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Percepções de professores da Educação Básica sobre as teorias do currículo 1 1- Este artigo é oriundo da tese de doutoramento de Caroline Côrtes Lacerda.

Resumo

Este artigo relata uma pesquisa sobre percepções de currículo de um grupo de 65 educadores atuando em escola pública. A importância de compreender a visão dos educadores sobre esse tema é associada à necessidade de desenvolvimento de estratégias para formação e diálogo que, baseadas no pensamento dos atores da educação, sejam úteis para as discussões que envolvem mudanças curriculares. Trata-se de uma pesquisa de campo realizada por meio de um questionário de opinião sobre afirmativas relacionadas ao conceito de currículo. Os resultados demonstram que as teorias pós-críticas têm mais aceitação e que as teorias críticas foram as mais rejeitadas, embora tenham, sob alguns aspectos, grande aceitação. As teorias tradicionais tiveram o maior número de opiniões classificadas como incerteza ou indiferença, mas são reconhecidas como o elemento organizador das práticas em sala de aula. Não houve no grupo um educador que manifestasse concordância exclusiva com apenas uma das teorias. Verificou-se que as três concepções de currículo balizam as opiniões do grupo investigado. A presença simultânea de ideias que refletem concepções de currículo tão diferentes é interpretada como reflexo de um período de transformação ideológica na área educacional. Refletir e aprender sobre as teorias curriculares pode ajudar o educador a ter maior clareza sobre as concepções de currículo que orientam sua prática pedagógica e favorecer a participação crítica nas reformas educacionais.

Percepções; Educadores; Currículo escolar

Abstract

This article reports an investigation on curriculum perceptions of a group of 65 educators working in a public school. The importance to understand the view of the educators on this topic is associated with the need to develop strategies for training and dialogue, which, based on the thought of the education actors, are useful to the discussions that involve curriculum changes. It is a field research conducted with an opinion questionnaire about statements related to the concept of curriculum. Results showed that the post-critical theories are more accepted and that critical theories were more rejected, although they were largely accepted under certain aspects. Traditional theories had the highest number of opinions classified as uncertainty or indifference, but are recognized as the organizing element of classroom practices. In the group, no educator revealed an exclusive agreement with the ideas of only one of the theories. It was found that the three curriculum conceptions guide the opinions of the investigated group. The simultaneous presence of ideas that reflect such different curriculum conceptions is interpreted as reflecting a period of ideological transformation in the educational field. Pondering and learning about curricular theories may help the educator to clarify the conceptions of curriculum that guide their pedagogical practice and to favor the critical participation in educational reforms.

Perceptions; Educators; School curriculum

Introdução

A proposta de investigar as concepções dos educadores sobre currículo surge da necessidade de promover reflexões sobre o tema no espaço escolar, diante das mudanças requeridas pela nova configuração da Educação Básica. A aprovação das reformas no Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – referência nacional obrigatória para currículos e propostas pedagógicas ( BRASIL, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular . Brasília, DF: MEC, 2018. Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf> . Acesso em: 26 jun. 2019.
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) – demanda discussões urgentes no campo educacional. A investigação sobre concepções de currículo aceitas e praticadas no ambiente escolar envolve dois contextos que podem ser convergentes: um deles associado a transformações, ideologias e dilemas que emergem com a criação da BNCC; o outro contexto, mais antigo e com análises mais desenvolvidas, corresponde ao conjunto de problemas identificados na educação durante as últimas décadas, tais como programas escolares inadequados, evasão, repetência, etc., cuja superação pode ser atingida com reformas curriculares.

Para serem instrumentos capazes de instaurar novos modelos educativos, as reformas curriculares, independentemente do órgão promotor, devem ser percebidas pelos educadores como válidas, positivas e executáveis. Um dos elementos necessários para o sucesso de uma reforma educacional é a sintonia com as concepções dos educadores e, por isso, destaca-se a importância de compreender as visões que esse grupo apresenta sobre o currículo escolar. Ao entender as crenças, os valores, as ideologias e as teorias pedagógicas que organizam as concepções de currículo dos educadores é possível perceber como ocorrem as suas práticas educativas e como elas poderão ser impactadas pelas reformas que se impõem no cenário nacional. Como consequência, essa investigação tem relação com o desenvolvimento de estratégias para formação e diálogo que levem em consideração o pensamento dos professores, com vistas às necessárias mudanças curriculares.

Diante disso, este trabalho tem como objetivo identificar as concepções de currículo presentes no pensamento pedagógico de educadores atuando na Educação Básica e analisar o papel dessas concepções no atual cenário educacional. Os conceitos sobre o que é o currículo e quais são as funções desse elemento estruturante, bem como as opiniões de como deve ser organizado e gerenciado nas escolas, transformam-se nas práticas docentes vigentes no cotidiano das salas de aula. Compreender quais são essas concepções é uma maneira de criar caminhos para articular as discussões e implementações que se apresentam no cenário de reformas e também para organizar atividades de formação continuada. Para este estudo sobre o entendimento de currículo foram utilizadas as designações e os conceitos propostos por Tomaz Tadeu da Silva (2013)SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. na obra Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo .

O presente trabalho descreve os resultados de uma pesquisa de campo, com abordagem qualitativa, realizada com a participação de 65 educadores de seis escolas da rede pública do estado do Rio Grande do Sul. No primeiro segmento, o texto organiza o referencial teórico sobre currículo ao longo da história da educação, destacando as principais visões que permeiam a formação de educadores. A segunda seção do texto expõe o desenvolvimento e a metodologia da pesquisa. Por último, são apresentados resultados e discussões, acompanhados das considerações finais sobre o estudo desenvolvido.

O caminho teórico das concepções sobre currículo

As teorias tradicionais de currículo têm raízes antigas, mas o que é mais presente na atualidade está relacionado às teorias sobre currículo desenvolvidas no final do século XIX, nos Estados Unidos da América, representadas por John Franklin Bobbitt, Ralph Tyler e John Dewey. Foi Bobbitt que inaugurou o início dos estudos sobre currículo com a obra The curriculum , em 1918, ancorado no conservadorismo e no modelo empresarial. A primeira sistematização de conceitos e recomendações sobre currículo produzida no século passado é descrita a partir de ideais tecnicistas, da busca pela adaptação dos indivíduos à ordem industrial e da expectativa de precisão nos resultados ( BOBBITT, 2004BOBBITT, John Franklin. O currículo. Porto: Didáctica, 2004. ).

O modelo tradicional de ensino, que se destaca pela ênfase nos conteúdos e objetivos de aprendizagem, também foi altamente influenciado pela obra Basic principles of curriculum and instruction , de Ralph Tyler, publicada em 1949. Além disso, Tyler contribuiu para ideais de organização e desenvolvimento do currículo que manifestassem objetivos claramente definidos e a divisão da atividade educacional curricular em dois campos: ensino/instrução e avaliação. O pensamento de Ralph Tyler sobre currículo escolar concorria com o de John Franklin Bobbitt, que, semelhantemente, propunha a educação nos moldes de uma empresa, o que influenciou a organização curricular em diversos países, como Estados Unidos e Brasil ( SILVA, 2013SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. ).

Uma visão alternativa representada por Franklin Bobbitt foi desenvolvida concomitantemente no início do século XX e reuniu vertentes teóricas progressistas, impulsionadas pelas concepções de John Dewey. Tal visão considerava a educação de modo mais democrático, princípios de respeito e tolerância eram associados às vivências do sujeito, dando destaque para o contexto histórico-social em que a educação ocorria ( CUNHA, 1994CUNHA, Marcus Vinicius da. John Dewey: uma filosofia para educadores em sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1994. ). Na visão das teorias tradicionais, o currículo é um instrumento usado pela escola para executar a missão de ajustar a educação às necessidades e transformações da economia do início do século passado ( MOREIRA; SILVA, 2002MOREIRA, Antônio Flávio B.; SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, cultura e sociedade. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2002. ).

Entre os anos de 1920 e 1930, as concepções pautadas no capitalismo americano influenciaram o currículo tecnicista no Brasil. Era um momento em que o país passava por importantes transformações sociais e econômicas que culminaram em reformas educacionais ( MOREIRA, 2001MOREIRA, Antônio Flávio B. A recente produção cientifica sobre currículo e multiculturalismo no Brasil (1995-2000): avanços, desafios e tensões. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, n. 18, p. 65-81, set./dez. 2001. ). As mudanças curriculares, inspiradas no pensamento de John Dewey, foram protagonizadas no Brasil por Anísio Teixeira e outros educadores que, na época, estavam comprometidos com a reformulação das políticas educacionais.

O manifesto de 1932, intitulado “ A reconstrução educacional do Brasil: Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova ”, apresentou os princípios do movimento reformista da década de 30, notadamente o compromisso do Estado com o ensino público e a laicidade da educação. Pelo caráter das propostas veiculadas, o manifesto ficou associado ao termo Escola Nova ( PILETTI, 1997PILETTI, Claudino. Filosofia da educação . 7. ed. São Paulo: Ática, 1997. ).

O Manifesto dos Pioneiros foi incentivado por movimentos internacionais e preconizava a criação de escolas com tendências à educação integral, ativa e para o exercício da autonomia. Embora o Movimento Escola Nova visasse combater o elitismo na educação e buscasse romper com o currículo tradicional, as propostas curriculares desse período ainda se caracterizavam pelo desenvolvimento de programas enciclopédicos e avaliações rígidas centradas em resultados numéricos ( ARANHA, 2006ARANHA, Maria Lúcia. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006. ).

O currículo tecnicista, associado à escola tradicional, prevaleceu por toda a primeira metade do século XX. Começou a ser questionado quando educadores, sociólogos e filósofos assumiram que a escola deveria ser considerada como um meio de ampliar as capacidades humanas, considerando as subjetividades. Nesse contexto, a partir da década de 1960, com uma forte crítica às escolas capitalistas e elitistas, surgiram movimentos que propuseram mudanças na estrutura educacional tradicional. Nos Estados Unidos, foram denominados movimentos de reconceptualização , opondo-se à base tecnicista e industrial. Essa vertente teve vários representantes: nos Estados Unidos se destacaram Michel Apple e Henry Giroux; na Inglaterra, sob a influência de Michael Young, organizaram-se os pressupostos filosóficos da Nova Sociologia da Educação ; na França, Louis Althusser, Pierre Bourdieu, Jean Claude Passeron, Christian Baudelot e Roger Establet desenvolvem análises sobre como a escola é um aparelho ideológico do Estado; no Brasil será Paulo Freire o representante mais notável e que, através das propostas de educação popular, defenderá a conscientização de educadores sobre o compromisso com a libertação do povo oprimido ( SILVA, 2013SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. ; MACEDO, 2013MACEDO, Elizabeth. A noção de crise e a legitimação de discursos curriculares. Currículo sem Fronteiras , v. 13, n. 3, p. 436-450, set./dez. 2013. Disponível em: < http://www.curriculosemfronteiras.org/vol13iss3articles/emacedo.pdf> . Acesso em: 25 maio 2017.
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).

Na segunda metade do século XX, o foco dos pensadores que questionavam as bases epistemológicas das teorias tradicionais deslocava-se para questões sobre ideologia, saber e poder, assuntos que precisariam ser discutidos principalmente pela escola, como destaca Moreira e Silva (2002MOREIRA, Antônio Flávio B.; SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, cultura e sociedade. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2002. , p. 8):

O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação.

O novo enfoque para os currículos buscava trabalhar a favor de grupos e classes sociais oprimidas, sustentando a preocupação com a formação de pensamento crítico, não se contentando em apenas ensinar a ler e a escrever. A denúncia das desigualdades sociais, do racismo, do sexismo e a busca por uma escola mais democrática, que se transformasse num espaço de libertação das classes oprimidas, passam a integrar a formação de professores. Tais questões serviram como referência para o início de uma nova percepção sobre as práticas escolares, as teorias críticas do currículo, que têm como alvo mudanças na sociedade, conforme expressa Apple (2002APPLE, Michael W. Repensando ideologia e currículo. In: MOREIRA, Antônio Flávio B.; SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, cultura e sociedade . Trad. Maria Aparecida Baptista. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 49-70. , p. 54):

Para avançar, é necessário que o sistema de conceitos e valores gerado por essa sociedade – sistema esse cada vez mais dominado por uma “ética” da privatização, do individualismo alienado, da ganância e do lucro – seja questionado de várias maneiras. Uma das mais importantes é através do trabalho intelectual e educacional contínuo e minucioso.

Os movimentos associados às teorias críticas buscaram dar voz ao aluno, incorporando aos conteúdos curriculares as experiências do cotidiano, trazendo para a sala de aula a proposta de pensar sobre os problemas atuais, em que debates, soluções e reflexões fossem embasados nos interesses do povo ( FREIRE, 1991FREIRE, Paulo. A educação na cidade . São Paulo: Cortez, 1991. ). Nesse aspecto, Giroux e Simon (2002)GIROUX, Henry; SIMON, Roger. Cultura popular e pedagogia crítica: a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular. In: MOREIRA, Antônio Flávio B.; SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, cultura e sociedade . Trad. Maria Aparecida Baptista. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 93-124. apontam para a necessidade de reflexões sobre currículo escolar que abordem as injustiças sociais e as experiências cotidianas, pois os educadores não podem apenas acatar discursos dominantes. Tal questão também é reivindicada na visão de Freire (2006)FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança . 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. , pois para o autor a educação precisa libertar, tornar os sujeitos críticos para que possam se construir como pessoas, e não domesticar.

Somando-se a isso, Freire (1991)FREIRE, Paulo. A educação na cidade . São Paulo: Cortez, 1991. defende que o processo de ensino e aprendizagem precisa se reformular para atender à cultura popular, incorporando as experiências e os diferentes saberes dos grupos minoritários ao currículo escolar. Essa lógica crítica também é destacada por Silva (2013)SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. , ao afirmar que não se deve aceitar a cultura do silêncio e que a escola precisa praticar uma pedagogia crítica que denuncie as situações que desvalorizem a vida.

Para Silva (2013)SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. , a parte mais complexa das teorias críticas inclui a análise de aspectos implícitos que legitimam a aprendizagem, o chamado currículo oculto descrito por Apple (1982)APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. São Paulo, Brasiliense, 1982. na obra Ideologia e currículo . A manifestação dessa parte oculta depende de situações nas quais, em consonância com as conveniências das estruturas sociais dominantes, aprendem-se atitudes, comportamentos, valores e orientações. Nesse aspecto, o papel da concepção crítica de currículo é tornar desoculto aquilo que é oculto, tornar explícito o que está implícito.

Ao analisar as tendências atuais dos discursos sobre currículo, Macedo (2013)MACEDO, Elizabeth. A noção de crise e a legitimação de discursos curriculares. Currículo sem Fronteiras , v. 13, n. 3, p. 436-450, set./dez. 2013. Disponível em: < http://www.curriculosemfronteiras.org/vol13iss3articles/emacedo.pdf> . Acesso em: 25 maio 2017.
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menciona novos questionamentos postos pelas ciências sociais e pelos estudos culturais que contribuem para a construção do pensamento das teorias pós-críticas de currículo. Rodrigues e Abramowicz (2013)RODRIGUES, Tatiane Cosentino; ABRAMOWICZ, Anete. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença nas políticas e pesquisas em educação. Educação e Pesquisa , São Paulo, v. 39, n. 1, p. 15-30, jan./mar. 2013. ressaltam que a década de 1990 foi considerada uma referência para a elaboração dessas teorias, tendo em vista que foi marcada por reinvindicações e movimentos sociais contra as várias formas de discriminação, o que contribuiu para aumentar as discussões educacionais sobre cultura e diversidade, e fomentou o multiculturalismo, sendo este último considerado por Moreira e Candau (2008)MOREIRA, Antônio Flávio B.; CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo: diferenças, culturas e práticas pedagógicas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. como um cruzamento de culturas.

No Brasil, essa visão se propagou com as obras de Tomaz Tadeu da Silva e com outras publicações ligadas a matrizes pós-modernas e pós-estruturais. O professor e pesquisador Antônio Flávio Moreira também teve papel fundamental no processo de divulgação das teorias pós-críticas para o currículo escolar, pois trouxe a percepção de crise das teorias críticas, o que contribuiu, na sequência, para um pensamento pós-crítico ( MACEDO, 2013MACEDO, Elizabeth. A noção de crise e a legitimação de discursos curriculares. Currículo sem Fronteiras , v. 13, n. 3, p. 436-450, set./dez. 2013. Disponível em: < http://www.curriculosemfronteiras.org/vol13iss3articles/emacedo.pdf> . Acesso em: 25 maio 2017.
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).

No que se refere às teorias pós-críticas do currículo, Silva (2013)SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. destaca a importância das diferentes formas culturais nessa matriz de pensamento, havendo uma oposição às estruturas ideológicas que privilegiam culturas tradicionais dominantes. Tais teorias preocupam-se com temas como privilégios de classes, gêneros, raças e sexualidade, além das desigualdades e relações de poder. Promovem uma integração de aspectos sociológicos e pedagógicos no currículo escolar, defendendo que, no processo educativo, é fundamental considerar os contextos políticos, sociais, econômicos e culturais.

Um currículo inspirado nessa concepção não se limitaria, pois, a ensinar a tolerância e o respeito, por mais desejável que isso possa parecer, mas insistiria, em vez disso, numa análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através de relações de assimetria e desigualdade. ( SILVA, 2013SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. , p. 88).

Na obra Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo , Silva (2013)SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. apresenta as teorias pós-críticas como uma ampliação da compreensão sobre os processos de dominação, através da problematização e de questionamentos que permitem ver além dos aspectos tradicionais. Nesse tipo de currículo, as diferenças, além de serem toleradas e respeitadas, são problematizadas e colocadas em permanente questionamento.

A classificação das teorias de currículo adotada no presente artigo tem como embasamento a organização de Tomaz da Silva, pois se acredita que a estruturação proposta pelo autor organiza a complexidade que envolve as correntes teóricas sobre currículo e permite analisar as teorias comparativamente, levando em conta as expectativas para o papel da escola, dos educadores e dos alunos ( Quadro 1 ).

Quadro 1
– Os diferentes papéis dos atores sociais de acordo com as correntes teóricas sobre currículo propostas por Tomaz da Silva

As teorias de currículo mostram a diversidade de concepções presentes nas teorias pedagógicas nos últimos tempos, e os aspectos destacados no Quadro 1 sintetizam o quanto a maneira de perceber o currículo escolar se modificou e desestabilizou a visão de um currículo conteudista estático.

Metodologia

Instrumento de pesquisa

Os dados foram coletados por meio de um questionário contendo perguntas abertas e fechadas. Cada questionário foi acompanhado de um texto com a apresentação dos objetivos da pesquisa e dos proponentes da investigação, junto com as garantias de anonimato para todos os participantes e de não identificação das instituições. No termo de consentimento livre esclarecido assinado pelos participantes ficou explícito que a atividade era absolutamente voluntária e que, em qualquer momento, era possível desistir de responder às questões, bastando devolver o questionário junto com os demais.

A primeira parte do questionário foi destinada à construção do perfil do educador, coletando informações sobre sexo, idade, atuação na escola, formação acadêmica e participação em atividades para formação continuada. A segunda parte foi composta por nove afirmativas sobre currículo expressando em linguagem simples e de modo direto ideias que representam diferentes teorias.

No questionário, as afirmativas foram apresentadas em uma sequência aleatória, não estavam organizadas em grupos, como aparece no Quadro 2 . Para cada uma delas o participante deveria escolher a alternativa que melhor representasse sua opinião: concordo totalmente; concordo; concordo parcialmente; nem concordo e nem discordo; discordo; discordo parcialmente; e discordo totalmente.

Quadro 2
– Afirmativas sobre currículo apresentadas aos participantes, organizadas de acordo com as teorias que representam

Análise dos dados

Foi previamente estabelecido que apenas questionários com todas as questões respondidas comporiam a amostra. As opiniões sobre currículo foram agrupadas em três classes ou níveis de adesão denominadas: aceitação, incerteza e rejeição ( Quadro 3 ), cujas frequências foram expressas em porcentagens.

Quadro 3
– Agrupamento das respostas em níveis de adesão

Sujeitos da pesquisa

Os participantes da pesquisa foram 65 educadores, com formação em diferentes áreas do conhecimento e atuando em sala de aula e/ou na gestão escolar em atividades administrativo-pedagógicas em escolas públicas de dois municípios do Rio Grande do Sul (Santiago e Santa Maria).

Resultados e discussões

As respostas da primeira parte dos questionários (dados pessoais) permitem descrever o seguinte perfil como predominante para os sujeitos da pesquisa: mulheres (87%); na faixa etária entre 30 e 40 anos (32%); com certificados de especialização (71%); atuando exclusivamente no Ensino Fundamental em escolas públicas da rede municipal (87%); com uma carga horária de 40 horas semanais (48%); no início da trajetória profissional, com um tempo de atuação entre 4 e 10 anos (29%).

Na análise das respostas, não foi possível detectar qualquer tipo de agrupamento de opiniões determinado por gênero, faixa etária, formação, tipo de atividade na escola ou tempo de atuação no magistério, município ou escola. A partir desse resultado, a amostra foi considerada como um único grupo.

As frequências de aceitação, incerteza e rejeição obtidas para as afirmativas que representavam ideias das teorias pós-críticas são apresentadas na Figura 1 .

Figura 1
– Percentual de aceitação, rejeição e incerteza em relação às afirmativas relacionadas às teorias pós-críticas

Legenda: APC: Afirmativa teorias pós-críticas; APC1: Currículo é uma construção cultural que possibilita organizar as práticas educativas; APC2: Currículo é o conjunto de práticas que contribuem para a construção de identidades sociais e culturais.


Os resultados demonstram que as duas afirmativas que representam teorias pós-críticas têm frequências de aceitação e incerteza semelhantes e baixa rejeição, em especial para a afirmativa que define currículo como construção cultural. Em conjunto, isso pode ser interpretado como uma disposição muito favorável dos educadores às ideias vinculadas às teorias pós-críticas.

Para as afirmativas que representavam a concepção de currículo difundida pelas teorias críticas, os resultados foram mais complexos. As afirmativas que relacionam currículo aos interesses ideológicos das classes dominantes e à manutenção das desigualdades sociais foram as menos aceitas ( Figura 2 ). Destaca-se que a afirmativa “Currículo é um instrumento que contribui para a manutenção da desigualdade social” obteve a mais baixa aceitação nesta investigação e a mais alta rejeição (12% e 51%, respectivamente). É evidente, nesse conjunto de respostas, que os educadores não aceitam que a escola possa colaborar de alguma forma para promover ou manter a desigualdade social. Em termos teóricos, pode-se entender que o conceito de currículo oculto ( APPLE, 1982APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. São Paulo, Brasiliense, 1982. ) não faz parte da formação desses educadores ou é formalmente rejeitado.

Figura 2
– Percentual de aceitação, rejeição e incerteza em relação às afirmativas relacionadas às teorias críticas

Legenda: ATC: Afirmativas teorias críticas; ATC1: Currículo é um instrumento político que se vincula à ideologia, à estrutura social, à cultura, ao podere interesses das classes dominantes; ATC2: Currículo é um instrumento que contribui para a manutenção da desigualdade social.; ATC3: O currículo reflete uma concepção de mundo, de sociedade e de educação; ATC4: Currículo é o conjunto de procedimentos, métodos e técnicas que organizamos conteúdos necessários para uma formação crítica e emancipatória.


As duas outras afirmativas que representam teorias críticas incluem ideias de currículo refletindo concepção de mundo e associadas a uma formação crítica emancipatória. Juntas, constituíram uma tendência oposta às afirmativas anteriores: são as mais aceitas, as menos rejeitadas e com a menor frequência de incerteza. Os resultados mais expressivos envolvem a afirmativa na qual aparece a expressão “formação crítica emancipatória”, o que por si só pode ter desencadeado a grande aceitação. A associação desses termos remete diretamente à obra de Paulo Freire, que é, sem dúvida, o pensador mais valorizado e cujas ideias são as mais difundidas na formação docente brasileira.

Ao identificar termos-chave ou clichês frequentemente usados de modo simplificado para remeter às ideias de Paulo Freire, os sujeitos da pesquisa tendem a expressar concordância. Tal fato pode ser explicado pela grande aceitação das teorias de Paulo Freire ( STRECK, 2014STRECK, Danilo. Ecos de Angicos: temas freireanos e a pedagogia atual. ProPosições , Campinas, v. 25, n. 3 (75), p. 83-101, 2014. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/pp/v25n3/v25n3a05.pdf> . Acesso em: 18 set. 2017.
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), e a simples evocação do nome desse pensador e de suas ideias tornam legítimas práticas educativas associáveis a elas.

É importante salientar que não há formação de grupos de opinião a favor ou contra as ideias das teorias críticas. A maioria dos sujeitos da pesquisa rejeita alguns elementos das teorias críticas, ao mesmo tempo em que se mostra muito favorável a outras ideias típicas dessas teorias. Vários questionamentos emergem desses resultados. A simultaneidade de aceitação/rejeição pode ser considerada como manifestação ingênua sobre o papel do professor, da escola e do currículo como agentes para formação crítica emancipatória.

A falta de um conhecimento mais estruturado sobre teorias de currículo e a pouca tradição de discussões no ambiente escolar sobre as dimensões e manifestações do currículo podem ser as causas para a rejeição da possibilidade de a escola contribuir com a manutenção da desigualdade social por meio do currículo. De acordo com a visão de McLaren (1997)MCLAREN, Peter. A vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. , essa situação pode ser entendida como uma dificuldade do grupo em perceber o seu contexto como encadeado por práticas de dominação.

Diante desse dado, verifica-se a necessidade de maiores investimentos no desenvolvimento profissional dos educadores, seja inicial ou continuado, visando ao aprofundamento da análise de temas básicos da educação. Giroux (1997)GIROUX, Henry. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. menciona que, para ensinar criticamente, há necessidade de o educador ser crítico e compreender as forças ideológicas que são responsáveis pelos interesses dominantes e pela desigualdade, ou, ainda, como apontava Freire (1979)FREIRE, Paulo. Educação e mudança . 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. , evoluir de uma consciência ingênua para uma consciência crítica.

Em relação às duas primeiras afirmativas que representavam as teorias tradicionais, foram obtidos resultados muito semelhantes para aceitação e incerteza, com baixa porcentagem de rejeição para as ideias de currículo como conteúdos transmitidos aos alunos pelos professores e matérias a serem cursadas, com os programas de atividades e os resultados pretendidos ( Figura 3 ).

Figura 3
– Percentual de aceitação, rejeição e incerteza em relação às afirmativas relacionadas às teorias tradicionais

Legenda: ATT: Afirmativas teorias tradicionais; ATT1: Currículo é a organização de conteúdos a serem transmitidos aos alunos pelos professores; ATT2: Currrículo são matérias a serem cursadas pelos alunos, com os programas de atividades sequencializadas, e os resultados de aprendizagem pretendidos; ATT3: Currículo é o conjunto de procedimentos, métodos e técnicas que ocorrem especificamente no espaço escolar.


A terceira afirmativa que representava as teorias tradicionais ( Figura 3 ) ficou entre as mais rejeitadas na pesquisa e foi a que mais provocou incerteza. Claramente, os educadores concebem currículo como algo que ultrapassa os limites da escola. Há uma compreensão de maior amplitude para as práticas curriculares, pois situações e espaços não relacionados diretamente à escola são entendidos como possibilidades educativas.

A rejeição da definição de currículo como algo que ocorre especificamente no espaço escolar demonstra que o ambiente social e cultural faz parte do pensamento curricular desse grupo, reafirmando a consistência de aceitação das afirmativas que representam as teorias pós-críticas. Sob esse aspecto, segundo a perspectiva desenvolvida por Arroyo (2007)ARROYO, Miguel González. Indagações sobre currículo: educandos e educadores: seus direitos e o currículo. Organização do documento: Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. Brasília, DF: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag2.pdf> . Acesso em: 09 nov. 2017.
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, os educadores já estariam praticando uma nova lógica na estrutura dos conhecimentos, organizando o que se vai ensinar com base em valores, diversidades, identidades, classes, etnias e gêneros.

As frequências de respostas para as afirmativas que apresentam as expressões “conteúdos a serem transmitidos” e “matérias a serem cursadas” estão em concordância com resultados da investigação realizada por Felício e Magalhães (2016)FELÍCIO, Helena M. dos Santos; MAGALHÃES, Amanda Chiaradia. A concepção dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental a respeito de currículo escolar. Educação em Revista , Marília, v. 17, n. 2, p. 59-72, jul./dez. 2016. Disponível em: < http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/viewFile/6237/4113> . Acesso em: 25 maio 2017.
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, que também identificou percentual significativo de aprovação (53%) para currículo descrito como metas, avaliações, livro didático, disciplinas. A percepção muito tradicional de currículo coexiste com a alta aceitação de algumas ideias das teorias críticas e das pós-críticas. Arroyo (2007)ARROYO, Miguel González. Indagações sobre currículo: educandos e educadores: seus direitos e o currículo. Organização do documento: Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. Brasília, DF: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag2.pdf> . Acesso em: 09 nov. 2017.
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aponta que os professores são influenciados pela lógica de mercado e dominados pela perspectiva de atingir competências, acreditando no currículo linear e segmentado, e que essa influência compromete o seu papel de autor e de transformador social.

A presença expressiva de concordância e incerteza sobre entendimentos de currículo tão tradicionais merece atenção, pois é preciso refletir sobre o que valida essas concepções na prática escolar em diferentes níveis. Em que medida as avaliações externas à escola, sejam aquelas nas quais o país precisa demonstrar bom desempenho ou as avaliações nacionais em larga escala, modulam as concepções de currículo ainda é uma questão não abordada de modo conclusivo. A burocratização na organização e no gerenciamento do sistema escolar também deve ser considerada como influência na manutenção de concepções tradicionais. Nesse caso, o currículo seria apenas mais um formulário a ser preenchido e depositado em arquivos, ganhando uma dimensão menor na atividade do professor.

Na busca de explicações para a coexistência de concepções sobre currículo que se originam de teorias conflitantes, a formação docente inicial não pode ser ignorada. O descompasso entre as teorias às quais o professor é exposto durante a graduação e as ações e decisões que serão executadas na atividade profissional em sala de aula pode distanciar os profissionais das discussões sobre currículo, tornando esse assunto invisível dentro da escola? Se o pragmatismo, alimentado pelas necessidades imediatas de gerenciar a sala de aula, pode estimular o professor a assumir uma postura tradicional, qual é o papel da apresentação das discussões sobre teorias de currículo que ocorrem na formação inicial? E, talvez, a questão mais preocupante: Qual é a recepção dos educadores diante das formações continuadas que envolvem o tema currículo e das discussões necessárias perante as mudanças que devem ser realizadas a curto prazo na Educação Básica para atender à nova legislação? Essas questões são complexas e demandam um esforço de pesquisa e interpretação para que a origem, a manutenção e as consequências dessa mescla de concepções sobre currículo sejam mais bem entendidas.

A análise das afirmativas representando em conjunto cada uma das teorias ( Figura 4 ) evidencia a maior aceitação das teorias pós-críticas. As teorias críticas e tradicionais se aproximam nos resultados, mas a primeira tem um nível de rejeição maior e a segunda tem o maior resultado para incerteza.

Figura 4
– Opinião de 65 educadores sobre currículo em relação à aceitação, à incerteza e à rejeição ao conjunto de afirmativas que representam as três categorias de teorias de currículo: pós-críticas, críticas e tradicionais

A grande aceitação das concepções pós-críticas indica que há um rompimento da visão estática de educação. De acordo com Macedo (2006)MACEDO, Elizabeth. Currículo como espaço-tempo de fronteira cultural. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 11, n. 32, p. 285-296, maio/ago. 2006. Disponível em: < http://stoa.usp.br/gepespp/files/3114/17448/Curriculo+como+espa%C3%A7o-tempo+de+fornteira+cultural.pdf> . Acesso em: 25 maio 2017.
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, pode-se interpretar que esse grupo de educadores considera válido pensar o currículo como espaço-tempo de conhecimento e de cultura. A alta frequência de aceitação das ideias que representam as teorias pós-críticas pode ser considerada, como propõe Silva (2013)SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. , sinal de novos entendimentos, como uma disposição favorável em reconhecer o multiculturalismo como instrumento de luta e igualdade. O resultado de aceitação da teoria pós-crítica também permite associações com a consolidação dos movimentos sociais, a valorização das lutas pela superação das diferenças, além da disseminação desse pensamento nos livros didáticos, materiais pedagógicos e em cursos de formação de professores, como aponta Gomes (2007)GOMES, Nilma Lino. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. Organização do documento: Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. Brasília, DF: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag4.pdf> . Acesso em: 09 nov. 2017.
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.

O resultado de incerteza vinculado às teorias tradicionais (46%), porém, não tem uma explicação simples. O fato de a maioria dos sujeitos não conseguir se posicionar de modo definitivo contra ou a favor dessa teoria envolve várias possibilidades. A identificação clara das premissas das teorias tradicionais e a noção teórica de que essa deveria ser uma perspectiva superada na educação podem ter inibido as repostas de aceitação. O conflito entre teoria e práticas de sala de aula também teria estimulado a posição de ser nem contra, nem a favor. No pior cenário, os educadores conhecem os discursos das teorias críticas e pós-críticas, reconhecem essas ideias como modelos validados pela comunidade intelectual, mas praticam as teorias tradicionais no cotidiano. De modo alternativo, a indefinição e a manutenção de opiniões ecléticas sobre currículo, incluindo componentes de todas as teorias, podem ser encaradas como tentativas de ajustar os discursos válidos às necessidades de gerenciamento da escola e da sala de aula, as quais, na percepção dos educadores, além dos conhecimentos sociais, demandam objetivos, metas, organização de conteúdos. Diante desse contexto, acredita-se que o dilema evidenciado pelos educadores pode ser posto em termos de busca de equilíbrio: sem a priorização das questões técnicas em detrimento das questões sociais e vice-versa.

Outra análise que recai sobre as respostas de incerteza está relacionada à concepção de hibridismo que trata da articulação de discursos distintos dentro de uma realidade, uma combinação de diferentes tradições, experiências e movimentos disciplinares ( MATOS; PAIVA, 2007MATOS, Maria do Carmo de; PAIVA, Edil Vasconcellos de. Hibridismo e currículo: ambivalências e possibilidades. Currículo sem Fronteiras , v. 7, n. 2, p. 185-201, jul./dez. 2007. Disponível em: < http://www.curriculosemfronteiras.org/vol7iss2articles/matos-paiva.pdf> . Acesso em: 14 dez. 2017.
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). Essas questões também são abordadas pelas pesquisadoras brasileiras da área de currículo Lopes e Macedo (2006)LOPES, Alice Ribeiro Casimiro; MACEDO, Elizabeth (Org.). Políticas de currículo em múltiplos contextos. São Paulo: Cortez, 2006. , as quais percebem o currículo como um lugar híbrido, visto que está sempre sendo definido de acordo com as culturas existentes.

As respostas para as afirmativas também foram analisadas sob o ponto de vista de cada indivíduo. Os resultados demonstram a aceitação simultânea de mais de uma teoria para toda a população investigada. Nenhum sujeito da amostra teve aceitação total de um conjunto de ideias e rejeição das demais afirmativas. Observou-se que 58% dos participantes que concordavam totalmente ou concordavam com as afirmativas das teorias tradicionais expressavam concordância com ao menos uma afirmativa das teorias críticas e das pós-críticas. De modo equivalente, 57% dos sujeitos manifestando aceitação para as duas afirmativas das teorias pós-críticas também foram favoráveis a mais de uma das afirmativas das teorias críticas e das tradicionais.

Diante disso, a análise de respostas por indivíduo deixou claro que não é possível descrever os participantes segundo um perfil extremamente apoiador de teorias pós-críticas, críticas ou tradicionais. As diversas combinações entre respostas de aceitação e rejeição revelaram que não há associações ideológicas entre as escolhas, mesmo entre teorias críticas e pós-críticas, e que as respostas favoráveis às teorias tradicionais estão presentes em todos os questionários. Esse conjunto de dados se aproxima da ideia de hibridização do discurso, como sugerido por Lopes (2008)LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. Políticas de integração curricular. Rio de Janeiro: Eduerj, 2008. .

Sacristán (2003)SACRISTÁN, José. O significado e a função da educação na sociedade e na cultura globalizada. In: GARCIA, Regina Leite; MOREIRA, Antônio Flávio B. (Org.). Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. São Paulo: Cortez, 2003. p. 41-80. aborda a multiplicidade de concepções curriculares como um jogo de interesses, em que crenças, aptidões, valores e atitudes se articulam com o conhecimento escolar.

[As] concepções dos professores sobre a educação, o valor dos conteúdos e processos ou habilidades propostas pelo currículo, a percepção de necessidades dos alunos, de suas condições de trabalho, etc., sem dúvida os levarão a interpretar pessoalmente o currículo. ( SACRISTÁN, 2003SACRISTÁN, José. O significado e a função da educação na sociedade e na cultura globalizada. In: GARCIA, Regina Leite; MOREIRA, Antônio Flávio B. (Org.). Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios. São Paulo: Cortez, 2003. p. 41-80. , p. 172).

Isso torna o processo de ensinar e aprender marcado por diferentes saberes e experiências, permitindo ao educador idas e vindas a diferentes teorias curriculares.

A complexidade do cenário de concepções sobre currículo que existe nas escolas precisa ser considerada e mais bem compreendida, tendo em vista a necessidade de mudanças curriculares que emerge devido às reformas na legislação e nas políticas públicas associadas ao advento da Base Nacional Comum Curricular. Sem mudanças no perfil conceitual relacionado ao currículo, a manutenção de algumas concepções pode interferir fortemente tanto na interpretação quanto na aplicação de mudanças educacionais, sejam elas determinadas pelas políticas públicas, como é o caso da BNCC, sejam derivadas de propostas alicerçadas no reconhecimento de que a realidade da sala de aula está distanciada do contexto cotidiano.

Os dados indicam que ainda há uma longa caminhada em busca da transformação das concepções curriculares, pois, de acordo com Roldão (1999)ROLDÃO, Maria do Céu. Gestão curricular: fundamentos e práticas. Lisboa: ME-DEB, 1999. Disponível em: < http://www.ipb.pt/~mabel/documdisciplinas/gestaocurricu.pdf> . Acesso em: 12 jan. 2017.
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, é preciso ter em mente que as disciplinas, as cargas horárias, as metodologias, os temas e as avaliações são peças do currículo, mas o currículo não pode ser reduzido a esses componentes. De acordo com Moreira e Candau (2008)MOREIRA, Antônio Flávio B.; CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo: diferenças, culturas e práticas pedagógicas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. , a conscientização do caráter homogeneizador e monocultural da escola deveria ser cada vez mais forte, bem como a consciência da necessidade de romper com essa tendência uniformizadora e construir práticas educacionais em que a diferença e o multiculturalismo estejam mais presentes.

Assim, a possibilidade de aproximar o currículo do que é necessário para o bom desenvolvimento humano no contexto atual exige mudanças nas concepções e nas práticas docentes. Uma das soluções apontadas para que essas mudanças ocorram é um novo modelo para formação docente que, segundo Nóvoa (2009)NÓVOA, António Para uma formação de professores construída dentro da profissão. Revista Educación , Madrid, n. 350, set./dez. 2009. Disponível em < http://www.revistaeducacion.mec.es/re350/re350_09.pdf> . Acesso em: 22 abr. 2017.
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, valorize o componente prático, a cultura profissional, as dimensões pessoais, as lógicas coletivas e a participação social efetiva dos professores.

Conclusões e considerações finais

O coletivo de educadores investigados acredita na concepção pós-crítica de currículo, o que envolve uma nova identidade docente redefinida pelo multiculturalismo, associada aos movimentos sociais e identitários; ou seja, é um grupo de educadores que acredita na necessidade de romper com as práticas homogeneizadoras e discriminatórias, bem como no fortalecimento de uma educação em que as diferenças se façam mais presentes.

Esse mesmo grupo de educadores se aceita como participando de uma educação crítica, mas não reconhece o papel da escola como reprodutora de desigualdades. Tal composição de ideias alerta para a necessidade de maiores reflexões sobre a formação docente inicial, bem como da incorporação de uma consciência crítica sobre interesses dominantes e sobre o currículo como instrumento de empoderamento. O resultado também demonstra que é preciso avançar na formação continuada sobre o currículo escolar, dando destaque ao conhecimento crítico das políticas curriculares com as quais os professores lidam no cotidiano.

Ainda que concordando com as teorias pós-críticas, o grupo estudado tem como principal referência as teorias tradicionais. Mesmo com maior frequência de incerteza entre os educadores, é possível perceber, através das respostas, que as práticas de sala de aula são organizadas pela concepção tradicional, com prioridade aos conteúdos prescritos.

Diante desse conjunto de resultados pode-se afirmar que não há uma única concepção de currículo que baliza o pensamento do educador, o que se entende como um hibridismo em relação às visões sobre o currículo escolar em um período de transformação ideológica educacional.

O momento atual é propício para refletir sobre o currículo e o pensamento curricular dos profissionais da educação. A aprovação da Base Nacional Comum Curricular desencadeia uma profunda mudança nas escolas e cria situações únicas no cenário educacional brasileiro. Novas investigações e o acompanhamento das trajetórias de implementação da BNCC nas escolas, bem como o debate sobre as novas metodologias curriculares em curso, são urgentes. Compreender o que pensam os educadores sobre o currículo e como essas concepções podem influenciar a aplicação das reformas é ainda um desafio. Não seria desejável que as mudanças fossem praticadas sem um olhar crítico e analítico dos sujeitos sobre o seu pensamento curricular e as pretensões de mudanças que almejam, sejam elas quais forem.

Com base nessa conjuntura, defende-se a importância da qualificação docente, pois é por meio dela que é possível ampliar os saberes para compreender, de modo crítico, as novas propostas de educação. Porém, a qualificação deve partir da realidade e das necessidades da escola e dos educadores, deve auxiliar os educadores a terem maior clareza das concepções de currículo que orientam sua prática pedagógica e que podem influenciar significativamente seu papel nas reformas educacionais.

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  • 1-
    Este artigo é oriundo da tese de doutoramento de Caroline Côrtes Lacerda.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2018
  • Revisado
    13 Jun 2018
  • Aceito
    08 Ago 2018
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