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A disciplina estatística no curso de pedagogia da USP: uma abordagem histórica

Resumos

Este artigo apresenta uma abordagem histórica acerca da disciplina estatística no curso de pedagogia da Universidade de São Paulo – USP (1939-1999). O objetivo foi investigar as origens da disciplina, os conteúdos e métodos propostos e seu papel na formação do pedagogo. A análise documental e a história oral foram utilizadas como recursos metodológicos. Fundamentando-se na história do currículo, a pesquisa dialogou especialmente com as ideias centrais de Ivor Goodson, ao compreender o currículo como construção social e investigar como e por que certo conhecimento é ensinado (ou não) em determinado contexto histórico. Constatou-se que a estatística foi considerada muito importante para a área educacional na primeira metade do século XX, por contribuir com a produção de diagnósticos para o planejamento de políticas públicas, com os trabalhos de inspeção escolar e com a classificação de alunos. Com origem nos cursos de administradores escolares do Instituto de Educação da Universidade de São Paulo nos anos 1930, a estatística ganhou espaço no curso de pedagogia, criado em 1939, mantendo-se presente no currículo, ainda que tenha passado por várias reformulações curriculares. A partir dos anos 1980, começou a sofrer limitações no campo educacional, seja pelo enfoque das pesquisas educacionais, que perderam gradualmente o cunho quantitativo, seja pela redefinição do curso de pedagogia, que passou a defender a docência como a base da formação do pedagogo.

Curso de pedagogia; Ensino de estatística; História da educação; História do currículo


This article presents a historical approach to the statistics discipline in the pedagogy course at Universidade de São Paulo - USP (1939-1999). The aim was to investigate the origins of the discipline, its content, methods and role in the training of pedagogues. Document analysis and oral history were used as methodological resources. Based on the history of the curriculum, the research dialogued especially with the central ideas of Ivor Goodson, understanding the curriculum as a social construct and investigating how and why certain knowledge is (or is not) taught in a particular historical context. It was found that the statistics discipline was considered very important for the education field in the first half of the twentieth century, since it contributed to the production of diagnoses for the planning of public policy, to the work of school inspection and the classification of students. Originating in undergraduate school management courses of Instituto de Educação, Universidade de São Paulo in the 1930s, the statistics discipline gained ground in the pedagogy course, created in 1939, remained in the curriculum, although it underwent several curricular changes. Since the 1980s, it began to suffer limitations in the educational field, due to the focus of educational research, which gradually lost its quantitative nature, or due to the redefining of the pedagogy course, which started advocating for teaching as the basis for the training of pedagogues.

Pedagogy course; Teaching of statistics; History of Education; History of the curriculum


Com mais de 70 anos de existência, o curso de pedagogia passou por algumas reformulações curriculares e o perfil profissional do pedagogo foi sendo redefinido ao longo do tempo. Este artigo faz parte de uma pesquisa de estágio pós-doutoral que teve como objetivo analisar o percurso histórico que a educação matemática assumiu nos currículos dos cursos de pedagogia de instituições de ensino superior do estado de São Paulo (Universidade de São Paulo – USP, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP e Universidade Estadual de Campinas – Unicamp) e identificar as disciplinas de formação matemática que marcaram presença na trajetória do referido curso (1939-1999), bem como o papel que elas desempenharam na formação do pedagogo. O foco de atenção do presente artigo volta-se para a disciplina de estatística no curso de pedagogia da Universidade de São Paulo (1939-1999), sendo que se investigaram as origens da disciplina, os conteúdos e métodos propostos e o papel desempenhado na formação do pedagogo.

A pesquisa fundamenta-se nos estudos no âmbito da história do currículo, área que tem se voltado para temáticas que envolvem a história do pensamento curricular, a história das reformas e propostas curriculares, a história dos currículos de cursos e a história das disciplinas (MACEDO, 2001MACEDO, Elizabeth. Aspectos metodológicos em história do currículo. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de; ALVES, Nilda (Orgs.). Pesquisa do/no cotidiano das escolas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.). A base teórica esteve amparada nas ideias de Goodson (1990GOODSON, Ivor. Tornando-se uma matéria acadêmica: padrões de explicação e evolução. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 2, p. 230-254, 1990., 1997GOODSON, Ivor. A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1997., 2001GOODSON, Ivor. O currículo em mudança. Porto: Porto Editora, 2001.), em razão de o autor procurar compreender como e por que certo conhecimento é ensinado em determinado contexto histórico, bem como o status da disciplina no currículo, além de investigar por que algumas áreas do conhecimento são transformadas em disciplinas.

Goodson (1997)GOODSON, Ivor. A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1997. defende três ideias importantes: as disciplinas não são entidades monolíticas, sendo mutáveis por grupos e tradições que influenciam as mudanças; para consolidar-se no currículo, a disciplina parte de uma tradição pedagógica utilitária para uma acadêmica; e a manutenção de uma disciplina no currículo envolve conflitos e lutas por parte de diferentes grupos que estão em busca de status, recursos e território. Enquanto alguns estudos tratam o currículo de forma atemporal, esse autor compreende-o como um artefato social e cultural, que deve ser entendido de forma ampla, pois tem sua própria história. Ele concebe a gênese de uma disciplina relacionada à sua necessidade social imediata, isto é, suas origens e seu funcionamento devem ser lidos de acordo com o contexto social da época.

A análise documental e a história oral foram utilizadas como recursos metodológicos. Importante salientar que Goodson (1997)GOODSON, Ivor. A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1997. confere importância às investigações acerca do currículo escrito nos estudos de história do currículo. Macedo (2001)MACEDO, Elizabeth. Aspectos metodológicos em história do currículo. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de; ALVES, Nilda (Orgs.). Pesquisa do/no cotidiano das escolas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. destaca o documento como fonte crucial para a pesquisa histórica. No caso da análise documental, a legislação educacional, as grades curriculares, os programas de ensino e os anuários e relatórios de ensino foram utilizados como documentos, todos coletados em bibliotecas e arquivos setoriais, fato que permitiu haver uma percepção acerca do currículo escrito.

A história oral contou com os depoimentos de três ex-alunas do curso de pedagogia da USP, cada qual de um determinado período: Bernardete Angelina Gatti cursou pedagogia na FFCL-USP (1959-1962), lecionou estatística no curso de pedagogia entre 1966 e 1985, e atualmente é professora aposentada do Departamento de Estatística do Instituto de Matemática e Estatística da USP; Helena Coharik Chamlian cursou pedagogia na FFCL-USP (1965-1969), atuou no processo de reformulação curricular do curso de pedagogia nos anos 1980 e é professora aposentada da Faculdade de Educação da USP; Natália de Lacerda Gil cursou pedagogia na Faculdade de Educação da USP (1995-1998), pesquisou a história das estatísticas oficiais na área educacional em seu mestrado e doutorado, e atualmente é docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O propósito deste estudo foi apresentar os relatos de pessoas que vivenciaram suas experiências como alunas em três diferentes momentos do curso e, desse modo, trabalhar com a história oral significou trazer os “atores sociais que vivenciaram certos contextos e situações.” (GARNICA, 2004GARNICA, Antonio Vicenti Marafioti. História oral e educação matemática. In: BORBA, Marcelo (Org.). Pesquisa qualitativa em educação matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 77-98. (Tendências em educação matemática)., p. 155).

A importância do conhecimento estatístico para a área educacional

Na primeira metade do século XX, algumas áreas do conhecimento foram necessárias para a construção do profissional da área de educação. A estatística representava a possibilidade da medida e do controle, necessários aos propósitos reguladores do Estado, cujo objetivo estava voltado para a produção de diagnósticos sociais e educacionais, visando ao planejamento de políticas públicas. No campo da psicologia educacional, o conhecimento estatístico serviu como ferramenta para a classificação de alunos, com as variações e desvios dos indivíduos (NUNES, 2000NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Bragança Paulista: Edusf, 2000.). A infalibilidade da estatística não admitia fracasso, sendo sua função “observar, perguntar, apurar, descrever, contabilizar, agrupar, classificar. Em outras palavras: controlar e hierarquizar” (NUNES, 2000NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Bragança Paulista: Edusf, 2000., p. 352).

Buscando compreender a realidade em múltiplas direções e mapear a cidade e tudo o que nela se apresentava, a estatística era concebida como um instrumento poderoso e eficaz. Amplamente utilizada pelos governantes, trazia visibilidade à educação escolar e aos problemas, com a obtenção de dados quantitativos (BICCAS; FARIA FILHO, 2000BICCAS, Maurilane de Souza; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Educação e modernidade: a estatística como estratégia de conformação do campo pedagógico brasileiro (1850-1930). Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 14, n. 27/28, p. 175-201, jan./jun. e jul./dez. 2000.).

Na década de 1920, o movimento escolanovista apresentava grande preocupação com a organização dos dados numéricos (GIL, 2008GIL, Natália de Lacerda. Aparato burocrático e os números do ensino: uma abordagem histórica. Cadernos de Pesquisa, Fundação Carlos Chagas, São Paulo, v. 38, n. 134, p. 479-502, maio/ago. 2008., p. 494). Com a criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930, cresceu a preocupação com a produção das estatísticas educacionais, fato que se concretizou no ano seguinte, com a criação da Diretoria Geral de Informações, Estatística e Divulgação, órgão que teria a função de produzir diagnósticos. No mesmo contexto, a criação do Instituto Nacional de Estatística, mais tarde conhecido como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), deu destaque a essa área do conhecimento.

A grande extensão territorial do país apresentava-se como uma dificuldade para a produção das estatísticas educacionais. Assim, tornava-se cada vez mais necessária a coleta dos dados acerca da situação das escolas, tarefa dos municípios, que enviavam seus dados ao órgão central para a obtenção dos números necessários. Defensor da Escola Nova, Lourenço Filho (1947)LOURENÇO FILHO, Manuel Bergström. Estatística e educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 31, p. 467-488, nov./dez. 1947. destacava a importância da estatística para a área educacional, pois, segundo o autor, ela apresentava os elementos essenciais para a reconstrução e o redirecionamento do Estado quanto ao recenseamento e à inspeção escolares.

O movimento da Escola Nova propiciou a introdução de novos princípios educacionais, sendo marcante o trabalho desenvolvido por Helena Antipoff, na Escola de Aperfeiçoamento de Minas Gerais. Ela veio de Genebra, a convite do governo mineiro, para renovar a formação dos professores, partindo do pressuposto de que eles deveriam conhecer a criança em todos os seus aspectos psicológicos, por meio da aplicação de testes (LOPES, 1989LOPES, Antonia Elisa Calô de Oliveira. A Estatística e sua história: uma contribuição para o ensino da estatística aplicada à educação. 1989. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 1989.). A introdução do ensino da estatística na área educacional vinculou-se à visão cientificista decorrente do seu emprego em psicometria e sociometria, ao tratamento tecnocrático para lidar com as questões educacionais, quanto ao planejamento e ensino, e, principalmente, com a naturalização das ciências da educação e áreas correlatas, tais como psicologia e sociologia, por influência do modelo cientificista do século XIX (LOPES, 1989LOPES, Antonia Elisa Calô de Oliveira. A Estatística e sua história: uma contribuição para o ensino da estatística aplicada à educação. 1989. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 1989.).

As transformações econômicas e culturais que ocorreram nas primeiras décadas do século XX teriam concebido a escola como a instituição responsável pelo desenvolvimento do país. A demanda pela escolarização acelerou o processo de formação de professores para atuação nas escolares elementares, implicando, consequentemente, a formação de professores para exercerem sua função nas Escolas Normais, onde se preparava o docente da escola elementar (BRZEZINSKI, 2010BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formação de professores: busca e movimento. 9. ed. Campinas: Papirus, 2010.).

A formação de professores apresentou-se como prioridade nas reformas empreendidas nos diversos estados brasileiros (MIGUEL; VIDAL; ARAÚJO, 2011MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; VIDAL, Diana Gonçalves; ARAÚJO, José Carlos Souza. Reformas educacionais: as manifestações da Escola Nova no Brasil (1920 a 1946). Campinas: Autores Associados, 2011.). As experiências consolidadas em outros países, como Estados Unidos, França, Bélgica e Suíça, serviram de referência para a formação de um modelo de formação de professores no Brasil. Tais experiências, assimiladas e adaptadas ao gênero brasileiro, deram origem à Escola de Aperfeiçoamento de Minas Gerais (1929), ao Instituto de Educação do Rio de Janeiro (1932) e ao Instituto de Educação de São Paulo (1933), que contribuíram para o florescimento e a consolidação de novas propostas educacionais.

Origens da disciplina

No campo educacional, a história da disciplina estatística tem sua origem no Instituto de Educação de São Paulo, instituição que surgiu na Escola Normal de São Paulo, transformada em Instituto Pedagógico em 1931, e posteriormente em Instituto de Educação, em 1933 (MONARCHA, 1999MONARCHA, Carlos. Escola Normal da praça: o lado noturno das luzes. Campinas: Unicamp, 1999.). Em 1934, com a criação da USP, o Instituto de Educação de São Paulo foi incorporado como unidade. O objetivo do Instituto de Educação da Universidade de São Paulo (IEUSP) era oferecer formação para professores primários (dois anos), formação pedagógica para professores secundários (um ano) e formação para administradores escolares (dois anos), além de cursos extraordinários (EVANGELISTA, 2002EVANGELISTA, Olinda. A formação universitária do professor: o Instituto de Educação da Universidade de São Paulo (1934-1938). Florianópolis: Cidade Futura, 2002.).

A disciplina estatística foi proposta no curso de administradores escolares, em 1933, sob a responsabilidade do professor Milton da Silva Rodrigues, juntamente com outras disciplinas, como higiene escolar e psicologia educacional (oferecidas no 1o ano), sociologia educacional, filosofia da educação e educação comparada (oferecidas no 2o ano). A disciplina administração e legislação escolar era oferecida nos dois anos do curso. De 1936 a 1938, o IEUSP diplomou 75 administradores escolares (EVANGELISTA, 2002EVANGELISTA, Olinda. A formação universitária do professor: o Instituto de Educação da Universidade de São Paulo (1934-1938). Florianópolis: Cidade Futura, 2002.). Antes da criação desses cursos, os diretores das escolas primárias eram recrutados entre os professores com maior experiência docente ou por indicação de políticos locais, sem necessidade de outra formação além do Curso Normal. Tais cursos passaram a oferecer uma formação especializada, tornando-se uma oportunidade para dar continuidade aos estudos dos professores primários (CASTRO, 2007CASTRO, Magali de. A formação de professores e gestores para os anos iniciais da educação básica: das origens às diretrizes curriculares nacionais. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação - RBPAE, v. 23, n. 2, p. 199-227, maio/ago. 2007. Disponível em: <seer.ufrgs.br/rbpae/article/download/19126/11121>. Acesso em 3 out. 2011.
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).

Milton da Silva Rodrigues apresentou o programa de estatística (1936) a partir de uma lista de conteúdos que compreendia a definição e o campo da estatística, coleta e análise de dados, medidas de tendência central (média, mediana e moda), medidas de variabilidade, noções de probabilidade, medidas de precisão, estudo das marchas ou movimentos e correlações. Apenas um ponto do programa apresentava relação com as questões educacionais: “Aplicações à educação: a) questões de psicometria; b) questões de organização e administração do ensino; c) questões de higiene” (USP, 1936UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP). Instituto de Educação. Programas dos cursos regulares e extraordinários para o ano de 1936. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1936.). A bibliografia indicava sete livros, sendo a maioria em língua estrangeira.

Com o advento do Estado Novo (1937-1945), o IEUSP foi extinto em 1938, transformando-se em Seção de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, e seu corpo docente foi absorvido pela instituição, desfazendo-se o projeto de educação de Fernando de Azevedo e dos demais renovadores envolvidos (BONTEMPI JÚNIOR, 2011BONTEMPI JUNIOR, Bruno. Do Instituto de Educação à Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 142, p. 188-207, jan./abr. 2011.).

A criação do curso de pedagogia da USP e a consolidação da estatística no currículo

O curso de pedagogia vinha sendo planejado no meio educacional a partir das experiências renovadoras da Universidade de São Paulo, da Universidade do Distrito Federal e da Universidade de Minas Gerais, além da intervenção da Igreja Católica, que visava à criação de uma faculdade de educação nos moldes católicos. Esse curso foi criado oficialmente no Brasil em 1939BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n. 1.190, de 04 de abril de 1939. Dá organização à Faculdade Nacional de Filosofia. In: NÓBREGA, Vandick Londres da. Enciclopédia da legislação do ensino. v. 1. Rio de Janeiro: [s. n., 19--]. p. 562-570., estruturando-se “na esteira dos atos centralizadores baixados em plena vigência da ditadura de Vargas” (BRZEZINSKI, 2010BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formação de professores: busca e movimento. 9. ed. Campinas: Papirus, 2010., p. 40).

Com origem na organização da Faculdade Nacional de Filosofia (Decreto-Lei n. 1.190/39), o curso de pedagogia impôs-se como padrão federal para todas as instituições de ensino superior do país. Ao eleger a pesquisa como eixo norteador, a Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) visava ao aperfeiçoamento da ciência, e a formação de professores se apresentava como finalidade secundária, com o propósito prioritário de suprir a carência de professores para a atuação no ensino secundário (BRZEZINSKI, 2010BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formação de professores: busca e movimento. 9. ed. Campinas: Papirus, 2010.).

Criado a partir de um currículo composto de onze disciplinas, o curso de pedagogia foi concebido como um bacharelado, semelhante aos demais da referida instituição, e sua função primordial era formar técnicos para atuação nos cargos administrativos. Com três anos de duração, seu currículo oferecia complementos de matemática (1o ano), história da filosofia (1o ano), sociologia (1o ano), fundamentos biológicos da educação (1o ano), fundamentos sociológicos da educação (2o ano), estatística educacional (2o ano), educação comparada (3o ano) e filosofia da educação (3o ano). Outras disciplinas ocupavam um espaço maior na carga horária do curso, sendo oferecidas em mais de um ano letivo, como as disciplinas de história da educação (2o e 3o anos) e administração escolar (2o e 3o anos). A psicologia educacional marcou presença em todos os anos do curso.

Outra função de destaque do curso de pedagogia era a formação de professores para as Escolas Normais. O curso de didática tinha duração de um ano e era composto por seis disciplinas (didática geral, didática especial, psicologia educacional, administração escolar, fundamentos biológicos da educação e fundamentos sociológicos da educação). Tal estrutura de ensino ficou conhecida como esquema 3+1, surgindo, então, o conceito de licenciado: o bacharel que cursava o grupo de disciplinas do curso de didática, obtendo a licença ao magistério secundário e diplomando--se pelas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras (CASTRO, 1973CASTRO, Amélia Domingues. Redefinição da didática. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 59, n. 129, p. 1-205, jan./mar. 1973.).

Com suas atividades iniciadas em 1940, o curso de pedagogia da Universidade de São Paulo foi o primeiro a ser oferecido na esfera pública no estado de São Paulo como um curso de bacharelado, de acordo com a legislação federal. Contou inicialmente com o trabalho de alguns professores catedráticos do extinto IEUSP. Ficou vinculado à Seção de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL-USP) e iniciou--se com cinco alunos (Maura Negrão, José Severo de Camargo Pereira, Maria José Barros Fornari, Anita Buchalla e Milton Lourenço de Oliveira). Sua regulamentação ocorreu após o início das atividades (KATSIOS, 1999KATSIOS, Kalliópi Alexandra Aparecida. Um estudo sobre o curso de pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1940-1969). 1999. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política e Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 1999.). Quando criado, o curso teria correspondido à segunda fase, pois a primeira ocorrera no desenvolvimento das atividades do IEUSP, com a oferta de formação universitária para professores primários e secundários e técnicos de ensino (KATSIOS, 1999KATSIOS, Kalliópi Alexandra Aparecida. Um estudo sobre o curso de pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1940-1969). 1999. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política e Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 1999.).

Na primeira década de funcionamento (1940 a 1951), o curso possuía um público predominantemente feminino (157 mulheres e 37 homens), dos quais 99 alunos eram egressos das Escolas Normais, enquanto 71 apresentavam apenas diploma de curso secundário (KATSIOS, 1999KATSIOS, Kalliópi Alexandra Aparecida. Um estudo sobre o curso de pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1940-1969). 1999. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política e Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 1999.).

De acordo com a legislação federal, o curso de pedagogia oferecia duas disciplinas relacionadas à formação matemática: complementos de matemática (1o ano) e estatística educacional (2o ano). A disciplina complementos de matemática resumia-se à revisão de conteúdos do curso secundário, a fim de fornecer uma base matemática para os alunos ingressantes do curso de pedagogia e facilitar a realização dos futuros cálculos da estatística. Embora a legislação federal previsse a oferta da estatística educacional apenas para o 2o ano, o curso de pedagogia da USP oferecia essa disciplina nos 2o e 3o anos. Como herança do IEUSP, Milton da Silva Rodrigues foi o primeiro professor de estatística educacional no curso de pedagogia da FFCL-USP. No programa de 1943, de acordo com o Anuário, havia um único ponto que apresentava relação dos conteúdos comuns da estatística com as questões educacionais: “Técnicas especializadas de investigação educacional e Registro do movimento escolar, sua organização no Brasil” (USP, 1943UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP). Guia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras para 1943. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1943., p. 291). Se comparado com o programa de 1936 do IEUSP, identifica-se que o programa de 1943 era mais extenso, com 36 pontos, destinados aos dois anos da disciplina, compreendia conteúdos como estatística descritiva, probabilidade, amostragem, correlação e regressão linear e não apresenta bibliografia, fato que permitiria comparar ao de 1933.

Nos anos 1940, a cadeira de estatística educacional da FFCL-USP também contou com professores assistentes e auxiliares. Mais tarde, alguns deles tornaram-se professores do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), tais como José Severo de Camargo Pereira e Lindo Fava, licenciados, respectivamente, em pedagogia e em ciências sociais pela FFCL-USP. Algumas normalistas também apareciam como professoras auxiliares, como Josephina de Souza Talmadge, Judith Hallier e Maria da Conceição Almeida Dias Batista, vinculadas aos trabalhos desenvolvidos na disciplina psicologia educacional.

Nessa fase inicial, a formação dos professores de estatística era variada, contando com professores licenciados nos cursos da FFCL-USP que apresentavam a estatística em seus currículos, geralmente, pedagogia e ciências sociais. O curso de ciências sociais oferecia estatística geral no 2o ano e estatística aplicada no 3o ano, além de complementos de matemática no 1o ano. Nesse contexto, o curso de bacharelado em matemática não oferecia estatística em sua grade curricular.

Nos dois primeiros anos de atividade docente, o professor Lindo Fava ministrou aulas de exercícios práticos para o curso de pedagogia:

Naquele tempo, a duração do curso básico de Estatística era de dois anos e as noções relativas à Inferência Estatística só eram ministradas após um ano de Estatística Descritiva. (FAVA, 1972FAVA, Lindo. Memorial. São Paulo: IME-USP, 1972. Apresentado para concurso de provimento de cargo de professor titular do Departamento de Estatística do IME-USP., p. 5).

Em posse do doutorado (1948), Lindo Fava tornou-se responsável pelo ensino de uma parte especial de estatística do curso de pedagogia. Os principais tópicos abordados eram: “1. Aplicação da distribuição normal a problemas educacionais; 2. Dificuldade relativa dos itens de um teste; 3. Construção de escalas de escolaridade” (FAVA, 1972FAVA, Lindo. Memorial. São Paulo: IME-USP, 1972. Apresentado para concurso de provimento de cargo de professor titular do Departamento de Estatística do IME-USP., p. 5). Aparentemente, não havia a preocupação em relacionar os conhecimentos estatísticos com a prática pedagógica.

Bernardete Gatti retrata, em depoimento, sua experiência como ex-aluna do curso de pedagogia da FFCL-USP (1959-1962) e também sua atuação como docente do Departamento de Estatística do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP) entre 1966 e 1985. Em relação ao curso de pedagogia, Gatti (2012)GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012. destaca como característica a forte densidade teórica e o uso de bibliografias nas línguas inglesa e francesa (GATTI, 2012GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012.). Isso também é confirmado pela literatura, que aponta que a fase inicial do curso de pedagogia foi marcada pelo caráter tradicional, com multiplicidade teórica centrada nos estudos clássicos de educação e em uma bibliografia predominantemente estrangeira; além disso, defendia o hábito de estudos em grupos, o predomínio de aulas expositivas, os trabalhos de interpretação de texto e as provas escritas e orais (CRUZ, 2011CRUZ, Giseli Barreto da. Curso de pedagogia no Brasil: história e formação com pedagogos primordiais. Rio de Janeiro: Wak, 2011.).

Como aluna da disciplina estatística educacional dos professores José Severo de Camargo Pereira e Milton da Silva Rodrigues, Gatti (2012)GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012. destaca que a estatística era uma disciplina muito árdua no curso de pedagogia:

A turma sofria, né [risos]. [...] O pessoal sofria tanto em Complementos de Matemática quanto em Estatística. A Estatística era mais sofrida ainda porque era mais pesada. Eram dadas todas as demonstrações... vamos dizer... toda a parte probabilística, com todas as demonstrações. Mas, sobretudo, porque as provas eram muito difíceis! As provas envolviam algumas questões que você respondia por conceitos, mas, para a maioria das questões, você tinha que dominar os fundamentos da Estatística e procurar não se perder. Tinha muita pegadinha, pra falar bem a verdade! (GATTI, 2012GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012., p. 3).

A grande quantidade de exercícios, bem como a adoção do livro-texto do professor Milton da Silva Rodrigues eram as marcas da disciplina:

Na aula do professor Severo, a gente anotava a aula inteira porque era um verdadeiro compêndio. Ele não adotava livro nenhum. Era ele, e a gente organizava toda a temática. Eu tinha cadernos e cadernos com todo o conteúdo. [...] A gente tinha que se virar, e os professores não tinham muita preocupação. Eles passavam a disciplina e depois davam prova. Então, você tinha que estudar! Você tinha que se desenvolver, de uma maneira ou de outra! (GATTI, 2012GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012., p. 4).

A disciplina gerava um alto índice de reprovação, a ponto de os alunos a cursarem durante vários anos, até mesmo no último ano da graduação. Em seu depoimento, Gatti (2012)GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012. lembrou que os alunos que tiravam notas baixas eram submetidos a uma avaliação (exame oral) e tinham de enfrentar uma situação cercada de certo sadismo dos professores, conforme relata a professora: “Era aprender ou aprender!” (GATTI, 2012GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012., p. 5).

A abordagem metodológica dos professores leva a considerar que havia interesse de conferir prestígio a essa disciplina, reforçando a necessidade de estudá-la com afinco, principalmente pela considerável carga horária do currículo. Nos anos iniciais de atividade da FFCL-USP, havia uma luta por espaço entre os profissionais das diferentes áreas que buscavam se estabelecer como professores acadêmicos, levando-se em conta o desprestígio das disciplinas pedagógicas em relação às científicas (BONTEMPI JÚNIOR, 2011BONTEMPI JUNIOR, Bruno. Do Instituto de Educação à Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 142, p. 188-207, jan./abr. 2011.). Reafirma-se, nesse caso, a perspectiva de Goodson (1997)GOODSON, Ivor. A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1997. de que, no interior das instituições, as disciplinas não podem ser consideradas homogêneas, pois passam por conflitos, lutas e negociações para se legitimarem no campo acadêmico (GOODSON, 1997GOODSON, Ivor. A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1997.).

As reformas curriculares no curso de pedagogia

Após sua configuração inicial, o curso de pedagogia passou por duas reformas curriculares nos anos 1960: o Parecer CFE n. 251/62 e o Parecer CFE n. 252/69. A década de 1960 foi marcada pela efervescência nos campos político, econômico e social, evidenciando fortes demandas em torno da educação nacional. Em decorrência da aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB n. 4.024/61), foi criado o Conselho Federal de Educação (CFE), que, dentre outras atribuições, estabelece o currículo mínimo e a duração dos cursos de graduação.

A primeira reformulação curricular integrou o bacharelado à licenciatura no curso de pedagogia, com a proposta de quatro anos letivos e o núcleo de disciplinas obrigatórias (psicologia da educação, sociologia geral e da educação, história da educação, filosofia da educação, administração escolar e didática) e outro diversificado (biologia, história da filosofia, estatística, métodos e técnicas de pesquisa pedagógica, cultura brasileira, educação comparada, higiene escolar, currículos e programas, técnicas audiovisuais de educação, teoria e prática da escola primária, teoria e prática da escola média e introdução à orientação educacional). O Parecer n. 251/62 abordava a fragilidade do curso e trazia para a discussão sua continuidade ou extinção por falta de conteúdo próprio. Percebe-se, por parte dos legisladores, uma iniciativa para formar o professor primário em nível superior, reforçando o deslocamento da formação do especialista para a pós-graduação: “O curso de Pedagogia terá então de ser redefinido; e tudo leva a crer que nele se apoiarão os primeiros ensaios de formação superior do professor primário” (BRASIL, 1963BRASIL. Conselho Federal de Educação. Parecer n. 251/62. Currículo mínimo e duração do curso de pedagogia. Relator: Valnir Chagas. Documenta, n. 11, p. 59-66, 1963., p. 61).

Na primeira reformulação, a disciplina complementos de matemática deixou de ser oferecida e estatística educacional perdeu a condição de disciplina obrigatória, passando a compor o núcleo das diversificadas e a denominar-se apenas estatística. Direcionado ao 2o ano do curso, o programa de 1967 sugeria apenas conteúdos de um curso de estatística geral: finalidades da estatística, conceitos de estatística geral e estatística aplicada, coleta de dados, grandezas discretas e contínuas, função, medidas de posição, medidas de dispersão, distribuições bimensionais, média e variâncias marginais, dependência estatística, evento aleatório, definição de esperança matemática para o caso discreto, população e amostra, delineamento de uma pesquisa, flutuação das amostras, erro casual e viés, amostra acidental, distribuições amostrais, exatidão, precisão e viés, provas de hipótese, distribuição da média aritmética da amostra (USP, 1967UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP). Programas para 1967 aprovados pela Congregação. São Paulo: Seção de Publicações, 1967.).

Ao cursar pedagogia entre 1965 e 1969, a professora Helena Chamlian relembra sua boa experiência com a disciplina estatística aplicada ao campo educacional:

O José Carlos [Dias], acho que era esse o nome dele... faleceu cedo. Ele transformou aquela Estatística em uma festa, ensinando muito bem. Transformou a Estatística em uma coisa levíssima. Era aplicada para a Educação, e todo mundo aprendia tudo. Muito simples, muito elementar, mas maravilhosa. Todo mundo adorava [...] Eu me lembro dos quadros comparativos. Eu percebi que tinha sentido dentro da área da investigação. (CHAMLIAN, 2012CHAMLIAN, Helena Coharik. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 13 set. 2012., p. 4).

A presença marcante da estatística no curso conferia respaldo à disciplina no que compete à formação do bacharel em pedagogia:

[...] a Estatística e os Métodos e Técnicas de Pesquisa Pedagógica, ambos capazes de enriquecer poderosamente os pressupostos instrumentais da formação profissional, máxime no bacharelado. (BRASIL, 1963BRASIL. Conselho Federal de Educação. Parecer n. 251/62. Currículo mínimo e duração do curso de pedagogia. Relator: Valnir Chagas. Documenta, n. 11, p. 59-66, 1963., p. 64).

A segunda reforma curricular (Parecer CFE n. 252/69) buscou adequar o curso de pedagogia à reforma universitária de 1968 (Lei n. 5.540/68), que teve como função imprimir ao ensino superior “os princípios de racionalidade, eficiência e produtividade” (SILVA, 2003SILVA, Carmen Silvia Bissoli da. Curso de pedagogia no Brasil: história e identidade. 2. ed. Campinas: Autores associados, 2003., p. 25), integrando o campo educacional ao projeto desenvolvimentista do governo militar. A reforma universitária de 1968 extinguiu as faculdades de filosofia, ciências e letras, e os cursos de pedagogia passaram a ser oferecidos pelas faculdades de educação.

O Parecer CFE n. 252/69 fragmentou o currículo, propondo um núcleo comum de disciplinas obrigatórias e outro diversificado para atender às demandas das cinco habilitações: ensino das disciplinas e atividades práticas dos cursos normais, orientação educacional, administração escolar, supervisão escolar e inspeção escolar. Essa reforma ficou marcada pela formação do especialista em educação, caracterizando, assim, a tendência tecnicista.

O curso de pedagogia da USP incorporou as cinco habilitações. A habilitação ao magistério da Escola Normal tornou-se obrigatória na formação do pedagogo. No núcleo comum, foram oferecidas as disciplinas introdução à probabilidade (MAE 121) e introdução à estatística (MAE 122) – ambas as propostas pelo IME-USP – e estatística aplicada à educação (EDF 291), disponibilizada pelo Departamento de Fundamentos da Faculdade de Educação da USP (USP, 1973UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP). Curso de pedagogia – programa. São Paulo: USP, 1973.), dando ênfase ao conhecimento estatístico nos anos 1970.

A disciplina estatística aplicada à educação (EDM 291) foi apresentada com o objetivo de oferecer ao aluno:

[...] a compreensão e a técnica necessárias para realizar com segurança e precisão, servindo-se de conjuntos de dados relacionados com a educação, as três fases do trabalho estatístico: a) coleta de dados; b) apresentação de dados; c) análise dos dados. (USP, 1972).

O programa dessa disciplina previa medidas de variabilidade, medida de dependência estatística, curva normal, noções de amostragem, amostra e estatísticas, erros de amostragem, tipos de amostragem, e sua metodologia de ensino indicava o método expositivo, incluindo a realização de um grande número de exercícios para fixação da aprendizagem (USP, 1973UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP). Curso de pedagogia – programa. São Paulo: USP, 1973.). Sua bibliografia indicava ainda o livro de Rodrigues (1934)RODRIGUES, Milton da Silva. Elementos de estatística geral. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1934., bem como a utilização de apostilas do IME-USP. O livro de Milton da Silva Rodrigues, primeiro professor de estatística do curso de pedagogia, fazia-se presente no programa dos anos 1970, tornando-se referência no ensino da disciplina.

Ao ser convidada para lecionar como professora auxiliar do Departamento de Estatística do IME-USP, Gatti (2012)GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012. relembra seus primeiros anos de atividade docente no ensino superior como uma reprodução do modelo utilizado por seus professores durante a graduação, tanto na abordagem metodológica quanto na utilização do material didático:

Eu percebia que a primeira turma teve muita dificuldade porque trabalhei “imitando” meu professor, não tão profundamente quanto ele, mas me apoiando nele. Mas eu via que tinha alunos que tropeçavam nas lógicas, nas demonstrações e na fração, por exemplo. E eu não achava justo não dar nota ao aluno porque ele tropeçava nas contas ou tinha dificuldades com demonstrações algébricas [...]. Mas para o pessoal da Pedagogia, você tinha que adaptar. [...] Então, eu mudei! No primeiro mês, eu dava Aritmética para eles. Uma base aritmética. Durante um mês, eu discutia um pouco o sentido da Estatística e dizia: “Olha, nós vamos ter que fazer cálculo, então nós vamos fazer uma introdução à Aritmética”. E eles adoravam porque não lembravam mais aquelas operações (soma, subtração, fração, decimais, aquelas regras). [...] Mas eu acho que eu fui mudando a minha forma de dar Estatística. Eu fui lecionar tanto para Ciências Sociais quanto para a Psicologia. O conteúdo era o mesmo, mas o que mudava eram os exemplos. A Estatística não muda, mas a lógica pra quem você está falando é diferente. (GATTI, 2012GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012., p. 10).

O depoimento reforça a perspectiva de que boa parte do conhecimento que os professores têm a respeito do ensino e de seu papel docente tem origem na sua própria história de vida e, principalmente, em sua história de vida escolar, pois, antes de se tornarem professores, foram alunos, sendo que essa aprendizagem se reflete na prática profissional. Muitos professores passam pelos cursos de formação inicial e não conseguem modificar suas crenças acerca do ensino. Dessa forma, os saberes profissionais são adquiridos pela própria experiência profissional:

Os saberes profissionais também são temporais no sentido de que os primeiros anos de prática profissional são decisivos na aquisição do sentimento de competência e no estabelecimento das rotinas de trabalho, ou seja, na estruturação da prática profissional. (TARDIF, 2000TARDIF, Maurice. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários. Revista Brasileira de Educação, n. 13, p. 5-24, jan./abr. 2000., p. 14).

Gatti (2012)GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012. também lecionou psicometria e sociometria, disciplinas optativas oferecidas aos cursos de pedagogia, psicologia e ciências sociais. Em coautoria com Nagib Lima Feres, licenciado em ciências sociais e professor do IME-USP, a professora Bernardete Gatti publicou Estatística básica para ciências humanas (1975), obra amplamente difundida e indicada para a disciplina de estatística dos cursos da área de ciências humanas.

Quanto ao papel da estatística na formação do pedagogo, Gatti (2012)GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012. destaca que sua função estaria relacionada à pedagogia experimental e aos levantamentos da demografia educacional e dos indicadores educacionais:

E a demografia educacional? E os indicadores educacionais? Você precisa de Estatística para entender isso! Eu trabalhava isso na [Estatística] Descritiva. Então, a [Estatística] Descritiva dá base para você trabalhar um pouco de demografia. E a [Estatística] Descritiva dá base para você pensar em Inferência. [...] Acho que eu fui evoluindo nessa direção, de trabalhar mais conceitualmente com exemplos e menos com as demonstrações e os cálculos. (GATTI, 2012GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012., p. 12).

Outro ponto abordado pela depoente refere-se à avaliação dos alunos, que era feita por meio de provas, além de trabalhos individuais e em grupo. A professora buscava utilizar as provas em aulas, fazendo suas correções e explicando a resolução dos problemas utilizados na avaliação.

Vinculada à habilitação orientação educacional, a disciplina medidas educacionais também ganhou destaque por apoiar-se no conhecimento estatístico (GATTI, 2012GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012.). A consulta ao programa da disciplina corrobora o depoimento de Gatti (2012)GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012., cujo objetivo era “ministrar as ideias necessárias à compreensão do conceito e das características essenciais de um bom teste, mostrando os processos estatísticos implícitos na sua construção e correção” (USP, 1973UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP). Curso de pedagogia – programa. São Paulo: USP, 1973., p. 48). O programa incluía a história dos métodos quantitativos em educação, conceito de teste, fidedignidade ou precisão, interpretação dos resultados dos testes (incluindo percentis, médias e medianas, amplitude semi-interquartil, desvio padrão, correlações, quocientes e normas) e princípios gerais da construção de um teste (planejamento, preparo, aplicação e avaliação).

Redefinição do curso de pedagogia: a docência como base da formação

A fragmentação do trabalho pedagógico, preconizada pelo Parecer CFE n. 252/69, desencadeou críticas ao curso de pedagogia no final dos anos 1970. O curso, com tendência reducionista e tecnicista de escola, continuava “formando dirigentes e transportando para as ciências da educação o modelo da indústria ou empresa de produção” (Unicamp, 1980UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (Unicamp). Catálogo dos cursos de graduação – 1980. Campinas: Unicamp, 1980., p. 19). Iniciou-se, então, a defesa de uma base comum nacional para a formação do pedagogo. A partir dessas discussões, os cursos de pedagogia de todo o país iniciaram a reformulação curricular.

Com o apoio da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) e do Conselho Federal de Educação (CFE), os cursos foram incorporando novas habilitações aos currículos, voltando-se, essencialmente, ao campo da docência (CHAMLIAN, 1996CHAMLIAN, Helena Coharik. Currículo do curso de pedagogia na USP. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 109-130, jul./dez. 1996.; XAVIER, 2009XAVIER, Caroline. As políticas de formação de professor nos anos 90: o curso de pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.), com privilégio àquelas relacionadas ao trabalho ao longo dos anos iniciais do ensino fundamental, da educação infantil, da educação de jovens e adultos, e da educação especial (CRUZ, 2011CRUZ, Giseli Barreto da. Curso de pedagogia no Brasil: história e formação com pedagogos primordiais. Rio de Janeiro: Wak, 2011.).

Os cursos de pedagogia estavam formando professores para os anos iniciais do ensino fundamental, sem estarem necessariamente instrumentados. A incorporação da habilitação magistério para o ensino de 2o grau (Parecer CFE n. 252/69) incentivou o trabalho para a docência, embora tal habilitação estivesse voltada à preparação do professor da Escola Normal. Houve um esforço de ampliar as disciplinas de instrumentação:

[...] diversificando-as de modo a cobrir os vários componentes curriculares dos anos iniciais da escolaridade (metodologia do ensino da matemática, dos estudos sociais, da alfabetização, das artes). (TANURI, 2000TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação, n. 14, p. 61-88, maio/ago. 2000., p. 84).

De acordo com Chamlian (2012)CHAMLIAN, Helena Coharik. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 13 set. 2012., a ativa participação de professores da Faculdade de Educação da USP nas discussões em níveis regional e nacional colaborou para a reformulação curricular do curso de pedagogia em 1987. A proposta da reforma era formar o educador em sentido amplo. Até então, o que houve foi apenas o acréscimo de disciplinas ou modificações dos programas (CHAMLIAN, 1996CHAMLIAN, Helena Coharik. Currículo do curso de pedagogia na USP. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 109-130, jul./dez. 1996.). O currículo ficou caracterizado por uma duração mínima de quatro anos letivos, habilitando o pedagogo ao magistério de 1o e 2o graus. O currículo ficou dividido em três fases: a primeira compreendia a formação básica (1o, 2o e 3o semestres) e voltava-se para os estudos dos fundamentos da educação; a segunda (4o, 5o e 6o semestres) dividia-se em duas áreas optativas (área I ou área II); a terceira compreendia a habilitação magistério, obrigatória a todos os alunos (CHAMLIAN, 1996CHAMLIAN, Helena Coharik. Currículo do curso de pedagogia na USP. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 109-130, jul./dez. 1996.).

Como aluna do curso de pedagogia da USP entre 1995 e 1998, o depoimento de Natália de Lacerda Gil esclarece a organização do currículo que escolheu:

Na época, quando chegávamos ao quarto semestre, tínhamos que escolher uma área de concentração, o que significa que havia, naquele ponto, uma “bifurcação” do currículo. Quem escolhia a “área 1”, que foi o meu caso, cursava disciplinas supostamente mais voltadas para a atuação em sala de aula, quem escolhia a “área 2”, tinha um curso mais direcionado para a atuação em administração escolar. (GIL, 2013GIL, Natália de Lacerda. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 21 nov. 2013., p. 1 e 2).

O currículo de 1987 voltava-se para a compreensão dos debates da área educacional, dando mais ênfase às disciplinas da área de fundamentos da educação e à produção da pesquisa educacional do que, necessariamente, à preparação para as questões de sala de aula:

Penso que nos permitia compreender os aspectos epistemológicos dos aportes para a reflexão pedagógica e as discussões político--acadêmicas sobre docência, formação de professores, políticas educacionais, mas não nos instrumentalizava para a atuação profissional. (GIL, 2013GIL, Natália de Lacerda. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 21 nov. 2013., p. 1).

Em relação à ênfase nas disciplinas de fundamentos da educação, Chamlian (2012)CHAMLIAN, Helena Coharik. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 13 set. 2012. ressalta que houve negociação com o departamento para a diminuição da carga horária de algumas disciplinas para a introdução de outras. Sendo um currículo composto por disciplinas oferecidas pelos três departamentos da Faculdade de Educação (administração, fundamentos e metodologia do ensino), era necessária a negociação entre os departamentos. De acordo com o depoimento, fica evidente o ambiente de disputa e negociação para a permanência e/ou oferta de novas disciplinas, confirmando a perspectiva de Goodson (1997)GOODSON, Ivor. A construção social do currículo. Lisboa: Educa, 1997., já discutida:

Aí, houve uma negociação mesmo. Foi uma negociação política. A História e a Filosofia da Educação, que tinham um peso muito grande, perderam espaço. [...] As Histórias e as Filosofias da Educação foram bastante diminuídas. Praticamente, a gente estudava a História da Educação inteira, e Filosofia da Educação inteira. Isso foi uma disputa grande. Nós negociamos com o professor José Mário [Pires Azanha], que era chefe do Departamento de Fundamentos. E nessa negociação, ele também fez umas propostas, e nós negociamos e condensamos o currículo. (CHAMLIAN, 2012CHAMLIAN, Helena Coharik. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 13 set. 2012., p. 7).

Mesmo com a negociação, a estatística continuou presente no currículo reformado em 1987, por meio do oferecimento de duas disciplinas: introdução à probabilidade e estatística (MAE-113) e estatística aplicada à educação (EDF-291). A primeira, oferecida pelo Departamento de Estatística do IME-USP, sugeria uma formação introdutória, relacionada aos conceitos básicos da estatística, e a segunda propunha uma formação complementar e aplicada às questões educacionais. Quanto à primeira disciplina, Gil (2013)GIL, Natália de Lacerda. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 21 nov. 2013. relata sua experiência como ex-aluna:

Havia uma disciplina de Estatística que era dada por professor do Instituto de Matemática e Estatística e nós a cursamos em salas de aula do prédio da Poli (Engenharia). Junto com os alunos de Pedagogia, frequentavam alunos dos cursos de Geografia, Fono, ou algo semelhante. Era dada por professores que claramente detestavam ter que dar aula para alunos que eles consideravam incapazes, lentos, ou qualquer coisa assim. Por sua vez, é verdade que os alunos não estavam minimamente interessados na disciplina e não tinham facilidade de acompanhar as aulas. Era comum o abandono e/ou a reprovação nessa disciplina. (GIL, 2013GIL, Natália de Lacerda. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 21 nov. 2013., p. 3).

Embora estivesse relacionada ao Departamento de Fundamentos da Faculdade de Educação, a segunda disciplina também foi oferecida pelos professores do IME-USP, que, de acordo com Gil (2013)GIL, Natália de Lacerda. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 21 nov. 2013., trabalhavam com a mesma abordagem metodológica daqueles da disciplina ministrada anteriormente, procurando relacionar os conteúdos da estatística à área educacional, o que deixava de ter sentido para os alunos, pois “[...] ficava evidente que eles não conheciam sobre educação e nem mesmo sobre o uso da estatística nas pesquisas educacionais” (GIL, 2013GIL, Natália de Lacerda. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 21 nov. 2013., p. 4).

O depoimento de Gil (2013)GIL, Natália de Lacerda. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 21 nov. 2013. está na mesma direção do depoimento de Gatti (2012)GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012., quando aponta que o fim da estatística nos currículos de alguns cursos de graduação estaria relacionado ao fato de não haver professores habilitados a fazer a devida aplicação, isto é, a relacionar o conhecimento estatístico ao conhecimento específico do curso:

E não tinha como ir pra frente porque as pessoas que foram dar [a disciplina] ficavam jogando dado. Elas davam aquela Estatística genérica. E aí, claro, tanto professores como alunos não viam interesse naquilo. “Ah, vamos fazer a Probabilidade! Jogar dado...” Aquilo não tinha sentido. Eles não davam nenhuma aplicação direta [...]. Ele vai lá com a autoridade dele e ele dá a Estatística que ele acha que tem que dar. Então, é muito duro isso! É uma pena isso! [...] E houve aí um movimento que eu digo que é mútuo: de um lado, a Estatística acabou ficando extremamente teorizada, e de outro lado os aplicados não viam nenhuma utilidade naquilo. Isso aconteceu na Pedagogia, aconteceu na Medicina [...] Então aconteceu isso: cada departamento ir tirando a sua Estatística, entende? Só que uns tiraram e remontaram com a sua especialidade, e outros (como Pedagogia e Ciências Sociais) simplesmente tiraram. (GATTI, 2012GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012., p. 15).

A disciplina estatística permaneceu no currículo do curso de pedagogia da USP até a segunda metade dos anos 1990, época em houve uma nova reforma curricular.

Considerações finais

A profissão docente começou a ganhar visibilidade a partir das primeiras décadas do século XX, quando houve demanda pela escolarização, o que acelerou o processo de formação de professores. O curso de pedagogia surgiu no país em um contexto de renovação pedagógica, em que se almejava a formação de técnicos educacionais para atuação nos cargos administrativos e a de professores para as Escolas Normais. As práticas profissionais focavam no recenseamento, na administração, na inspeção escolar, na classificação e na seleção de alunos.

Na área educacional, a disciplina estatística teve sua consolidação durante o movimento de renovação pedagógica, coincidindo com o período em que se almejava que a sociedade moderna, urbana e industrial tivesse acesso a essa ciência. O conhecimento estatístico era concebido como um saber fundamental para a vida moderna, sendo envolvido por duas funções básicas: produzir diagnósticos para o planejamento das políticas públicas e classificar os alunos na aplicação de testes psicológicos. Além disso, ganhou papel de destaque no currículo, tendo em vista que o curso de pedagogia voltava-se para a formação acadêmica e bacharelesca, e a estatística apresentou-se como um instrumento infalível para a compreensão da realidade educacional, ficando atrelada à produção da pesquisa educacional. A estatística consagrou-se como conhecimento importante, porém limitado a poucos alunos, devido à dificuldade imposta pela abordagem metodológica dos docentes.

Mesmo tendo se consolidado no campo educacional em um contexto de renovação pedagógica nos anos 1930, visando a mapear a realidade educacional, a estatística ganhou destaque nos anos 1970, auge do tecnicismo no Brasil. A estatística aplicada à educação era precedida por duas outras disciplinas que tinham como objetivo fornecer uma introdução ao conhecimento, conferindo status a essa área.

Como disciplina do ensino superior, a estatística foi oferecida, inicialmente, nos cursos de pedagogia e ciências sociais, e alguns professores licenciados nesses cursos tornaram-se docentes dessa matéria. Mais tarde, com a criação do curso de graduação em estatística e, posteriormente, com o desenvolvimento de sua pós-graduação, essa disciplina voltou-se para as teorias probabilísticas e para o campo das teorizações, ficando prejudicada a estatística aplicada (GATTI, 2012GATTI, Bernardete Angelina. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 02 jul. 2012.).

A partir dos anos 1980, a estatística começou a sofrer limitações no campo educacional. Para Lopes (1989)LOPES, Antonia Elisa Calô de Oliveira. A Estatística e sua história: uma contribuição para o ensino da estatística aplicada à educação. 1989. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 1989., essas limitações estariam relacionadas à perda gradual do cunho quantitativo nas pesquisas educacionais. Para Gil (2013)GIL, Natália de Lacerda. Entrevista concedida às autoras. São Paulo, 21 nov. 2013., a partir dos anos 1990, a pesquisa em educação começou a vivenciar um refluxo dos métodos quantitativos, ficando em evidência a abordagem qualitativa, tais como a das pesquisas históricas, etnográficas. Além disso, o fosso entre a necessidade do pesquisador e a proposta curricular da disciplina tornava difícil a compreensão da utilidade desse conhecimento.

As novas demandas de formação do pedagogo se voltaram para o campo da docência, com a oferta do processo didático específico, disciplinas relacionadas ao domínio conceitual e teórico-metodológico dos conhecimentos que seriam ensinados nos anos iniciais da escola básica, bem como o surgimento de outras matérias que ampliaram os conceitos da educação, levando, consequentemente, à secundarização da estatística como ciência pura.

Referências

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    - Apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2014
  • Aceito
    25 Jun 2014
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