Acessibilidade / Reportar erro

A implementação do Pronatec e as implicações na política de educação profissional: o prescrito e o efetivado

Resumo

O estudo se refere à implementação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pronatec), criado pela Lei n° 12.513/2011, com os objetivos declarados de expandir e interiorizar a política de educação profissional e tecnológica, estimular a articulação dessa política com as políticas de geração de emprego e ampliar as oportunidades educacionais dos trabalhadores. O programa também se propôs a melhorar a qualidade do ensino médio. Para cumprir esses objetivos, o Pronatec oferta cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores (FIC) e cursos técnicos concomitantes. Para investigar o cumprimento dos objetivos do programa e elucidar as implicações dessa implementação, desenvolveu-se uma avaliação de processo com dados de 2011 a 2017. Constatou-se, no recorte temporal investigado, a trajetória do Pronatec em três momentos: o primeiro, que vai da criação do programa em 2011 às eleições presidenciais de 2014, no qual se destaca a significativa ampliação da oferta e a contribuição à função de legitimação do Estado capitalista com a oferta majoritária dos cursos FIC; o segundo concretizado após a reeleição da presidenta Dilma Vana Rousseff até o impeachment (2015-2016), em que se percebe o declínio na oferta do programa; e o terceiro momento, a partir de 2017, em que a ênfase se coloca nos cursos técnicos como base para a implementação da Reforma do Ensino médio. Nesse momento, observa-se que o Estado vem contribuindo sobremaneira para a acumulação capitalista. Assim, consolida-se um maior acirramento da dualidade estrutural da educação na trajetória atual do programa.

Educação profissional; Qualificação; Pronatec; Trajetória; Avaliação

Abstract

The study refers to the implementation of the National Program for Access to Technical Education and Employment (Pronatec), enacted by Law 12.513/2011, with the objective of expanding and taking professional and technological education policy to the interior of the country, stimulating the articulation of this policy with employment generation policies and amplifying educational policies for workers. Another goal of the program is to improve the quality of high school. In order to achieve these objectives, Pronatec offers Initial and Continuing Education Courses (FIC) and concomitant technical courses. To investigate the fulfillment of the objectives of the program and elucidate the implications of its implementation, an evaluation of the process was developed through the analysis of data from 2011 to 2017. Considering this period, it was observed that Pronatec’s trajectory can be divided into three moments: in the first moment, from the creation of the program, in 2011, to the 2014 presidential election, there is a significant offering of FIC courses and a contribution to the legitimization of the capitalist state; in the second, from the reelection of president Dilma Vana Rousseff to her impeachment (2015-2016), there is a decline in Pronatec’s course openings; in the third moment, from 2017 on, technical courses are emphasized as a foundation for the implementation of the High School Reform. At this moment, it is observed that the state has been greatly contributing to the capitalist accumulation. Therefore, the structural duality of education is consolidated in the current trajectory of the program.

Professional education; Qualification; Pronatec; Trajectory; Evaluation

Introdução

A problemática que permeia o estudo tem como ponto de partida a dualidade histórica que marca a política educacional brasileira, considerando que o Estado ofereceu diferentes modelos de educação a depender do grupo a que se destinou, a saber: formação técnico-instrumental para os filhos da classe trabalhadora, com o intuito de garantir-lhes a sobrevivência e também atender a urgência em conseguir força de trabalho barata; e educação básica propedêutica com vistas à continuidade dos estudos em nível superior aos filhos da elite brasileira para, posteriormente, ocuparem os espaços de orientação e direção da sociedade.

Essa dualidade é uma manifestação inerente ao modo de produção capitalista e é nesse sentido que destacamos o papel da educação para o desenvolvimento econômico (RAMOS, 2004RAMOS, Marise N. O projeto unitário de ensino médio sob os princípios do trabalho, da ciência e da cultura. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (org.). Ensino médio: ciência, cultura e trabalho. Brasília, DF: MEC: Semtec, 2004. p. 1-14.). Registramos, ao longo da história da educação brasileira, que essa dualidade permanece com maior ou menor intensidade em cada momento histórico, dependendo das correlações das forças em disputa na sociedade.

Além desses aspectos, outro ponto inquietante problematizado na pesquisa é a forma como o Estado capitalista tem sua preocupação concentrada em políticas públicas voltadas para a legitimação, garantindo alguns serviços compensatórios aos fragmentos da classe trabalhadora mais pobre para a manutenção de sua popularidade em detrimento de políticas que atendam efetivamente às necessidades da população com vistas à sua emancipação social. Essas inquietações fazem parte das análises de Souza (2009)SOUZA, Lincoln Moraes. Políticas públicas: introdução às atividades e análise. Natal: UFRN, 2009. sobre os estudos de O’Connor (1977)O’CONNOR, James. USA, a crise do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977., que enfatizam duas funções do Estado capitalista, quais sejam: a de acumulação (para manter ou criar as condições de desenvolvimento das empresas privadas) e a de legitimação (intrinsecamente ideológica e voltada para a manutenção da harmonia social). Nessa direção, no decorrer da implementação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), percebemos a contribuição para o cumprimento dessas funções.

Diante dessa problemática, a nossa preocupação se manifesta com a implementação do Pronatec, criado por meio da Lei n° 12.513/2011. Tal programa se propõe a expandir a educação profissional por meio de cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores (FIC), além de ensino médio profissional na forma concomitante, reforçando, assim, a separação entre educação propedêutica e educação profissional.

Por meio do conteúdo dos documentos oficiais, constatou-se que a estrutura montada para a implementação do Pronatec apresenta como tendência substituir ofertas na política de educação profissional (a exemplo do Proeja2 2 - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. e do ensino médio integrado à educação profissional técnica de nível médio) que, em certa medida, atendem a reivindicações históricas da classe trabalhadora. Justamente, nesse sentido, foi construída a pesquisa cujos resultados são apresentados neste artigo, na perspectiva de avaliar a implementação do Pronatec, buscando perceber as mudanças na política de educação profissional decorrentes da execução desse programa.

A relevância do desenvolvimento do estudo aqui apresentado consiste em considerar que a educação brasileira, assim com as demais políticas públicas, é permeada pela luta de classes e por disputas de interesses (DOURADO, 2011DOURADO, Luiz Fernandes (org.). Plano Nacional de Educação (2011-2020): avaliação e perspectivas. Goiânia: UFG; Belo Horizonte: Autêntica, 2011.). Assim, cabe avaliar as políticas públicas e, no caso específico do Pronatec, verificar se o que foi anunciado foi alcançado e como o foi. Além disso, analisamos as consequências sociais e políticas, ou seja, as implicações sociais e políticas de se ter (ou não) alcançado o que havia sido proposto como meta oficial na formulação do programa. Assim, entendemos que a avaliação da implementação do Pronatec contribui para uma análise aprofundada do programa como forma de ampliar o debate acerca da dualidade estrutural da educação brasileira.

O artigo está dividido em três partes além desta introdução. No segundo item, apresentamos o percurso teórico-metodológico da pesquisa. Em seguida, discutimos os três momentos da trajetória do Pronatec: a ampliação vertiginosa da oferta de 2011 a 2014, especialmente dos cursos de curta duração; a diminuição da oferta entre 2015 e 2016; e a tendência de mudança de cursos de curta duração para cursos técnicos a partir de 2017. Finalmente, tecemos nossas considerações finais sobre o tema abordado.

Percurso teórico e metodológico

No desenvolvimento da pesquisa, utilizamos predominantemente três tipos de literatura: do ponto de vista do método, fundamentamo-nos no método dialético marxista; no tocante ao campo de estudo, situamos o Pronatec nas políticas públicas, particularmente na política de educação profissional e, considerando que a pesquisa foi desenvolvida entre 2016 e 2019, também utilizamos a literatura acadêmica que trata do ensino médio, em razão da reforma que vem afetando essa etapa educacional a partir de 2016 e que tem relações com o Pronatec. Além disso, utilizamos a fundamentação teórica da avaliação de processo no âmbito das políticas públicas, já que nos propomos a avaliar o Pronatec no decorrer da sua execução.

Para Costa e Castanhar (2003)COSTA, Frederico Lustosa da; CASTANHAR, José Cezar. Avaliação de programas públicos: desafios conceituais e metodológicos. Revista de Administração Pública, São Paulo, v. 37, n. 5, p. 969-992, 2003., a avaliação de processo requer os desenhos dos fluxos e processos de programa, o que também nos remete à trajetória de implementação do Pronatec. Esses autores citam Scheirer (1994)SCHEIRER, Mary Ann. Designing and using process evaluation. In: WHOLEY, Joseph S.; HATRY, Harry P.; NEWCOMER, Kathryn E. (ed.). Handbook of practical program evaluation. San Francisco: Jossey Bass, 1994. p. 40-68. para colocar que a avaliação de processo “pode ser definida como a maneira de identificar o verdadeiro conteúdo de um programa público, se ele está sendo realizado como previsto”. Scheirer (1994)SCHEIRER, Mary Ann. Designing and using process evaluation. In: WHOLEY, Joseph S.; HATRY, Harry P.; NEWCOMER, Kathryn E. (ed.). Handbook of practical program evaluation. San Francisco: Jossey Bass, 1994. p. 40-68. afirma a necessidade de, na avaliação de processo, se desenvolver métodos para buscar os motivos da existência de diferenças entre os objetivos (e intenções) do programa e os que são de fato realizados.

Diante disso, na pesquisa, direcionamos a avaliação de processos para trajetória do programa, por meio do conceito de trajetória de Bourdieu (1998)BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaina. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 183-191. e também com base em Lukács (2003)LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos de dialética marxista. Porto: Escorpião, 2003., principalmente, quando este afirma que o problema central do método dialético é a transformação da realidade e quando ressalta o caráter da história, na relação sujeito-objeto.

Nesse sentido, não buscamos interpretar a trajetória do Pronatec como um conjunto coerente de execução de ações previamente planejadas, mas como algo que se desloca no espaço social (BOURDIEU, 1998BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaina. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 183-191.), tendo variações não previstas a partir de mudanças no contexto social e político ao longo da implementação do programa. Dessa forma, com base no método dialético, compreendemos que a trajetória de um programa ou política pública é repleta de contradições (HARVEY, 2016HARVEY, David. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2016.). Além disso, a trajetória atravessa diversos momentos (não etapas ou fases) e requer critérios e parâmetros metodológicos para definição desses momentos históricos. O passo inicial desses parâmetros são os fundamentos do Pronatec, na busca de identificar o seu verdadeiro conteúdo e confrontar se o programa está sendo realizado como previsto oficialmente (SCHEIRER, 1994SCHEIRER, Mary Ann. Designing and using process evaluation. In: WHOLEY, Joseph S.; HATRY, Harry P.; NEWCOMER, Kathryn E. (ed.). Handbook of practical program evaluation. San Francisco: Jossey Bass, 1994. p. 40-68.).

Concomitantemente à busca pela compreensão da trajetória do Pronatec, o outro nível de análise da avaliação que elencamos trata da valoração do cumprimento das metas e objetivos do programa, por compreendermos que não basta apenas aferir se esses objetivos e metas foram alcançados. É preciso valorar as consequências sociais e políticas desse movimento. Em outras palavras, ensejamos ir além da avaliação do conteúdo de seus documentos e buscamos apreender o sentido das atividades implementadas ou que estão em processo de implementação.

Como fonte de dados para pesquisa, principalmente no que concerne à construção da estrutura organizacional, político-social e ideológica, foram utilizados os documentos oficiais do programa (leis, portarias, resoluções, decretos).

Além dos documentos oficiais, por se tratar de uma avaliação da implementação do Pronatec, tivemos acesso aos dados de matrícula, instituições ofertantes, cursos, ofertados e recursos financeiros, por meio de solicitação no Portal do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (ESIC), da Controladoria Geral da União (CGU). Além disso, a resposta à solicitação no ESIC nos direcionou para o endereço eletrônico do painel do MEC (painel.mec.gov.br), no qual estão disponibilizadas informações acerca de diversos programas e ações educacionais, entre os quais o Pronatec. A resposta também indicou o acesso ao Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (Sistec), em seu módulo de consulta pública (http://sistec.mec.gov.br/consultapublicaunidadeensino/), o qual possui informações sobre as instituições de ensino e os cursos ofertados no âmbito do Pronatec. Também foram utilizados, como fontes de dados, os relatórios do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de 2011 a 2015 e auditorias acerca do programa realizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

A trajetória da implementação do Pronatec: os três momentos

Nesta seção, apresentamos os aspectos centrais da trajetória do Pronatec em três subseções, cada uma relacionada com um momento do programa. É importante reforçarmos que a trajetória de um programa ou política pública não é linear, mas sim, permeada por contradições. Dessa maneira, deixamos claro que é possível identificar características de um momento que podem ser identificados em outro.

Sobre a classificação dos momentos da implementação do Pronatec, os principais parâmetros que utilizamos referem-se às modalidades de cursos ofertados, matrículas, instituições ofertantes e as modificações na implementação do programa decorrentes do contexto político, social e econômico. Diante disso, categorizamos os seguintes momentos da trajetória do Pronatec no período de 2011 a 2017.

De 2011 a 2014: da instituição do programa à reeleição da presidenta Dilma

O ano de 2011 marcou o início da trajetória do Pronatec, com a sua criação em 26 de outubro, por meio da Lei de nº 12.513/2011, tendo a então presidenta Dilma Rousseff anunciado como meta a oferta de 8 milhões de vagas, conforme entrevista no programa de rádio “Café com a Presidenta”3 3 - Programa “Café com a Presidenta” do dia 24 de outubro de 2011. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/dilma-rousseff/cafe-presidenta/programa-de-radio-201ccafe-com-a-presidenta201d-com-a-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-9. Acesso em: 23 abr. 2018. :

[…] o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, o Pronatec, é a maior reforma da educação profissional já feita no Brasil. Serão R$ 24 bilhões em investimentos para oferecer, até 2014, 8 milhões de vagas, em curso de formação técnica e profissional, para os estudantes do ensino médio das nossas escolas públicas e para os nossos trabalhadores. Vão ser 5,6 milhões de vagas para cursos de curta duração, destinados à qualificação profissional de trabalhadores, e mais 2,4 milhões de vagas para cursos técnicos voltados para os estudantes do ensino médio, com duração de, pelo menos, um ano. Estamos construindo 208 novas unidades dos Institutos Federais de Educação Profissional [Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia], sendo que 35 delas ficarão prontas ainda este ano. Estamos, ainda, fazendo uma parceria com o sistema S – Senai e Senac –, que, só este ano, irá ampliar a oferta de cursos profissionalizantes gratuitos para 630 mil vagas. Além disso, investimos R$ 1,7 bilhão na construção de 176 escolas técnicas estaduais, e também na reforma, ampliação e compra de equipamentos de outras 543 unidades. O Pronatec também vai financiar cursos técnicos em escolas privadas de educação profissional, como faz hoje com o Ensino Superior por meio do Fies, o Fundo de Financiamento Estudantil [Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior]. Além disso, Luciano, com o Pronatec, os investimentos das empresas em educação profissional não serão mais tributados. (BRASIL, 2011BRASIL. Programa de rádio “Café com a Presidenta”, com a Presidenta da República, Dilma Rousseff. Biblioteca Presidência da República, Brasília, DF, 24 out. 2011. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/dilma-rousseff/cafe-presidenta/programa-de-radio-201ccafe-com-a-presidenta201d-com-a-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-9. Aceso em: 1 jan. 2018.
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br...
).

Essa fala apresenta vários pontos da estrutura organizacional, política, social e ideológica do Pronatec, principalmente no que se refere à parceria público-privada, à oferta majoritária dos cursos FIC e também sobre a expansão da esfera privada de educação profissional. O discurso mostra a perspectiva economicista da considerada “maior reforma da educação profissional”, enfatizada anteriormente. Ao mesmo tempo, também se anuncia a criação de 208 novas unidades dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia, revelando a busca pela conciliação entre os interesses públicos e privados, característica marcante do neodesenvolvimentismo (ALVES, 2015ALVES, Giovanni. Crise do neodesenvolvimentismo e Estado neoliberal no Brasil: elementos de análise de conjuntura do capitalismo brasileiro. In: CORSI, Francisco L.; CAMARGO, José M.; SANTOS, Agnaldo (org.). A conjuntura econômica e política brasileira e argentina. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015. p. 25-48. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/a-conjuntura-politica_ebook.pdf. Acesso em: 2 out. 2016.
https://www.marilia.unesp.br/Home/Public...
).

Conforme consta em documento do Ministério da Fazenda4 4 - Documento disponível em: http://www.spe.fazenda.gov.br/notas-e-relatorios/estudo-sobre-o-pronatec/relatorio-tecnico-nov2015.pdf. Acesso em: 20 mar. 2018. , entre outubro de 2011 e maio de 2014, foram ofertados 158 cursos técnicos e 638 cursos FIC, distribuídos em doze eixos tecnológicos: ambiente e saúde, controle e processos industriais, desenvolvimento educacional e social, gestão e negócios, informação e comunicação, infraestrutura, produção alimentícia, produção cultural e design, produção industrial, recursos naturais, segurança e turismo, hospitalidade e lazer.

Documento publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI)5 5 - Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=22051-24092015-lancamento-estudos-pronatec-mds-pdf&category_slug=abril-2010-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 19 fev. 2018. , apresenta que o programa conseguiu ofertar cursos para os mais pobres e chamados grupos com inserção laboral mais precária: 63 por cento das matrículas são de pessoas do Cadastro Único. Tal documento do MDS, intitulado Avaliação do Pronatec: aspectos relacionados à eficiência, eficácia e efetividade do programa entre 2011 e 2014, apresenta uma concepção de avaliação gerencialista, de viés neoliberal, sendo que o central foi expor os dados quantitativos acerca das matrículas para demonstrar a eficiência quanto à oferta do Pronatec. Esse documento não tece considerações sobre os resultados do programa para modificações nas reais condições de vida dos estudantes que participaram dos cursos, sequer fornece os dados de conclusão. Além disso, reforça a ideologia neoliberal ao pôr em evidência a oferta do Pronatec entre os beneficiários do programa Bolsa Família, pois os dados que, supostamente, atestam o “sucesso” do programa referem-se exclusivamente à quantidade de matrículas ofertadas, buscando legitimar o governo por meio de programas sociais focalizados.

Entretanto, apesar de o documento do MDS anunciar a eficácia, a eficiência e a efetividade do programa, a quantidade total de matrículas registrada foi de 2,8 milhões, o que vai de encontro a vários outros documentos do Ministério da Educação (MEC), que anunciam que a quantidade de matrículas, nesse período, foi de 8,1 milhões. Essa incoerência nas informações apresentadas pelos dois ministérios, quanto ao número de matrículas, está relacionada à própria inconsistência da forma como o MEC anuncia que cumpriu a meta de formar 8 milhões de trabalhadores por meio do programa. Para chegar ao número de mais de 8 milhões de matrículas, o MEC considerou toda a oferta da educação profissional e não apenas os cursos ofertados por meio da Bolsa formação do Pronatec.6 6 - Os cursos FIC compreendem a modalidade de bolsa-formação trabalhador e os cursos técnicos abrangem a bolsa-formação estudante. Encontram-se registradas na Lei n° 12.513/2011, artigo 4º, inciso IV, essas modalidades. Para nós, o uso na lei da nomenclatura “bolsa” vincula-se ao formato da oferta do programa por meio das chamadas parcerias público-privada. Assim, tanto a bolsa-formação estudante quanto a bolsa-formação trabalhador foram as formas encontradas pelo governo para repasse de recursos financeiros do programa a própria rede de educação profissional e tecnológica, como a principal manobra jurídica para destinação de verbas públicas para o Sistema S e demais empresas privadas. Ou seja, toda a oferta da centenária Rede Federal de Educação Profissional, do Acordo de Gratuidade com o Sistema S e do programa Brasil Profissionalizado, todos anteriores ao Pronatec, foram contabilizadas como oferta decorrente desse programa, conforme podemos visualizar na Tabela 1:

Tabela 1
Quantitativo de matrículas do Pronatec

Para além dessa inconsistência e forma de apresentar os dados da matrícula do Pronatec, evidenciamos que no período compreendido entre 2011 e 2014, o maior esforço do programa foi voltado aos cursos de FIC, correspondendo a 72 por cento do total de matrículas.

Com isso, inferimos que, ao concentrar, no período de 2011 a 2014, a maior oferta nos cursos FIC, o governo buscou contribuir, principalmente, para a sua própria popularidade, já que esses cursos têm baixa incidência no que concerne à inserção no mundo do trabalho. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV-2010)7 7 - Disponível em: http://cps.fgv.br/VOT2. Acesso em: 1 set. 2014. concluiu, com relação à empregabilidade, que o efeito desses cursos de curta duração8 8 - Qualificação profissional é o termo utilizado na pesquisa para os cursos FIC. é, em geral, baixo e “no caso dos cursos de informática o efeito é negativo, com chances 14.1 por cento menores em relação à base dos que nunca frequentaram” (NERI, 2010NERI, Marcelo Cortês (org.). A educação profissional e você no mercado. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2010. Disponível em: https://www.cps.fgv.br/ibrecps/VOT2/index.htm. Acesso em: set. 2014.
https://www.cps.fgv.br/ibrecps/VOT2/inde...
, p. 23).

Dessa forma, a finalidade da oferta em larga escala dos cursos FIC destinados à classe trabalhadora mais empobrecida está relacionada, predominantemente, à função de legitimação do Estado capitalista, pois não tem incidência significativa no que se refere ao (re)ingresso no chamado mercado de trabalho, mas contribui para a coesão social. Entretanto, a população apoia porque compreende que o governo está proporcionando o acesso à qualificação profissional a um público que, anteriormente, não tinha essa possibilidade, favorecendo a avaliação da população à reeleição da candidata Dilma Rousseff, no pleito que ocorreu em outubro de 2014.

Na mesma direção, a auditoria realizada em 2016 pelo TCU e o estudo do Ministério da Fazenda também demonstram que os cursos FIC do Pronatec têm contribuição pouco significativa para a inserção no mercado de trabalho.

Para avaliar a relação entre a oferta de cursos e o mercado de trabalho, o TCU realizou o confronto da oferta do Pronatec com as ocupações formais que mais geram vínculo empregatício no mercado de trabalho. A análise realizada permitiu ao TCU concluir que existem municípios com alto grau de descasamento entre os cursos ofertados e as estimativas da dinâmica de mercado de trabalho. Sendo assim, cursos são ofertados em ocupações que apresentam “baixo estoque e/ou com baixo índice de contratação” (BRASIL, 2016BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 3071/2016. Brasília, DF: TCU, 2016. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A258DA3A420158DF7EBE9A2443&inline=1. Acesso em: 21 jul. 2018.
https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/f...
, p. 151).

O Ministério da Fazenda também realizou estudo acerca da inserção dos egressos do Pronatec com bolsa formação no mercado de trabalho. O estudo analisou a trajetória de 160 mil pessoas que perderam o emprego e avaliou como se deu a reinserção profissional de trabalhadores desligados do mercado de trabalho formal, em 2011, e readmitidos, entre 2012 e 2013, que tenham frequentado algum curso do Pronatec na modalidade FIC (chamado grupo de tratamento), em relação aos trabalhadores que se matricularam, porém não tiveram as matrículas confirmadas no programa (chamado grupo de controle). O estudo desenvolvido por Barbosa Filho, Porto e Delfino (2015)BARBOSA FILHO, Fernando de Holanda; PORTO, Rogerio de Faria; DELFINO, Denisio Augusto Liberato. Pronatec bolsa formação: uma avaliação inicial sobre reinserção no mercado de trabalho formal. Brasília, DF: Secretaria de Política Econômica, 2015. e apresentado no relatório do Ministério da Fazenda mostrou que os cursos do Pronatec não interferiram na reinserção dos desempregados, em relação ao grupo de controle.

Em contraponto à auditoria do TCU e ao estudo realizado pelo Ministério da Fazenda, as propagandas veiculadas na grande mídia e os discursos oficiais cumprem a função, por meio da ideologia, de convencer a população do contrário. Ou seja, de que os cursos FIC contribuem para a melhoria da empregabilidade dos trabalhadores de baixa qualificação e que o governo está cumprindo sua função ao proporcionar-lhes o acesso a tais cursos. Observa-se duplamente a função de legitimação: a do capitalismo como modo de produção hegemônico e a do governo, que atua na regulação dos interesses do capital.

Outros dados que atestam a vigorosa ampliação da oferta do Pronatec no período de 2001 a 2014 foram apresentados pelo secretário da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), em audiência realizada na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, em maio de 2015. O secretário apresentou uma ascensão na oferta do Pronatec entre 2011 e 2014, considerando que em 2011 foram 900 mil matriculas, em 2012 registram-se 2,6 milhões, em 2013 a quantidade de matrículas chegou à marca de 5,3 milhões e em 2014 a 8,1 milhões.

Além desse aumento substancial da matrícula, também foi ampliada a abrangência geográfica, o Pronatec chegou, em junho de 2014, a 4.025 municípios, ou seja, 72 por cento do total do país, enquanto em junho de 2012 estava presente em 606 municípios.

O elemento central que se coloca com a expansão da educação profissional por meio dos cursos FIC no âmbito do Pronatec diz respeito ao formato e à concepção de educação, baseada na formação para o exercício de atividades manuais em uma perspectiva que podemos denominar, com base em Offe e Lenhardt (1984)OFFE, Claus; LENHARDT, Gero. Teoria do Estado e política social. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. p. 10-53., de uma formação para proletarização passiva.

Offe e Lenhardt (1984OFFE, Claus; LENHARDT, Gero. Teoria do Estado e política social. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. p. 10-53., p. 15), ao abordarem a política social, afirmam que esta corresponde “à forma pela qual o Estado tenta resolver o problema da transformação duradoura de trabalho não assalariado em trabalho assalariado”. Para explicarem essa tese, os referidos autores fazem uma distinção entre proletarização passiva e ativa, ponderando que o avanço da industrialização capitalista é acompanhado por processos de desorganização da força de trabalho que acabam “desapropriando” as condições de utilização do trabalho e de subsistência de um determinado grupo, levando-o a uma proletarização passiva.

O problema da proletarização passiva, de acordo com Offe e Lenhardt (1984OFFE, Claus; LENHARDT, Gero. Teoria do Estado e política social. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. p. 10-53., p. 17, grifo dos autores), não se resolveria por si só, e, diante disso, defendem que

[…] a transformação em massa da força de trabalho despossuída em trabalho assalariado não teria sido nem é possível sem uma política estatal, que não seria, no sentido restrito, “política social”, mas que da mesma forma que esta contribui para integrar a força de trabalho no mercado de trabalho.

Nessa perspectiva, o Estado, por meio da política social, apresentaria como estratégia a integração da força de trabalho na relação do trabalho assalariado, ou seja, fazer com que determinados grupos saíssem da proletarização passiva para a ativa, não apenas voltando-se para a garantia da subsistência da força de trabalho, mas, também, para uma racionalização necessária direcionada à manutenção do capitalismo, com a criação de um exército de reserva.

Nesses termos, Offe e Lenhardt (1984OFFE, Claus; LENHARDT, Gero. Teoria do Estado e política social. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. p. 10-53., p. 23) demarcam que a força de trabalho é tratada como mercadoria, mas, diferentemente de outras mercadorias, sua existência não se fundamenta apenas em expectativas de venda, tendo em vista que para a manutenção do sistema são imprescindíveis “mecanismos reguladores dos volumes quantitativos, capazes de estabelecerem o equilíbrio entre a proletarização passiva e ativa”. Nessa ordem, com base nos autores estudados, podemos afirmar que as políticas públicas voltadas para a manutenção da proletarização passiva apresentam a função de legitimação do poder do Estado e, em decorrência, de legitimação de seus dirigentes.

É justamente nessa construção que situamos o Pronatec, considerando que o programa aparece como integrante de uma política estatal que, mesmo se apresentando como uma política de legitimação para a garantia da popularidade do governo, em certa medida também caminha na direção de tornar a proletarização passiva em ativa. Nesse primeiro momento do programa, em uma medida bem inferior à que se propõe a exercer a função de legitimação.

Além das análises baseadas em Offe e Lenhardt (1984OFFE, Claus; LENHARDT, Gero. Teoria do Estado e política social. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. p. 10-53., p. 23), sinalizamos que ao se destinar aos trabalhadores uma qualificação para o trabalho simples que suscita pouca compreensão dos processos produtivos, o Pronatec, por meio dos cursos FIC, contribui para atender às necessidades do capital de força de trabalho pouco qualificada. Nesse sentido, nos fundamentamos em Braverman (1977)BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. ao enfatizar que a divisão social e técnica do trabalho cinde a sociedade entre ocupações e o trabalho de cada “especialidade produtiva” requer níveis diferenciados de qualificação da força de trabalho. Acrescenta-se a isso o fato de a força de trabalho ser entendida como mercadoria pelo capitalista e, assim, para baratear os custos com a produção, interessa que boa parte do “processo do trabalho seja divorciada do conhecimento e preparo especial, e reduzida a simples trabalho” (BRAVERMAN, 1977BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1977., p. 80).

Indo além do recorte temporal desse tópico (2011 a 2014), dados oficiais do MEC que compreendem o período de 2011 a 2016 demonstram que as maiores ofertantes do Pronatec foram as organizações do Sistema S, principalmente o Senai (35 por cento do total da oferta) e Senac (27 por cento do total da oferta). Vejamos a Tabela 2:

Tabela 2
Total de matrículas do Pronatec por iniciativa e rede ofertante

Os dados expostos da Tabela 2 mostram que, do total de 9.503.063 matrículas, 27 por cento foi ofertado por instituições públicas, ao passo que ao Sistema S e demais organizações privadas coube a oferta de 73 por cento das matrículas. Essas informações sinalizam que o Pronatec tem caminhado na linha das características centrais do atual período do capitalismo, em que o Estado capitalista tem sido utilizado para criar e executar estratégias de superação da crise. Uma dessas estratégias concentra-se na função de acumulação (O’CONNOR, 1977O’CONNOR, James. USA, a crise do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.). Conforme Peroni (2013)PERONI, Vera Maria Vidal. A privatização do público: implicações para a democratização da educação. In: PERONI, Vera Maria Vidal (org.). As redefinições das fronteiras entre o público e o privado. Brasília, DF: Liber Livro, 2013. p. 9-32., o neoliberalismo, a reestruturação produtiva e a chamada Terceira Via redefinem o papel do Estado, reorganizando os processos educacionais, segundo a lógica de mercado. Assim, o Estado passa a “socorrer” o capital produtivo e financeiro nesses momentos de crise econômica e social.

Ricardo Lima (2012)LIMA, Marcelo. Problemas da educação profissional do governo Dilma: PRONATEC, PNE e DCNEMs. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 21, n. 2, p. 73-91, 2012. levanta reflexões sobre esses aspectos e afirma que, com o Pronatec, o governo brasileiro completa o ciclo da privatização, precarização e aceleração da educação profissional, destacando, principalmente, os seguintes pontos da Lei n°12.513/2011, que tratam da transferência de recursos públicos para as empresas privadas, quais sejam os artigos 3° e 6° da referida lei. Esses artigos apresentam que a proposta de expansão da educação profissional via Pronatec encontra amparo na chamada parceria público-privado, a qual, na verdade, como bem acentua Marcelo Lima (2012)LIMA, Marcelo. Problemas da educação profissional do governo Dilma: PRONATEC, PNE e DCNEMs. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 21, n. 2, p. 73-91, 2012. e Ricardo Lima (2012)LIMA, Marcelo. Problemas da educação profissional do governo Dilma: PRONATEC, PNE e DCNEMs. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 21, n. 2, p. 73-91, 2012., não deixa de ser a privatização da educação profissional.

Destacamos que boa parte dos documentos do Pronatec trata do repasse de recursos públicos para as empresas privadas. Isso demonstra a preocupação do governo em garantir a oferta do programa por essa via.

Resta-nos claro, a partir dos dados disponíveis no Painel do MEC, que o Sistema S superou o número de matrículas de todo o conjunto das demais redes ofertantes, além de oferecer a maior parte de matrículas da educação profissional privada. Sobre esse assunto, Santos e Rodrigues (2013)SANTOS, Maurício Ivan dos; RODRIGUES, Romir de Oliveira. O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - PRONATEC: um olhar a partir das relações entre o público e o privado. In: PERONI, Vera Maria Vidal (org.). As redefinições das fronteiras entre o público e o privado. Brasília, DF: Liber Livro, 2013. p. 290-307. citam dados de 2010, segundo os quais 56,49 por cento das matrículas da educação profissional estavam na esfera privada e que o SENAI proporcionava 28 por cento dessas matrículas. Com o Pronatec, esses dados se intensificam, pois, como já mencionamos, no período de 2011 a 2016 as empresas privadas concentraram 73 por cento das matrículas e, desse montante, 65 por cento coube ao Sistema S.

De 2015 a 2016: declínio da oferta do programa

A partir de 2015, é possível registrar que houve considerável diminuição na oferta das matrículas do Pronatec, como consta no relatório do Senai:

A redução de 45% nas matrículas do programa, quando comparada ao resultado de 2014, deve-se ao necessário ajuste das contas públicas. Apesar dos cortes, o Pronatec é uma ação decisiva para mudar a matriz educacional do país, qualificar os trabalhadores brasileiros e elevar a produtividade das empresas. (SENAI, 2015SENAI. Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Relatório de gestão de 2015. Brasília, DF: Senai, 2015. Disponível em: http://www.portaldaindustria.com.br/senai/institucional/relatorio-anual/. Acesso em: 20 fev. 2018.
http://www.portaldaindustria.com.br/sena...
, p. 27).

Logo após a reeleição da presidenta Dilma para o seu segundo mandato (2015-2018), sob influência da ampla aceitação do Pronatec em vários segmentos sociais, começa, em 2015, a “desaceleração” da oferta sob o acirramento da crise econômica e política do país.

O termo desaceleração foi utilizado por Gomes (2016)GOMES, Ana Waleska Amaral Leal. O que podemos dizer sobre o Pronatec? Estudo técnico da Câmara dos Deputados. Brasília, DF: Câmara Federal, 2016. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema11/2016_9576_pronatec_ana-valeska. Acesso em: 3 mar. 2018.
http://www2.camara.leg.br/a-camara/docum...
, ao dar destaque para a expansão inicial do programa e, a partir de 2015, a diminuição no número de matrículas:

Em relação às matrículas totais do Pronatec, após uma forte expansão entre 2011 (777 mil) e 2014 (3 milhões), houve uma significativa desaceleração em 2015, com o registro de 1,2 milhão de matrículas. Para 2016, como já mencionado, foi anunciada a meta de 2 milhões de matrículas. (GOMES, 2016GOMES, Ana Waleska Amaral Leal. O que podemos dizer sobre o Pronatec? Estudo técnico da Câmara dos Deputados. Brasília, DF: Câmara Federal, 2016. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema11/2016_9576_pronatec_ana-valeska. Acesso em: 3 mar. 2018.
http://www2.camara.leg.br/a-camara/docum...
, p. 9).

De acordo com Barbosa Filho (2017)BARBOSA FILHO, Fernando de Holanda. A crise econômica de 2014/2017. Estudos Avançados, São Paulo, v. 31, n. 89, p. 51-60, 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142017000100051. Acesso em: 16 jul. 2018.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, a economia brasileira entrou em recessão desde o segundo trimestre de 2014, segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getulio Vargas. O produto per capita brasileiro caiu cerca de 9 por cento entre 2014 e 201610 10 - A origem dessa crise exige investigações mais profundas. Tem relação com a crise da economia mundial desencadeada a partir de 2008 e com a crise política do Brasil remanescente do processo eleitoral de 2014. Entretanto, não aprofundaremos esta discussão em função do nosso objeto de estudo. .

No início do período do declínio da oferta do Pronatec, em 2015, MEC, juntamente com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, publicou um conjunto de documentos que referendaram a implementação do Pronatec no período de 2011 a 2014, e apresentaram uma intenção clara de demonstrar os êxitos do programa.

Em março de 2016, de acordo com Gomes (2016)GOMES, Ana Waleska Amaral Leal. O que podemos dizer sobre o Pronatec? Estudo técnico da Câmara dos Deputados. Brasília, DF: Câmara Federal, 2016. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema11/2016_9576_pronatec_ana-valeska. Acesso em: 3 mar. 2018.
http://www2.camara.leg.br/a-camara/docum...
, o então ministro da educação Aloizio Mercadante lançou uma nova etapa do Pronatec informando que seriam oferecidas 2 milhões de vagas naquele ano, 372 mil para cursos técnicos e 1,6 milhão para cursos de qualificação profissional. Em contradição ao que foi anunciado pelo então ministro, o que os dados demonstram é que a oferta dos cursos técnicos foi maior do que os cursos FIC (Tabela 3):

Tabela 3
Matrículas do Pronatec por tipo de curso e por abrangência de municípios

Os dados, além de demonstrarem a radical diminuição da matrícula do Pronatec, também evidenciam que essa diminuição foi muito maior nos cursos FIC, de modo que em 2016 a matrícula dos cursos técnicos já foi maior do que a dos FIC. Para analisarmos essa guinada, é importante compreendermos o conjunto de mudanças ocorridas no campo político e que repercutiram nos rumos da política de educação, inclusive na implementação do Pronatec.

Resgatamos a abertura do processo de impedimento contra a presidenta Dilma em dezembro de 2015, cuja origem é bastante complexa. A então presidenta

[…] – assim que fechadas as urnas da reeleição, em 27 de outubro de 2014 – abandonou suas promessas de campanha e adotou o programa de seu oponente, Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Aos poucos, a base social tradicional do Partido dos Trabalhadores (PT) que garantira a vitória da candidata Dilma Rousseff se afastou do governo, abrindo caminho para uma ofensiva crescente da direita. O agravamento repentino do quadro econômico e uma recessão planejada, que derrubou o PIB, criaram uma situação de extrema vulnerabilidade. (JINKINGS, 2016JINKINGS, Ivana. O golpe que tem vergonha de ser chamado de golpe. In: JINKINGS, Ivana et al. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 11-15., p. 12).

Apesar dessa referência da autora anunciar o início do processo de construção da derrubada da presidenta Dilma, como sendo o período após as eleições de 2014, Boito Júnior (2016)BOITO JÚNIOR, Armando. Os atores e o enredo da crise política. In: JINKINGS, Ivana et al. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 23-30. sustenta que a ofensiva se deu em uma fase anterior de agravamento das contradições internas da frente neodesenvolvimentista. Assim, o autor traz reflexões sobre como os governos Lula e Dilma buscaram conciliar os interesses da classe trabalhadora empobrecida com os interesses das grandes empresas nacionais.

Corroboramos o que apresenta Boito Júnior (2016)BOITO JÚNIOR, Armando. Os atores e o enredo da crise política. In: JINKINGS, Ivana et al. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 23-30., principalmente ao elucidar que a ofensiva contra o governo de Dilma fez parte de um projeto de restaurar a hegemonia do neoliberalismo. É esse cenário de acirramento da ideologia neoliberal que demarca esse segundo momento do Pronatec em diante. Salientamos que a nossa compreensão sobre o desenho do cenário político e ideológico desde o impedimento é de um golpe ao Estado democrático de direito, não apenas pela forma infundada como se deu a retirada de Dilma do poder, mas, principalmente, pelo conjunto de medidas contra os direitos dos trabalhadores que vêm acontecendo desde então.

Para entendermos o significado das implicações desse cenário para a implementação do Pronatec, lembramos que a votação final do impeachment da presidenta Dilma deu-se em 31 de agosto de 2016. E, passados exatos 22 dias da posse do presidente Michel Temer, editou-se a Medida Provisória (MP) nº 746/2016 com o fito de promover uma série de alterações na política de educação brasileira, em geral, e no ensino médio, em particular. Tal MP, após 120 dias, transformou-se na Lei nº 13.415/2017, a chamada Lei da reforma do ensino médio.

No próximo subtópico, traremos alguns elementos dos rearranjos do Pronatec após a Reforma do ensino médio.

Período pós-reforma do ensino médio (Lei Federal n° 13.415/2017): apontamentos iniciais

Em princípio, pode parecer estranho ao leitor essa vinculação entre um momento do Pronatec e a chamada Reforma do ensino médio11 11 - Damos destaque ao uso da expressão “chamada Reforma do Ensino Médio”, para problematizarmos o que argumenta Ferreira (2017), ao dizer que se trata de uma contrarreforma, com base em Behirng (2003), que se recusa a vincular o conceito de reforma a processos progressivos e considera que reformas são uma estratégia da esquerda. , mas é isso que vamos argumentar nesta parte do texto. Ou seja, a reforma em curso tem estreita relação com o Pronatec, especialmente no que se refere ao itinerário formação técnica e profissional. Além disso, ambos se “inspiram” na Reforma Capanema dos anos 1940.

Assim, para situarmos essa reforma, enfatizamos que o processo teve início pouco tempo depois da criação do Pronatec, quando, em 15 de março 201212 12 - É importante mencionar essa data porque a Resolução CNE/CEB nº 02/2012, que aprovou novas diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio, foi homologada em 30 de janeiro, fundamentando-se em uma concepção de formação humana integral. Enquanto isso, a CEENSI, que elaborou o PL nº 6.840 fundamentando-se em uma perspectiva mercadológica de formação humana, foi feita apenas dois meses depois (15 de março de 2012), por iniciativa de um parlamentar do PT. , foi criada a Comissão Especial Destinada a Promover Estudos e Proposições para a Reformulação do Ensino Médio (CEENSI), por iniciativa do deputado federal Reginaldo Lopes, do Partido dos Trabalhadores (PT) do estado de Minas Gerais (MG), que ele foi quem a presidiu.

A CEENSI apresentou o Projeto de Lei (PL) nº 6.840/2013, propondo alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), particularmente no que diz respeito ao ensino médio, em direção que se coaduna com a concepção do Pronatec.

Nesse sentido, na justificação desse PL, ao mencionar o que se pretendia com as mudanças sugeridas, afirmava-se a necessidade de

Ampliação das vagas na educação profissional técnica de nível médio para suprir a carência nessa modalidade de ensino, uma vez que apenas 14% das matrículas do ensino médio abrangem também a educação profissional. Esta ampliação de matrículas deve acontecer não só por meio do crescimento do Pronatec e do incremento da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (IFET), mas também por meio do financiamento de novas unidades nos Estados. (BRASIL, 2013BRASIL. Projeto de Lei n° 6.840/2013. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para instituir a jornada em tempo integral no ensino médio, dispor sobre a organização dos currículos do ensino médio em áreas do conhecimento e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2013. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1200428&filename=PL+6840/2013. Acesso em: 5 set. 2014.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/...
, p. 12-13, grifo nosso).

Em 2014, na tentativa de que o PL nº 6.840/2013 não fosse aprovado, entre outras inciativas, foi criado o Movimento Nacional pelo Ensino Médio, formado por dez entidades13 13 - As entidades que compõem o Movimento Nacional pelo Ensino Médio são: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes), Fórum Nacional de Diretores das Faculdades de Educação (Forumdir), Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), Sociedade Brasileira de Física (SBF), Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica (Conif) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Disponível em: http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/movimento-nacional-em-defesa-do-ensino-medio-2/. do campo educacional.

Os pesquisadores individualmente e as entidades integrantes do movimento, na defesa de uma educação pública e de qualidade socialmente referenciada, apresentaram várias críticas ao PL nº 6.840/2013 que, juntamente com o processo eleitoral de 2014, resultaram em certo estancamento de seu trâmite.

Como exemplo das críticas ao PL nº 6.840/2013, destacamos a entrevista concedida ao jornal Brasil de Fato14 14 - Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/27562. Acesso em: 10 set. 2014. pela professora Marise Ramos15 15 - Professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). . Ela afirma que o conteúdo do PL:

[…] representa um retorno à legislação da Reforma Capanema da década de 1940, em que o ensino era dividido entre o clássico, o científico e o profissionalizante. Até hoje é possível encontrar pessoas que estudaram sob a égide dessa legislação que nunca estudaram química ou física, porque fizeram o percurso clássico, ou que nunca estudaram filosofia, sociologia ou mesmo história.

A respeito da Reforma Capanema, resgatamos que essa foi empreendida pelo então ministro da educação Gustavo Capanema, em que se destacam a criação dos cursos de ensino médio do segundo ciclo, científico e clássico, com três anos de duração, destinados a preparar os estudantes para o ensino superior. Por outro lado, nessa mesma Reforma Capanema, “a formação profissional destinada aos trabalhadores instrumentais passa também a contar com alternativas em nível médio de 2° ciclo” (KUENZER, 2009KUENZER, Acácia (org.). Ensino médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2009., p. 28), sendo o agrotécnico, o comercial técnico, o industrial técnico e o normal, que não apresentavam como caminho o ensino superior, e sim a preparação para o trabalho. Isso caracteriza a dualidade entre uma trajetória propedêutica em direção ao ensino superior e outra de profissionalização. Entretanto, ainda há outra separação no interior do itinerário profissionalizante. Cunha (2000)CUNHA, Luiz Antônio. O ensino industrial-manufatureiro no Brasil. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, p. 89-193, 2000. Disponível em: http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/rbde14/rbde14_07_luiz_antonio_cunha.pdf. Acesso em: 17 jan. 2017.
http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/r...
destaca que a Reforma Capanema estabelece duas vertentes de formação de operários, como consta no Decreto nº 4.073/1942:

Art. 8º Os cursos de ensino industrial serão das seguintes modalidades:

  1. cursos ordinários, ou de formação profissional;

  2. cursos extraordinários, ou de qualificação, aperfeiçoamento ou especialização profissional;

  3. cursos avulsos, ou de ilustração profissional. (BRASIL, 1942BRASIL. Decreto-Lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942. Estabelece as bases de organização e de regime do ensino industrial. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 9 fev. 1942. Disponível em: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/1942/4073.htm. Acesso em: 1 jan. 2018.
    http://www010.dataprev.gov.br/sislex/pag...
    ).

Os cursos ordinários referem-se à formação em nível médio de segundo ciclo e os cursos extraordinários e avulsos eram destinados à formação mais rápida, com objetivo de especialização, atualização, continuação e aperfeiçoamento. Assim, a distribuição do formato desses cursos, pelo que consta no decreto, é um atendimento implícito ao modelo de produção taylorista-fordista, dado o caráter de divisão que demonstra a formação de trabalhadores mais qualificados (cursos ordinários) e outros menos qualificados (cursos extraordinários e avulsos), atendendo à divisão técnica do trabalho.

Quanto ao Pronatec, a oferta de cursos FIC compara-se aos cursos extraordinários e avulsos da Reforma Capanema, os quais estavam destinados à formação mais rápida, enquanto os cursos técnicos assemelham-se aos cursos ordinários ou de formação profissional da mencionada reforma dos anos 1940. Já a atual reforma (Lei nº 13.415/2017)16 16 - A lei estabelece que organização curricular do ensino médio será em duas partes. Uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) seguida de cinco possíveis itinerários formativos: I – linguagens e suas tecnologias; II – matemática e suas tecnologias; III – ciências da natureza e suas tecnologias; IV – ciências humanas e sociais aplicadas; V – formação técnica e profissional. Em razão de nosso objeto de estudo, neste artigo, nos centraremos no itinerário V. , no que concerne ao itinerário Formação Técnica e Profissional, segue a mesma lógica do Pronatec que, por sua vez, inspira-se na Reforma Capanema, como discutido no parágrafo anterior, senão vejamos: enquanto a formação técnica do itinerário “Formação técnica e profissional” se refere à formação em cursos técnicos de nível médio, a expressão e profissional está relacionada com a formação em cursos de qualificação profissional de curta duração, a exemplo dos cursos FIC do Pronatec.

Dessa forma, concluímos que há muitos aspectos da Reforma Capanema presentes na trajetória da implementação do Pronatec e, também, na atual Reforma do Ensino Médio.

Dando continuidade às análises sobre a atual Reforma do Ensino Médio, ressaltamos que após o impeachment da presidenta Dilma, as ideias do PL nº 6.840/2013 foram retomadas antes mesmo de completar-se um mês de Michel Temer como presidente. Assim, em setembro de 2016, foi editada a Medida Provisória (MP) nº 746/2016, posteriormente convertida na Lei nº 13.415/2017, conforme mencionado anteriormente.

Todo esse processo foi acompanhado por várias manifestações contra a reforma, por parte, principalmente, dos estudantes do ensino médio, que ocuparam várias escolas em todo o país em protesto contra o conteúdo da MP nº 746/2016 e outras medidas do governo Temer, incluindo o processo legislativo que resultou na Emenda Constitucional nº 95/2016, em um amplo movimento de resistência. Além dos estudantes, destacam-se os manifestos de entidades acadêmicas e políticas, as quais, conforme Ferreti e Silva (2017FERRETI, Celso João; SILVA, Mônica Ribeiro da. Reforma do ensino médio no contexto da Medida Provisória no 746/2016: estado, currículo e disputas por hegemonia. Educação & Sociedade, Campinas, v. 38, n. 139, p. 385-404, 2017., p. 288) fazem parte do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio.

Esse contexto, em que foi articulada a Reforma do Ensino Médio, logo é entendido por vários estudiosos da educação, a exemplo de Ferreti e Silva (2017)FERRETI, Celso João; SILVA, Mônica Ribeiro da. Reforma do ensino médio no contexto da Medida Provisória no 746/2016: estado, currículo e disputas por hegemonia. Educação & Sociedade, Campinas, v. 38, n. 139, p. 385-404, 2017., como um processo que envolve o acirramento das políticas neoliberais ainda mais severas para os trabalhadores.

Na exposição de motivos da MP nº 746/2016 apresentaram-se os seguintes pontos para a implementação da Reforma do Ensino Médio:

Atualmente o ensino médio possui um currículo extenso, superficial e fragmentado, que não dialoga com a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as demandas do século XXI. Uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Cebrap, com o apoio da Fundação Victor Civita – FVC, evidenciou que os jovens de baixa renda não veem sentido no que a escola ensina.

[…] Um novo modelo de ensino médio oferecerá, além das opções de aprofundamento nas áreas do conhecimento, cursos de qualificação, estágio e ensino técnico profissional de acordo com as disponibilidades de cada sistema de ensino, o que alinha as premissas da presente proposta às recomendações do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para Infância – Unicef. (BRASIL, 2016BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 3071/2016. Brasília, DF: TCU, 2016. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A258DA3A420158DF7EBE9A2443&inline=1. Acesso em: 21 jul. 2018.
https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/f...
, grifo nosso).

Com esses motivos, torna-se clara a intenção das mudanças propostas de atender prontamente às demandas do setor produtivo, fundamentadas pelas premissas dos organismos internacionais, a exemplo do Banco Mundial e Unicef, os quais foram citados na Exposição de Motivos. Isso se coaduna com o que vem sendo implementado no Pronatec, principalmente quando o programa passou por algumas modificações, a partir da MP nº 746/2016, quando o governo anunciou em dezembro de 2016 a ampliação das vagas de cursos técnicos por meio do Mediotec.

Com isso, observamos que durante 2017 deslocou-se a centralidade do Pronatec dos cursos FIC para a oferta dos cursos técnicos via MedioTec. Esse movimento significou uma intenção clara do governo em implementar a Reforma do Ensino Médio, sob o discurso de formar uma força de trabalho mais qualificada para o setor produtivo.

Nesse sentido, tanto o Pronatec como a Reforma do Ensino Médio têm um projeto bem definido de contribuição para reprodução do sistema capitalista, e a concepção de educação tem por base uma formação exclusivamente técnica, em detrimento de uma educação capaz de possibilitar formação ampla, por meio da integração entre educação, trabalho, ciência e tecnologia.

Considerações finais

Diante deste cenário preocupante que se desenha para a educação profissional com a implementação do Pronatec e o conjunto de transformações que desembocou na Reforma do Ensino Médio, o qual faz parte de um contexto maior de produção e reprodução do sistema capitalista, reiteramos que uma política pública que tenha por objetivo melhorar a educação brasileira e, sobretudo, o ensino médio, deve apresentar ações concretas que visem garantir o direito à continuidade dos estudos aos jovens mais pobres e não os predestinem ao chamado exército industrial de reserva ou aos postos de trabalho que demandam baixa qualificação e, por consequência, menores salários e péssimas condições de ocupação (OFFE; LENHARDT, 1984OFFE, Claus; LENHARDT, Gero. Teoria do Estado e política social. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. p. 10-53.).

Entendemos que o ensino médio que integra educação propedêutica e educação profissional, ofertado em grande parte pelos institutos federais, colégios de aplicação das universidades federais e algumas redes estaduais, representa uma das experiências que mais se aproxima da formação humana integral, fundamentada na politecnia, na omnilateralidade e na escola unitária, apesar dos desafios que se apresentam em superar as demandas exclusivas do mercado.

Dessa forma, um programa ou uma reforma que realmente defenda a melhoria da qualidade do ensino médio deveria ter por base a ampliação da oferta do ensino médio integrado, assumindo o compromisso com os estudantes, principalmente, os mais pobres, e dando-lhes condições de participar ativamente na consolidação de uma sociedade substantivamente democrática em nosso país.

Referências

  • ALVES, Giovanni. Crise do neodesenvolvimentismo e Estado neoliberal no Brasil: elementos de análise de conjuntura do capitalismo brasileiro. In: CORSI, Francisco L.; CAMARGO, José M.; SANTOS, Agnaldo (org.). A conjuntura econômica e política brasileira e argentina. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015. p. 25-48. Disponível em: https://www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/a-conjuntura-politica_ebook.pdf Acesso em: 2 out. 2016.
    » https://www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/a-conjuntura-politica_ebook.pdf
  • BARBOSA FILHO, Fernando de Holanda. A crise econômica de 2014/2017. Estudos Avançados, São Paulo, v. 31, n. 89, p. 51-60, 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142017000100051 Acesso em: 16 jul. 2018.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142017000100051
  • BARBOSA FILHO, Fernando de Holanda; PORTO, Rogerio de Faria; DELFINO, Denisio Augusto Liberato. Pronatec bolsa formação: uma avaliação inicial sobre reinserção no mercado de trabalho formal. Brasília, DF: Secretaria de Política Econômica, 2015.
  • BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.
  • BOITO JÚNIOR, Armando. Os atores e o enredo da crise política. In: JINKINGS, Ivana et al. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 23-30.
  • BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaina. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 183-191.
  • BRASIL. Decreto-Lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942. Estabelece as bases de organização e de regime do ensino industrial. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 9 fev. 1942. Disponível em: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/1942/4073.htm Acesso em: 1 jan. 2018.
    » http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/1942/4073.htm
  • BRASIL. Programa de rádio “Café com a Presidenta”, com a Presidenta da República, Dilma Rousseff. Biblioteca Presidência da República, Brasília, DF, 24 out. 2011. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/dilma-rousseff/cafe-presidenta/programa-de-radio-201ccafe-com-a-presidenta201d-com-a-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-9 Aceso em: 1 jan. 2018.
    » http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/dilma-rousseff/cafe-presidenta/programa-de-radio-201ccafe-com-a-presidenta201d-com-a-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-9
  • BRASIL. Projeto de Lei n° 6.840/2013. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para instituir a jornada em tempo integral no ensino médio, dispor sobre a organização dos currículos do ensino médio em áreas do conhecimento e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2013. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1200428&filename=PL+6840/2013 Acesso em: 5 set. 2014.
    » http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1200428&filename=PL+6840/2013
  • BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 3071/2016. Brasília, DF: TCU, 2016. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A258DA3A420158DF7EBE9A2443&inline=1 Acesso em: 21 jul. 2018.
    » https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A258DA3A420158DF7EBE9A2443&inline=1
  • BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
  • COSTA, Frederico Lustosa da; CASTANHAR, José Cezar. Avaliação de programas públicos: desafios conceituais e metodológicos. Revista de Administração Pública, São Paulo, v. 37, n. 5, p. 969-992, 2003.
  • CUNHA, Luiz Antônio. O ensino industrial-manufatureiro no Brasil. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 14, p. 89-193, 2000. Disponível em: http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/rbde14/rbde14_07_luiz_antonio_cunha.pdf Acesso em: 17 jan. 2017.
    » http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/rbde14/rbde14_07_luiz_antonio_cunha.pdf
  • DOURADO, Luiz Fernandes (org.). Plano Nacional de Educação (2011-2020): avaliação e perspectivas. Goiânia: UFG; Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
  • FERREIRA, Eliza Bartolozzi; SILVA, Mônica Ribeiro da. Centralidade do ensino médio no contexto da nova “ordem e progresso”. Educação & Sociedade, Campinas, v. 38, n. 139, p. 287-292, 2017.
  • FERRETI, Celso João; SILVA, Mônica Ribeiro da. Reforma do ensino médio no contexto da Medida Provisória no 746/2016: estado, currículo e disputas por hegemonia. Educação & Sociedade, Campinas, v. 38, n. 139, p. 385-404, 2017.
  • GOMES, Ana Waleska Amaral Leal. O que podemos dizer sobre o Pronatec? Estudo técnico da Câmara dos Deputados. Brasília, DF: Câmara Federal, 2016. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema11/2016_9576_pronatec_ana-valeska Acesso em: 3 mar. 2018.
    » http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema11/2016_9576_pronatec_ana-valeska
  • HARVEY, David. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2016.
  • JINKINGS, Ivana. O golpe que tem vergonha de ser chamado de golpe. In: JINKINGS, Ivana et al. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 11-15.
  • KUENZER, Acácia (org.). Ensino médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
  • LIMA, Marcelo. Problemas da educação profissional do governo Dilma: PRONATEC, PNE e DCNEMs. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 21, n. 2, p. 73-91, 2012.
  • LIMA, Marcos Ricardo. PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego: uma crítica na perspectiva marxista. Rede de Estudos do Trabalho, Coimbra, v. 6, n. 11, 2012. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/texto/gt1/pronatec.pdf Acesso em: 10 jun. 2014.
    » http://www.estudosdotrabalho.org/texto/gt1/pronatec.pdf
  • LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos de dialética marxista. Porto: Escorpião, 2003.
  • NERI, Marcelo Cortês (org.). A educação profissional e você no mercado. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2010. Disponível em: https://www.cps.fgv.br/ibrecps/VOT2/index.htm Acesso em: set. 2014.
    » https://www.cps.fgv.br/ibrecps/VOT2/index.htm
  • O’CONNOR, James. USA, a crise do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
  • OFFE, Claus; LENHARDT, Gero. Teoria do Estado e política social. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. p. 10-53.
  • PERONI, Vera Maria Vidal. A privatização do público: implicações para a democratização da educação. In: PERONI, Vera Maria Vidal (org.). As redefinições das fronteiras entre o público e o privado. Brasília, DF: Liber Livro, 2013. p. 9-32.
  • RAMOS, Marise N. O projeto unitário de ensino médio sob os princípios do trabalho, da ciência e da cultura. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (org.). Ensino médio: ciência, cultura e trabalho. Brasília, DF: MEC: Semtec, 2004. p. 1-14.
  • SANTOS, Maurício Ivan dos; RODRIGUES, Romir de Oliveira. O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - PRONATEC: um olhar a partir das relações entre o público e o privado. In: PERONI, Vera Maria Vidal (org.). As redefinições das fronteiras entre o público e o privado. Brasília, DF: Liber Livro, 2013. p. 290-307.
  • SCHEIRER, Mary Ann. Designing and using process evaluation. In: WHOLEY, Joseph S.; HATRY, Harry P.; NEWCOMER, Kathryn E. (ed.). Handbook of practical program evaluation. San Francisco: Jossey Bass, 1994. p. 40-68.
  • SENAI. Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Relatório de gestão de 2015. Brasília, DF: Senai, 2015. Disponível em: http://www.portaldaindustria.com.br/senai/institucional/relatorio-anual/ Acesso em: 20 fev. 2018.
    » http://www.portaldaindustria.com.br/senai/institucional/relatorio-anual/
  • SOUZA, Lincoln Moraes. Políticas públicas: introdução às atividades e análise. Natal: UFRN, 2009.
  • 2
    - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
  • 3
  • 4
  • 5
  • 6
    - Os cursos FIC compreendem a modalidade de bolsa-formação trabalhador e os cursos técnicos abrangem a bolsa-formação estudante. Encontram-se registradas na Lei n° 12.513/2011, artigo 4º, inciso IV, essas modalidades. Para nós, o uso na lei da nomenclatura “bolsa” vincula-se ao formato da oferta do programa por meio das chamadas parcerias público-privada. Assim, tanto a bolsa-formação estudante quanto a bolsa-formação trabalhador foram as formas encontradas pelo governo para repasse de recursos financeiros do programa a própria rede de educação profissional e tecnológica, como a principal manobra jurídica para destinação de verbas públicas para o Sistema S e demais empresas privadas.
  • 7
    - Disponível em: http://cps.fgv.br/VOT2. Acesso em: 1 set. 2014.
  • 8
    - Qualificação profissional é o termo utilizado na pesquisa para os cursos FIC.
  • 9
  • 10
    - A origem dessa crise exige investigações mais profundas. Tem relação com a crise da economia mundial desencadeada a partir de 2008 e com a crise política do Brasil remanescente do processo eleitoral de 2014. Entretanto, não aprofundaremos esta discussão em função do nosso objeto de estudo.
  • 11
    - Damos destaque ao uso da expressão “chamada Reforma do Ensino Médio”, para problematizarmos o que argumenta Ferreira (2017), ao dizer que se trata de uma contrarreforma, com base em Behirng (2003), que se recusa a vincular o conceito de reforma a processos progressivos e considera que reformas são uma estratégia da esquerda.
  • 12
    - É importante mencionar essa data porque a Resolução CNE/CEB nº 02/2012, que aprovou novas diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio, foi homologada em 30 de janeiro, fundamentando-se em uma concepção de formação humana integral. Enquanto isso, a CEENSI, que elaborou o PL nº 6.840 fundamentando-se em uma perspectiva mercadológica de formação humana, foi feita apenas dois meses depois (15 de março de 2012), por iniciativa de um parlamentar do PT.
  • 13
    - As entidades que compõem o Movimento Nacional pelo Ensino Médio são: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes), Fórum Nacional de Diretores das Faculdades de Educação (Forumdir), Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), Sociedade Brasileira de Física (SBF), Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica (Conif) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Disponível em: http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/movimento-nacional-em-defesa-do-ensino-medio-2/.
  • 14
    - Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/27562. Acesso em: 10 set. 2014.
  • 15
    - Professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
  • 16
    - A lei estabelece que organização curricular do ensino médio será em duas partes. Uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) seguida de cinco possíveis itinerários formativos: I – linguagens e suas tecnologias; II – matemática e suas tecnologias; III – ciências da natureza e suas tecnologias; IV – ciências humanas e sociais aplicadas; V – formação técnica e profissional. Em razão de nosso objeto de estudo, neste artigo, nos centraremos no itinerário V.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2020
  • Revisado
    02 Set 2020
  • Aceito
    20 Out 2020
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Av. da Universidade, 308 - Biblioteca, 1º andar 05508-040 - São Paulo SP Brasil, Tel./Fax.: (55 11) 30913520 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revedu@usp.br