI estão matriculados no ensino fundamental I e 42% no ensino fundamental II. Considerando a idade média dos adolescentes, que é de 17 anos, entendemos que esses dados reafirmam a defasagem idade/série, já que, de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Educação (MEC), esses jovens deveriam estar cursando o ensino médio, o que só ocorre com 9% dessa população.

Método

Os participantes da pesquisa foram os Educadores de Medida Socioeducativa (EMS) que atuam na CASE: quatro profissionais do sexo feminino e cinco do masculino, na faixa etária de 27 a 50 anos, com formação acadêmica em diversas áreas (direito, pedagogia, administração, artes plásticas, filosofia, geografia e sociologia). O tempo de experiência profissional como educador de medida, à época, variou de um ano e três meses a quatro anos.

Os educadores realizam atividades ludo-pedagógicas, com foco em regras de convivência, cidadania, autonomia, alteridade, empatia e trabalham com temas como meio ambiente, violência, sexualidade etc. A escolha desses profissionais justifica-se por terem uma atuação mais sistemática e próxima dos adolescentes, o que sugere uma melhor condição para avaliar a atuação da escola na vida dos adolescentes.

Esses profissionais têm a função de trabalhar com

[...] os adolescentes a questão dos direitos e deveres, da identidade, da autoestima, do projeto de vida, dos limites, da solidariedade, da democracia, da trabalhabilidade, do respeito, da cidadania, do novo mundo do trabalho e muitos outros. (COSTA, 2006a, p. 56)

Utilizou-se, para a coleta de dados, uma entrevista semiestruturada, cujo roteiro era formado por questões sobre dados pessoais e profissionais, tais como idade, sexo, formação acadêmica e tempo de atuação; e questões sobre o fenômeno a ser estudado: percepção das especificidades da escola dentro da MSEI, papel da escola na prevenção da reincidência, possibilidades e limites de atuação da escola e as causas da reincidência.

As entrevistas foram realizadas individualmente, no próprio local de trabalho, após a assinatura, pelos participantes, do termo de consentimento livre e esclarecido. Tiveram uma duração média de 90 minutos.

Para a análise dos dados, utilizamos o modelo de Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que parte do pressuposto de que o indivíduo traz, em si, o discurso da coletividade da qual faz parte. Esse modelo é entendido da seguinte maneira:

O pensamento de uma coletividade sobre um dado tema pode ser visto como o conjunto de discursos... ou representações sociais existentes na sociedade e na cultura sobre esse tema, do qual, segundo a ciência social, os sujeitos lançam mão para se comunicar, interagir, pensar. (LEFÈVRE, LEFÈVRE, 2005, p. 16)

No DSC, o que se busca é reconstruir, por meio de fragmentos dos discursos individuais, sínteses que expressem um dado pensar ou a representação de um fenômeno (LEFÈVRE, LEFÈVRE, 2005).

Resultados e discussão

A partir dos dados obtidos foram levantados cinco temas centrais, os quais comportaram especificações que nomeamos de subtemas: 1) diferenças e semelhanças entre a escola da instituição e as demais escolas da rede formal de ensino, referentes: a) ao funcionamento da escola, b) aos alunos, c) ao professor, d) às especificidades por fazer parte da MSEI; 2) papel da escola na MSEI; 3) ações da escola na prevenção da reincidência; 4) sugestões de ações preventivas à reincidência no desenvolvimento das Medidas Socioeducativas (MSE) em relação: a) à escola, b) ao egresso e c) a outras instâncias da instituição; e 5) causas da reincidência: a) socioeconômicas, b) familiares, c) individuais e d) institucionais (ligadas à aplicação da MSE).

Escola versus escola

Quando solicitados a falar sobre como se posiciona a escola da instituição em relação às escolas da rede regular de ensino, os participantes fizeram comparações que apontaram tanto para diferenças como para semelhanças, como se pode ver nos quadros referentes aos discursos de 1 a 4, porém com uma ênfase maior nas diferenças.

Destaca-se, como diferença, o conteúdo das disciplinas, que se apresenta com menor importância na escola da unidade, já que esta coloca, como objetivo maior, a formação moral. Diferenças relacionadas às características de alunos e professores também fazem parte do discurso dos educadores. Para esses profissionais, as especificidades são marcadas pela segurança, necessária ao bom andamento do trabalho em uma unidade de privação de liberdade, destacando-se o efetivo de funcionários e a forma de falar com os adolescentes. O discurso relativo às semelhanças volta-se à motivação do professor e aos aspectos didáticos e físicos da escola.

Segundo alguns autores (COSTA, 1997, VOLPI, 2002), o projeto educacional das unidades de internação deve ser voltado à formação da cidadania plena, com programas que visem a atender adolescentes com certa especificidade, tendo, em seu conteúdo pedagógico, elementos que compõem o artigo 6º do ECA:

[...] os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. (BRASIL, 2000)

Para Costa (2006a), a educação de caráter socioeducativo prepara os jovens para o convívio social, buscando a não recidiva na prática de atos infracionais e garantindo o atendimento aos seus direitos fundamentais, bem como a segurança dos demais cidadãos.

Oliveira (2003) defende que não se pode chamar de projeto pedagógico um fazer que inclua a imposição das aulas, nas quais o educador seja apenas depositário de conteúdo no aluno e cujas atividades estejam em desacordo com a situação de vida do educando. Além disso, não se trata de um projeto pedagógico aquele em que a segurança seja privilegiada em detrimento de ações educativas, com a proibição de leitura no interior dos alojamentos ou o impedimento do acesso a materiais didáticos.

Considerando o discurso dos profissionais que atuam nessa área, faz-se necessária uma pedagogia específica para se trabalhar com esses adolescentes, uma metodologia diferente para atender a esse público, assim como uma maneira distinta de lidar com esses jovens. Entretanto, de acordo com Costa (2006a), essa postura, que diferencia a educação dentro dessas instituições, constitui uma forma

[...] inteiramente distorcida e inconsequente de se abordar a situação, porque costuma partir do pressuposto de que é coerente e necessário fazer coisa pobre para pobre... Tudo que serve para trabalhar com adolescentes serve para trabalhar com adolescentes em conflito com a lei, porque toda ação educativa deve ser revestida de uma aposta no outro (COSTA, 2006a, p. 46).

Uma postura que nos parece contrabalançar a de Costa (2006a) e a dos educadores entrevistados foi formulada como se segue: se a escola, em algum momento, foi excludente na vida desses adolescentes, seja por não compreender sua realidade ou não se adequar a ela, durante o cumprimento da medida socioeducativa,

[...] as escolas que atendem adolescentes em conflito com a lei precisam ser especiais, não para mais um estigma, mas para considerar todas as peculiaridades que essa passagem pelo sistema impõe. (PEMSEIS, 2002, p. 43)

Na maioria das pesquisas (ASSIS, CONSTANTINO, 2005; PADOVANI, 2006; TEJADAS, 2005; VALLE, 2003; VOLPI, 2001, 2002) a respeito de adolescentes em conflito com a lei, percebe-se que esses mostram desinteresse pela escola, o qual é motivado pela própria ação da escola que tende a generalizar, homogeneizar os sujeitos, não se preocupando com as diferenças, afastando da escolarização os jovens que apresentam dificuldades, mantendo um círculo contínuo de exclusão.

Alguns autores (ASSIS, CONSTANTINO, 2005; CELLA, CAMARGO, 2009) colocam o desinteresse dos educadores em relação aos alunos e suas particularidades, como as dificuldades de aprendizagem e o contexto que permeia a vida do educando, como uma das possíveis causas do distanciamento dos alunos em relação à escola. Percebe-se que a ação do professor frente à situação de vulnerabilidade do adolescente em conflito com a lei coloca-se como importante no desenvolvimento do trabalho realizado nessas instituições. Segundo Saraiva (2006), assim como os pais, o professor é uma figura de referência importante na formação da criança, não apenas como transmissor de conhecimento, mas, sobretudo, como uma pessoa atuante.

Um bom caminho de uma escola voltada, de fato, para atender não apenas os adolescentes em conflito com a lei, mas, antes de tudo, todas as nossas crianças e adolescentes, é apontado por Oliveira (2003), ao enfatizar o respeito aos educandos enquanto

[...] criadores de cultura e tomando como base da ação pedagógica o universo cultural do aluno; a conquista da autonomia de cada um como um horizonte do processo pedagógico e o caráter político da educação, buscando... a superação de toda opressão. (OLIVEIRA, 2003, p. 92)

Embora as diferenças tenham sido em maior número e mais enfatizadas, também foram apontadas algumas semelhanças entre a escola da CASE e as demais escolas da rede regular de ensino.

A percepção mais acentuada em relação às semelhanças reforça a inquietação de alguns pesquisadores e profissionais da área de que a inserção da escola em unidades de privação é preocupante. As principais preocupações apontadas são: a qualidade de ensino, a metodologia utilizada, o despreparo dos professores para trabalhar nas unidades, com jovens em situações especiais, além da falta de estímulo dos jovens com relação à escola e sua dificuldade em lidar com suas limitações cognitivas, emocionais e vivenciais (ASSIS, CONSTANTINO, 2005).

A escola enquanto parte da medida socioeducativa

O discurso 5, na sequência, demonstra que os participantes consideram a escola necessária e essencial para a construção de um futuro distante da vida infracional.

O grande desafio das unidades de internação, segundo Gonzalez (2006), é buscar uma maneira de contribuir para mudar a situação de vulnerabilidade dos jovens que lá se encontram, com atividades pedagógicas que permitam aos adolescentes ter uma experiência dos processos não apenas de aprendizagem, mas de socialização, fazendo com que esses adolescentes percebam essa socialização como uma fonte de transformação para sua realidade. Para o autor, o principal aspecto do projeto socioeducativo é a

[...] construção de uma educação que dê conta do dia a dia de todo o desenvolvimento individual e coletivo dos processos de socialização e educação do adolescente... com base na integração dos aspectos afetivo, intelectual e coletivo. (GONZALEZ, 2006, p. 44)

Para Costa e Assis (2006), as atividades, sejam elas educacionais, de lazer ou de profissionalização, devem possibilitar a construção de si, representando uma experiência nova na vida desses adolescentes. Nesse sentido, podemos afirmar que a escola tem, pelo menos potencialmente, a capacidade de contribuir para a construção e a reconstrução da pessoa, especialmente em uma situação em que as oportunidades de desenvolvimento são limitadas.

Os educadores de medida, conforme apresentado no discurso 6, não percebem ações sistematizadas com vistas à prevenção da reincidência, ficando essa a cargo de ações pontuais dos professores, principalmente por meio do diálogo em sala de aula, como vemos abaixo.

De acordo com Rocha (2010, p. 208),

a ausência de ações educacionais eficazes nos centros socioeducativos resulta em uma das maiores provas da ineficiência do sistema, comprovada no destino dos jovens ao saírem da instituição.

Conforme Alves et al. (2007, p. 214), a atuação dos profissionais nessas unidades é construída "a partir do trabalho diário e da permanência no local de trabalho, desprovida de qualquer processo de análise crítica". Entretanto, os autores pontuam a importância de se implantar atividades que promovam formação e qualificação profissional, bem como a "promoção da cidadania e o estabelecimento de projetos de vida constituem possibilidades para que eles empreendam trajetórias menos excludentes" (ALVES et al., 2007, p. 214).

Dentre essas possibilidades, Alves et al. (2007), Cella e Camargo (2009), Saraiva (2006) apontam a escola e a forma de trabalhar do professor em sala de aula como uma prática efetiva do cotidiano escolar que pode estabelecer um elo com a vida diária dos adolescentes, ao inserir diálogos sobre a escola, as relações familiares, os espaços sociais e comunitários e outros conteúdos que visem à socioeducação.

Se as ações desenvolvidas no interior dessas instituições buscam a reinserção social, através da escolarização, da preparação para o mercado de trabalho, da reflexão acerca de suas ações e consequências, tendo em vista a não recidiva em atos infracionais, tais ações deveriam refletir esse objetivo.

Neste momento, faz-se necessária uma profunda reflexão acerca da reinserção, pois esses jovens, em sua maioria, nunca estiveram de fato inseridos socialmente, fazendo-se urgente repensar tais ações, não apenas no contexto das instituições privativas de liberdade, mas na própria sociedade que os acolhe e, paradoxalmente lhes impossibilita o acesso a tais práticas. O que se percebeu, no discurso dos educadores, e o que a literatura tem demonstrado, é uma total ausência de ações sistematizadas que contemplem os objetivos da socioeducação devido à falta de um planejamento, o que se reflete em ações isoladas, sem um projeto que integre das atividades propostas (CAMPOS, FRANCISCHINI, 2005).

A possibilidade de um projeto educativo efetivo é evidenciada para quem:

os vínculos construídos através da palavra, do diálogo, da prática de ouvir, observar o mundo ao redor e o indivíduo, do afeto e do respeito, constituem o fato mais significativo na prática educativa. (GONZALEZ, 2006, p. 45)

Portanto, educa-se por meio da participação e, ao dialogar com os alunos, os professores buscam incutir nesses jovens, por meio da fala, reflexões acerca do seu envolvimento e da (des)continuidade em atos infracionais.

A prevenção da reincidência: ações e mudanças sugeridas pelos educadores de medida

Ao responder sobre as ações e mudanças com vistas à prevenção da reincidência, os educadores de medida referem-se, em seus discursos, a ações que podem ser desenvolvidas na escola, como atrelar a educação formal à profissional, incluir novos conteúdos voltados à cidadania, formar valores e consciência crítica. São ainda citadas ações ligadas ao desenvolvimento da MSE, como a articulação em rede e a elaboração de políticas públicas.

A interação com organizações externas à unidade remete à importância de criar espaços para que o adolescente mantenha o vínculo com a sociedade, diminuindo o isolamento e o distanciamento desse com a vida fora da CASE, já que uma instituição de privação,

Quanto mais caminha para um sistema fechado, cortando a comunicação com outras instâncias da sociedade... mais tende a se tornar desumana e totalitária. (OLIVEIRA, 2003, p. 89)

No espaço socioeducativo, é essencial a participação da comunidade, tendo em vista a incompletude institucional. Desse modo, as escolas inseridas nesse contexto

[...] poderiam colaborar desenvolvendo ações de maior envolvimento com a promoção da saúde, da cultura, da cidadania, encarando com seriedade o problema da diversidade cultural e vulnerabilidade social dos sujeitos a quem atende. (ROCHA, 2010, p. 209)

Os projetos voltados ao atendimento dos adolescentes em conflito com a lei pecam por não prever o envolvimento das famílias e da comunidade, pois estão pautados em

[...] uma visão fracionada. A preocupação com a reflexão do adolescente está presente, mas não há projetos incorporados que preparem a família e a comunidade para receberem esse adolescente. (CELLA, CAMARGO, 2009, p. 292)

A formação contínua dos profissionais, para atuarem no sistema socioeducativo, por meio de condições institucionais concretas em cursos e atualizações, é fundamental para a promoção de ações mais efetivas dentro das unidades de internação. Para ALVES et al. ( 2007, p. 211),

A mudança desse quadro exige, entre outras coisas, o comprometimento dos gestores públicos, a garantia de investimento imediato na formação dos profissionais que atuam dentro do contexto socioeducativo promovendo-se não apenas um treinamento inicial, mas uma formação continuada.

Além disso deve-se considerar a participação de toda a equipe, possibilitando uma linguagem única, que pudesse promover, de forma mais significativa, o desenvolvimento psicológico e social desse jovem, para além do momento atual (ALVES et al., 2007).

Causas da reincidência

O discurso dos educadores a respeito das causas da reincidência remete a questões sociais, familiares, individuais e, sobretudo, relacionadas ao próprio sistema socioeducativo, que não se apresenta eficaz no acompanhamento do adolescente egresso, conforme mostram os discursos de 08 a 11, que apresentamos na sequência.

A fala dos participantes encontra eco na literatura. Assis e Constantino (2005), por exemplo, afirmam que a realidade econômica e social brasileira, pautada na desigualdade,

[...] dificulta o pleno crescimento e desenvolvimento de milhões de adolescentes que se veem aprisionados a comunidades expropriadas... restrições severas ao consumo de bens e serviços... falta de qualidade no ensino... e violência em todas as esferas de convivência. (ASSIS, CONSTANTINO, 2005, p. 82)

Também nessa direção, outros autores consideram que o contexto socioeconômico e as interações sociais que nele se processam configuram uma realidade cultural, social e econômica que permeia a vida dos jovens. É nessa realidade que os adolescentes devem aprimorar suas habilidades interacionais, de autopercepção e de percepção do outro. Ao experimentar a liberdade de escolha, tornam-se vulneráveis aos riscos por ela muitas vezes impostos, especialmente quando se desenvolvem em meio à miséria material, afetiva e educacional, convivendo com o desrespeito à cidadania (RANÑA, 2005; TROMBETA, GUZZO, 2002; SANTOS, 2000). Outro conjunto de fatores causais apontado pelos participantes refere-se aos familiares dos egressos.

A família é apontada em inúmeras pesquisas como um fator de risco para esses jovens, devido às suas condições de vida inadequadas, ao desemprego dos pais, à ausência de autoridade, entre outros fatores, sendo-lhe atribuído um papel central no envolvimento com atos infracionais, bem como na reincidência e na continuidade infracional (MELO et al., 2007; SILVA, ROSSETI-FERREIRA, 2002; TEJADAS, 2005). Além das relações familiares, também foram citadas as causas ligadas às condições pessoais de vida do adolescente.

A maior parte desses adolescentes já havia perdido o vínculo com a escola anteriormente, de modo que seria

[...] necessária a construção de um processo pedagógico (disciplinas, temas, aulas, atividades), dentro ou fora das unidades socioeducativas, que pudesse adentrar o sistema simbólico e conceitual atrelado à realidade desse público. (ROCHA, 2010, p. 208-209).

De acordo com Marisa Rocha (2010, p.209), é preciso que esses adolescentes

[...] compreendam o sentido existente no exercício de problematizar situações e, em especial, em sua situação de infração. A apropriação crítica de sua trajetória, sintonizada às suas aspirações e interesses, possibilita um contínuo processo de negociações e renegociações.

Os participantes apontaram, ainda, causas relacionadas ao próprio sistema socioeducativo, especialmente no que se refere à falta de acompanhamento do egresso, bem como a ausência de políticas públicas voltadas a atender o referido público.

O adolescente em conflito com a lei é cobrado para que construa um projeto de vida distante da vida infracional, porém é importante a contrapartida do estado, de maneira a possibilitar a concretização do exercício pleno da cidadania por parte desses adolescentes (OLIVEIRA, 2003). Esse exercício envolve a profissionalização, a escolarização, a inserção no mercado de trabalho, o acesso à saúde, não apenas do jovem egresso do sistema, mas de toda a família que, a partir de então, será responsável por receber e zelar pelo adolescente.

Considerações finais

Este trabalho mostra, de acordo com os dados coletados, que a escola, dentro da medida socioeducativa de internação, tem cumprido seu papel de proporcionar conhecimento e de transmitir conteúdo. Contudo, pouco tem atuado com vistas à prevenção da reincidência, não existindo, de fato, ações sistemáticas para atingir esse objetivo.

Foram identificadas ações isoladas dos professores, geralmente em forma de diálogos e aconselhamentos, valendo-se da proximidade com os adolescentes que a relação professor-aluno proporciona. Vale ressaltar que a escola faz parte de um todo, que é a própria medida socioeducativa, a qual tem como objetivo maior evitar a recidiva do adolescente em novos atos infracionais. Mas, o que se percebe é uma escola que pouco contribui para o seu objetivo principal: o retorno do adolescente para o convívio social.

A escola, nesse contexto, pode tornar-se uma oportunidade de inclusão. É importante que sua estrutura, ação e metodologia garantam uma educação social que busque desenvolver atitudes e habilidades, preparando os adolescentes para o convívio, para atuar como pessoas e futuros profissionais, visando ao protagonismo juvenil (COSTA, 2006b; VOLPI, 2002, 2006). Segundo Costa (2006b), o conteúdo deve ir além da transmissão de conhecimentos, desenvolvendo, no jovem,

crenças, valores, atitudes e habilidades que lhe permitam, no convívio social, avaliar situações e tomar, diante delas, decisões e atitudes fundamentadas em valores humanos. (COSTA, 2006b, p. 25)

Portanto, faz-se necessária uma reflexão acerca da precariedade da instituição escolar dentro dos sistemas socioeducativos, a qual não apresenta um projeto político-pedagógico que considere as especificidades e o momento que o jovem, em privação de liberdade, está vivenciando. Não se pode perder de vista a necessária interação com o ambiente externo à instituição, com a formação de redes que auxiliem esses jovens não apenas enquanto estão privados de liberdade e sob custódia do estado, mas, especialmente, ao saírem dos muros da unidade em busca da realização dos seus projetos de vida.

A descontinuidade no envolvimento com atos infracionais ocorre aos poucos, a partir de novas experiências e do surgimento de oportunidades de explorar novos caminhos. Essa descontinuidade relaciona-se a inúmeras vivências resultantes da interação do jovem com o ambiente que o cerca. Nesse sentido, a escola pode vir a ter uma efetiva atuação. Ao desconstruir/construir, distancia-se da linearidade e se aproxima de uma trajetória que envolve avanços e retrocessos (SILVA, ROSSETI-FERREIRA, 2002).

A pesquisa também mostrou que a baixa escolaridade tem sido apontada como um fator de risco que torna vulnerável uma população de jovens que percebem a inserção escolar como algo distante de sua realidade. No caso dos adolescentes em conflito com a lei, em que a situação infracional já se instaurou, cabe à instituição que o acolhe ir além de sua formação acadêmica, já que

[...] os grandes entraves para uma verdadeira transformação encontram-se no seu mundo vivido, aquele que os aguarda após a extinção da medida socioeducativa. Se desejamos promover mudanças significativas que representem menos violência e mais solidariedade, será preciso uma nova estruturação da sociedade. (LENA, OLIVEIRA, 2007, p. 2)

Os desafios, portanto, ultrapassam a atuação dos professores e até mesmo da escola, mas precisam

[...] ser acatados pela sociedade ampla, sob pena de continuarmos a escrever a história do fracasso no cuidado às nossas gerações em formação. (ALVES et al., 2007, p. 214)

O estado em conjunto com a sociedade civil, responsáveis pela elaboração de políticas públicas, devem assegurar os direitos, bem como a efetividade de ações que reconheçam a humanidade de cada um, através de programas voltados para a redução da desigualdade, para o trabalho, a polícia, a justiça, para ações na área de saúde e mídia (ASSIS; CONSTANTINO, 2005, TEJADAS, 2005).

Recebido em: 13.08.2012

Aprovado em: 26.03.2013

Andréa Sandoval Padovani é graduada em psicologia pela Faculdade Ruy Barbosa. Mestre e doutoranda em psicologia pela Universidade Federal da Bahia

Marilena Ristum é graduada em psicologia pela Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto), mestre em psicologia pela Universidade de São Paulo e doutora em educação pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é professor associado da Universidade Federal da Bahia, nos cursos de graduação e pós-graduação em psicologia

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  • A escola como caminho socioeducativo para adolescentes privados de liberdade

    Andréa Sandoval PadovaniI; Marilena RistumII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      13 Ago 2012
    • Aceito
      26 Mar 2013
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