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Escola, ensino médio e juventude: a massificação de um sistema e a busca de sentido

Resumo

Este artigo resulta de um exercício de problematização acerca do ensino médio, no contexto contemporâneo, considerando sua massificação e, muitas vezes, a falta de sentido a ela atribuída pelos jovens alunos. Tomamos como referência pesquisas empíricas realizadas a respeito do tema e, também, algumas obras importantes, cujo foco é a crise da autoridade, estendida para o professor e para a escola e a consequente tensão geracional que daí decorre. Num segundo momento, buscamos refletir a respeito dos diferentes sentidos que a escola, como organização social e institucional, vem sofrendo a partir das mudanças sociais, culturais e políticas. Consideramos seu processo de massificação e a falta de sentido que os estudantes jovens, muitas vezes, apresentam como uma das questões que se pode colocar como explicativa da tensão no ambiente escolar. Como resultados, destacamos que, mesmo com a universalização do acesso ao ensino, com a ampliação da oferta compulsória, com o aumento do período de escolarização e, também, com a gradativa perda da autoridade por parte do professor e com as questões geracionais tensionadas na escola, somos levados a pensar que estamos em vias de constituir novos sentidos para a escola e para o ensino médio. Estamos tomando a situação de crise como um ativador de outras e novas configurações escolares, permeadas de valor para professores e jovens alunos.

Ensino médio; Juventude; Escola

Abstract

This article is the result of an exercise of problematization about secondary education in today’s context, considering the massification of this education level and how it is often seen by young students as an education that lacks meaning. We build on empirical research on the subject, as well as on a few important works that focus on the crisis of authority and how it extends onto the school and teachers, with the resulting generational tension. Then, we reflect on the different meanings school has been associated with due to the social, cultural and political changes that have been occurring. We consider school’s massification process and students’ frequent perception of a lack of meaning in school as one of the questions that can explain the tension in the school environment. With regard to the outcomes of this situation, we point that in spite of the universalization of access to education, the expansion of education offer, the increase in the schooling period, and the progressive loss of authority by teachers combined with tensioned generational issues in school, we find reasons to believe we are at the verge of building new meanings for both school and secondary education. We view this crisis situation as an activator of other, new school configurations pervaded with value for both teachers and young students.

Secondary education; Youth; School

Introdução

O objetivo deste texto é oferecer um olhar particular, fundado na análise de algumas concepções de autores, dentre os quais podemos destacar Dubet (1996DUBET, François. Sociologia da experiência. Lisboa: Instituto Piaget, 1996., 1997DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 5, p. 222-231, maio/ago. 1997. Entrevista concedida a Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Tradução de Inês Rosa Bueno., 2006DUBET, François. El declive de la institución: profesiones, sujetos e individuos en la modernidad. Barcelona: Gedisa, 2006.); Dubet; Matuccelli (1998); Canário (2005, 2006); Dayrell (2007)DAYRELL, Juarez. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil. Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100 (Especial), p. 1105-1128, 2007.; Sposito (2000SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Estado do conhecimento juventude e escolarização. São Paulo: ANPEd; Ação Educativa: Brasília, DF: INEP, 2000. Disponível em: <http://www.aracati.org.br/portal/pdf. Acesso em: 05 jun. 2009.
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, 2009SPOSITO, Marilia Pontes. Estado da arte sobre juventude: uma introdução. In: SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Estado da arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006). v. 2. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009. p. 11-15. Disponível em: <www.uff.br/observatoriojovem/sites. Acesso em: 04 set. 2010.
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); Esteves (2005); Romero (2007)ROMERO, Claudia.La escuela media en la sociedad del conocimiento: ideas y herramientas para la gestión educativa, autoevaluación y planes de mejora. 1 ed. Buenos Aires: Centro de Publicaciones Educativas y Material Didáctico, 2007.; Tomazetti; Ramos (2010)TOMAZETTI, Elisete; RAMOS, Nara. Educação e juventude: jovens das escolas públicas de ensino médio de Manta Maria/RS. Santa Maria: [s. n.], 2010. Relatório de pesquisa.; Souza (2003); Dufour (2005)DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005., que tematizam a respeito de questões do ensino, ensino médio e juventude, particularmente, quanto ao seu projeto de mudanças, dentro das condições societárias atuais.

Para início da exposição, podemos dizer que é a partir dos anos 1990 que nosso país volta-se a uma política educacional para o ensino médio que, à semelhança dos países mais desenvolvidos, elabora projetos direcionados à modernização e à democratização social. A saber, são os países desenvolvidos que apresentam um nível expressivo de inclusão dos diferentes segmentos sociais no processo de escolarização básica. A atenção maior é dirigida às demandas do processo de modernização do país. Busca-se oferecer um novo tipo de formação no nível médio, diante das transformações nos modos de produção e de gestão do trabalho, decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, com efetiva repercussão nas relações sociais e na esfera política e cultural da sociedade (PCN, 2000).

A Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), estabelece para o ensino médio uma composição curricular mínima obrigatória, sendo que o mesmo ainda pode ser realizado em paralelo com a educação profissional de nível técnico ou sequencial. A partir da referida lei foi alterada a nomenclatura, passando a ser utilizada a denominação ensino médio, a etapa do sistema de ensino equivalente à última fase da educação básica, cuja finalidade é o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, bem como a formação do cidadão para a vida social e para o mundo do trabalho, oferecendo conhecimentos básicos necessários para o estudante ingressar no ensino superior. De acordo com o documento, a educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

Segundo Canário (2006), Dubet; Matuccelli (1998), as mutações da escola, percebidas na atualidade, são definidas pela diversificação das modalidades, pelas formas de acesso, pela massificação, pela hierarquização, pelo prestígio em termos da concorrência por empregos e, para muitos, pelo acesso ao Ensino Superior. Dubet; Matuccelli (1998) também fazem alusão à crise dominante no sistema público de ensino e à desestabilização da organização escolar, embora os autores ressaltem que existe um esforço do sistema de expandir o acesso e absorver a superlotação.

Contudo, mesmo que a escolarização no nível médio se configure, em tempos atuais, como sendo de expansão e de acesso quase que universal, há outras problemáticas em questão; por exemplo, a permanência dos jovens na escola e um ensino de qualidade. Souza (2003), ao fazer análise da escola, critica a forma como a mesma é tratada pelas políticas públicas, em que o real é tomado como ideal, os contextos são tidos como algo inevitável e assim exercem um peso grande sobre o indivíduo, ameaçando sua capacidade de resistência, restando-lhe o ajustamento ao estabelecido.

Em muitos sentidos, Souza (2003) considera a escola como esvaziada de suas finalidades educativas e, por conseguinte, desvalorizado o conhecimento escolar. Caberia, então, uma reconfiguração da mesma, com o propósito de motivar a prática pedagógica dos professores, no intuito de sensibilizar o aluno para o seu processo de aprendizagem. As mudanças legais e seu desencadeamento no campo da prática falham no sentido de ter presente um projeto educacional que não seja estéril de sentido para os estudantes. A escola, o espaço onde é possível o desenvolvimento da capacidade de aprender a aprender, não é apenas o lugar de aquisição de informações, mas formadora dos indivíduos para sua inserção na vida adulta (SOUZA, 2003).

Para Dubet (1997)DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 5, p. 222-231, maio/ago. 1997. Entrevista concedida a Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Tradução de Inês Rosa Bueno., uma das funções da escola é a educativa. Para o autor, a educação escolar não visa somente a reproduzir uma cultura, ela vai além dessa função à medida que se identifica com um projeto maior, ou seja, à medida que busca esboçar e colocar em prática um modelo cultural e, desse modo, produzir um tipo de sociedade e de indivíduo. Segundo essa lógica de pensamento, a função da educação está intimamente ligada à ideia de constituição de um sujeito útil ao tipo de sociedade que se deseja, logo, a educação está relacionada à formação de mão de obra, nos diversos âmbitos profissionais.

Assim, pensar outro currículo para o ensino médio coloca em cena esses dois fatores: 1) as mudanças estruturais que decorrem da chamada revolução do conhecimento, que produz alterações nos modos de organização do trabalho e das relações sociais; e 2) a expansão crescente da rede pública, que deverá atender a padrões de qualidade que se coadunem com as exigências da sociedade contemporânea.

Os desafios do ensino médio: a escola como local de diversidade sociocultural

A nova identidade do ensino médio, como etapa da educação básica de atendimento universal, impõe uma mudança na cultura e nas práticas escolares. Diante da massificação e da universalização do acesso oportunizado pelas políticas públicas, associado ao crescente acesso às redes mundiais de comunicação e, por conseguinte, do aplainamento das informações produzido na atualidade, o sistema escolar e o professor do ensino médio vivenciam essas modificações culturais contemporâneas em seu cotidiano. Se, de um lado, os jovens percebem o impacto das diferentes retóricas socioculturais, as quais os levam a uma mudança no seu modo de ser, de se constituir e de estabelecer sentidos a essas experiências, da mesma forma, são eles os próprios agentes a construírem novos signos, diferentes formas de existir nos espaços sociais, as quais igualmente têm influenciado a coletividade.

Conforme Oliveira (2008), a escola, e aqui tratando especificamente o ensino médio, já não se apresenta como representante único e legítimo de uma cultura a ser transmitida. Para Abramovay; Castro (2003)ABRAMOVAY, Mirian; CASTRO, Mary Garcia. Ensino médio: múltiplas vozes. Brasília, DF: UNESCO: MEC, 2003., tal monopólio da produção de significados não é predominante frente às múltiplas formas oferecidas aos jovens para construírem percepções sobre o mundo. Os mesmos trazem à escola suas próprias linguagens e culturas, fazendo-se atores, sujeitos ativos na construção da forma de ser no espaço escolar e não apenas receptores de conteúdos com fins de memorização.

Nesse contexto, a cultura escolar e o processo de ensino vivenciado no ensino médio perdem lugar para as diferentes culturas que o jovem experimenta, como a cultura do skateboard, do hip-hop, do funk, da grafitagem, antagonicamente divergente da escola na maior parte das vezes, que fica fechada em si, não oferecendo espaços de abertura à criatividade, ao nomadismo, às inúmeras idas e voltas que têm caracterizado os espaços juvenis (PAIS, 2006PAIS, José Machado. Buscas de si: expressividades e identidades juvenis. In: ALMEIDA, Maria Isabel Mendes; EUGENIO, Fernanda. Culturas jovens: novos mapas do afeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. Prefácio. p. 7-10.).

Nas palavras de Dubet (1997DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 5, p. 222-231, maio/ago. 1997. Entrevista concedida a Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Tradução de Inês Rosa Bueno., p. 223):

Os alunos não estão “naturalmente” dispostos a fazer o papel de aluno. Dito de outra forma, para começar, a situação escolar é definida pelos alunos como uma situação, não de hostilidade, mas de resistência ao professor. Isto significa que eles não escutam e nem trabalham espontaneamente, eles se aborrecem ou fazem outra coisa.

Diante desse cenário, a atuação professoral distingue-se das outras modalidades de ensino, principalmente daquelas que o antecedem, pois estão diante de um público que, progressivamente, se complexifica. Parece ser esse um dos aspectos do ensino médio que denota a sua crise: as dificuldades em conformar os jovens à cultura escolar. Tais situações reforçam a ideia que permeia a reflexão acerca da juventude e de processos de escolarização, ou seja, o ensino médio ainda se faz palco de práticas de longa duração, as quais nem sempre atendem à diversidade de interesses de seu público e, logo, manifestam-se dificuldades no estabelecimento de relações de sentido por parte dos alunos jovens.

Seguindo a reflexão de Dubet (1997)DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 5, p. 222-231, maio/ago. 1997. Entrevista concedida a Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Tradução de Inês Rosa Bueno., considerando todas as características dessa fase da vida em que se encontram os jovens, a escola se constitui, em muitos casos, como uma instituição ineficaz. De um lado, a escola evidencia todo um processo de mutação, entendida, por muitos, como estado de crise; por outro, não consegue oferecer subsídios necessários aos jovens para a sua plena inserção no mundo do trabalho, associada à falta de recursos humanos e materiais para a efetivação de uma formação, conforme as orientações curriculares (PCN, 2000).

O que é comum no pensamento de autores como Dubet (1997DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 5, p. 222-231, maio/ago. 1997. Entrevista concedida a Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Tradução de Inês Rosa Bueno., 2006DUBET, François. El declive de la institución: profesiones, sujetos e individuos en la modernidad. Barcelona: Gedisa, 2006.); Canário (2005, 2006); Dayrell (2007)DAYRELL, Juarez. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil. Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100 (Especial), p. 1105-1128, 2007.; Sposito (2000SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Estado do conhecimento juventude e escolarização. São Paulo: ANPEd; Ação Educativa: Brasília, DF: INEP, 2000. Disponível em: <http://www.aracati.org.br/portal/pdf. Acesso em: 05 jun. 2009.
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, 2009SPOSITO, Marilia Pontes. Estado da arte sobre juventude: uma introdução. In: SPOSITO, Marilia Pontes (Coord.). Estado da arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006). v. 2. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009. p. 11-15. Disponível em: <www.uff.br/observatoriojovem/sites. Acesso em: 04 set. 2010.
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); Esteves (2005); Romero (2007)ROMERO, Claudia.La escuela media en la sociedad del conocimiento: ideas y herramientas para la gestión educativa, autoevaluación y planes de mejora. 1 ed. Buenos Aires: Centro de Publicaciones Educativas y Material Didáctico, 2007.; Tomazetti; Ramos (2010)TOMAZETTI, Elisete; RAMOS, Nara. Educação e juventude: jovens das escolas públicas de ensino médio de Manta Maria/RS. Santa Maria: [s. n.], 2010. Relatório de pesquisa.; Souza (2003) entre outros, diz respeito à compreensão de que o ensino médio deveria possuir um sentido em si mesmo e ser um espaço de convivência entre gerações e entre os próprios jovens, não se apresentando como mecanismo de seleção e de competição. Em decorrência disso, as culturas juvenis, próprias do público do ensino médio, estariam incorporadas. Embora consenso para muitos estudiosos da temática, o caráter propedêutico no processo de ensino ainda predomina.

Em estudo realizado por Abromavay; Castro (2003), em treze capitais brasileiras, a respeito da percepção de docentes e discentes acerca dos objetivos do ensino médio, tanto da rede pública de ensino quanto da rede privada, os jovens participantes apontam como principal finalidade “preparar para o curso superior”, aparecendo em seguida a “preparação para o trabalho”. Os professores, por sua vez, quando indagados acerca dos objetivos principais do ensino médio, indicam em primeiro lugar a opção “preparar o aluno para a vida”, seguida da opção “preparar o aluno para o mercado de trabalho” e como terceira opção mais assinalada a “preparação para o curso superior”.

Em outra pesquisa coordenada por Tomazetti; Ramos (2010)TOMAZETTI, Elisete; RAMOS, Nara. Educação e juventude: jovens das escolas públicas de ensino médio de Manta Maria/RS. Santa Maria: [s. n.], 2010. Relatório de pesquisa. 1 1 - Relatório da pesquisa - Educação e juventude: jovens das escolas públicas de ensino médio de Manta Maria/RS. , feita com jovens de escolas públicas de ensino médio de Santa Maria/RS, os mesmos apontam, como questão a ser refletida, as metodologias utilizadas em sala de aula e a postura do professor que não parece se dispor a dialogar com os jovens. Os jovens apresentaram argumentos para nomear suas dificuldades em sala de aula, principalmente em relação ao conteúdo, palavra referida muitas vezes pelos alunos. Segundo o relatório da pesquisa, a palavra conteúdo indica que, tradicionalmente, no campo das metodologias pedagógicas, a sua transmissão foi definida como o dever de ofício do professor. “Conteúdo é aquilo que o professor passa, apresenta e transmite aos seus alunos”.

Na pesquisa desenvolvida por Schlickmann (2013), acerca do sentido atribuído pelo jovem ao fato de frequentar o ensino médio, os resultados apontam que o espaço institucional denominado escola exerce um papel determinante, à medida que os jovens o caracterizam como um espaço importante para a constituição e consolidação plena de vida, ou seja, espaço importante para que se seja alguém. Nenhum dos jovens respondeu que não gosta de frequentar tal ambiente formal de educação. Aqui, cabe considerar, no entanto, os motivos que são por eles indicados como relevantes para frequentarem a escola.

Assim, destacamos, primeiramente, o interesse em determinados conteúdos curriculares (ou, como muitos referiram, matérias); seguido pelo interesse por alguns professores; pela aprendizagem ou pelas possíveis aprendizagens resultantes dos encontros com amigos, colegas e, por fim, a perspectiva de que, ao concluírem o ensino médio, possam tanto buscar trabalho quanto terem um futuro melhor. Aliás, as respostas relacionadas ao tempo futuro estão indicadas nas respostas dadas pelos alunos, no contexto da pesquisa (SCHLICKMANN, 2010SCHLICKMANN, Vitor. Jovens e escola: sentidos e significados. Ijuí, 2010. Monografia (Graduação Bacharelado em Sociologia) - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), Ijuí, 2010.): “ter um futuro bom”, “ter um futuro brilhante”, “uma vida profissional”, “ter um emprego”, “se capacitar para o trabalho”, “ter mais oportunidades” e “subir na vida”.

Segundo Dubet; Matuccelli (1998), a frequência à escola e à vida que ali se vive são marcadas pelos ritos de inclusão e exclusão, pelos arranjos e prestígios que a escola pode assegurar para o garantir o acesso ao ensino superior e/ou a postos de trabalho. As estratégias utilizadas pelos alunos tornam-se mais ou menos efetivas, conforme a proposta pedagógica da escola ou status social por ela ocupada. Segundo os autores acima referidos, ao fortalecer o uso de estratégias de vivência na escolas, o cálculo de utilidade acerca de certos cursos e/ou de algumas disciplinas e o investimento de tempo em determinadas tarefas, com vista a sua utilidade social ou profissional, o estudante do ensino médio tenta se firmar como sujeito de sua socialização escolar, para selecionar as oportunidades educacionais que estão ao seu alcance.

A forte articulação da experiência sobre a primazia da lógica da mobilidade social dos estudantes das classes médias opõe-se, de maneira brutal, às possibilidades apresentadas pela experiência pessoal e pela impossibilidade de efetivação de projetos de escola dos alunos das classes populares, marcados, que são, pelo fracasso escolar e pela falta de perspectiva de futuro, em muitos casos. A diversidade de experiências é reforçada e leva à diferenciação crescente dos indivíduos. A vida pessoal é afetada pelas exigências da escola a qual se está subordinado.

Percebe-se que as finalidades destacadas anteriormente, presentes nas diretrizes legais (LDB – 1996 e PCN - 2000), ao enfatizarem o desenvolvimento da capacidade dos alunos de “aprender a aprender”, que pretende possibilitar uma “adaptação flexível” às condições mutáveis ao mercado, “não almejam a possibilidade de crítica e de mudança social, mas a adaptação à realidade que se fizer presente” (SOUZA, 2003, p. 33). Mais que isso, a legislação confere ao ensino médio um caráter pautado no ensino de técnicas e estratégias de inserção social, o que de outro lado pressupõe não a crítica social, mas a aceitação da realidade na qual o estudante, então trabalhador, fará sua inserção.

Procurando estabelecer alguns contornos mais sistemáticos, pode-se afirmar que a escola é considerada como boa (aqui, não equivalendo a útil), na opinião dos jovens alunos, quando os ensina e os entende; quando possibilita que os mesmos possam participar e apresentar suas opiniões e fazer projetos. A escola afirmada como atrativa e, igualmente, importante, quando lhes possibilita a esperança de uma vida melhor (TOMAZETTI; RAMOS, 2010TOMAZETTI, Elisete; RAMOS, Nara. Educação e juventude: jovens das escolas públicas de ensino médio de Manta Maria/RS. Santa Maria: [s. n.], 2010. Relatório de pesquisa.; SCHLICKMANN, 2010SCHLICKMANN, Vitor. Jovens e escola: sentidos e significados. Ijuí, 2010. Monografia (Graduação Bacharelado em Sociologia) - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), Ijuí, 2010.). Frente a essas observações em relação às expectativas dos estudantes e ao ensino oportunizado pelos professores, talvez se possa considerar que o principal motivo para o reconhecimento da importância da escola na vida das sucessivas gerações de alunos, pelo menos, a ideia mais difundida, possa ser expressa a partir do excerto abaixo:

[...] não parece razoável supor que uma sociedade ofereça alternativas de vida, tão insatisfatórias para os jovens, seja uma sociedade integralmente aceita pelos adultos. Tal suposição equivaleria a admitir a coexistência de dois mundos distintos que não partilhariam um mesmo presente (FORACCHI, 1972FORACCHI, Marialice Mencarini. A juventude na sociedade moderna. São Paulo: Pioneira, 1972., p. 73).

Conforme Carrano (2002)CARRANO, Paulo Cesar Rodrigues. Os jovens e a cidade: identidades e práticas culturais em Angra de tantos reis e rainhas. Rio de Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ, 2002., nesses termos, é o mesmo que reconhecer que há determinada limitação e/ou ignorância por parte dos adultos, aqui representados pela escola, que não conseguem levar em conta a materialidade social e o simbolismo que caracterizam as práticas juvenis. Nota-se, da leitura de parte significativa dos relatos e escritos dos alunos nas pesquisas coordenada por Tomazetti; Ramos (2010)TOMAZETTI, Elisete; RAMOS, Nara. Educação e juventude: jovens das escolas públicas de ensino médio de Manta Maria/RS. Santa Maria: [s. n.], 2010. Relatório de pesquisa. e Schlickmann (2010)SCHLICKMANN, Vitor. Jovens e escola: sentidos e significados. Ijuí, 2010. Monografia (Graduação Bacharelado em Sociologia) - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), Ijuí, 2010., que os jovens não se sentem reconhecidos como sujeitos de e com conhecimentos, mas como aqueles que se encontram na condição limitada e limitante de ser aluno, assim considerados por uma parcela expressiva de professores.

Nessa perspectiva, diversos autores já referidos neste texto reconhecem a instituição escolar como um espaço privilegiado de possibilidades, potencialidades e sociabilidades juvenis e de acesso aos conhecimentos. No entanto, apesar de existir certa abertura, a escola ainda persiste no desconhecimento do mundo juvenil e de suas culturas, as quais se constituem em fatores fundamentais no processo de incorporação dos jovens alunos no ambiente escolar.

A partir desses exemplos, podemos pensar a necessidade de o professor voltar-se reflexivamente para suas práticas escolares e problematizá-las. Dubet (1997)DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 5, p. 222-231, maio/ago. 1997. Entrevista concedida a Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Tradução de Inês Rosa Bueno. sugere que a escola recrie um quadro normativo de modo democrático, que defina direitos e deveres envolvendo toda a comunidade escolar. A geração adulta que forma a comunidade escolar, no entanto, ainda insiste no modelo tradicional, buscando normatizar os corpos, hierarquizar saberes, homogeneizar os sujeitos, perdendo com isso a oportunidade de estabelecer, através das práticas escolares, relações de interação entre as gerações. Entretanto, há claros indícios de que a autoridade do professor está se transformando através das estratégias impostas pelos próprios jovens, que o desafiam continuamente.

Sustentar que a escola está em crise2 2 - A ideia de crise é concebida não como a derrota final, mas como o momento de romper com os padrões tradicionais e de desestabilização da organização, o que pode estar na origem de uma nova conformação do que vinha sendo, até dias recentes, a instituição escolar. A escola em crise é aquela com objetivos claramente definidos, voltados a um público definido, instituição cuja função fundamental era de transmitir conhecimentos e perpetuar uma cultura por meio da formação das novas gerações. A crise da escola, que pode estar na origem de uma nova escola, é, portanto, uma hipótese que exclui tanto o conformismo quanto o desejo de restauração. (SOUZA, 2003). não significa que não exista um empenho por parte daqueles que estão diretamente envolvidos no processo educacional, no sentido de estarem buscando alternativas para superar essa situação. Se de um lado existe a ideia de se retornar ao passado, por outro, existe em muitos a ideia de reconstruir a escola a partir daquilo que a constitui, de fato, no presente.

A escola, a autoridade da palavra e a negação geracional

Hannah Arendt (1992)ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992. e Walter Benjamin (2002)BENJAMIN, Walter. Experiência. In: BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Tradução de Marcus Vinicius Mazzari. São Paulo: 34: Duas Cidades, 2002. p. 21-25. há bastante tempo, em suas obras, já nos convidavam a pensar acerca da crise da autoridade e da experiência, no século XX. Não é nosso objetivo, neste espaço, remontar, de forma detalhada, a perspectiva desses autores. No entanto, suas ideias ajudaram-nos a pensar a respeito do tempo presente, no que se refere ao que temos denominado de crise da autoridade docente e crise do modelo de formação escolar.

Para Dubet; Matuccelli (1998), na escola primária a experiência é definida como fortemente estruturada por uma preocupação de integração institucional e individual, em que predomina a autoridade do professor e o desejo dos alunos de com ele e com o grupo identificarem, constituíndo-se, então, forte correspondência entre as regras da objetividade e da subjetividade escolar presente nos alunos. No ensino fundamental, a socialização tem precedência sobre a subjetivação que não emerge, mas que, de maneira pontual, produz a forma de subjetivação. Ou seja, os alunos estão mais dispostos a acatar aquilo que os professores propõem como trabalho em sala de aula, apresentando pouca ou nenhuma resistência. O desejo de integração motiva tão fortemente os alunos que a experiência de subjetivação não emerge penosamente, senão pela desviação em relação a modelos de grupo. Os autores indicam que tal processo significa que a escola primária é, ainda, sob a importância dos papéis, uma instituição no sentido clássico do termo, como mostra também a experiência dos professores.

O ensino médio, porém, caracteriza-se como o reverso do ensino fundamental. Nele, processa-se uma tripla ruptura, a saber: a) a entrada dos estudantes em um universo complexo, normativo, em que a autoridade não é suficiente para estabelecer a legitimidade das normas; b) os estudos perdem suas evidências naturais, porque o sentido do estudo e do trabalho não vale por si só e as notas começam a determinar o futuro social e, por fim, c) o colégio reforça uma cultura adolescente, à frente ou paralelamente à cultura escolar.

Os estudantes constroem um rosto, que é interpretado como subjetividade moratória, defensivo e como frágil demais para ser afirmado. A subjetividade dos colegiais nunca se expressa de maneira direta, é sempre mediada pelos jogos de trocas, que apontam abertura para o exterior e para uma proteção da privacidade. A separação entre socialização e subjetivação é tal que a escola é vivida como espaço de um puro conflito entre professores e alunos. As faces do bobo-da-corte (conformidade com o professor) ou um palhaço (conformidade com o grupo) estão expressas principalmente nas escolas populares. A lógica do rosto acelera as diferenças de fundo social, cultural e econômico. (DUBET; MARTUCCELLI, 1998).

Ancorar-se na autoridade parece não ser mais um elemento que sustente a prática docente em seu cotidiano. Há algumas décadas os professores, amparados por modelos educacionais amplamente compartilhados por seus colegas e adotados por unanimidade, possuíam a certeza de que suas práticas estavam assentadas sobre uma convergência social de valores e de saberes que deveriam ser transmitidos. Diante disso, a função simbólica da autoridade do professor, apresentada essencialmente por intermédio do discurso, carregava consigo todo um universo imaginário de transmissão das narrativas para a formação da geração seguinte.

Transmitir uma narrativa é, com efeito, transmitir conteúdos, crenças, nomes próprios, genealogias, ritos, obrigações, saberes, relações sociais, mas é também e antes de tudo transmitir um dom de palavra. É fazer passar de uma geração à outra a aptidão humana para falar, de modo que o destinatário da narrativa possa, por sua vez, identificar-se como si e situar os outros a seu redor, antes dele e depois dele, a partir desse ponto (DUFOUR, 2005DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005., p. 128).

Segundo Benjamin (2002)BENJAMIN, Walter. Experiência. In: BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Tradução de Marcus Vinicius Mazzari. São Paulo: 34: Duas Cidades, 2002. p. 21-25., a narrativa, associada à autoridade, está relacionada ao espaço e ao tempo do contar e do viver. O contar está associado ao viver, às características da experiência, ou seja, ao vivido, ao senso prático. Narrador é aquele que, ao contar, dá conselhos e comunica a sua experiência. O conselho é experimentado na substância viva da existência e a essa se dá o nome de sabedoria. Assim, o professor é um narrador que, ao narrar, narra a sua própria experiência que é incorporada às suas práticas. Desse modo, a experiência adquire um caráter democrático; a mesma passa a ser contada e ouvida e, então, sendo incorporada nas aprendizagens.

Em vista das mudanças nas formas de narrar contemporâneas há uma incomunicabilidade da experiência entre as gerações diferentes (DUFOUR, 2005DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005.). Aconselhar, não pode ser mais uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada. Desse modo, diante das novas configurações da sociedade contemporânea, só vive e pode compartilhar a experiência quem dela participa.

Para Walter Benjamin (1975)BENJAMIN, Walter. A modernidade e os modernos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975., a narrativa clássica traria sabedoria prática de vida. No entanto, essa sabedoria prática já se modificou. Hoje, talvez, os jovens tenham mais sabedoria prática de vida, pois lidam com os recursos tecnológicos com maior destreza que os adultos. Nesse sentido, cabe o questionamento diante da perspectiva de Benjamin (1975)BENJAMIN, Walter. A modernidade e os modernos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. sobre o papel da experiência narrativa, na qual a transmissão geracional era tida como algo importante na sociedade, na formação dos cidadãos. De outra sorte, hoje, essa prática está sendo cada vez mais colocada de lado e o tempo dedicado a essa atividade passou a ser, a cada vez, menor. Em contrapartida, os referenciais simbólicos externos acabam estabelecendo uma espécie de conexão de onipotência para as novas gerações, a saber, o jovem. Porém, o risco mais decisivo é o do desenvolvimento de uma multiplicidade considerável das competências em uns e o crescimento da confusão nos outros pela perda progressiva da incumbência simbólica mínima (DUFOUR, 2005DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005.). A essa modalidade de acesso às informações o autor denominou de próteses sensoriais e comunicacionais.

Ao tomarmos como referência autores como Dufour (2005)DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005.; Souza (2003); Dubet (1997)DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 5, p. 222-231, maio/ago. 1997. Entrevista concedida a Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Tradução de Inês Rosa Bueno. e Canário (2005), é razoável considerar certa aproximação entre eles, quando se referem à escola como um local de formação de indivíduos. No entanto, fugindo a essa função, a escola estaria assumindo apenas uma função informativa, que é característica da imprensa e das diferentes mídias digitais, de fácil acesso e disponível em todos os setores sociais. A informação, por sua vez, está alicerçada nos princípios da novidade, da brevidade, da inteligibilidade e, sobretudo, da fragmentação; seu propósito é comunicar sem produzir um vínculo entre seu conteúdo e o comunicante, ou seja, sem que aquele que informa possa transmitir qualquer tipo experiência. Conforme Benjamin (1980), a possibilidade de experiência depende do passado e da memória; a experiência é, sobretudo, um fato da tradição e esse traço que não se faz presente nos processos informacionais.

Algumas pesquisas acerca da relação do jovem aluno com a escola de ensino médio, como as realizadas por Regina Souza (2003); Tomazetti; Ramos (2010)TOMAZETTI, Elisete; RAMOS, Nara. Educação e juventude: jovens das escolas públicas de ensino médio de Manta Maria/RS. Santa Maria: [s. n.], 2010. Relatório de pesquisa., apontam que os alunos identificam uma pobreza de experiências que são comunicadas na escola e, por conseguinte, a informação parece estar sendo o centro do processo de ensino. Recebem destaque, também, as reclamações dos professores de que os alunos não escutam mais e, por consequência, poderíamos pensar que se não escutam, também não falam mais. Decorre de tal situação dificuldades no estabelecimento de um diálogo integrado por um discurso que esteja organizado, em que cada um participe ativamente, diferente de uma situação em que há apenas alguém que fala e alguém que escuta. (DUFOUR, 2005DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005.).

Contudo, muitos professores, mesmo diante do quadro que se apresenta, não medem esforços e investem suas forças para conseguir que os jovens assumam a sua posição de alunos. De fato, uma das principais dificuldades enfrentadas pelos docentes consiste em posicionarem-se como representantes de um mundo comum àquele vivido por seus alunos, dada a diversidade cultural presente em sala de aula, advinda de uma progressiva massificação do ensino nos últimos anos. Somando-se a isso, temos ainda uma subjetividade juvenil que se modifica no mesmo ritmo das transformações sociais, produzindo novas formas de ser e agir nos espaços sociais. Contudo:

[...] como os alunos foram impedidos de se tornarem alunos, os professores estão cada vez mais impedidos de exercer seu ofício. Há trinta anos, de reformas em reformas ditas “democráticas”, os responsáveis políticos e seus conselheiros, os especialistas em pedagogia, não param de lhes dizer que eles deviam abandonar sua velha pretensão de ensinar (DUFOUR, 2005DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005., p. 136).

A autoridade do professor foi abalada e, mais grave ainda, foi subtraída, por exemplo, quando o ex-ministro da educação francês, que é professor universitário, declarou no jornal Le Monde, em novembro de 1999, que na escola não havia mais alunos, mas sim uma nova categoria “os jovens”, os quais querem é “inter-reagir” (DUFOUR, 2005DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005., p. 136).

Se a denominação politicamente correta não é mais alunos e sim jovens, logo, na escola não há mais alunos; se não há alunos, não há a necessidade de professores e, consequentemente, não há o que ensinar e os professores, diante dessa situação, passariam a denominação de acompanhadores da aprendizagem. Considerando as diferenças entre França e Brasil, o que nos cabe é problematizar tais constatações acerca do declínio da autoridade docente e, por consequência, das relações geracionais no espaço da escola. Ao apresentar a crítica de Dufour (2005)DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005. à declaração do ex-ministro francês, não se está negando a condição de jovem presente, também, na condição de aluno e, por conseguinte, das culturas juvenis na escola, mas consideramos necessário pensarmos que tais condições não são excludentes, mas podem ser vividas de forma relativamente harmoniosa no contexto escolar.

Considerações finais

Quando afirmamos que a figura do professor se encontra em crise, tomamos como expressão da palavra crise a condição de transformação e a possibilidade de novas configurações. Por isso, podemos dizer que as antigas formas de atuar do professor já não garantem os resultados esperados e tentar amparar-se ainda naquela representação de professor tem sido uma atitude pouco eficaz; muitos professores acabam buscando a coerção como solução imediata quando se veem na impossibilidade de lograrem sucesso em sua prática docente (DUBET, 1997DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 5, p. 222-231, maio/ago. 1997. Entrevista concedida a Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Tradução de Inês Rosa Bueno.).

É sempre importante retomar Hannah Arendt (1992)ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992. e lembrar que a autoridade do professor se arraigava na autoridade da tradição, na medida em que seu ofício se pautava no grande respeito pelo passado, ao mesmo tempo buscando fazer a mediação com o presente, com o novo. Segundo Arendt (1992)ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992., vivemos em um mundo que já não é estruturado pela autoridade, tampouco é mantido pela tradição, pois tradição remete à conservação.

Para a autora, a perda da autoridade, que teve início na vida pública e política, está no cerne da crise com a qual nos deparamos hoje, crise que também se faz presente na educação. A autoridade está diretamente associada à responsabilidade pelo curso das coisas no mundo; à medida que a mesma é recusada pelos adultos é também recusada pelas futuras gerações, ou seja, à medida que os adultos não assumem a sua responsabilidade pelo mundo em que vivem, como então poderiam eles se responsabilizar pelas futuras gerações. A perda da autoridade está ligada à recusa da responsabilidade, logo, sintoma da insatisfação com o mundo ou, nos termos da autora, um estranhamento para com o mundo (ARENDT, 1992ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992.).

Contudo, a questão geracional ou a sua negação tem se tornado uma das questões marcantes das gerações atuais que frequentam a escola, colocando em desequilíbrio o funcionamento do sistema educativo. Tudo isso, entretanto, tendo como fundamento a ideia de que a aprendizagem para a vida social pudesse prescindir de qualquer orientação das gerações mais velhas. De fato, em muitos momentos torna-se visível, em nossos dias, a perda da ligação entre os mais velhos e os mais novos, como se vivessem em mundos completamente opostos. No entanto, a construção da convivência entre docentes e alunos tende a ser efetivada, não raras vezes, pela arbitrariedade ou pelo autoritarismo (DUBET, 1997DUBET, François. Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 5, p. 222-231, maio/ago. 1997. Entrevista concedida a Angelina Teixeira Peralva e Marilia Pontes Sposito. Tradução de Inês Rosa Bueno.).

Na perspectiva de Dufour (2005)DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005., ao que parece, do ponto de vista educacional, a ruptura entre a modernidade e a pós-modernidade3 3 - A pós-modernidade é definida pelo filósofo francês Lyotard (2000) como sendo uma situação em que as grandes narrativas (os grandes sistemas filosóficos nos quais baseamos nossa consciência e nossa ação) deixam de ter a credibilidade que tinham. Pós-modernidade passou a ser a situação de crise e perda de legitimidade das meta-narrativas, dos discursos últimos que sustentam discursos fundamentais. , produziu um modelo de sociedade em que nada mais é cultivado, uma geração não educa a outra. Assim, quando desaparece o motivo geracional da autoridade e, por conseguinte, da responsabilidade, não há mais educação, não há mais formação. Desse modo, o aparelho escolar pós-moderno4 4 - Segundo Dubet; Matuccelli (1997), a noção de aparelho emerge como o contra-modelo da noção de instituição no momento em que a massificação escolar enfraquece as ilusões da escola republicana. Quando a massificação escolar e a instalação progressiva do colégio único deveriam engendrar uma igualdade crescente de oportunidades, observou-se rapidamente que as desigualdades se mantinham ou que não se atenuavam de maneira sensível, e que as diversas relações com o estudo permaneciam fortemente marcadas, pela origem social dos alunos, do sistema, e, face a isso, a sociologia deve assumir uma atitude de denúncia. apresenta espantosamente apenas informações, curiosamente num período de universalização ao ensino, fato esse, percebido pela primeira vez na história na maioria dos países, em que:

As instituições escolares (compreendida aí a universidade) se encontram numa missão de acolhimento de populações incertas na qual a relação com o saber se tornou uma preocupação muito acessória ou esporádica. No que concerne à educação, trata-se sobretudo de guardar os futuros desempregados pelo maior tempo possível e ao menor custo. Um tipo novo de instituição plástica, cujo segredo a pós-modernidade possui, a meio caminho entre alojamento de jovens e a cultura, hospital-dia e asilo social, assimilável a espécies de parques de diversão escolar, está se instalando sob novos olhos (DUFOUR, 2005DUFOUR, Dany Robert. A arte de reduzir as cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Tradução Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia Freud, 2005., p. 148).

Entretanto, a universalização do acesso ao ensino, a ampliação da oferta compulsória, o aumento do período de escolarização e, ao mesmo tempo, a crescente desestabilização da autoridade do professor, nos moldes já canonizados pela tradição escolar, assim como as difíceis relações entre gerações, vividas na escola, poderiam nos encaminhar a seguinte consideração: o que temos hoje, no âmbito da escola, é a fabricação de um indivíduo subtraído da função crítica e suscetível a uma identidade incerta. Porém, consideramos que tal afirmação é frágil, pois desconsidera as singularidades das relações que ocorrem na escola entre professores e alunos, as possibilidades de constituição de novos sentidos para função professor e para a função aluno. Não se trataria, pois, da falência da escola, da falência da autoridade docente e da falência da função aluno, mas da necessidade de problematizarmos nosso presente, nele percebermos suas contradições e seus desafios e percebermos os novos sentidos e as novas configurações que estão se constituindo, reforçando nossa concepção de crise como a possibilidade de criação de novas formas de vida. “A crise da escola, que pode estar na origem de uma nova escola, é, portanto, uma hipótese que exclui tanto o conformismo quanto o desejo de restauração”. (SOUZA, 2003, p. 20).

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  • 1
    - Relatório da pesquisa - Educação e juventude: jovens das escolas públicas de ensino médio de Manta Maria/RS.
  • 2
    - A ideia de crise é concebida não como a derrota final, mas como o momento de romper com os padrões tradicionais e de desestabilização da organização, o que pode estar na origem de uma nova conformação do que vinha sendo, até dias recentes, a instituição escolar. A escola em crise é aquela com objetivos claramente definidos, voltados a um público definido, instituição cuja função fundamental era de transmitir conhecimentos e perpetuar uma cultura por meio da formação das novas gerações. A crise da escola, que pode estar na origem de uma nova escola, é, portanto, uma hipótese que exclui tanto o conformismo quanto o desejo de restauração. (SOUZA, 2003).
  • 3
    - A pós-modernidade é definida pelo filósofo francês Lyotard (2000)LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Tradução Ricardo Corrêa Barbosa. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. como sendo uma situação em que as grandes narrativas (os grandes sistemas filosóficos nos quais baseamos nossa consciência e nossa ação) deixam de ter a credibilidade que tinham. Pós-modernidade passou a ser a situação de crise e perda de legitimidade das meta-narrativas, dos discursos últimos que sustentam discursos fundamentais.
  • 4
    - Segundo Dubet; Matuccelli (1997), a noção de aparelho emerge como o contra-modelo da noção de instituição no momento em que a massificação escolar enfraquece as ilusões da escola republicana. Quando a massificação escolar e a instalação progressiva do colégio único deveriam engendrar uma igualdade crescente de oportunidades, observou-se rapidamente que as desigualdades se mantinham ou que não se atenuavam de maneira sensível, e que as diversas relações com o estudo permaneciam fortemente marcadas, pela origem social dos alunos, do sistema, e, face a isso, a sociologia deve assumir uma atitude de denúncia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2014
  • Aceito
    14 Abr 2015
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