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Política pública, Educação Especial e escolarização no Brasil

Resumo

O texto tem como objetivo a análise da escolarização das pessoas com deficiência no Brasil, considerando prioritariamente o período 2008 a 2018, em função de uma política pública que assume a inclusão escolar como diretriz para a ação nos diferentes espaços da gestão educacional. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 é compreendida como parte de um momento histórico que aproxima as iniciativas e as diretrizes brasileiras de proposições internacionais que anunciam uma ressignificação do conceito de deficiência – afirmação da perspectiva social -, assim como indicam um novo desenho institucional para a garantia do direito à educação. Quem são os atores sociais com papel preponderante nesse processo? Quais são as principais conquistas e os principais desafios? Como analisar as possibilidades de reconfiguração em termos de dispositivos pedagógicos e de espaços educativos? Tais interrogações integram o estudo de natureza qualitativa, realizado com base na análise documental, que considera o plano normativo e a revisão de literatura especializada. A análise indica que houve ampliação das matrículas de alunos com deficiência no ensino comum e a aprovação de elevado número de dispositivos normativos sobre a temática. Houve também a instituição de programas dirigidos a formas variadas de apoio especializado, mostrando um deslocamento do lócus destinado à escolarização desses alunos, com prioridade para o ensino comum. Apesar disso, coexistem tendências que reafirmam e que contradizem a perspectiva proposta pelas diretrizes analisadas, principalmente quando são consideradas as dimensões qualitativas dos processos formativos.

Educação especial; Políticas públicas; Inclusão escolar; Pessoa com deficiência

Abstract

The text aims to analyze the schooling of people with disabilities in Brazil, considering the period 2008-2018 as a priority and based on a public policy that assumes school inclusion as a guideline for action in the different spaces of educational management. The National Policy on Special Education in the Perspective of Inclusive Education of 2008 is understood as part of a historical moment that brings together Brazilian initiatives and guidelines with international propositions that announce a resignification of the concept of disability – affirmation of the social perspective –, as indicated by a new institutional design to guarantee the right to education. Who are the social actors with a relevant role in this process? What are the main achievements and main challenges? How to analyze the possibilities of reconfiguration in terms of pedagogical instruments and educational spaces? Such questions are part of the qualitative study performed based on documentary analysis, which considers the normative plan and the review of specialized literature. The analysis indicates that there was increase of enrollment of students with disabilities in ordinary education, besides the approval of great number of normative instruments on the subject. There was also the establishment of programs aimed at various forms of specialized support, showing a locus shift focused on these students’ schooling, prioritizing the ordinary education. Nevertheless, there are coexisting trends that reaffirm and contradict the perspective proposed by the guidelines analyzed, especially when considering the qualitative dimensions of the formative processes.

Special Education; Public policies; School inclusion; Person with disability

Introdução

Nas últimas décadas, o debate internacional sobre a escolarização das pessoas com deficiência tem conquistado visibilidade no âmbito das políticas sociais, em geral como uma extensão da escolarização em um processo amplo e obrigatório para todas as crianças. O presente texto tem como objetivo a análise da escolarização das pessoas com deficiência no Brasil, considerando prioritariamente o período 2008 a 2018, em função de uma política pública que assume a inclusão escolar como diretriz educacional.

No contexto brasileiro, podemos afirmar que os últimos cinquenta anos produziram mudanças que, a depender do ângulo de elaboração da análise, parecem evocar grandes rupturas com as práticas instituídas ou mostrar que, apesar de alterações superficiais, o que existe é a continuidade dos habituais modos de conceber a pessoa com deficiência2 2 - Ao longo do texto, utilizarei predominantemente o conceito pessoa com deficiência para a referência a um grupo que tem recebido diferentes designações na literatura especializada. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 ( BRASIL, 2008 ) refere-se aos alunos que são alvo da educação especial como aqueles com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. O conceito pessoa com deficiência é reafirmado na Convenção Internacional da ONU, de 2006, sobre os direitos das pessoas com deficiência, e refere-se ao maior contingente de alunos também designados público-alvo da educação especial. e de propor, para esses sujeitos, percursos educacionais que são essencialmente os mesmos que eram oferecidos em décadas anteriores. Essa polarização é facilmente reconhecida quando analisamos a literatura especializada acerca da educação especial no Brasil. Como avaliar esse processo histórico em nosso país? Quais evidências podem ser consideradas para identificarmos se ocorre alguma produção do novo ou apenas diferentes vernizes para antigas abordagens? Como compreender os diferentes momentos históricos que marcam a educação especial brasileira? Há momentos nos quais essa educação esteve associada a processos efetivos de escolarização? Se tomarmos a escolarização como princípio analítico, quais seriam os indícios a serem valorizados para identificar a ocorrência de alterações? Trata-se de um universo amplo de questões que não poderiam ser respondidas plenamente em um breve conjunto de reflexões que caracterizam um texto acadêmico como este. No entanto, são perguntas disparadoras consideradas importantes para afirmar a compreensão inicial de que tanto a continuidade quanto a ruptura são marcas presentes na educação especial brasileira. Considero que os fenômenos que poderíamos associar à ideia de ruptura, e de afirmação do novo, têm avançado em modo oscilante e têm sido permeados por desafios decorrentes da luta contínua, como uma característica de processos decisórios da política pública. É fundamental lembrar que, apesar da precariedade histórica dos serviços, do predomínio do assistencialismo e da filantropia, a educação especial é um campo de mobilização e de ganhos para os grupos sociais que se anunciam como seus defensores. Tais ganhos se traduzem em ocupação do espaço público, domínio de alternativas de formação e liberdade na busca de recursos econômicos que nem sempre são alvo do controle público em função da autonomia institucional dos propositores. Trata-se de processo que assegura, ainda, a ampliação do poder político por meio de ação de representatividade eletiva em diferentes comunidades. Podemos identificar a existência de ações no sentido de uma complementaridade, com vantagens recíprocas para as instituições privado-filantrópicas e para os órgãos públicos. Importante reconhecer que essa complementaridade conveniente permitiu que o Estado economizasse – pois não assumia a escolarização dessa parcela da população – e que as outras instituições responsáveis fortalecessem seu papel centralizador do processo.

Para discutir os potenciais elementos de novidade e de ruptura na educação especial brasileira, pretendo recuperar inicialmente um breve percurso histórico, com a identificação de fases que marcam o avanço das iniciativas estatais na oferta de serviços. Posteriormente, será analisado o período relativo aos últimos dez anos, com o objetivo de identificar possíveis desafios para o futuro dessa área de conhecimento.

A política pública, ao longo do texto, é compreendida como um processo contínuo que se associa à ação pública, de acordo com Muller e Surel (2002)MULLER, Pierre; SUREL, Ives. Análise das políticas públicas. Pelotas, Educat, 2002. , contemplando em modo preponderante um fluxo de produção de “programas de ação pública, isto é, dispositivos político-administrativos coordenados em princípio em torno de objetivos explícitos” ( MULLER; SUREL, 2002MULLER, Pierre; SUREL, Ives. Análise das políticas públicas. Pelotas, Educat, 2002. , p. 10). De acordo com esses estudiosos, as políticas públicas não servem para resolver problemas.

Na realidade, os problemas são “resolvidos” pelos próprios atores sociais através da implementação de suas estratégias, a gestão de seus conflitos e, sobretudo, através dos processos de aprendizagem que marcam todo o processo de ação pública. Nesse quadro, as políticas públicas têm como característica fundamental construir e transformar os espaços de sentido [...]. ( MULLER; SUREL, 2002MULLER, Pierre; SUREL, Ives. Análise das políticas públicas. Pelotas, Educat, 2002. , p. 28, grifos meus).

Trata-se de uma perspectiva analítica que se diferencia das abordagens sequenciais e que pode ser associada à abordagem cognitiva de políticas, no sentido de conceber a implementação de políticas como um processo de aprendizagem coletivo. Ao apresentarem essa abordagem, Muller e Surel (2002)MULLER, Pierre; SUREL, Ives. Análise das políticas públicas. Pelotas, Educat, 2002. destacam a busca de compreensão das políticas públicas como matrizes cognitivas e normativas que constituem sistemas de interpretação envolvendo os atores sociais como sujeitos de um contínuo processo.

O estudo é desenvolvido com base na metodologia da análise documental, realizada a partir da apreciação de dispositivos normativos, diretrizes expressas em documentos públicos e trabalhos acadêmicos resultantes de pesquisa, que nos auxiliam na análise dos fenômenos em questão. No que se refere ao trabalho analítico, considerando a importância conferida à produção de sentido, existe uma clara proximidade com a perspectiva de análise de discurso político proposta por Pinto (2006)PINTO, Céli Jardim. Elementos para uma análise de discurso político. Barbarói , Santa Cruz do Sul, n. 24, p. 78-108, 2006. , quando a autora discute a relação entre os atores sociais, os processos de interação e o delineamento dos fluxos históricos. Do ponto de vista operacional, trabalhou-se com sucessivas leituras dos documentos escolhidos para a identificação dos nós de sentido que se articulam aos objetivos gerais da investigação. Tais procedimentos envolveram os documentos normativos, as diretrizes e os trabalhos acadêmicos. Destaco que alguns documentos assumiram um papel estruturante na elaboração do texto, pois apresentavam uma dimensão de explícita relação com nossas buscas. Refiro-me a documentos normativos, como resoluções (BRASIL, 2009a) ou decretos (BRASIL, 2009b, 2011); documentos que tornam explícitas as diretrizes ( BRASIL, 1994BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial. Brasília, DF: MEC, 1994. , 2008BRASIL. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Revista Inclusão , Brasília, DF, v. 4, n. 1, p. 7-17, jan./jun. 2008. ); ou balanços e sínteses propostas por gestores ( BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Política e resultados educação especial (1995 – 2002). Brasília, DF: MEC, 2002. , 2016BRASIL. A consolidação da inclusão escolar no Brasil: 2003 a 2016. Brasília, DF: DPEE/SECADI/MEC, 2016. ).

Como foi anunciado em precedência, será apresentada uma análise histórica com o objetivo de compreender as tendências e as prioridades. Importante dizer que esse resgate histórico assumiu um papel de grande relevância no processo investigativo, pois a identificação dessas marcas nos ajudou a discutir os momentos mais recentes da educação especial brasileira.

Um breve olhar dirigido à história

Podemos afirmar que houve, predominantemente ao longo da segunda metade do século XX, uma consolidação da educação especial no Brasil. Esse processo pode ser lido a partir de diferentes indícios, como a ampliação dos serviços, as iniciativas políticas nos diversos níveis da gestão pública e a ampliação da área no debate acadêmico. Quando nos interrogamos sobre a consolidação da educação especial no Brasil, é possível identificar ao longo da história ocorrências que frequentemente são apresentadas como marcos. O primeiro passo é habitualmente indicado pela a fundação das primeiras instituições dirigidas às pessoas com deficiência auditiva e deficiência visual, no século XIX ( BUENO, 1993BUENO, José Geraldo Silveira. Educação especial brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993. ). Ao nos atentarmos para outras tipologias de pessoas com deficiência, tivemos momentos de esboços de identificação da chamada criança anormal a partir de sua aparente incapacidade para o aprendizado escolar, com iniciativas de uma pedagogia clínica e altamente seletiva, marcada, por exemplo, pela vinda do médico italiano Ugo Pizzoli para formar profissionais na cidade de São Paulo, no início do século XX ( KASSAR, 2011KASSAR, Monica Magalhães. Educação especial na perspectiva da educação inclusiva: desafios da implantação de uma política nacional. Educar em Revista , Curitiba, v. 41, p. 61-79, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n41/05.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2018.
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). Entre os anos 1930 e 1950, houve importantes iniciativas de instituições privado-assistenciais que estruturam uma ação na qual a educação passa a ser evocada como meta, apesar do predomínio de um conjunto de iniciativas ligadas à assistência e aos cuidados de saúde. Era um momento de ausência de serviços públicos destinados às pessoas com deficiência, e tais instituições – Pestalozzi e Apaes – se impõem como uma espécie de aparato substitutivo da ação estatal. A história dessas instituições é amplamente abordada pela literatura especializada e, no caso das Apaes, destaco o trabalho de Jannuzzi e Caiado (2013)JANNUZZI, Gilberta de Martino; CAIADO, Kátia Regina Moreno. APAE: 1954-2011. Campinas: Autores Associados, 2013. , que nos permite conhecer como essa associação se transforma em uma rede e uma federação com poder nas diferentes instâncias da gestão pública. Além de seu aumento em termos de unidades de atendimento, grupos de representação e ramificações com os representantes da política, podemos perceber que essa instituição – Fenapaes – possui uma grande capacidade de adaptação aos diferentes momentos da história da educação brasileira, incorporando, quando necessário, discursos de defesa da escola ou da inclusão, desde que esses discursos mantenham sua hegemonia como instituição paralela ao Estado, identificada como parceira prioritária e detentora do conhecimento sobre a educação especial no Brasil.

A institucionalização da educação especial que ocorre no país a partir da década de 1950 consolida não só o distanciamento do Estado no que se refere à educação das pessoas consideradas com deficiência, mas também a privatização do ensino, da assistência social e da saúde dessa população, à medida que agrega à sua especialidade um atendimento global. ( MELETTI, 2008MELETTI, Silvia. APAE educadora e a organização do trabalho pedagógico em instituições especiais. In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO (ANPED), 31., 2008, Caxambu. Anais... Caxambu: Anped, 2008. Disponível em: <http://31reuniao.anped.org.br/1trabalho/trabalho15.htm>. Acesso em: 25 nov. 2018.
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, p. 2).

Esse atendimento global tende a ser um dos elementos que nos ajudam a compreender a força dessas instituições, pois estas oferecem serviços – assistência social e saúde – que se somam àqueles com características educativas, e que nem sempre estão acessíveis nas iniciativas públicas. O apoio do Estado dirigido a essas instituições, por meio de cedência de profissionais ou repasses de recursos, alimenta esse ciclo, favorecendo a dinâmica de responsabilidade da oferta por instituições privadas.

Em sua análise sobre a educação especial brasileira, Kassar (2011)KASSAR, Monica Magalhães. Educação especial na perspectiva da educação inclusiva: desafios da implantação de uma política nacional. Educar em Revista , Curitiba, v. 41, p. 61-79, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n41/05.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2018.
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nos mostra que, após o golpe militar de 1964, houve a revisão das diretrizes da educação, incluindo a ampliação da obrigatoriedade da escolarização para oito anos, por meio da Lei Educacional nº 5.692, de 1971. Essa lei pode ser considerada um marco na expansão dos serviços da educação especial, porque amplia o espectro de ação dessa área em termos de envolver não apenas alunos que apresentam deficiência, mas incluir ainda aqueles com dificuldades de aprendizagem expressa na ideia de atraso considerável quanto à idade regular de matrícula. Essa compreensão favorece a ampliação das classes especiais e legitima, por meio desse dispositivo, um fenômeno que tem se mantido na constituição dos serviços da educação especial, pois para o maior contingente numérico dos alunos das classes especiais – alunos com deficiência intelectual –, existe uma imprecisão diagnóstica associada às tipologias de instrumentos ou às metodologias utilizadas. Esse fenômeno não é recente e já era analisado por Ferreira e Nunes (1993)FERREIRA, Júlio; NUNES, Leila. Deficiência mental: o que as pesquisas brasileiras têm revelado. Em Aberto, Brasília, DF, n. 60, p. 37-60, out./dez. 1993. , que destacavam a complexidade da avaliação inicial da deficiência mental/intelectual. De fato, esses estudiosos afirmam que a questão de encaminhamento para os serviços de educação especial tem sido tema de dissertações e teses, o que nos permite concluir que: as crianças de famílias de baixo nível socioeconômico são super-representadas nas classes especiais; há limitações dos instrumentos de diagnóstico e os encaminhamentos são arbitrários; os alunos atendidos nas classes especiais dificilmente retornam para as classes regulares, a despeito da orientação preconizada nos planos institucionais e nos dispositivos legais. Estas são afirmações que, embora tenham sido feitas em 1993, continuam extremamente atuais.

As classes especiais tiveram como espaço prioritário os sistemas estaduais, o que indicou uma ampliação dos serviços públicos, ainda que em modo sujeito às reflexões já apresentadas. Houve uma proliferação de críticas sobre esse serviço, indicando que havia uma presença de matrícula de alunos que não eram alunos com deficiência, mas com dificuldades escolares ( SCHNEIDER, 1977SCHNEIDER, Doroth. Alunos excepcionais: um estudo de caso de desvio. In: VELHO, Gilberto (Org.). Desvio e divergência . 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. ) e que a trajetória escolar dos alunos dessas classes não mostrava conexão com o ensino comum, pois havia uma tendência de longos anos de permanência nas classes assim organizadas.

O início dos anos 1970 foi caracterizado também por outra iniciativa do setor público que reafirma a educação especial como parte da gestão brasileira: a criação do Centro Nacional de Educação Especial – Cenesp –, em 1973 ( BUENO, 1993BUENO, José Geraldo Silveira. Educação especial brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993. ). Trata-se de uma iniciativa, apoiada por consultores norte-americanos, que inaugurava um espaço institucional para a educação especial no Ministério da Educação, com o objetivo de “regular, disseminar, fomentar e acompanhar a Educação Especial no Brasil” ( KASSAR, 2011KASSAR, Monica Magalhães. Educação especial na perspectiva da educação inclusiva: desafios da implantação de uma política nacional. Educar em Revista , Curitiba, v. 41, p. 61-79, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n41/05.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2018.
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, p. 68).

Os anos 1970 marcam, portanto, um momento de ampliação de serviços públicos, como as classes especiais, e de inserção da educação especial na esfera da gestão pública por meio do Cenesp, o qual será posteriormente transformado em Secretaria de Educação Especial (SEESP).3 3 - A Secretaria de Educação Especial foi extinta em 2011 e, a partir de então, suas ações e incumbências passaram a ser de responsabilidade da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), por meio da Diretoria de Políticas de Educação Especial. Nesse momento histórico, havia o predomínio de uma concepção relativa à escolarização condicionada, pois, a depender das limitações do aluno, o encaminhamento deveria indicar o serviço – classe especial ou escola especial –, em geral de caráter substitutivo ao ensino comum.

No caso das ONGs, trata-se de trazer para as escolas regulares aqueles alunos que estão aptos a frequentá-las, ainda que em classes especiais. Assim, as escolas particulares e filantrópicas se especializariam no atendimento àqueles alunos que, por suas características, não têm condições de frequentar a rede governamental. Pelo menos por agora ... ( CARVALHO, 1993CARVALHO, Rosita Edler. A política de educação especial no Brasil. Em Aberto, Brasília, DF, n. 60, p. 93-102, out./dez. 1993. , p. 95, grifos meus).

Ao apresentar o destaque de alunos que “por suas características, não têm condições”, o texto acima expressa um conjunto de ideias ainda hoje frequentes na educação especial, apesar do debate internacional relativo ao modelo social da deficiência ( MAIOR, 2018MAIOR, Izabel Maria Madeira. A Política de Inclusão da Pessoa com Deficiência como Questão de Direitos Humanos. Revista Científica de Direitos Humanos , Brasília, DF, v. 1, n. 1, p. 105-131, 2018. Disponível em: <https://revistadh.mdh.gov.br/index.php/RCDH/article/view/21?fbclid=IwAR3OyAMxXiLdDQlu-iRiazQXpuRWPAX6joCPJdd4NQDXv8GjjMcq5XQCsZc>. Acesso em: 25 nov. 2018.
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). A compreensão de que as limitações não estão na pessoa, mas no seu encontro com um contexto que pode intensificar ou minimizar a percepção de que haveria impedimentos intransponíveis, mostra-se ainda como uma ideia em processo de afirmação.

A possibilidade de inserção de alunos que frequentavam escolas especiais nas classes especiais da rede pública se anunciava como uma proposta de aprimoramento do sistema que deveria garantir que as escolas especiais – entendidas como aquelas particulares e filantrópicas – se ocupassem do atendimento àqueles alunos que “não têm condições de frequentar a rede governamental” ( CARVALHO, 1993CARVALHO, Rosita Edler. A política de educação especial no Brasil. Em Aberto, Brasília, DF, n. 60, p. 93-102, out./dez. 1993. , p. 95). São ideias expressas em uma revista temática do Inep – Em Aberto , nº 60, de 1993 – publicada pouco antes da aprovação e divulgação da Política Nacional de Educação Especial de 1994 ( BRASIL, 1994BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial. Brasília, DF: MEC, 1994. ). Essa revista temática é um importante registro histórico por trazer um conjunto de textos que analisam a educação especial, como uma espécie de síntese dos anos 1970 e 1980. Ainda sobre as classes especiais, nessa mesma revista, uma estudiosa que ocupava papel de gestora naquele momento assim se refere a esses serviços: “Pelo menos uma classe para a Educação Especial em cada escola é o nosso lema” ( CARVALHO, 1993CARVALHO, Rosita Edler. A política de educação especial no Brasil. Em Aberto, Brasília, DF, n. 60, p. 93-102, out./dez. 1993. , p. 95). Portanto, o avanço seria, segundo a então secretária de educação especial do Ministério da Educação, termos classes especiais em todas as escolas de ensino comum, apesar de, em outro momento do mesmo texto, a autora afirmar que “preocupamo-nos com os encaminhamentos indevidos de alunos para as classes especiais, sem que sejam, necessariamente, portadores de alguma deficiência” ( CARVALHO, 1993CARVALHO, Rosita Edler. A política de educação especial no Brasil. Em Aberto, Brasília, DF, n. 60, p. 93-102, out./dez. 1993. , p. 95).

Durante muito tempo, como ocorre ainda na atualidade, é difundida a compreensão de que a problemática da escolarização do aluno com deficiência estaria associada à sua suposta incapacidade e se traduziria em uma palavra: encaminhamento. Esse ideário parece partir da suposição de que, caso houvesse os cuidados pertinentes, estaríamos protegidos de tudo aquilo que era frequente: crianças encaminhadas, muitas vezes, precocemente e sem diagnóstico para as classes especiais. Do mesmo modo, as tarefas reducionistas e eternamente preparatórias para a escolarização seriam reduzidas a um problema de encaminhamento. Ou seja, os verdadeiros deficientes não eram exatamente esses. Seria necessário identificá-los melhor para, aí sim, direcionar sua educação para as classes especiais que deveriam aumentar numericamente. Considero tratar-se de uma falácia, pois não existe um dispositivo em modo dissociado de sua história. A classe especial, em função de sua existência, contribuiu para a configuração de um grupo destinado a esse atendimento, pois, a partir da existência desse tipo de classe, a escola passa a ter para onde encaminhar aqueles que estão em descompasso com a condição de aluno considerado ideal.

Uma reflexão semelhante pode ser associada às escolas especiais. Considero fundamental admitir que temos poucas produções que avaliam os efeitos das trajetórias escolares dos alunos dessas escolas, em termos de aprendizagem e de capacidade de participação social (SILVA; ALMEIDA; CAIADO, 2017). Os trabalhos que se dedicam a buscar elementos para a análise mostram que há longos tempos de permanência e grandes lacunas na aprendizagem escolar, mesmo quando são considerados quesitos básicos, como a leitura e a escrita, para alunos de escolas especiais organizadas como instituições privado-filantrópicas ( ALMEIDA, 2017ALMEIDA, Míriam Elena Cesar. Jovens e adultos em escola especial para pessoas com deficiência intelectual: escolarização em debate. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2017. ). O trabalho de Silva Jr. (2013) analisou a trajetória escolar de 427 alunos de escolas especiais municipais de Porto Alegre, matriculados no ano de 2012. Esse estudo mostrou o tempo de oito anos, em média, de permanência desses alunos nessas escolas, sem que houvesse trânsito entre o ensino especializado e o ensino comum.

Retomando a dimensão histórica, o que ocorre após os anos 1980 será uma ampliação progressiva, mas em ritmo moderado, da garantia de escolarização. É o momento de abertura política, após o longo período de 21 anos que sucedeu o golpe militar de 1964. Nesse período, tivemos também o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, organizado pela ONU em 1981, e um intenso movimento em defesa dos direitos das pessoas com deficiência ( MAIOR, 2018MAIOR, Izabel Maria Madeira. A Política de Inclusão da Pessoa com Deficiência como Questão de Direitos Humanos. Revista Científica de Direitos Humanos , Brasília, DF, v. 1, n. 1, p. 105-131, 2018. Disponível em: <https://revistadh.mdh.gov.br/index.php/RCDH/article/view/21?fbclid=IwAR3OyAMxXiLdDQlu-iRiazQXpuRWPAX6joCPJdd4NQDXv8GjjMcq5XQCsZc>. Acesso em: 25 nov. 2018.
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). Em 1985, ocorreu a transformação do Cenesp em Secretaria de Educação Especial no Ministério da Educação. Merece ainda destaque a Constituição Federal 1988, a constituição cidadã, por sua ênfase nos processos democráticos e pela defesa de ampliação dos direitos sociais. No plano internacional, houve convenções difusoras de um ideário intensificador do direito à escolarização das pessoas com deficiência no ensino comum, como a Convenção de Salamanca, de 1994. Nesse mesmo ano, como destacado precedentemente, houve a aprovação da Política Nacional de Educação Especial de 1994, que reafirmava os princípios da designada integração, mantendo a proposta de uma ampla gama de serviços que reafirmavam a diferenciação de percursos e de manutenção dos espaços substitutivos do ensino comum – classes especiais e escolas especiais.

O período compreendido entre 1994 e 2002 pode ser analisado por meio de um documento do Ministério da Educação ( BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Política e resultados educação especial (1995 – 2002). Brasília, DF: MEC, 2002. ) de título Política e Resultados Educação Especial , 1995-2002. Trata-se de um texto bastante elucidativo, porque faz uma espécie de balanço do período, indicando as dimensões que eram apresentadas como avanços. Além de um breve histórico, o texto apresenta um conjunto de apreciações e premissas que indicam uma tendência predominante, expressa, por exemplo, na seguinte afirmação:

A educação inclusiva exigiu uma mudança radical na política educacional e demandou uma completa reestruturação nas ações de gestão e nas ações educacionais de todo o sistema. A educação especial deixa de ser um sistema paralelo de ensino e se insere, definitivamente, no contexto geral da educação. ( BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Política e resultados educação especial (1995 – 2002). Brasília, DF: MEC, 2002. , p. 12).

Apesar da contundência dessas afirmações, quando analisamos as ações efetivas e os indicadores propostos pelo próprio documento, podemos identificar que as mudanças estavam presentes, mas ainda em processo de instituição de uma política pública. Aborda-se, por exemplo, um projeto que desenvolve ações vinculadas à inclusão em cinco escolas do Mato Grosso do Sul. O documento enumera ações como aquelas que envolvem universidades – Programa de Apoio à Educação Especial Proesp/Capes –, além de inciativas de formação de profissionais nas áreas de deficiência auditiva e visual, em diferentes municípios. Ao elencar as ações relativas à formação, o documento destaca a parceria com organizações não governamentais “representativas dos diversos segmentos” ( BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Política e resultados educação especial (1995 – 2002). Brasília, DF: MEC, 2002. , p. 16). Essa ênfase nas instituições privado-filantrópicas emerge como a reafirmação de premissas que caracterizaram fortemente a Política Nacional de Educação Especial de 1994 ( BRASIL, 1994BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial. Brasília, DF: MEC, 1994. ), pois se trata de uma perspectiva de ação pública presente em grande parte das metas e diretrizes propostas por aquele documento histórico. Portanto, a expansão evocada nessa análise, em 2002, estaria centrada na conjugação de esforços entre o setor público e aquele privado, como ocorreu historicamente até aquele momento.

É importante recordar que se trata de um momento regido pelas diretrizes da Política Nacional de Educação Especial de 1994, que indica claramente em suas metas que haverá o “ingresso do aluno portador de deficiências e de condutas típicas em turmas do ensino regular, sempre que possível” ( BRASIL, 1994BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial. Brasília, DF: MEC, 1994. , p. 49). Ao se referir à educação especial, no plano conceitual, o texto indica que esta área “fundamenta-se em referenciais teóricos e práticos compatíveis com as necessidades específicas de seu alunado” ( BRASIL, 1994BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial. Brasília, DF: MEC, 1994. , p. 17). Portanto, prevaleciam as ideias de processualidade, parceria com o setor privado e proposições que estavam embasadas nas limitações dos alunos com deficiência.

A análise dos índices educacionais nos mostra que as mudanças ocorridas no período foram discretas. O aumento das matrículas dos alunos com necessidades educacionais especiais mostrou variação de 337.004, em 1998, para 404.747, em 2001, segundo dados do Inep. Esse contingente continuaria distribuído entre dois sistemas de ensino paralelos – ensino comum e ensino exclusivamente especializado –, apesar das alterações na distribuição das matrículas. O documento analisado mostra a relação entre as matrículas no ensino comum e aquelas das classes especiais e das escolas especiais por meio de um confronto de percentuais, relativos aos anos de 1998 e 2001. Em 1998, havia 87% das matrículas no ensino exclusivamente especializado, e 13% no ensino comum. Em 2001, esses percentuais passam a ser, respectivamente, 80% e 20%. Portanto, podemos identificar mudanças, mas dificilmente poderíamos afirmar que a educação especial deixava de ser um sistema paralelo de ensino, pois os serviços exclusivos – escolas especiais e classes especiais – congregavam a grande maioria dos estudantes com deficiência.

Ao consideramos os índices de matrículas e sua distribuição nos serviços educacionais, podemos levar em conta um período amplo, tendo como referência a análise de Rebelo e Kassar (2018)REBELO, Andressa Santos; KASSAR, Mônica Magalhães. Indicadores educacionais de matriculas de alunos com deficiência no Brasil (1974-2014). Estudos em Avaliação Educacional , São Paulo, v. 29, n. 70, p. 276-307, jan./abr. 2018. Disponível em: <http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/eae/article/view/3989/3576>. Acesso em: 25 nov. 2018.
http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index....
, que tomam como base o período de 1974 a 2014 para analisar esse fenômeno, e identificam que o contingente de matrículas tem aumentado significativamente ao longo desse recorte temporal. Ao se referir às matrículas dos alunos com deficiência, afirmam:

No geral, é interessante notar que, em 40 anos, o número de matrículas de alunos da Educação Especial aumentou nove vezes, enquanto o número de matrículas da população em geral na Educação Básica aumentou apenas 2,67 vezes. Por outro lado, a proporção das primeiras em relação ao total de matrículas na educação básica não chegou a 2% dos registros. ( REBELO; KASSAR, 2018REBELO, Andressa Santos; KASSAR, Mônica Magalhães. Indicadores educacionais de matriculas de alunos com deficiência no Brasil (1974-2014). Estudos em Avaliação Educacional , São Paulo, v. 29, n. 70, p. 276-307, jan./abr. 2018. Disponível em: <http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/eae/article/view/3989/3576>. Acesso em: 25 nov. 2018.
http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index....
, p. 288).

Além disso, essas autoras destacam que houve uma maior concentração dessas matrículas no ensino comum na última década. Afirmam, ainda, que o país possui um “conjunto notável de dados” ( REBELO; KASSAR, 2018REBELO, Andressa Santos; KASSAR, Mônica Magalhães. Indicadores educacionais de matriculas de alunos com deficiência no Brasil (1974-2014). Estudos em Avaliação Educacional , São Paulo, v. 29, n. 70, p. 276-307, jan./abr. 2018. Disponível em: <http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/eae/article/view/3989/3576>. Acesso em: 25 nov. 2018.
http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index....
, p. 281), destacando que, embora possam existir problemas metodológicos na sua produção, tais dados acessíveis emergem como elemento de avaliação das políticas públicas.

A perspectiva inclusiva e a educação especial entre 2008 e 2018

A primeira década do novo milênio é, sem dúvidas, um momento de intensificação das diretrizes que vinculam a ampliação da escolarização dos alunos com deficiência e a valorização do ensino comum no Brasil. Podemos identificar que tais orientações ganharam organicidade com a aprovação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 ( BRASIL, 2008BRASIL. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Revista Inclusão , Brasília, DF, v. 4, n. 1, p. 7-17, jan./jun. 2008. ). Essa intensificação teve efeitos perceptíveis, em um primeiro plano, nos índices de matrículas dos alunos com deficiência, que passaram progressivamente a estar em maior número nas classes do ensino comum. Esses alunos eram 145.141, em 2003, e somavam 750.983, em 2015, segundo dados do Censo Escolar do Inep. Em modo processual, as matrículas em classes especiais e escolas especiais diminuíram, passando de 358.898 (2003) para 179.700 (2015). Como podemos perceber no gráfico abaixo, a inversão de tendência do fluxo de matrículas ocorreu entre os anos de 2007 e 2008, momento de debate e aprovação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008.

Gráfico 1
– Matrículas de estudantes público-alvo da educação especial na educação básica

Rebelo e Kassar (2018REBELO, Andressa Santos; KASSAR, Mônica Magalhães. Indicadores educacionais de matriculas de alunos com deficiência no Brasil (1974-2014). Estudos em Avaliação Educacional , São Paulo, v. 29, n. 70, p. 276-307, jan./abr. 2018. Disponível em: <http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/eae/article/view/3989/3576>. Acesso em: 25 nov. 2018.
http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index....
, p. 291) afirmam que “o número de matrículas de alunos da Educação Especial aumentou em todas as regiões no período de 2007 a 2014”. Esses índices continuam a mostrar crescimento de matrículas nos anos seguintes. De acordo com o Censo Escolar do INEP de 2017 ( BRASIL, 2017BRASIL. Notas estatísticas do Censo Escolar 2017. Brasília, DF: INEP, 2017. ), ao considerarmos a educação básica, há um predomínio da escolarização em escolas municipais (quase 50% do total de matrículas), e o percentual de alunos incluídos no ensino comum era de 90%. Podemos, assim, identificar efeitos de uma política educacional que manteve o foco na universalização da educação no país, o que deve ser reconhecido como um aspecto promissor. Entretanto, é importante que sejam analisadas as condições de escolarização, contemplando dimensões como a participação, os apoios e o desempenho escolar.

As significativas alterações dos índices educacionais relativos à escolarização das pessoas com deficiência devem ser analisadas a partir de uma mudança de gestão, iniciada com o primeiro governo do Presidente Lula da Silva, em 2003. A meta de inclusão escolar passa a integrar um plano de ação que tendia a buscar que os direitos sociais ganhassem efetividade, envolvendo diferentes grupos que têm um histórico de desvantagem, como ocorre com as pessoas com deficiência.

É em um momento histórico com essas características que emerge o debate que instituiu a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, como um conjunto de diretrizes que demandariam posteriormente dinâmicas de operacionalização instituídas por meio de programas ministeriais e por dispositivos normativos. Para o debate e a elaboração desse documento de diretrizes foi constituído um grupo de trabalho4 4 - O grupo de trabalho foi instituído pela Portaria 555/2007 e prorrogado pela Portaria 948/2007. O grupo era assim constituído: Secretária de Educação Especial, Diretora de Políticas de Educação Especial, Coordenadora Geral de Articulação da Política de Inclusão nos Sistemas de Ensino, Coordenadora Geral da Política Pedagógica da Educação Especial; além de docentes de instituições de ensino superior (UFMS, UFRGS, UNB, Unesp, UFSCar, Unicamp, UFC, UFSC e UFSM). composto por integrantes da então Secretaria de Educação Especial do MEC – SEESP – e consultores convidados em função de experiência acadêmica no trabalho como pesquisadores e formadores na área da educação especial. Estes consultores eram integrantes de Programas de Pós-Graduação em Educação em universidades públicas de diferentes regiões do país. As ações relativas ao trabalho de discussão foram desenvolvidas ao longo de 2007, em reuniões do Grupo de Trabalho e atividades abertas, como reuniões ampliadas com pesquisadores e com representantes de instituições que se ocupavam de temáticas relativas aos direitos das pessoas com deficiência, incluindo as instituições especializadas. Ao longo de 2007, houve muitas audiências públicas em várias capitais brasileiras para a discussão dessas diretrizes, com base inclusive em uma minuta divulgada em setembro daquele ano. Um dos principais espaços de discussão das diretrizes foram seminários envolvendo gestores e professores de redes públicas no âmbito do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade,5 5 - Esse programa será abordado em momento posterior do texto. com destaque para seminários organizados por macrorregiões, como em Natal-RN e em Florianópolis-SC, ambos no mês de agosto de 2007. O texto final foi publicado em janeiro de 2008, com a apresentação do então Ministro da Educação – Fernando Haddad – na Revista Inclusão. O texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 indica como objetivo:

[...] assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação [...] e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. ( BRASIL, 2008BRASIL. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Revista Inclusão , Brasília, DF, v. 4, n. 1, p. 7-17, jan./jun. 2008. , grifos meus)

O ensino comum como diretriz soma-se à afirmação da transversalidade da educação especial, já destacada na LDB de 1996. O mais importante, segundo meu ponto de vista: deixa-se de referir condições de exceção ao processo de inclusão – esse é um elemento de novidade em termos de diretrizes. No que concerne ao alunado, após um longo debate acerca das vantagens e dos riscos de um conceito amplo como necessidades educativas ou educacionais especiais, que marcou a educação especial brasileira no início dos anos 2000, a política define um grupo mais específico de sujeitos, resgatando a tríade já enfatizada pela Política Nacional de Educação Especial de 1994: pessoas com deficiências, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades.6 6 - A política de 1994 utilizava o conceito “condutas típicas” que, apesar de ser genérico e impreciso, referia-se também a alunos que se associam ao diagnóstico de autismo.

A temática formação de professores tem sido uma das mais incertas, no sentido de definições dos espaços e configurações indicadas para a formação do professor habilitado ou especializado em educação especial. Com relação a esse tema, o texto da política mantém-se amplo e indica a necessidade, na formação inicial e continuada, de:

[...] conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado e deve aprofundar o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de educação superior [...]. ( BRASIL, 2008BRASIL. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Revista Inclusão , Brasília, DF, v. 4, n. 1, p. 7-17, jan./jun. 2008. ).

Vale destacar que, ao referir os espaços de atuação, são evocados os centros especializados, que já haviam sido nomeados como polos de atendimento complementar e, em momento algum, são reafirmados como relativos ao atendimento exclusivo que poderia substituir a escolarização no ensino comum.

Fica evidente que houve alterações nas diretrizes para a educação especial, porém eram imprescindíveis iniciativas que estivessem em sintonia com tais metas e que contemplassem investimentos na construção de dispositivos propulsores de efeitos mais pragmáticos. Tais iniciativas envolveram duas dimensões prioritárias: o plano normativo e aquele da gestão dos sistemas de ensino. No que se refere ao primeiro, houve a aprovação de dispositivos que passaram a indicar a obrigatoriedade de oferta do apoio especializado, como a Resolução nº 04/2009 do CNE (BRASIL, 2009a), e que asseguravam o direito de acesso à escola comum para os alunos com deficiência, como o Decreto nº 6949/2009 (BRASIL, 2009b), o qual tem efeitos de emenda constitucional.

Para que houvesse mudanças na gestão dos sistemas, foi intensificada uma rede de programas ministeriais, na forma de um conjunto articulado, envolvendo a formação continuada de professores, a assistência social, a acessibilidade, o acesso ao ensino superior e a implementação de serviços de apoio. Esses programas são destacados por Kassar (2011)KASSAR, Monica Magalhães. Educação especial na perspectiva da educação inclusiva: desafios da implantação de uma política nacional. Educar em Revista , Curitiba, v. 41, p. 61-79, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n41/05.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2018.
http://www.scielo.br/pdf/er/n41/05.pdf>...
e Bueno (2016)BUENO, José Geraldo Silveira. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) como programa nuclear das políticas de educação especial para a inclusão escolar. Tópicos Educacionais , Recife, v. 22, n. 1, p. 68-86, jan./jun. 2016. , quando analisam o plano de gestão da política relativa à educação especial. Dentre esses programas ministeriais, destaco dois que passaram a ter importância estrutural na gestão, pois envolviam a formação e sensibilização – Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade – e a implementação dos apoios que passavam a ter uma dimensão prioritária – Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais.

O Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais foi proposto no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), em 2007, com o objetivo de apoiar os sistemas de ensino na organização e oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Entre 2005 e 2012, foram disponibilizadas 37.801 salas de recursos multifuncionais no Brasil, abrangendo 90% dos municípios dos 26 estados brasileiros e o do Distrito Federal (BRASIL, 2015). Esse programa introduz uma dinâmica de pacto entre o governo federal, que oferece os recursos materiais para a constituição da sala de recursos, e os gestores locais que devem oferecer espaço físico e contratar professores especializados para a realização do trabalho pedagógico. Houve a valorização das salas de recursos, como espaço e como dispositivo pedagógico, pois a esse serviço passa a ser associado o trabalho de atendimento especializado que deveria não mais substituir a escolarização no ensino comum, mas apoiá-la, em modo complementar ou suplementar ( JESUS, 2013JESUS, Denise Meyrelles. Atendimento educacional especializado e seus sentidos: pela narrativa das professoras. In: JESUS, Denise M.; BAPTISTA, Claudio R.; CAIADO, Katia (Org.). Prática pedagógica na educação especial: multiplicidade do atendimento educacional especializado. v. 1000. 1. ed. Araraquara: Junqueira & Marin, 2013. p. 127-150. ). Essa iniciativa gerou um movimento importante de valorização de um serviço que já existia em alguns municípios, como São Paulo e Porto Alegre ( BAPTISTA, 2011BAPTISTA, Claudio Roberto. Ação pedagógica e educação especial: a sala de recursos como prioridade na oferta de serviços especializados. Revista Brasileira de Educação Especial , Marília, v. 17, n. esp. p. 59-76, 2011. ), mas passa a ser identificado como aquele prioritário para o apoio. As orientações eram de que a frequência na sala de recursos deveria ocorrer em turno diferente daquele de acesso à sala comum de ensino, o que mostrava uma busca no sentido de evitar que esses serviços passassem a ser o único espaço escolar frequentado pelos alunos com deficiência.

O Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade teve início em 2003. Tinha como meta disseminar a política de construção de sistemas educacionais inclusivos. Esse programa era organizado para instituir uma dinâmica de multiplicação dos percursos de formação, envolvendo a ação de municípios-polo, estimulando um amplo processo de formação de gestores e educadores com vistas à intensificação da escolarização, à oferta do atendimento educacional especializado e à garantia da acessibilidade.

A institucionalização do programa contou com apoio técnico-financeiro do MEC/SEESP aos sistemas municipais de ensino, de modo que cada município-polo passava a ser responsável por um grupo de outros municípios de sua área de abrangência, buscando atingir todos os municípios do país, por meio da formação de formadores e de multiplicadores em seminários regionais com a duração de quarenta horas. O programa teve diferentes etapas, mas em 2011 contava com 166 municípios-polos, promovendo cursos de formação continuada para gestores e educadores dos municípios de abrangência. Esse programa formou, entre 2004 e 2015, 183.815 professores e gestores ( BRASIL, 2016BRASIL. A consolidação da inclusão escolar no Brasil: 2003 a 2016. Brasília, DF: DPEE/SECADI/MEC, 2016. ), e foi alvo de diferentes estudos, como ocorreu com Brizolla (2007)BRIZOLLA, Francéli. Políticas públicas de inclusão escolar: negociação sem fim. 2007. 221 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. , em análise que envolveu todos os municípios-polo do Rio Grande do Sul, ao longo dos anos 2006 e 2007.

Considero que dois elementos sejam merecedores de destaque: o sentido de uma ação estratégica que atinge todos os municípios do país, por meio de um envolvimento direto de uma parte da gestão pública representada por entes federados – que não eram, até então, frequentemente acionados pelo governo federal; os efeitos de construção de um novo conjunto de premissas disseminadas sobre como deveria ser o investimento público na educação especial. Essas são dimensões complexas e nada consensuais. Soares (2010)SOARES, Márcia Neri. Programa educação inclusiva direito à diversidade: estudo de caso sobre estratégia de multiplicação de políticas públicas. 2010. 137 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010. , ao analisar esse programa em municípios da Bahia, critica a eficácia dessa ação multiplicadora, o que não é confirmado pelas ideias de Santos (2013)SANTOS, Kátia Silva. A política de educação especial, a perspectiva inclusiva e a centralidade das salas de recursos multifuncionais: a tessitura na rede municipal de educação de Vitória da Conquista. 2012. 203 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. , no sentido de que, no mesmo estado da federação, são reafirmados os efeitos do programa em termos de mudanças pelo estudo de dinâmicas relativas à gestão e aos serviços. Embora não tenhamos ainda elementos para avaliar com maior consistência tais efeitos, parece inequívoco que a disseminação da perspectiva inclusiva favorecia o conhecimento pleno das diretrizes da Política Nacional de 2008 e indicava as ações que receberiam apoio por parte da gestão central. Nesse sentido, as alterações passam a envolver âmbitos como a contratação de profissionais – professores especializados, intérpretes, profissionais de apoio escolar – e a transformação dos serviços que nos ajudam a compreender as alterações de matrículas, já destacadas. Houve uma ampla redução dos alunos escolarizados em classes especiais; escolas públicas de ensino especializado foram transformadas em centros de apoio ( VIEGAS, 2014VIEGAS, Luciane Torezan. A reconfiguração da educação especial e os espaços de atendimento educacional especializado: análise da constituição de um centro de atendimento em Cachoeirinha/RS. 2014. 335 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Porto Alegre, 2014. ).

As pesquisas que analisam as alterações associadas a esse programa, com foco em diferentes regiões do país, têm destacado o critério de acesso à escola e o predomínio das matrículas dos alunos com deficiência no ensino comum ( CASTRO, 2015CASTRO, Vanessa Bueno. Inclusão escolar no período de 2009 a 2013 sob a perspectiva das matrículas no censo escolar no Brasil . 2015. 184 f. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Araraquara, 2015. ). Destacam as singularidades e os desafios presentes em diferentes planos da ação específica desenvolvida pelos gestores locais, com ênfase na tendência de concentração de matrículas nos anos iniciais da escolarização e na oferta insuficiente do atendimento educacional especializado, apesar da grande elevação numérica das salas de recursos. São ainda evocados fenômenos como a rotatividade de profissionais em função de diferentes formas de contratação por parte dos sistemas de ensino ( REBELO; KASSAR, 2018REBELO, Andressa Santos; KASSAR, Mônica Magalhães. Indicadores educacionais de matriculas de alunos com deficiência no Brasil (1974-2014). Estudos em Avaliação Educacional , São Paulo, v. 29, n. 70, p. 276-307, jan./abr. 2018. Disponível em: <http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/eae/article/view/3989/3576>. Acesso em: 25 nov. 2018.
http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index....
). Um alerta sobre a questão da proliferação de perfis profissionais de apoio especializado também é alvo das reflexões de Prieto, Pagnez e Gonzalez (2014), ao analisarem o contexto do município de São Paulo.

Uma dimensão importante diz respeito aos atores sociais prioritários, ou os parceiros na implementação de ações da política pública: em vez das instituições privado-filantrópicas, como ocorreu até os anos 1990, passavam a ser gestores públicos de outros entes federados, especialmente os municípios. De fato, às instituições privado-filantrópicas passa a ser associado um novo papel institucional – a oferta do atendimento educacional especializado complementar, como dispõe o Decreto nº 7.611, de 2011 ( BRASIL, 2011BRASIL. Decreto no 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Brasília, DF: [s. n.], 2011. ).

Podemos identificar que houve, entre 2007 e 2009, a intensificação da inclusão como meta, com o apoio de programas ministeriais que já existiam e com o debate relativo às diretrizes que passariam a reger a política brasileira sobre a escolarização das pessoas com deficiência. Trata-se de uma perspectiva muito diferente da designada integração instrucional relativa aos anos 1900. Esse momento histórico é também aquele de aprovação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – ONU/2006 –, que passa a integrar o ordenamento jurídico brasileiro, com status constitucional, definindo que “o direito da pessoa com deficiência à educação se efetiva somente em um sistema educacional inclusivo, em todos os níveis, etapas e modalidades” (BRASIL, 2016, p. 53).

Considerações finais

Ao longo do presente texto foi apresentada uma análise acerca da escolarização das pessoas com deficiência no Brasil, considerando prioritariamente o período 2008 a 2018. Essa ênfase temporal foi motivada pela identificação inicial de uma política pública que assumia a inclusão escolar como diretriz educacional. As interrogações disparadoras destacavam a importância de se buscar compreender em que medida esse processo instituía efetivamente novas perspectivas e novas dinâmicas para a garantia da escolarização desses alunos.

Foi possível identificar um movimento progressivo da educação especial brasileira no sentido da escolarização como direito, integrando uma política pública que se mostra em modo recente e posterior aos anos 1970 – um processo oscilante e marcado por rupturas e por continuidades. Embora o foco inicial fosse o cenário dos últimos dez anos, houve uma opção de resgate histórico para operar por contraste entre as metas, os atores sociais e as palavras que marcaram a educação especial brasileira como iniciativa de política pública em diferentes décadas.

As alterações mais evidentes ocorrem a partir dos anos 2000, em particular após o ano de 2003, com a afirmação da inclusão escolar como diretriz que integrava uma política para o Estado brasileiro no sentido de minimizar os mecanismos de seletividade de escola e de precariedade da escolarização dirigida às pessoas com deficiência. Tais diretrizes, presentes em diversos programas ministeriais do período, ganharam organicidade por meio da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, pois esse texto reafirma a inclusão como eixo para a educação brasileira e indica um público-alvo em modo mais restrito em relação às necessidades especiais, para reafirmar que a escola comum passa a ser o lócus da escolarização de todos os alunos. Além disso, apresenta o atendimento educacional especializado como ação pedagógica relativa à educação especial, indicando que este não deve substituir o ensino comum. O texto dessas diretrizes não refere os espaços de atendimento educacional exclusivo, como as escolas especiais, e estes espaços deixam de estar previstos como meta. Não é pouco. As ambivalências associadas à formação de professores, à configuração do atendimento educacional especializado complementar e ao papel de instituições privado-assistenciais são parte daquele momento histórico que se expressa em um texto possível, com efeitos que continuam presentes no debate contemporâneo.

No plano normativo, houve uma ampla produção de dispositivos que, em sintonia com os programas ministeriais, indicam quais devem ser as linhas organizadoras da ação dos gestores. Um dos grandes desafios diz respeito ao atendimento educacional especializado e sua relação com a sala de recursos, no sentido de reconhecer que nosso plano normativo não impõe esse serviço como um único modelo de ação, mas abre possibilidades para que esse atendimento seja uma ação articulada ao trabalho docente em geral. A produção acadêmica sobre essa temática tem destacado a necessidade de qualificação dos apoios associados ao trabalho de educadores especializados, a garantia de processos de aprendizagem com base nas adequações que não empobreçam o currículo, a atenção ao papel de instituições não escolares que muitas vezes são confundidas com escolas.

Como procurei apresentar na análise dos documentos e das produções acadêmicas, afirmou-se a obrigatoriedade de escolarização no ensino comum, por meio de dispositivos normativos como o Decreto nº 6949/2009 (BRASIL, 2009b), com uma ampla mudança na configuração dos serviços expressa na sala de recursos como prioridade. As mudanças na legislação foram substanciais, mas têm ocorrido insistentes interpretações divergentes que integram a complexidade do processo político. Atentar para os efeitos e para os riscos dessas interpretações é buscar que se continue a luta pelo direito à educação.

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  • 2
    - Ao longo do texto, utilizarei predominantemente o conceito pessoa com deficiência para a referência a um grupo que tem recebido diferentes designações na literatura especializada. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 ( BRASIL, 2008BRASIL. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Revista Inclusão , Brasília, DF, v. 4, n. 1, p. 7-17, jan./jun. 2008. ) refere-se aos alunos que são alvo da educação especial como aqueles com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. O conceito pessoa com deficiência é reafirmado na Convenção Internacional da ONU, de 2006, sobre os direitos das pessoas com deficiência, e refere-se ao maior contingente de alunos também designados público-alvo da educação especial.
  • 3
    - A Secretaria de Educação Especial foi extinta em 2011 e, a partir de então, suas ações e incumbências passaram a ser de responsabilidade da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), por meio da Diretoria de Políticas de Educação Especial.
  • 4
    - O grupo de trabalho foi instituído pela Portaria 555/2007 e prorrogado pela Portaria 948/2007. O grupo era assim constituído: Secretária de Educação Especial, Diretora de Políticas de Educação Especial, Coordenadora Geral de Articulação da Política de Inclusão nos Sistemas de Ensino, Coordenadora Geral da Política Pedagógica da Educação Especial; além de docentes de instituições de ensino superior (UFMS, UFRGS, UNB, Unesp, UFSCar, Unicamp, UFC, UFSC e UFSM).
  • 5
    - Esse programa será abordado em momento posterior do texto.
  • 6
    - A política de 1994 utilizava o conceito “condutas típicas” que, apesar de ser genérico e impreciso, referia-se também a alunos que se associam ao diagnóstico de autismo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2018
  • Revisado
    09 Abr 2019
  • Aceito
    21 Maio 2019
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