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Plano educacional para uma biblioteca infantojuvenil: projetando ações e mediações

Resumo

Este artigo apresenta os caminhos e resultados de uma pesquisa realizada na Biblioteca Infantojuvenil Maria Mazzetti (BIMM), localizada na Fundação Casa de Rui Barbosa, na cidade do Rio de Janeiro. O principal objetivo da investigação foi contribuir para a orientação das atividades realizadas na BIMM através da elaboração de um plano educacional, fornecendo, assim, subsídios para a sistematização do trabalho a ser desenvolvido na biblioteca. O pressuposto que orientou a investigação foi o de que aspectos como a formação humana, cultural e artística e a democratização da cultura e da educação são fundamentais em um campo que hoje se estende para além das instituições escolares. De modo geral, a pesquisa buscou: conhecer e analisar as atividades desenvolvidas na BIMM; ampliar o conhecimento dos usuários atuais e potenciais e de suas necessidades informacionais; identificar as atividades educativas e culturais adequadas ao perfil do público; fundamentar futuros projetos para a BIMM. Para a realização da investigação, foram utilizados como instrumentos de pesquisa a revisão bibliográfica, a análise documental, entrevistas, estudo de usuários, e – por peculiaridades do campo naquele momento – a pesquisa passou a se configurar como pesquisa-ação. Constatou-se que a elaboração de um plano educacional permite a construção do perfil da educação na instituição, mas que só será alcançado com o devido conhecimento do espaço e do público-alvo, a formação de uma equipe qualificada e o envolvimento de profissionais de diferentes áreas.

Biblioteca infantojuvenil; Plano educacional; Criança; Pesquisa-ação

Abstract

This article introduces the paths and results from a study conducted at Biblioteca Infantojuvenil Maria Mazzetti (BIMM) a Library for children and adolescents, located at Fundação Casa de Rui Barbosa [Rui Barbosa’s House Foundation], in Rio de Janeiro. The main objective of the investigation was to help guide the activities conducted at BIMM through the preparation of an education plan, thus providing information for the systematization of the work to be conducted at the library. The investigation built upon the premise that aspects such as school, cultural, and artistic education and the democratization of culture and education are fundamental in a field that today extends beyond school institutions. Generally speaking, the research aimed at: knowing and analyzing the activities of BIMM; increasing knowledge on current and potential users as well as their information needs; identifying the educational and cultural activities that matched the profile of the target public; planning future projects for BIMM. To conduct the investigation, a bibliographic review, a document analysis, interviews, user surveys were used as research instruments. Due to field peculiarities at that time, the research became an action research. The preparation of an education plan allows building the profile of education at the institution, but that will only be reached after the space and the target public are known, a qualified team is trained, and professionals from different areas get involved.

Library for children and adolescents; Education plan; Child; Action research

De modo geral, a importância da leitura na formação de sujeitos críticos é ressaltada em várias pesquisas, e são inúmeros os estudos que reiteram a relevância de espaços de incentivo à leitura e de formação de leitores. Contudo, que ações são desenvolvidas em uma biblioteca? Existem diretrizes que norteiam as ações realizadas nesses espaços? As bibliotecas infantojuvenis possuem projetos específicos para atender ao seu público-alvo? O que deve ser priorizado no atendimento destinado ao público infantil?

A Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), instituição pública federal localizada na cidade do Rio Janeiro, agrega, entre outros espaços, uma biblioteca infantojuvenil. Atenta às questões mencionadas acima, a FCRB solicitou a realização de uma pesquisa1 1 - A pesquisa foi viabilizada através do Programa de Incentivo à Produção do Conhecimento Técnico e Científico na Área da Cultura e financiada através de convênio firmado entre a FCRB e a FAPERJ. que apresentasse, como produto final, um plano educacional para o espaço que abriga – a Biblioteca Infantojuvenil Maria Mazzetti (BIMM).

Assim, a investigação buscou: conhecer e analisar as atividades desenvolvidas na BIMM; ampliar o conhecimento dos usuários atuais e potenciais e de suas necessidades informacionais; identificar as atividades educativas e culturais adequadas ao perfil do público; fundamentar futuros projetos para a BIMM.

Este artigo apresenta alguns caminhos e resultados da pesquisa realizada ao longo de dois anos (2009 a 2011). Em um primeiro momento, são apresentadas algumas reflexões sobre a potencialidade das instituições culturais e o atendimento oferecido nesses espaços ao público em geral. A biblioteca e o público infantil são então tomados como foco, explicitando-se as concepções de linguagem, leitura e infância adotadas no desenvolvimento da investigação. A seguir, através de análise documental, revisão bibliográfica e entrevistas, são contemplados o espaço investigado e aspectos considerados relevantes no processo de elaboração de um plano educacional para espaços não formais, como uma biblioteca. Os resultados obtidos no estudo de usuários realizado e as alterações no percurso da investigação são igualmente apresentados, para, em seguida, retomarem-se as discussões sobre a temática abordada. Acredita-se que as opções metodológicas e os resultados obtidos com a realização da investigação podem contribuir para o desenvolvimento de propostas semelhantes em outras bibliotecas ou espaços culturais afins.

O atendimento em instituições culturais e o público infantojuvenil

Nos últimos anos, instituições culturais de natureza diversa – museus, centros culturais, fundações, bibliotecas, ONGs etc. – têm voltado a atenção para o atendimento oferecido ao seu público-alvo e, nessa perspectiva, é possível constatar a criação de espaços que, a princípio, estariam dedicados a pensar as ações a serem oferecidas pela instituição. Mas como são desenvolvidas as atividades? Existem diretrizes que norteiam as ações? Os espaços possuem um plano educacional?

Na verdade, o atendimento ao público em espaços não formais de educação não é recente. Hooper-Greenhill (2007)HOOPER-GREENHILL, Eilean. Museums and education: purpose, pedagogy, performance. London: Routledge, 2007., reconstruindo o atendimento oferecido nos museus, destaca que o primeiro setor educativo permanente dessa instituição foi criado pelo Museu do Louvre, em 1880 e que, naquele mesmo ano, o Victoria and Albert Museum também instituiu um setor educativo. Para Machado (2009)MACHADO, Maria Iloni. O papel do setor educativo nos museus: análise da literatura (1987 a 2006) e a experiência do museu da vida. Tese (Doutorado) - Instituto de Geociência da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, Campinas, 2009., as atribuições dos setores educativos – afirmadas e sistematizadas em vários seminários internacionais e nacionais – são fundamentalmente as mesmas assumidas pelo setor educativo do Victoria and Albert Museum e continuam sendo, ainda hoje, as principais atribuições que cabem aos setores educativos das diferentes categorias de museus. Entretanto, a autora ressalta a ausência de discussão de referenciais teóricos que orientem a concepção, realização e avaliação das práticas educativas nos museus. Essa ausência de referenciais teóricos nas ações educativas propostas também é destacada em outros estudos e para os demais espaços de educação não formal, como as bibliotecas (TRILLA, 2008TRILLA, Jaume. A educação não-formal. In:TRILLA, Jaume; GHANEM, Elie; ARANTES, Valéria (Org.). Educação formal e não-formal: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2008.).

Além disso, o papel de instituições culturais como bibliotecas e/ou bibliotecas infantis, bem como a urgência em se empreender esforços para a manutenção e o uso adequado desses espaços têm sido igualmente contemplados por pesquisadores da área. Os diferentes aparelhos culturais que compõem o universo urbano apresentam-se como pontos de aprendizagem, de troca e de circulação de conhecimento. Em uma perspectiva de educação integral, esses diversos espaços se congregam na formação do sujeito, a qual não se restringe apenas às influências advindas da educação formal. Certamente a escola tem uma grande participação no papel de educar as gerações, mas, sozinha, encontra limites; assim, uma proposta de educação integral busca a contribuição de diversos agentes e instituições que se somem e se articulem a esse processo educativo (ASENSIO; POL, 2002ASENSIO, Mikel; POL, Elena. Nuevos escenarios en educación: aprendizaje informal sobre el patrimonio, los museos y la ciudad. Buenos Aires: Aique, 2002.; HOOPER- -GREENHILL, 2007HOOPER-GREENHILL, Eilean. Museums and education: purpose, pedagogy, performance. London: Routledge, 2007.; CASTRO, 1998CASTRO, Lucia (Org.). Infância e adolescência na cultura de consumo. Rio de Janeiro: Nau, 1998.).

Desse modo, a biblioteca pública – enquanto uma dessas instituições – tem sua função educativa e social e cumpre o papel de oferecer acesso gratuito à literatura e a outros suportes de leitura. Entretanto, essa instituição só ganha sentido, só se transforma em um espaço de aprendizagem quando é frequentada, quando o público entra em contato com o seu acervo e com ela interage. A biblioteca é um lugar de aprendizado e de vivências no campo do conhecimento, da leitura, da cultura e da arte e, desse modo, o papel do agente que nela atua é potencialmente muito rico, pois ele poderá desenvolver um trabalho que explore e aproveite as inúmeras possibilidades educativas a partir do acervo da biblioteca (SANTOS, 2007SANTOS, Jussara Pereira (Org.). A leitura como prática pedagógica. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2007.). A figura do mediador, portanto, é componente importante do processo de criação do hábito da leitura. Em um primeiro momento, é o mediador quem vai criar possibilidades de aproximação com livros e histórias e facilitar esse contato em casa, na escola, em uma biblioteca.

Por outro lado, as inúmeras possibilidades de leitura e criações só são plausíveis através do uso da linguagem, consubstanciada na palavra. Para Bakhtin (1995BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Vieira. São Paulo: Hucitec, 1995., p. 113), “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor”.

A linguagem e o pensamento, enquanto experiências que nos diferenciam de outros seres, são marcas dessa nossa singular existência humana. Através da própria linguagem poética – que tem o poder de abrir canais (mais subjetivos) de compreensão da realidade –, podemos criar sentidos para a nossa existência. Martins et al. (1998)MARTINS, Miriam Celeste et al. Didática do ensino da arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998. ressaltam o quanto o ser humano criou com a ferramenta linguagem (ou linguagens) para melhor estar no mundo e se relacionar nele, e como a linguagem da arte se situa nesse universo:

Linguagens se tornaram inseparáveis do homem para ele penetrar na floresta sombria das coisas do mundo e desvelar para si bosques de realidade, desvelo da consciência de viver e existir. Linguagens inventoras de mundos do brincante homem criador de signos. Dentre elas uma linguagem se fez especial, a linguagem da arte. Feita para o homem mergulhar dentro de si mesmo trazendo para fora e para dentro dos outros homens as emoções do próprio homem. Sabe o homem que as emoções é que são o sal da vida. Por isso é que quando um homem quer falar ao coração dos outros homens, ele o faz pela linguagem da arte. Quando isso acontece, naquele homem sente e age o artista (MARTINS et al, 1998MARTINS, Miriam Celeste et al. Didática do ensino da arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998., p. 5).

A perspectiva adotada na realização desta investigação passa, portanto, pela compreensão de que a biblioteca se configura como espaço de linguagem, comunicação e expressão, de que as crianças possuem especificidades, e de que o mediador assume um importante papel nesse processo de construção do hábito de leitura, o que exige, assim, uma formação qualificada para que ele possa ler os sinais dados pelas crianças através dos gestos, do olhar, da voz, dos sentidos, e abrir espaço para a brincadeira, desenvolvendo as atividades de forma lúdica.

Porém, no Brasil, pesquisas sobre o hábito de leitura e o uso adequado de bibliotecas ressaltam os baixos índices de leitura, de frequência a esses espaços e de valorização social da leitura. A terceira edição da investigação Retratos da leitura no Brasil2 2 - http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/48.pdf , por exemplo, revelou dados alarmantes: 75% da população não é usuária de bibliotecas; apenas 10% frequenta bibliotecas com assiduidade e, embora tenha aumentado o número de bibliotecas no Brasil, grande parte da população não sabe da existência desses espaços. A pesquisa revela ainda que o índice de leitura diminui nas classes sociais mais baixas e na população com menor grau de escolaridade. Os dados obtidos nas investigações reforçam o importante papel que as bibliotecas desempenham na formação cultural de todos os cidadãos, disponibilizando ao público um acervo variado e educando para o gosto pela leitura.

Não basta, contudo, assegurar a existência de bibliotecas: é preciso que esses espaços possuam em seus quadros profissionais qualificados, desenvolvendo atividades que incentivem a leitura e que, sobretudo, contribuam para a autonomia dos leitores e futuros leitores. No que diz respeito às bibliotecas infantojuvenis, formação adequada, em diálogo com diferentes campos do conhecimento – como a pedagogia e a psicologia –, e conhecimento na área do desenvolvimento infantil fornecem subsídios para o trabalho a ser realizado com as crianças, pois a maneira de receber e abordar esse público e a compreensão de questões relacionadas a cada faixa etária são basilares para realizar ações qualificadas. Ou seja, a concepção de infância, de criança e de desenvolvimento infantil irá nortear o desenvolvimento das ações.

Investigar e refletir sobre um projeto de biblioteca infantojuvenil exige, portanto, que se leve em conta as especificidades desse segmento, com suas distintas características e demandas. Certamente avançamos na luta pelo reconhecimento da criança enquanto sujeito, enquanto cidadão de direitos. O historiador francês Phillipe Ariès (1978) configura-se como referência nos estudos que buscam compreender as mudanças históricas do conceito de infância em função de determinantes sociais, econômicos, políticos e culturais. É possível perceber o quanto não se tinha consciência da particularidade infantil e o quanto a criança era percebida como um miniadulto.

O avanço de determinadas áreas do conhecimento e a vasta produção das ciências sociais3 3 - Cabe destacar as contribuições advindas da medicina, da biologia e da psicologia, bem como da sociologia, da antropologia, da pedagogia etc. nas últimas décadas provocaram mudanças na forma de pensar e agir em relação à criança pequena. Existem, portanto, inúmeras maneiras de se perceber as crianças e são várias as teorias do desenvolvimento infantil. No contexto desta investigação, a abordagem adotada insere-se na perspectiva sociointeracionista, que defende que a capacidade de conhecer e aprender se constrói a partir das trocas estabelecidas entre o sujeito e o meio. Conforme destaca Felipe (2001FELIPE, Jane. O desenvolvimento infantil na perspectiva sociointeracionista: Piaget, Vygotsky, Wallon. In: CRAIDY, Carmem; KAERCHER, Gládis (Org.). Educação infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 27-37., p. 27), “as teorias sociointeracionistas concebem o desenvolvimento infantil como um processo dinâmico, pois as crianças não são passivas, meras receptoras das informações que estão à sua volta”.

Sem a intenção de aprofundar os conceitos desenvolvidos por cada um dos teóricos dessa corrente, destacamos algumas das ideias de Vigotski, com o intuito de elucidar a concepção de criança que norteou a pesquisa e que embasa as ações voltadas para o público infantil no contexto do plano educacional para a BIMM. Para Vigotski (2009)VIGOTSKI, Lev. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009., o funcionamento psicológico estrutura-se a partir das relações sociais estabelecidas entre o indivíduo e o mundo exterior. No entanto, o autor afirma que essa relação não é direta, mas mediada por sistemas simbólicos, por significados culturais que só são aprendidos com a participação dos mediadores; ou seja, é possível pensar no papel da mediação, por exemplo, nos processos de leitura.

As reflexões do autor sobre o modo como se processa a criação infantil são densas e fornecem igualmente indícios para um trabalho com as crianças no campo literário. Para Vigotski (2009VIGOTSKI, Lev. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009., p. 14), a imaginação – enquanto base de toda atividade criadora –, manifesta-se em todos os campos da vida cultural: “tudo o que nos cerca e foi feito pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia”.

Wallon (2007)WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2007. também traz subsídios valiosos e embasa reflexões aqui apresentadas sobre a infância. O autor propôs o estudo integrado do desenvolvimento infantil, contemplando os aspectos da inteligência, da afetividade e da motricidade, e fez duras críticas a estudos lineares de tal desenvolvimento. Em suas ponderações, ressalta a importância da observação do comportamento e das atividades da criança de forma contextualizada com o meio cultural e social, pois, para o autor, o desenvolvimento da inteligência depende das experiências oferecidas por esse meio e do grau de apropriação que o sujeito faz delas. Desse modo, inúmeros fatores contribuem efetivamente para compor o contexto do desenvolvimento infantil, como, por exemplo: as pessoas próximas, a linguagem, os conhecimentos presentes na cultura, os aspectos físicos do espaço etc. Para Wallon (2007)WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2007., a mediação social está na base do desenvolvimento e é a característica de um ser denominado pelo autor como geneticamente social, radicalmente dependente dos outros seres para subsistir e se construir enquanto ser da mesma espécie. Sua teoria sinaliza, igualmente, para a necessidade do respeito com relação ao ponto de vista da criança, aproximando-o da perspectiva do adulto. “Para a criança, só é possível viver sua infância. Conhecê-la compete ao adulto. Contudo, o que irá predominar nesse conhecimento, o ponto de vista do adulto ou o da criança?” (WALLON, 2007WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2007., p. 7).

As proposições desenvolvidas por Vigotski, Wallon e outros teóricos com os quais dialogamos instigam a pensar sobre o papel dos espaços destinados às crianças, sobre a importância das experiências coletivas e sobre as possibilidades que as relações entre crianças-adultos e/ou crianças-crianças possuem no sentido de contribuir para o desenvolvimento infantil.

Consideramos que as contribuições desses autores no campo da imaginação e da criação infantil, do campo literário, dos mecanismos presentes nos processos criativos são valiosas para quem trabalha com as crianças, para quem desenvolve atividades voltadas para a infância, e para a construção de um plano educacional de uma biblioteca infantojuvenil. Nessa perspectiva, reiteramos que o trabalho desenvolvido na biblioteca deve respeitar a criança em sua plenitude, criar situações para ouvi-la, instituir momentos de interação, e ter como um de seus pressupostos a disponibilidade. A repressão, o julgamento e a opressão silenciam; e a escuta e a resposta levam ao diálogo.

A potencialidade das crianças, bem como a complexidade e especificidade do universo infantil reforçam a ideia de que os projetos realizados para esse segmento sejam devidamente planejados, discutidos e embasados teoricamente, de modo a garantir a qualidade das atividades e o consequente desenvolvimento das crianças. Conforme ressaltam Carvalho e Siqueira (2014)CARVALHO, Cristina; SIQUEIRA, Rejane. Literatura e cultura como convite aos professores. In: KRAMER, Sônia et al. (Org.). Educação infantil: formação e responsabilidade. Campinas: Papirus, 2014. p. 169-186., ser criança, ter direitos, exercer um papel social são conquistas recentes na trajetória das crianças brasileiras de todas as idades, raças, etnias e classes. As ações desenvolvidas com as crianças, seja em uma biblioteca, seja em qualquer outro espaço, estão intimamente relacionadas com a concepção de infância que temos.

A criança exige do adulto uma representação clara e compreensível, mas não “infantil”. Muito menos aquilo que o adulto costuma considerar como tal. Ela possui senso aguçado mesmo para uma seriedade distante e grave, contanto que esta venha sincera e diretamente ao coração. (BENJAMIN, 2002BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Duas Cidades: 34, 2002., p. 55).

Além disso, o conceito de leitura igualmente interfere na tomada de decisão e no planejamento das atividades e, nesta pesquisa, acreditamos que a leitura representa uma dimensão singular da experiência humana e possibilita registrar e entremear pensamentos e fatos de diferentes tempos e espaços culturais e sociais. Leitura é decifração e também produção de sentidos, que se realiza no jogo da comunicação humana, em uma perspectiva semiótica, ou seja, que considera a interação com diferentes signos e símbolos. É nas diversas experiências de leitura que o ser humano se constitui como sujeito histórico, potencializando, assim, sua maneira de ver o mundo e de estar nele (YUNES, 2009YUNES, Eliana. Tecendo um leitor: uma rede de fios cruzados. Curitiba: Aymará, 2009.; VARGAS, 2009VARGAS, Suzana. Leitura: uma aprendizagem de prazer. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2009.).

A investigação e o plano educacional: projetando ações e mediações no cotidiano

Paralelamente à revisão bibliográfica e à definição dos conceitos, buscamos conhecer um pouco mais a própria instituição: sua estrutura, funcionamento, atividades, estatutos, regimentos etc. Foi então empreendida uma análise documental sobre a instituição, desde a sua fundação, e sobre a produção realizada pela FCRB, através de seus relatórios anuais e registros de natureza diversa. Certamente a intenção não era reconstruir ou recontar a história da instituição, mas conhecer e compreender o espaço da pesquisa.

Nessa revisão, verificamos que inúmeros eventos ocorridos na própria FCRB já traziam à tona a discussão sobre cultura e educação, ressaltando, assim, a consequente importância de uma política educacional em consonância com uma política cultural. Entretanto, alguns desses eventos destacaram o quanto essas políticas têm conduzido mais para a reprodução do que para a produção de conhecimento. Esses debates, portanto, apresentaram-se como um dos pontos de partida para a elaboração do plano. Buscou-se, igualmente, contemplar a trajetória da instituição, de modo a resgatar as inquietações e ações que permearam sua história e produção no campo educacional.

Conforme informado anteriormente, a BIMM está localizada na FCRB, que teve sua origem no museu-biblioteca instituído em 1928, a Casa de Rui Barbosa. Para melhor cumprir sua finalidade de desenvolvimento da cultura, da pesquisa e do ensino, como também de divulgação e de culto da obra e vida de Rui Barbosa, a personalidade jurídica da instituição foi alterada em 1966, passando a denominar-se Fundação Casa de Rui Barbosa.

A BIMM está vinculada a um dos setores da FCRB – o serviço de biblioteca –, e foi inaugurada em 1979, através de convênio firmado entre a FCRB e a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). O nome foi uma homenagem à educadora Maria Mazzetti (1926-1974), que, além de escritora de livros infantis, dirigiu o Teatro Gibi (teatro de bonecos), quando se constatou a importância do teatro na educação infantil. No projeto de criação da BIMM, a falta de bibliotecas infantis na cidade do Rio de Janeiro já era apontada como fato inconteste, e se apresentou como uma das justificativas para a seu estabelecimento. Apenas duas bibliotecas especializadas foram destacadas naquela época: a Biblioteca Infantil Carlos Alberto (BICA) – vinculada ao governo do estado, ainda em funcionamento, mas não mais como uma biblioteca exclusivamente infantojuvenil –, e a Biblioteca do Museu da República, já extinta.

Com a criação da BIMM, buscava-se atender à clientela infantojuvenil da comunidade de Botafogo – bairro onde se localiza a biblioteca, e que tem uma grande concentração de escolas –, e às crianças das famílias pobres da periferia do bairro. No documento do processo de abertura, já se pode detectar o escopo principal da instituição: “é meta primordial o desenvolvimento do interesse pela leitura de lazer e divulgação da literatura de ficção4 4 - Arquivo da FCRB, Processo no. 59/78, fl. 48. ” (ARQUIVO..., 1978ARQUIVO DA FCRB. Projeto de criação da BIMM. Processo no. 59/78, fl. 48, 1978.).

Ainda enquanto recurso metodológico, realizamos cinco entrevistas: quatro com ex-funcionários já aposentados da BIMM, e uma entrevista com uma funcionária que se aposentaria naquele primeiro ano de investigação. Todos os entrevistados, que atuaram em diferentes períodos, também destacaram a dificuldade em se constituir uma equipe, realizando as atividades “por intuição”, “por amor às crianças” e pela certeza de que “a BIMM poderia contribuir para a formação de futuros leitores”. A dedicação e empenho no trabalho deram a tônica das entrevistas, revelando ações, de fato, desenvolvidas por intuição e não decorrentes de um planejamento: “Só o que precisamos fazer é olhar bem nos olhos de cada criança que entra aqui”; “Sempre lutei para manter esse espaço aberto. Dei minha vida pela BIMM. Ela não pode fechar”; “Cada manhã eu chegava aqui feliz. Era minha segunda casa”. O desejo de desenvolver um trabalho de estímulo à leitura voltado para as crianças apareceu nas entrevistas e, na verdade, os entrevistados tomaram para si a tarefa de lutar para manter aquele espaço, considerado, por vezes, como extensão de suas casas. Entretanto, as ações não foram norteadas por diretrizes ou projetos específicos para atender ao público-alvo.

A partir da análise documental e do resultado das entrevistas, foi possível constatar que, ao longo de mais de trinta anos de existência, a BIMM sempre manteve o atendimento ao público, diferenciando-se na qualidade e na intensidade das atividades oferecidas ao usuário em cada período. A acuidade ou a incipiência das ações foram norteadas por fatores distintos: econômicos, políticos, conjunturais, administrativos, e mesmo individuais, conforme destacado nos depoimentos. Mas vale também ressaltar os inúmeros esforços e iniciativas de diferentes gestões para revitalizar esse espaço. A realização desta investigação é exemplo de uma dessas ações e enquadra-se em uma busca pela elaboração de um projeto político-pedagógico que possa embasar as atividades a serem desenvolvidas na BIMM.

Retomando os resultados obtidos na análise documental, chegamos ao Plano Educacional da Fundação elaborado em 2007 e verificamos que o plano para a BIMM se inseria em um dos três eixos apontados no documento A FCRB e os caminhos do livro e da cultura (CARVALHO, 2007CARVALHO, Cristina. Relatório projeto elaboração do plano educacional da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: [s. n.]. 2007. Convênio FAPERJ/FCRB.). Cabe ressaltar que o Plano já destacava a necessidade de elaboração de um projeto sistematizado das atividades a serem desenvolvidas na biblioteca e também apontava para a urgência de reestruturação do espaço-físico. Esse documento, portanto, foi igualmente importante para a realização da pesquisa. Mas consideramos que era preciso definir melhor o que é um plano educacional para espaços não formais, como uma biblioteca. Ou ainda, era necessário conhecer instituições que já possuíam esse documento.

Decidimos então mapear as bibliotecas infantojuvenis existentes no Brasil e não apenas na cidade do Rio de Janeiro, buscando aquelas que já haviam elaborado um plano educacional. Contudo, não foi possível sequer realizar o mapeamento, pois nenhum dos órgãos contatados possuía informações ou os dados apresentados não eram precisos. Não cabe aqui relatar as dificuldades encontradas nessa etapa da pesquisa; destacamos apenas que buscamos informações através de visitas, levantamentos, telefonemas, e-mails e, naquele momento, não conseguimos mapear as bibliotecas infantojuvenis ou ter acesso a qualquer plano educacional nessas instituições.

Frente a esse panorama, ampliamos a investigação para a literatura internacional e, a seguir, apresentamos alguns aspectos considerados relevantes nesse levantamento e que auxiliam no processo de elaboração de um plano educacional (HOOPER-GREENHILL, 2007HOOPER-GREENHILL, Eilean. Museums and education: purpose, pedagogy, performance. London: Routledge, 2007., 1999HOOPER-GREENHILL, Eilean. The educational role of the museum. London: Routledge, 2.ed. 1999.).

Um plano educacional é um documento que explicita as regras da educação de uma instituição, o que é prioritário e quais atividades serão desenvolvidas em um determinado período. A elaboração de um plano educacional não significa que o trabalho educativo da instituição está deliberado; ao contrário, o documento deve ser revisto constantemente, pois as prioridades e necessidades da instituição e do público visitante estão em constante transformação. A literatura internacional tem indicado que o período recomendável para revisão de um plano educacional é por volta de três anos, o que não exclui revisões anuais.

Uma política – explicitada através da elaboração de um plano – significa que o trabalho educacional será então mais organizado e direcionado, que toda a instituição estará ciente de sua potencialidade e das diretrizes adotadas, bem como da interligação e responsabilidade de cada setor envolvido. Apresenta-se, ainda, como uma possibilidade de registro das ações e como um instrumento norteador na formação de novas equipes, configurando-se, por conseguinte, para além do corpo técnico atuante em cada momento.

O processo de desenvolvimento do plano é valioso como documento final, pois, ao se envolver um grande número de pessoas, pode-se aumentar a consciência e o suporte ao papel educacional da instituição. A chave de um plano educacional de sucesso é conhecer e compreender o público, uma vez que esses sujeitos envolvidos podem ajudar a estabelecer novas ou aquilatadas relações com as comunidades locais. Um plano deverá, em um primeiro momento, identificar as taxas de audiência e suas necessidades, para, então, definir a qualidade e os tipos de serviços a serem prestados e demonstrar como essas atividades serão desenvolvidas.

Organizar um plano educacional é colocar em execução ações passíveis de serem realizadas na instituição e consideradas importantes para a educação. Tal empreendimento não apenas permite a construção do perfil da educação na organização, mas também otimiza, viabiliza e proporciona a base para que se cumpram os recursos, contribuindo, assim, para aplicações internas mais seguras (CARVALHO, 2007CARVALHO, Cristina. Relatório projeto elaboração do plano educacional da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: [s. n.]. 2007. Convênio FAPERJ/FCRB.).

Como ferramenta de gerenciamento, o plano educacional deve caminhar o mais próximo possível das diretrizes e documentos estratégicos da instituição; ou seja, as ações contidas no plano educacional devem ser parte do plano institucional. Assim como ressaltado no plano educacional para a Fundação, para se executar as metas de um plano, é importante que se tenha clareza não apenas da missão da instituição, mas também da missão do plano e da missão educativa da instituição. Desse modo, partimos das definições e etapas já apresentadas em estudo anterior (CARVALHO, 2007CARVALHO, Cristina. Relatório projeto elaboração do plano educacional da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: [s. n.]. 2007. Convênio FAPERJ/FCRB.), com a preocupação de que as diretrizes apontadas para a biblioteca se apresentassem em consonância com a missão da Fundação.

Discutindo a gestão museológica, especificamente no que se refere à importância da elaboração de um plano institucional, mas que se aplica igualmente a um plano educacional para uma biblioteca, Mason (2004MASON, Timothy. Gestão museológica: desafios e práticas. São Paulo: Edusp: British Council: Fundação Vitae, 2004., p. 48) destaca que “ter um documento escrito permite a focalização no pensamento estratégico e na tomada de decisões, além de ajudar a conquistar credibilidade junto a outros órgãos que podem estar considerando se vão ou não financiá-lo”.

Estudo de usuários: conhecendo o público

A literatura sobre elaboração de um plano educacional sinaliza, portanto, enquanto uma das etapas, a identificação das taxas de audiência e suas necessidades. Na verdade, trata-se de estudo de usuários, um campo que vem cada vez mais ganhando acuidade no âmbito de entidades prestadoras de serviços, em suas mais variadas áreas de atuação (BAPTISTA; CUNHA, 2007BAPTISTA, Sofia; CUNHA, Murilo. Estudo de usuários: visão global dos métodos de coleta de dados. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 12, n. 2, p. 168-184, 2007.). A importância de se agregar aos serviços disponibilizados o diferencial da satisfação de seus usuários, através não só da qualidade das atividades já oferecidas, mas também daquelas a serem planejadas, é consenso entre os pesquisadores. Desse modo, a opção pela realização de uma pesquisa de usuários, apresentou-se como um caminho profícuo para embasar o plano educacional, abalizando as ações propostas para a BIMM.

Em primeiro lugar, através da análise documental dos relatórios de atividades da BIMM, identificamos os diferentes segmentos que compunham o nosso público-alvo: crianças de 0 a 4 anos, que frequentavam o jardim para os banhos de sol e circulavam pela biblioteca; os jovens leitores, associados da biblioteca (5 a 18 anos); os grupos escolares que visitavam a BIMM e o museu (3 a 18 anos); e os responsáveis pelas crianças.

Em seguida, construímos um questionário, assumindo que o survey – uma das ferramentas disponíveis para pesquisadores da área social – seria a metodologia de pesquisa adotada para essa etapa. Babbie (2005)BABBIE, Earl. Métodos de pesquisa de survey. Belo Horizonte: UFMG, 2005. ressalta que esse tipo de investigação não se resume a fazer perguntas e contar respostas; ao contrário, engloba a utilização de técnicas específicas que se encaixam nas normas gerais da investigação. Para o autor, o survey pode ser usado de forma bastante vantajosa e eficaz, principalmente quando combinado com outros métodos como, por exemplo, entrevistas. No momento de realização do estudo, não havia nenhum grupo escolar agendado, e foram então elaborados dois questionários – um a ser aplicado ao público infantojuvenil (5 a 18 anos) e outro aos responsáveis que acompanham as crianças às dependências da BIMM (pais, avós, babás...). As questões, as opções, o formato, as estratégias, enfim, as possibilidades para a construção e aplicação do instrumento foram amplamente discutidas e revisadas. Os questionários foram aplicados entre junho e agosto de 2010 e, assim como a análise dos resultados, constam do relatório final da pesquisa. Além disso, para contemplar também as crianças menores, decidimos desenvolver mais um instrumento de pesquisa: a realização de atividades lúdicas com esse segmento, a partir dos mesmos eixos que deliberamos abordar nos questionários.

Com o intuito de validar o questionário, realizamos uma pré-testagem, etapa crucial na pesquisa de survey. Segundo Babbie (2005)BABBIE, Earl. Métodos de pesquisa de survey. Belo Horizonte: UFMG, 2005., o pré-teste se refere ao teste inicial, ao exame em pequena escala de aspectos do desenho da investigação e seu objetivo fundamental é melhorar o instrumento da pesquisa, ou seja, trata-se do survey em miniatura.

O questionário não foi autoaplicável e acompanhamos o preenchimento das questões, sanando algumas dúvidas, anotando sugestões para sua revisão e aprimoramento. Esse acompanhamento pretendeu funcionar também como entrevista informal e observação do espaço, combinando, assim, outros métodos de pesquisa. Algumas reformulações foram feitas após a pré-testagem e nossa intenção era ampliar a aplicação do questionário. No entanto, em decorrência do fechamento5 5 - A biblioteca permaneceu fechada de agosto de 2009 a junho de 2010 para reforma de suas instalações e informatização e inventário do acervo. das instalações da BIMM ao longo de um ano para a realização de reforma, os antigos sócios e as escolas haviam se afastado e contávamos com um número reduzido desses segmentos e, de modo geral, apenas crianças ainda muito pequenas frequentavam os jardins da FCRB. Assim, após três meses acompanhando o público, verificamos que não seria possível aumentar o universo de investigação – 47 adultos e 38 crianças –, pois os frequentadores se repetiam a cada dia. Os dados obtidos foram devidamente tabulados e analisados e, juntamente com o trabalho de observação e as entrevistas realizadas, apresentaram informações relevantes, forneceram subsídios fundamentais e embasaram tanto as atividades propostas ao longo da realização da investigação quanto as sugestões apresentadas no relatório final de pesquisa.

Cabe esclarecer que as atividades lúdicas com as crianças menores foram executadas de modo incipiente e que elas ofereceram muito mais em impressões do que resultados de pesquisa. No entanto, avaliamos que continua a ser um bom recurso de investigação. A seguir, tendo em vista que o reduzido universo de pesquisa – 47 adultos e 38 crianças –, apresentamos alguns dos resultados obtidos na tabulação dos questionários, trabalhando com números absolutos e, por vezes, apresentando percentuais apenas para dar uma ideia do conjunto investigado.

Crianças e responsáveis: quem são e o que dizem sobre a BIMM?

Na análise das respostas, foi possível confirmar que, com o período de reforma da BIMM, os antigos sócios haviam, de fato, se afastado e estávamos frente a um usuário recém-conquistado: 38 responsáveis e trinta crianças (por volta de 80%) frequentavam a BIMM há menos de seis meses, e somente duas crianças eram sócias. Dos 47 adultos, 25 frequentavam com os filhos, dezenove com as crianças sob a sua responsabilidade e três responsáveis não declararam. Do universo investigado, quase todos (95%) frequentavam a BIMM de três a cinco vezes por semana.

Com relação aos motivos da visita, todas as crianças assinalaram a opção porque eu gosto de ler, e obtivemos mais 31 marcações em porque eu gosto de participar das atividades, pois a questão oferecia a possibilidade de marcar mais de uma alternativa.

O número de meninas e meninos que responderam ao questionário foi praticamente equânime e, dos 47 adultos, apenas três eram do sexo masculino. Mais da metade dos responsáveis (29) encontrava-se na faixa de 26 a 32 anos ou 40 a 47 anos; 27 crianças possuíam de 6 a 8 anos; quatro, entre 9 e 11 anos; e sete crianças tinham 5 anos de idade. Com relação ao local de moradia, a maioria (43 adultos e 35 crianças) assinalou a opção que apresentava os bairros Humaitá, Urca e Botafogo (este último, local onde se encontra a FCRB).

A rede particular de ensino acolhia 32 crianças (quase 85%) e todas estavam em segmentos compatíveis com a idade. A escolaridade dos pais dessas crianças apresentou-se elevada: todas as mães possuíam o ensino superior e apenas um dos pais possuía o ensino médio. A escolaridade dos responsáveis também se mostrou elevada: 38 possuíam ensino superior; sete, ensino médio; e dois responsáveis, o ensino fundamental. Nenhum dos dois grupos cursou uma pós-graduação.

Consideramos que a questão que buscava mapear a profissão dos responsáveis merecia uma reformulação, pois 22 adultos (em torno de 46%) assinalaram a alternativa outra, sem que o campo para a informação da profissão tenha sido preenchido. Das opções oferecidas no questionário, doze eram professores e treze domésticas/babás. A renda familiar bruta desse grupo apresentou dezessete adultos na faixa entre R$ 501,00 e R$ 1.000,00; 27 distribuídos de forma equânime nas três faixas seguintes, e três adultos com uma renda acima de R$ 8.000,00.

Com exceção do jardim e da biblioteca, os demais espaços da FCRB (museu, sala de cursos, auditório etc) não eram utilizados por esse público. O atendimento e o acervo foram considerados como ótimo ou razoável pelos entrevistados, ressaltando-se o desejo pelo atendimento nos finais de semana. Aliás, a solicitação para que a BIMM funcionasse também nos finais de semana apareceu não só nos questionários, mas em todas as entrevistas informais.

No que diz respeito ao consumo cultural e hábitos de lazer dos responsáveis, ouvir música e ir ao shopping foram hábitos reiterados no universo dos nossos entrevistados (33 adultos eram frequentadores assíduos de shopping), e o cinema apareceu como um lugar visitado com frequência por 26 adultos desse grupo. Ir a festas/casa de amigos, praticar atividade física/esporte, ir a bares/restaurantes e ler um livro configuram-se como atividades praticadas com baixa frequência. As praias da cidade do Rio de Janeiro, mundialmente conhecidas pela beleza e pela superlotação nos dias de sol, não se apresentaram como preferência para o universo dos pesquisados: 42 adultos (quase 90%) assinalaram que nunca ou raramente frequentam as praias da cidade.

A maioria dos responsáveis (38) desconhecia o site da BIMM, enquanto metade das crianças afirmou que conhecia, mas que não navegava nele. Apenas três crianças consideraram a página eletrônica boa e ótima, e o restante a classificou como razoável.

O gosto pela leitura e o desejo de intensificar esse hábito foram revelados por nossos entrevistados e apenas uma criança assinalou que gostava mais ou menos de ler. Os adultos apontaram de modo equitativo os motivos que impediam o acréscimo de leitura: excesso de trabalho, falta de tempo e quantidade de afazeres. Na opinião das crianças, o maior impedimento para o aumento de horas dedicadas à leitura foi a necessidade de brincar e/ou sair com os amigos (24 crianças), seguida de falta de biblioteca (dez) e falta de tempo (quatro).

A preferência pela leitura no livro impresso dominou o universo dos entrevistados: apenas dois adultos e uma criança assinalaram indiferença com relação ao recurso de leitura no livro ou no computador. A frequência de livros lidos pelas crianças foi bem maior do que a dos adultos: 25 assinalaram que liam um livro por semana; doze, um livro a cada quinze dias, e uma criança destacou a leitura de um livro por mês; já entre os responsáveis, todos assinalaram uma vez por mês.

O gênero literário mais apreciado pelos adultos foi romance, seguido por aventura, que se apresentou de modo inverso para as crianças: aventura foi seguido de romance. Apesar do gosto pela leitura, quinze adultos declararam que não compram livros e apenas as crianças assinalaram que pais e avós costumam presenteá-los com livros.

Todos os entrevistados declararam influência de alguém na construção do hábito da leitura, reforçando, portanto, a importância da mediação nesse processo. Foi interessante constatar que as 38 crianças sinalizaram tanto os pais quanto as mães enquanto pessoas que influenciaram no gosto pela leitura e, entre os adultos, as figuras da mãe (um pouco mais elevada) e do pai também apareceram como as mais frequentes nesse papel de mediador, mas seguidas pelo professor (dez adultos), influência que não apareceu no universo sinalizado pelas crianças. Os avós foram citados por quatro crianças. Por outro lado, nenhum dos responsáveis sinalizou a biblioteca como espaço onde se criou o hábito pela leitura e elegeram a casa como o local privilegiado para a construção desse hábito, enquanto 25 crianças assinalaram esse local, e o restante ressaltou a casa.

Elaboramos os questionários com a maioria das questões fechadas, e apenas algumas delas destinadas a sugestões ou informações pontuais. De modo geral, os responsáveis manifestaram agradecimentos: existência da biblioteca; reforma realizada; socialização entre as crianças e mães; educação das atendentes; qualidade das atividades oferecidas. Alguns dos itens destacados como aspectos positivos da BIMM pelas crianças foram: bom atendimento; qualidade dos livros; oportunidade de desenhar; presença dos amigos e contação de história.

Algumas sugestões dos responsáveis para que a BIMM pudesse oferecer um melhor atendimento foram: promover lançamentos de livros; abrir nos finais de semana; aumentar e renovar o acervo para os pequenos; intensificar atividades durante as férias; aumentar o espaço da biblioteca para a realização das atividades; instalar computadores para as crianças; aumentar o número de brinquedos para as crianças menores; oferecer contação de história todos os dias; adquirir livros para menores de três anos; possibilitar a realização de festas/comemorações no espaço da biblioteca. As sugestões dadas pelas crianças foram as seguintes: liberação para a realização de festas; lançamento de livros; aquisição de mais mesas; aquisição de um número maior de brinquedos. O desejo pelo atendimento nos finais de semana e a realização de contação de história todos os dias também surgiram nas conversas informais com as crianças e com os responsáveis.

Não obtivemos muitas respostas na solicitação dos três livros mais apreciados. Algumas das obras e autores citados pelos responsáveis: Monteiro Lobato; Mapa do Brasil; A galinha ruiva; Poesia fora da estante; Coleção artes; O caçador de pipas; Cem anos de solidão; A casa dos espíritos; João Bernardo; Livros infantis com desenho; Vamos contar; O circo; Odisseia; Animais na fazenda; Divirta--se com os números; Drawing on the go. E os livros mais apreciados pelas crianças foram: Livro das fadas; Livro dos números; Reinações de Narizinho; A bolsa amarela; A reforma da natureza; O rato roeu a roupa do rei de Roma; Mundo encantado; Operação de Lili; Dinossauros; Alice no país das maravilhas.

Considerando-se, portanto, que o estudo configurou-se como teste-piloto e que o instrumento foi aplicado em um momento de reabertura da biblioteca, recomendamos sua reelaboração para nova aplicação aos usuários. Contudo, os resultados obtidos no estudo de usuários, bem como o trabalho de observação e as entrevistas realizadas ao longo da pesquisa, apresentaram informações relevantes e também embasaram a investigação.

Redefinindo os caminhos da pesquisa

Conforme apresentado, para a realização da investigação, optamos pela utilização de alguns instrumentos de pesquisa, como revisão bibliográfica, análise documental, entrevistas, estudo de usuários, sem a intenção de intervir diretamente nas ações desenvolvidas pela biblioteca. No entanto, alguns fatores redefiniram o formato da pesquisa. Ainda no período de fechamento da BIMM, fomos convidadas pela direção da Fundação a integrar o projeto de reestruturação daquele espaço, como a reforma das instalações e informatização e inventário do acervo. Não temos conhecimento em áreas específicas, como da biblioteconomia e da arquitetura, bem como não definimos vários aspectos, mas cabe ressaltar o fato de termos sido inseridas nesse processo e, principalmente, a importância do diálogo interdisciplinar em um projeto dessa natureza.

Por outro lado, com o prenúncio de reabertura da biblioteca, a necessidade de se definir as atividades a ser desenvolvidas ficou evidente, e a FCRB não contava com uma equipe que pudesse assumir as ações a ser oferecidas à comunidade, pois o número de servidores era reduzido e os funcionários terceirizados não possuíam formação específica para desenvolver atividades na biblioteca.

Desse modo, frente à situação que se colocava naquele momento, o percurso previamente pensado para a pesquisa foi alterado e, a partir de então, participamos ativamente das ações da BIMM, desde o planejamento, a programação, os contatos para os eventos, até a execução das atividades oferecidas aos usuários. Assim, sem aprofundar as discussões teóricas que perpassam a literatura especializada, esta investigação passou a se configurar como pesquisa-ação.

É consenso que a pesquisa-ação é um método qualitativo de investigação, mas, de acordo com os estudiosos da área, o termo apresenta uma amplitude de aplicação, tem sido utilizado de maneira vaga para qualquer tentativa de melhora ou de investigação da prática, e vários autores têm se dedicado a esclarecer alguns aspectos que envolvem essa forma de investigação. Tripp (2005)TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005., por exemplo, defende que se encare a pesquisa-ação como uma das muitas diferentes formas de investigação-ação e considera que questões comuns a outros métodos também se aplicam a essa modalidade: participação, papel da reflexão, necessidade de administração do conhecimento e ética do processo. Para o autor, pesquisa-ação é toda tentativa continuada, sistemática e empiricamente fundamentada de aprimorar a prática.

Na verdade, as controvérsias para esse tipo de investigação começam com a denominação: pesquisa-ação? Pesquisa-participante? Pesquisa--intervenção? Não há consenso com relação às diferenças e aproximações entre as designações. Para Thiollent (2011)THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2011., a pesquisa-ação é uma forma de pesquisa-participante, mas nem todas as pesquisas-participantes são pesquisas-ação. No Brasil, a polêmica recai sobre as diversas tendências que envolvem o conceito de pesquisa e participação. Já na literatura estrangeira (ANDALOUSSI, 2004ANDALOUSSI. Khalid El. Pesquisas-ações: ciência, desenvolvimento, democracia. Tradução Michel Thiollent. São Carlos: EdUFSCar, 2004.; BARBIER, 2006BARBIER, René. A pesquisa-ação. v. 3. Tradução Lucie Didio. Brasília, DF: Líber Livro, 2006.), a preocupação dos pesquisadores não está ligada ao uso deste ou daquele termo, mas, sim, se de fato as pesquisas se apresentam de forma participativa ou não. Entretanto, a maioria dos estudiosos concorda que a pesquisa-ação é uma metodologia coletiva, que favorece as discussões e a produção cooperativa de conhecimentos específicos sobre a realidade vivida.

Para além do termo que define esta pesquisa, é fato que interviemos na prática já no decorrer do processo de investigação e não apenas como possível consequência do resultado final do projeto – uma das características apontadas por Thiollent (2011)THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2011. para esse tipo de pesquisa. Assim, o aprofundamento teórico ao longo desta investigação norteou o percurso e as ações propostas, bem como balizou o planejamento e a execução das atividades.

O cotidiano da biblioteca e a avaliação das atividades

Na perspectiva de uma pesquisa-ação, que passou a nortear esta investigação, planejamos, implementamos, descrevemos e avaliamos as mudanças para o aprimoramento da prática, aprendendo mais no decorrer do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação (TRIPP, 2005TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005.). E, exatamente nessa perspectiva, deparamo-nos com a realidade de uma instituição pública, com a burocracia e as amarras da máquina estatal, e buscamos dialogar com o cotidiano e a dinâmica de uma biblioteca infantojuvenil, que exigia ações práticas que permitissem seu funcionamento. Entretanto, procuramos não perder de vista os conceitos teóricos que delinearam nossa investigação, como a necessidade de realização de um trabalho direcionado para as crianças, com a construção de um projeto que levasse em conta as especificidades desse público, com suas distintas características e demandas (VIGOTSKI, 2009VIGOTSKI, Lev. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.).

Aspectos práticos foram então implementados ao longo da pesquisa e/ou ressaltados na elaboração final do documento. Além das atividades educativas e culturais, executamos, por exemplo, e com o auxilio de profissionais da comunicação, ações relacionadas a um projeto de divulgação do espaço e de construção da identidade visual – elaboração de folders, cartazes, marcadores de livros etc –, buscando consolidar uma identidade visual para a biblioteca.

Elaboramos também uma programação anual, com a inclusão de eventos pontuais, e a consequente divulgação, permitindo, assim, que os usuários tomassem conhecimento das atividades oferecidas pela BIMM. Consideramos que a regularidade das ações possibilita sua inclusão na agenda do público e propicia a consolidação das atividades.

A construção de um manual de serviços, elucidando as normas seguidas pela biblioteca em relação aos serviços técnicos adotados em torno do acervo, bem como a elaboração de um regulamento de uso do espaço também se apresentaram como importantes e foram igualmente executados. A percepção de que o usuário precisa estar ciente das regras e dos preceitos que conduzem a instituição só foi possível pela inserção de uma das bolsistas no cotidiano da BIMM, através, por exemplo, de relatos, como o de adultos que exigiam silêncio das crianças, pois estavam lendo um livro.

Por outro lado, implementamos instrumentos de avaliação das ações desenvolvidas, enquanto aspecto fundamental na realização de atividades, planos, projetos, programas etc., bem como na reelaboração e consolidação de propostas. A meta principal da avaliação é produzir informações pertinentes para a tomada de decisões, mas não se dá ao acaso; deve ser planejada, devidamente programada, e ancorada em uma metodologia ordenada. A avaliação busca também verificar o impacto das atividades e emitir juízos de valor, norteando, assim, as ações a ser desenvolvidas. Os processos avaliativos possibilitam uma reflexão sobre a ação, um repensar sobre as atividades executadas. Contudo, a avaliação deve se configurar como parte de uma proposta educativa definida previamente pelo conceito de educação adotado por cada instituição, ou seja, a concepção de educação é que vai dar suporte à avaliação (MORTARA, 2010MORTARA, Adriana. Avaliar as ações educativas: como, para quê e por quê? In: ENCONTRO NACIONAL DA REM - REDE DE EDUCADORES EM MUSEUS E CENTROS CULTURAIS, 1., 2007. Anais... Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2010.).

Já no plano educacional da Fundação Casa de Rui Barbosa, Carvalho (2007CARVALHO, Cristina. Relatório projeto elaboração do plano educacional da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: [s. n.]. 2007. Convênio FAPERJ/FCRB., p. 25) sinalizou que, idealmente, a avaliação “deve incluir, junto ao público-alvo, uma avaliação anterior ao projeto, durante e posterior a ele. Isso pode incluir a observação dos visitantes, pesquisas, questionários, grupos de discussão, comentários e painéis de consulta”.

Reiteramos que o estudo de usuários e a definição dos conceitos apresentam-se como etapas basilares na elaboração de um plano educacional e, certamente, orientaram a investigação realizada. A partir, por exemplo, da informação coletada no estudo de usuários de que o site da BIMM não era bem avaliado, realizamos alguns encontros com a empresa responsável, na tentativa de empreender algumas modificações (ainda que não tenha sido possível avançar). Na mesma perspectiva, a busca por uma integração eficaz entre as atividades lúdico-pedagógicas da BIMM não apenas no ambiente físico, mas também no ambiente virtual da Fundação, também mereceu destaque. Transitando pelo campo das mídias digitais, Gaspar (2012GASPAR, Ana. Iniciativas digitais em museus. In: MENDES, Luis (Org.). Reprograme: comunicação, branding e cultura numa nova era de museus. Rio de Janeiro: Imã, 2012. p. 195-204., p. 180) constata “perspectivas e possibilidades que se revelam merecedoras de investimentos e pesquisas na área de empreendedorismo digital para museus”. Entretanto, por inúmeros entraves, esse projeto também não foi implementado e, no relatório final da pesquisa, apontamos algumas possibilidades de ação, ressaltando a importância de tornar esse ambiente o mais interativo possível e em diálogo com as atividades realizadas na BIMM. Também não conseguimos atender ao desejo dos usuários de que a BIMM funcionasse no final de semana, pois a instituição não tinha pessoal que pudesse assumir a tarefa, e ficou apenas a recomendação.

Algumas considerações: retomando as discussões

A pesquisa aqui apresentada buscou destacar alguns dos caminhos adotados na construção de um plano educacional para uma instituição cultural. No caso específico da BIMM, procuramos preservar os princípios defendidos pelo patrono da Fundação – Rui Barbosa – no que diz respeito à formação do leitor, ao incentivo à leitura, à formação do cidadão. Suas ideias confirmam a relevância de um projeto como o plano educacional da BIMM – objeto desta investigação –, que valoriza a formação cultural e a leitura como um projeto político de construção de um espaço democrático, voltado para a formação de cidadãos leitores, fruidores e produtores de cultura.

Desde o início desta investigação, nosso intuito era: avaliar as atividades desenvolvidas na BIMM, ampliar o conhecimento dos usuários atuais e potenciais e de suas necessidades informacionais; identificar as atividades educativas e culturais adequadas ao perfil do público; fundamentar futuros projetos para a BIMM. Ainda que o percurso de pesquisa tenha sido alterado, ou talvez em decorrência desse desvio, consideramos que os objetivos iniciais foram alcançados.

Acedendo com a literatura pertinente, que ressalta que cada instituição deve construir o seu plano educacional, pois cada instituição é única, nossa intenção, com a construção deste texto, não foi apresentar um modelo, mas expor alguns dos caminhos percorridos e algumas das opções adotadas ao longo da elaboração da investigação, com o intuito de colaborar com outras instituições que pretendam construir um plano educacional.

Para além da formação do leitor, é preciso pensar que não há como ignorar a importância de espaços como a BIMM. Diante da degradação das relações humanas e das novas configurações urbanas, locais como esse assumem efetivamente papel privilegiado na construção das relações (CASTRO, 1998CASTRO, Lucia (Org.). Infância e adolescência na cultura de consumo. Rio de Janeiro: Nau, 1998.; ASENSIO; POL, 2002ASENSIO, Mikel; POL, Elena. Nuevos escenarios en educación: aprendizaje informal sobre el patrimonio, los museos y la ciudad. Buenos Aires: Aique, 2002.).

No desenvolvimento desta pesquisa, constatamos a triste realidade encontrada em nosso país com relação à falta de hábito da leitura por parte de uma grande parcela da população. Pais, professores e bibliotecários, por vezes, acabam não proporcionado o contato de crianças e jovens com os livros.

Compreendemos que, embora vivamos em outro tempo, aspectos como a formação humana, cultural e artística e a democratização da cultura e da educação – ressaltados e defendidos na obra de Rui Barbosa – com certeza continuam sendo fundamentais em um campo que hoje se estende para além das instituições escolares. Assumir a formação humana de modo amplo também representa um papel a ser cumprido pelas instituições culturais.

Após dois anos de pesquisa, do aprofundamento teórico realizado, das ações desenvolvidas em decorrência da metodologia adotada, ressaltamos a necessidade de que a Biblioteca Infantojuvenil Maria Mazzetti seja um projeto da Fundação Casa de Rui Barbosa, que a sua importância junto à comunidade seja reconhecida e que se assuma a sua função social, cultural e educativa. Um dos maiores desafios, para toda instituição, é a formação de uma equipe qualificada para a execução das atividades e a consolidação de um setor educativo com propostas efetivamente planejadas para o bom atendimento ao usuário (MACHADO, 2009MACHADO, Maria Iloni. O papel do setor educativo nos museus: análise da literatura (1987 a 2006) e a experiência do museu da vida. Tese (Doutorado) - Instituto de Geociência da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, Campinas, 2009.).

Mario de Andrade, no início do século XX, já destacava que a criação de bibliotecas populares apresenta-se como atividade fundamental para o desenvolvimento da cultura brasileira: “Não que essas bibliotecas venham resolver qualquer dos dolorosos problemas de nossa cultura [...] Mas a disseminação no pouco, do hábito de ler, se bem orientada, criará fatalmente uma população urbana mais esclarecida, mais capaz de vontade própria, menos indiferente à vida nacional” (ANDRADE, 1957ANDRADE, Mário. Um depoimento de Mário de Andrade. Revista do Livro, Rio de Janeiro, v. 2, n. 5, 1957., p. 71).

Referências

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  • 1
    - A pesquisa foi viabilizada através do Programa de Incentivo à Produção do Conhecimento Técnico e Científico na Área da Cultura e financiada através de convênio firmado entre a FCRB e a FAPERJ.
  • 2
  • 3
    - Cabe destacar as contribuições advindas da medicina, da biologia e da psicologia, bem como da sociologia, da antropologia, da pedagogia etc.
  • 4
    - Arquivo da FCRB, Processo no. 59/78, fl. 48.
  • 5
    - A biblioteca permaneceu fechada de agosto de 2009 a junho de 2010 para reforma de suas instalações e informatização e inventário do acervo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2014
  • Aceito
    10 Mar 2015
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