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CHARGES UM DOCUMENTO VISUAL ÁCIDO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO DAS FALAS DO PRESIDENTE JAIR BOLSONARO E A COVID-19

Cartoons an acid visual document: a critical analysis of president Jair Bolsonaro's speech and covid-19

RESUMO

Objetivo:

Discute a charge como documento sob a perspectiva neodocumentalista que examina os efeitos sociais, econômicos e políticos na realidade brasileira, sobretudo, nas falas do Presidente Jair Bolsonaro e a Covid-19.

Método:

De natureza qualitativa, a investigação alia a pesquisa documental e bibliográfica, sob a perspectiva da Análise Crítica do Discurso (ACD) em que se analisou as charges nos jornais a Gazeta, O Liberal e Diário Catarinense e também sites como o Dom Total, Blog do Brito dos chargistas Carlos Britto, Jota Bosco, Amarildo, Duke e Zé Dassilva.

Resultado:

A charge foi analisada como um elemento catalisador de informação que trabalha com a concepção de compartilhamento de informações visuais e imagéticas, como formas interdisciplinares que podem ser analisadas a partir dos sentidos que lhes são atribuídos, portanto, uma importante fonte de informação social para ser pensada na CI. Na literatura sobre CI, a charge ainda é considerada como um documento material e reduzida ao tratamento técnico da informação, que contribui sobremaneira para o campo da CI.

Conclusões:

Em suma, nossa análise concluiu que a charge é também um neodocumento uma evidência documental que representa a informação e que precisa ser tratada e armazenada para futuras pesquisas, como um tipo de informação simbólica, que suscita diálogos críticos sobre o tempo e a memória.

PALAVRAS-CHAVE:
Neodocumentação; Charges; Discurso; Informação visual; Covid-19-Brasil

ABSTRACT

Objective:

It discusses the cartoon as a document from a neodocumentalist perspective that examines the social, economic and political effects of Brazilian reality, especially in the speeches of President Jair Bolsonaro and Covid-19.

Method:

Qualitative in nature, the research combines documentary and bibliographic research, from the perspective of Critical Discourse Analysis (ACD) in which the cartoons in the newspapers were analyzed in Gazeta, O Liberal and Diário Catarinense and also sites such as Dom Total, Blog do Brito dos chargistas Carlos Britto, Jota Bosco, Amarildo, Duke and Zé Dassilva.

Result:

The cartoon was analyzed as a catalyst element of information that works with the conception of sharing visual and imagery information, as interdisciplinary forms that can be analyzed from the meanings attributed to them, therefore, an important source of social information to be thought of in IC. In the literature on IC, the cartoon is still considered as a material document and reduced to the technical treatment of information, which contributes greatly to the field of IC.

Conclusions:

In short, our analysis concluded that the cartoon is also a neodocument documentary evidence that represents information and that needs to be treated and stored for future research, as a type of symbolic information, which raises critical dialogues about time and memory.

KEYWORDS:
Neo-documentation; Cartoons; Discourse; Visual Information; Covid-19-Brazil

1 INTRODUÇÃO

O estudo apresenta pertinência investigativa ao pensamento informacional Ibero-americano no contexto brasileiro em relação à tendência da neodocumentação, busca-se na CI, a revitalização do conceito de documento substituído pelo termo informação. Pesquisadores brasileiros como González de Gómez (2011GONZÁLEZ DE GOMES, Maria Nélida. A documentação e o Nedocumentalismo. In: CRIPPA, Giulia; MOSTAFA, Solange Puntel (Org.). Ciência da Informação e Documentação. Campinas, SP: Editora Alínea, 2011.), Santos et al (2018SANTOS, Francisco Edvander Pires et al. Documento e informação audiovisual: bases conceituais numa perspectiva neodocumentalista. Em Questão, Porto Alegre, v. 24, n. 2, p. 235-259, maio/ago. 2018. Disponível em:http://dx.doi.org/10.19132/1808-5245242.235-259. Acesso em: 23 abr. 2022.
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) e Araújo e Valentim (2019ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila; VALENTIM, Marta Ligia Pomim. A Ciência da Informação no Brasil: mapeamento da pesquisa e cenário institucional. Bibliotecas. Anales de Investigación, v. 15, n. 2, p. 232-259, 2019.) indiciam a CI ao isolar o conceito de documento e focar na informação entendida como “conteúdo objetivo” dos documentos, sem prestar atenção às práticas sociais, políticas, econômicas e culturais onde a informação é produzida no mundo da vida.

Nesse sentido, podemos analisar a charge como documento sob a perspectiva da Ciência da Informação? Para tanto, objetiva-se, nesse texto, discutir a charge como documento sob a perspectiva neodocumentalista que examina os efeitos sociais, econômicos e políticos na realidade brasileira, sobretudo, nas falas do Presidente Jair Bolsonaro e a Covid-19. De acordo com Araújo e Valentim (2019ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila; VALENTIM, Marta Ligia Pomim. A Ciência da Informação no Brasil: mapeamento da pesquisa e cenário institucional. Bibliotecas. Anales de Investigación, v. 15, n. 2, p. 232-259, 2019.) e Araújo (2021), a neodocumentação busca, portanto, um acordo específico entre pesquisa de conhecimento e vida social. De acordo com esses fatores, trata-se de um reencontro e uso das dimensões contextuais às quais o documento está vinculado.

Recorre-se a uma perspectiva metodológica da Análise Crítica do Discurso (ACD) para considerar a charge como registro documental que examina os efeitos sociais e políticos de forma ácida, isto é, a acidez que aqui remete ao que Minois (2003MINOIS, George. História do riso e do escárnio. São Paulo: Ed. Unesp, 2003.) julga como o espírito crítico sob a forma cômica. Sobre a vertente dessa categoria de humor, relaciona-se a charge que exprime críticas através da via simbólica com a sua acidez cômica sobre um personagem e discurso que está em evidência na sociedade.

Por isso, o humor apresenta-se em forma de códigos críticos na análise sobre as charges e requer atenção aos detalhes de expressões e desenhos para que assim a leitura crítica tenha o efeito desejado. Há que se ressaltar que a charge incide no emocional do leitor, por intermédio da imagem, e funciona como crítica do comportamento social ou político. Possibilita ainda criar muitos produtos inesquecíveis que descrevem apropriadamente a cultura, a sociedade e a vida cotidiana em que foram criadas (GINMAN; VON UNGERN-STERNBERG, 2003GINMAN, Mariam; VON UNGERN-STERNBERG, Sara. Cartoons as informations. Journal of Information Science, v. 29, n.1, 2003. Disponível em: https://journals-sagepub-com.ez87.periodicos.capes.gov.br/doi/10.1177/016555150302900109. Acesso em 28 abr. 2021.
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).

O contexto em que se analisa as charges e o critério de seleção das charges são os conteúdos advindos da fala do Presidente que causaram críticas e tornaram-se notícias jornalísticas referentes à má gestão da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Nesse ponto, avaliar a importância da charge como registro de uma época e sua permanência para o futuro, assim como seus efeitos sociais e a inserção política, cultural e social dos documentos, sobretudo, a produção de sentidos é justificada a importância desta pesquisa. Isto porque, posteriormente, poderá recuperar os sentidos de suas falas em relação à pandemia e como ela foi reproduzida em noticiários de maneira sátira, um dos recursos que a charge pode proporcionar e isso destaca-se no sentido dado por Saldanha (2013SALDANHA, Gustavo Silva, 2013. O documento e a “via simbólica”: sob a tensão da “neodocumentação”. Informação arquivística, v. 2, n. 1. Disponível em: http://www.aaerj.org.br/ojs/index.php/informacaoarquivistica/article/view/17. Acesso em 05 ago. de 2020.
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) sobre o conceito de neodocumento em seu artigo intitulado “O documento e a “via simbólica: sob a tensão da neodocumentação”. Ele considera a reflexão da imaterialidade do documento sob a perspectiva da Organização dos Saberes (OS), nesse caso são as charges que podem ser uma representação significativa sobre a dimensão social do documento validado no mundo da vida a partir do que Saldanha (2013, p. 102) chama de neodocumentação, uma (re)avaliação do objeto “documentos” através da corrente de pensamento de Bernd Frohmann, Niels Windfeld Lund, Ronald E. Day. Estes referem que o “renascimento” ou reconceito das abordagens documentais foge do determinismo em que estava agrupada a documentação como “classe genérica de documentos que indicava o conjunto de registros dos saberes que eram correlatados ou derivados dos livros - ou apenas similares, em natureza, aos livros”.

Saldanha (2013SALDANHA, Gustavo Silva, 2013. O documento e a “via simbólica”: sob a tensão da “neodocumentação”. Informação arquivística, v. 2, n. 1. Disponível em: http://www.aaerj.org.br/ojs/index.php/informacaoarquivistica/article/view/17. Acesso em 05 ago. de 2020.
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, p. 103) esclarece que a neodocumentação se organiza “[...] no âmbito de um mundo atravessado pelo determinismo digital, onde a ‘web’ se torna ou pretende se tornar o palco primordial de atuação do homem”. Essa reflexão sobre a neodocumentação reverbera com o crescimento das informações e dos discursos que emergem da ‘web’, no entanto, é importante sinalizar que, para o estudo desenvolvido, as charges analisadas serão as produzidas e veiculadas na Web, porém, elas não são exclusividades desse ambiente, pois são bem anteriores a esse meio.

A princípio, desenha-se uma conjuntura da neodocumentação como uma representação discursiva e simbólica, porque as charges vêm alcançando sua notoriedade imaterial e ganhando forças no mundo da ‘web’, com o uso crescente de ferramentas digitais, principalmente por meio das redes sociais, como Blogs, Facebook, Twitter, Instagram, entre outros, que contribuem para que os usuários das redes também sejam criadores de conteúdo, tirando-a das mãos dos veículos tradicionais de comunicação, como os jornais e as revistas impressos.

Isso favorece o surgimento de textos humorísticos, que são variados e fazem parte do dia a dia dos usuários da Internet (BARBOSA, 2019). Como fenômeno imaterial, a charge carrega uma linguagem dos signos. Portanto é uma forma de leitura semiótica de informação, porque propõe estudos aprofundados na Organização Social do Conhecimento e que podem contribuir para o campo da CI. Gatto (2018GATTO, Ana Clara. Análise documental de imagem: uma leitura das contribuições semióticas. Revista Digital Biblioteconomia e Ciência da Informação, Campinas, v. 16, n. 1, jan./abr. 2018. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rdbci/article/view/8650508/pdf. Acesso em: 28 jul. 2020.
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) defende que, na Ciência da Informação, a imagem é vista como documento e, assim como um texto, representa um contexto histórico utilizando signos icônicos para transmitir e comunicar uma informação verbal por meio do cenário e da expressão corporal dos personagens e objetos presentes.

Santanella (2001SANTANELLA, Lúcia. O que é semiótica. Brasília: Brasiliense, 2001.) assinala que a Semiótica é uma ciência de toda e qualquer linguagem, visto que nos tornamos leitores e comunicadores e nos orientamos por intermédio de imagens, gráficos, sinais, setas, números e luzes. A imagem pode ser registrada em formato de charges, porque os textos chargicos transmitem informações (informatividade) utilizando o sistema pictórico ou sincreticamente o pictórico e o verbal (ROMUALDO, 2000ROMUALDO, Edson Carlos. Charge Jornalística: polifonia e intertextualidade. Maringá: Eduem, 2000. Disponível em: http://old.periodicos.uem.br/~eduem/novapagina/?q=system/files/Liv-Edson-1.pdf. Acesso em: 27 jul. 2020.
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).

No que diz respeito à neodocumentação, consideramos o pensamento de Gomes (2015GOMES, Thulio Pereira Dias. A charge é o assunto: análise documentária de charge. 2015. 170f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Rio de Janeiro, 2015.), que propõe a charge como uma fonte primária para as humanidades e como material de apoio didático, tanto no nível básico de ensino quanto no superior. Podemos dizer que a charge é objeto informativo para determinados segmentos de usuário, o que a justifica como um objeto de atenção da Ciência da Informação (GOMES, 2015GOMES, Thulio Pereira Dias. A charge é o assunto: análise documentária de charge. 2015. 170f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Rio de Janeiro, 2015.).

Desse modo, as charges são consideradas um neodocumento, que não tem caráter físico, mas que se consolida por intermédio das construções coletivas e interpretativas que emergem do social. Na perspectiva da neodocumentação, referimo-nos a charge é uma fonte de documentação que está apta a ser estudada na CI. Segundo Gomes (2015GOMES, Thulio Pereira Dias. A charge é o assunto: análise documentária de charge. 2015. 170f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Rio de Janeiro, 2015., p. 128),

[...] a charge já é considerada fonte de informação para alguns domínios, especialmente como fonte primária para as humanidades e como material de apoio didático, tanto em nível básico quanto em nível superior de ensino. Desse modo, é possível dizer que a charge é objeto informativo para determinados segmentos de usuário, o que a justifica como objeto de atenção pela ciência da informação.

A propósito, quando fazemos uma breve leitura interpretativa de determinados signos, cujos símbolos estão à disposição de produtores e intérpretes para serem utilizados como direcionamento discursivo, podemos entender que eles fazem parte de uma representação da informação na qual eles foram decifrados e estudados e, por conseguinte, explicados e disseminados.

Para isso, a perspectiva metodológica é de natureza qualitativa, aliada a pesquisa documental e bibliográfica, sob a perspectiva da Análise Crítica do Discurso (ACD) em que se analisou as charges nos jornais: a Gazeta; O Liberal; Diário Catarinense. Também sites como o Dom Total, Blog do Brito dos chargistas Carlos Britto, Jota Bosco, Amarildo, Duke e Zé Dassilva.

A ACD estuda o modo como as características do contexto, tais como as propriedades dos usuários da língua de grupos poderosos, influenciam os membros dos grupos dominados. Entre os poderosos, temos o Presidente Bolsonaro, com suas falas durante a pandemia do novo coronavírus assinaladas nas charges. Para analisá-las, a pesquisa cumpriu o papel de analista crítico do discurso, que, segundo Van Dijk (2018VAN DIJK, Teun A. Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2018., p. 253),

[...] pode mostrar, em detalhes, como tópicos, manchetes e leads do discurso jornalístico [...] ou slogans no discurso político, podem ser usados e abusados para definir a situação, isto é, de que forma essas estruturas discursivas podem ser usadas para construir as estruturas mais elevadas dos modelos mentais de eventos. (VAN DIJK, 2018VAN DIJK, Teun A. Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2018., p. 253).

Estudar a caracterização das charges como registro discursivo constitui um dos primeiros pontos que relacionamos com (ACD) para desvelar a produção de sentidos. Do ponto de vista de Van Dijk (2018VAN DIJK, Teun A. Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2018., p. 251), a ACD “[…] realiza-se por meio do discurso em um sentido mais amplo, isto é, incluindo características não verbais como gestos, expressões faciais, layout de texto, imagens, e assim por diante”.

Esses são os critérios utilizados na investigação e que se relacionam com a ACD na construção das reflexões sobre as charges que envolvem os questionamentos diante de falas e discursos emitidos pelo Presidente Jair Bolsonaro quem podem ser uma conversa, por exemplo, filmada por jornalistas e que se transforma em reportagem ou até mesmo em entrevistas. Nesse contexto de estreita relação entre uma conversação e um discurso “[...] a ACD efetua perguntas sobre o modo como as estruturas específicas do discurso são organizadas para reproduzir a dominação social, quer façam parte de uma conversação, de uma reportagem jornalística ou de outros gêneros e contextos” (VAN DIJK, 2018VAN DIJK, Teun A. Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2018., p. 116).

Na análise do texto, ACD é o método analítico das charges que representam as falas de Jair Bolsonaro diante do enfrentamento da pandemia do coronavírus. Essas falas trouxeram impacto social e nortearam uma política anticiência a qual a sociedade viveu diante da crise sanitária mundial. Foram pesquisadas em jornais e portais da Internet charges sobre as falas do presidente sobre o contexto do Coronavírus que repercutiram nos noticiários, a saber: “E daí? Quer que eu faça o que?”; “Coronavírus é fantasia”; “Bolsonaro defende fim do isolamento. A cloroquina de Bolsonaro”. Também foram consultados portais e jornais online que informavam sobre a situação da pandemia do coronavírus.

Nesse ponto, o discurso do Presidente, que se transformou em charges, apresenta pertinência investigativa ao pensamento informacional Ibero-Americano no contexto brasileiro, mormente em relação à tendência da neodocumentação, pois busca, na CI, a revitalização do conceito de documento substituído pelo termo informação.

A charge como documento sob a perspectiva neodocumentalista, mostra-se como uma contribuição relevante para discussões, em especial no plano metodológico de investigações da ACD, a saber: problemas sociais; relações de poder discursivas, discurso pautado na ideologia (VAN DIJK, 2018VAN DIJK, Teun A. Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2018.). Também contribui a teoria do documento como pensamento informacional, que explora as origens e dimensões de um documento e o fato que esse pode ter efeito social.

Por esse ângulo, a ACD colabora no sentido de descortinar “[...] questionamentos aos pensamentos estabelecidos, colocar em dúvida modelos hegemônicos, subverter ordens, promover deslocamentos. Os estudos culturais, em sua crítica ao elitismo cultural” (ARAÚJO, 2018, p.2), contexto que envolve os discursos de uma autoridade, pautado em ideologia, frente à aversão científica, isto é, o discurso anticiência sobre os problemas sociais que sobreveio pela dura realidade da pandemia direcionado às falas que se acentuam nas charges.

Discursos que se popularizaram e virou acontecimento de discussão sobre as falas de Jair Bolsonaro estão a sua defesa em favor da aglomeração de pessoas, do não uso de máscaras e do uso de medicamentos não consistentes para tratamento da covid-19, que não estava de acordo com as informações da Organização Mundial da Saúde - OMS. Assim, as charges, em blogs, jornais eletrônicos e redes sociais ilustram as falas do Presidente e enfatizam as críticas ao seu conteúdo.

Portanto, para análise das charges, recorremos a autores das áreas de Ciências da Comunicação e Ciência da Informação, respectivamente, para dialogar sobre o conteúdo das charges, reproduzidas em jornais e mídias digitais, concebidas como um suporte imaterial, que suscita novos debates acerca do que pode envolver a documentação digital e sua percepção simbólica.

Também pode apresentar uma contribuição aos estudos informacionais brasileiros, na medida em que apresenta discussões de ordem teórica, metodológica e de análise de um objeto empírico ainda pouco explorado na CI a ser discutida a partir das perspectivas da documentação, pois Gomes (2013GOMES, Thulio Pereira Dias. Temas e questões em análise documentária de charge. 2013. 65 f. Trabalho de Conclusão de Curso - (Graduação em Biblioteconomia). Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013., p. 26-27) define a charge como um “[...] gênero discursivo de uso híbrido das linguagens verbal e imagética, caracterizado pela temporalidade marcada pela sátira e pelas críticas referentes a determinado evento, em geral, de natureza política.” (GOMES, 2013GOMES, Thulio Pereira Dias. Temas e questões em análise documentária de charge. 2013. 65 f. Trabalho de Conclusão de Curso - (Graduação em Biblioteconomia). Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013., p. 26-27). Para examinar as charges, partimos da tríade ‘comunicação, informação e documentação’, que ressignificam a forma como a charge passa a ser apresentada na CI, que vai além dos procedimentos de um tratamento informacional da perspectiva do olhar técnico.

Por isso, é apresentada como uma fonte informacional com a documentação em seu status de compartilhamento social e pauta-se em um suporte que considera o discurso presidencial, orientado por imagem. Nessa perspectiva, nossa análise requer bases conceituais aprofundadas sobre a informação. Por fim, a pesquisa apresenta trechos das falas do Presidente para se compreender o discurso de anticiência amplamente disseminado durante a pandemia e a dimensão insensível de sua fala quanto às perdas e ao luto. Assim, foram analisadas cinco charges que ilustram as falas constituídas pela insensibilidade do Presidente em relação à pandemia.

2 NEODOCUMENTAÇÃO: A CHARGE COMO REGISTRO DOCUMENTAL

A discussão sobre neodocumentação como suporte imaterial da informação visual, é conduzida por Araújo (2017ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. Teorias e tendências contemporâneas da Ciência da Informação. Inf. Pauta, v. 2, n. 2, 2017. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/informacaoempauta/article/view/20162/71589. Acesso em: 16 maio. 2021.
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), ao expandir a análise em todos os aspectos do “documento” em marcas de seu contexto de quem o produziu, do suporte em que está inscrito, de suas dimensões e tamanhos, de seus aspectos estéticos, entre outros. Tomamos, por exemplo, a teoria documental e a neodocumentação vinculada ao pensamento informacional Ibero-Americano que explora o pensamento crítico da realidade informacional.

Destaca-se o pensamento crítico pela interpretação das charges no sentido de ser um registro visual interpretador e contextual que provoca no leitor narrativas, um horizonte para compreender determinado acontecimento em um contexto social. Além disso, tal contexto citado sobre a charge pode ser entendido a partir do conceito de documento apontado por Buckland (2018BUCKLAND, Michael. Document theory. Knowledge organization, v. 45, n. 5, p. 425-436, 2018.), o qual:

Um objeto é considerado um documento quando há uma afirmação ou percepção de evidência para alguma crença. O efeito de um documento, então, depende da crença em algum aspecto da realidade […]. No entanto, para funcionar como um documento, é necessário um ato de percepção (ler, ver ou sentir), portanto, um observador é tão necessário quanto um criador (BUCKLAND, 2018BUCKLAND, Michael. Document theory. Knowledge organization, v. 45, n. 5, p. 425-436, 2018., p. 427).

O autor considera a percepção uma palavra fundamental para quando se está à frente de um documento e da compreensão das evidências, de modo que o aspecto cognitivo das necessidades do tempo, espaço e contexto cultural deverá está situado para que ocorra a compreensão, já que “[...] nenhum documento é percebido fora de contexto.” (BUCKLAND, 2018BUCKLAND, Michael. Document theory. Knowledge organization, v. 45, n. 5, p. 425-436, 2018., p. 431). Tratando-se do texto charge, que explora símbolos, códigos culturais, serão consideradas essas características em buscar saber, através do registro visual, acontecimentos sobre um determinado comportamento social, uma opinião, acontecimento, imagens da sociedade ou sobre uma figura pública que desperta o interesse público.

Como linha investigativa para essa pesquisa, torna-se necessário o pesquisador que manipula os documentos atentar-se a sua percepção de ler, ver e sentir a representação de um registro visual, visto que está manifesto a uma variedade de dispositivos informacionais e narrativos que incluem texto e imagem que encontram-se inseridos nos jornais e revistas. Sendo a percepção a grande aliada para o manuseio deste determinado documento, uma vez que a gama deste material para o investigador requer não apenas exaustivas leituras das folhas dos jornais, mas também a atenção sobre o que se busca e questiona, observar textos e imagens que se voltam para a ordem do discurso, e também sobre o que está por trás de determinadas notícias, isto é, o que está sobre suspeita. É um breve contexto que se adéqua na tríade: ler, ver e sentir.

Buckland (2018BUCKLAND, Michael. Document theory. Knowledge organization, v. 45, n. 5, p. 425-436, 2018.) atribui três origens de um documento, quando ele é: criado, transformado ou considerado. No primeiro, está a intencionalidade, quando ele foi criado para ser um documento, de modo a deixar provas sobre um fato, atribuindo a visão convencional.

No segundo, quando ele pode ser utilizado como um documento, isto é, transformado e atribuído como um, onde surgem fragmentos que possam ser observados, em razão de atributos que nele consiga ler uma evidência, ocasionando uma abordagem funcional.

O terceiro está ligado, a priori, na percepção sobre qualquer objeto que não tenha relação com os dois primeiros, em que um perceptor atribui como documento, quer seu criador ou não pretendesse que fosse um documento ou não, sendo uma visão semiótica.

Para essa pesquisa, a charge como um registro visual alcança o conceito de documento como atribuição, pois embora ele não seja criado para ser um, na medida que ele é utilizado como meio informativo de uma representação, um texto sátiro, nele são apreendidas informações que, quando contextualizadas no tempo, tornam-se evidências de um determinado acontecimento. Para Louis Quéré (2005), o acontecimento é uma instância que evoca o passado e o futuro. E, é isso que fazemos, olhamos para trás e pensamos sobre o que passou despercebido, onde foi enunciado? Nessa perspectiva, o acontecimento é um exemplo que estimula o conhecimento e recebe poderes hermenêuticos que impulsionam o pensamento a buscar e explorar a compreensão.

Os documentos como registros visuais são conforme a sua importância documental e corresponde ao que Briet (2016BRIET, Suzanne. O que é a documentação?. Brasília, DF: Briquet Lemos, 2016.) pensa ao investigar sobre os subsídios em relação ao conceito de documentação e as novas “roupagens documentais” que constituem parte dos objetos que consistem na ampliação do que é a documentação.

A autora esclarece que, através das múltiplas comunicações da contemporaneidade, um documento é “todo indício, concreto ou simbólico, conservado ou registrado, com a finalidade de representar, reconstituir ou provar um fenômeno físico, ou intelectual” (BRIET, 2016BRIET, Suzanne. O que é a documentação?. Brasília, DF: Briquet Lemos, 2016., p. 1). Caracteriza-se um paralelo com as charges que apresentam um registro sátiro, ou uma crítica de modo a representar um acontecimento ou evidenciar um fato histórico, contexto que oferece elementos para pensar as charges como evidência, isto é, um objeto considerado um documento quando há uma afirmação ou percepção que evidencie uma crítica a um acontecimento público.

Buckland (2016BUCKLAND, Michael. The Physical, Mental and Social Dimensions of Documents. Proceedings from the Document Academy, v. 3, n. 1, 2016. Disponível em: https://ideaexchange.uakron.edu/docam/vol3/iss1/4/. Acesso em: 06 jul. 2022.
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, 2018) explica que uma das dimensões do documento envolve característica social, desde os múltiplos atores sociais envolvidos na produção física até a compreensão intersubjetiva. Quanto ao contexto da charge, esses dois aspectos são encontrados na questão dos atores sociais, entre eles o cartunista, o meio em que é transmitido e o público que consome esse tipo de leitura.

O entendimento do documento na dimensão social é destacado por Buckland (2016BUCKLAND, Michael. The Physical, Mental and Social Dimensions of Documents. Proceedings from the Document Academy, v. 3, n. 1, 2016. Disponível em: https://ideaexchange.uakron.edu/docam/vol3/iss1/4/. Acesso em: 06 jul. 2022.
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) através do conceito de intersubjetividade, decorrente da sociologia do conhecimento, sendo uma compreensão subjetiva em que um indivíduo revela sua manifestação através de um documento para que outros possam perceber e entender o significado e assim gerar um processo de construção social. Segundo ele, "[...] os significados dos documentos derivam de códigos culturais compartilhados, linguagem em sentido amplo” (BUCKLAND, 2018BUCKLAND, Michael. Document theory. Knowledge organization, v. 45, n. 5, p. 425-436, 2018., p.431). Um contexto que se relaciona com as charges no sentido amplo da linguagem, porque sua estrutura inclui, segundo Lima (2012LIMA, Marília Dalva Teixeira de. A construção de sentido no gênero charge: o discurso humorístico da crítica social no Brasil na Eras FHC e Lula. 2012. Dissertação (Mestrado em Linguística) João Pessoa- PB: - Programa de Pós Graduação em Linguística, Universidade Federal da Paraíba. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/tede/6414. Acesso em: 24 abr. 2021.
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), elementos visuais, verbais e extraverbais.

Da mesma forma, sua relação com códigos culturais compartilhados é um dos principais fatores que tornam a leitura compreensível, o que corresponde à ação dos leitores situados no contexto histórico da ação e do tempo do qual foi constituída. A charge deve ser compreendida como uma representação espirituosa, cartunista e política, que satiriza um certo fato social. Desse modo, ela pode ser entendida como um patrimônio documental que mantém seu significado e função social. Por isso, Agostinho considera que a “charge se constitui realidade inquestionável no universo da comunicação, dentro do qual não pretende apenas distrair, mas, ao contrário, alertar, denunciar, coibir e levar à reflexão” (AGOSTINHO, 1993AGOSTINHO, Aucione Torres. A Charge. São Paulo: ECA/USP, 1993., p.229).

Essa relação que ocorre da subjetividade ao alcance da memória coletiva, no papel social da charge, está ligada a características que fazem um documento desempenhar seu aspecto social. Na visão de Buckland (2018BUCKLAND, Michael. Document theory. Knowledge organization, v. 45, n. 5, p. 425-436, 2018.), um documento é uma relação de significado, compreensão intersubjetiva, códigos culturais e “[...] entendimentos subjetivos aproximadamente compartilhados - entendimento intersubjetivo - formam a base da cultura compartilhada de qualquer grupo social” (BUCKLAND, 2018BUCKLAND, Michael. Document theory. Knowledge organization, v. 45, n. 5, p. 425-436, 2018., p. 431).

Nesse entendimento, a charge tem um caráter informacional com os alicerces da Neodocumentação, que, conforme Araújo (2017ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. Teorias e tendências contemporâneas da Ciência da Informação. Inf. Pauta, v. 2, n. 2, 2017. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/informacaoempauta/article/view/20162/71589. Acesso em: 16 maio. 2021.
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), trata-se de um movimento intelectual da CI, que visa conciliar o estudo da informação com a vida social, como práticas sociais, políticas, econômicas e culturais, em que a informação é produzida, em que as charges são pautadas em críticas sociais, com o intuito de fomentar o humor ácido. Souza também destaca à sua maneira de entender “a charge, como toda configuração visual, expressa e transmite ideias, sentimentos e informação a respeito de si própria, de seu tempo ou a respeito de outros lugares e outros tempos” (SOUZA, 1986SOUZA, Luciana Coutinho P. de. Charge política: o poder e a fenda. São Paulo: PUC/SP, 1986. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica). Pontifícia Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986., p.46).

É necessário refletir sobre a representação da charge no viés da neodocumentação, em razão dela emergir, na contemporaneidade, mais precisamente no mundo da web. No entanto, é importante sinalizar que, para o estudo desenvolvido, as charges não são exclusividades deste ambiente, pois são bem anteriores a esse meio de leitura.

Segundo Miani (2012MIANI, Rozinaldo Antonio. Charge: uma prática discursiva e ideológica. 9ª Arte (São Paulo), v. 1, n. 1, p. 37-48, 2012.), a charge é um instrumento de persuasão que intervém no processo de definição política e ideológica do sujeito, através da sedução do humor e da criação de um senso de adesão que pode levar a um processo de mobilização. Portanto, de acordo com o autor:

a charge participa de um contexto comunicativo maior que é o jornal, revista ou outro veículo impresso qualquer e sua significação se assenta em intersecções de sentido com a produção textual verbal, caracterizando-a como uma produção intertextual. As charges se integram, dão sentido e compõem os textos e essa unidade não deve ser quebrada (MIANI, 2012MIANI, Rozinaldo Antonio. Charge: uma prática discursiva e ideológica. 9ª Arte (São Paulo), v. 1, n. 1, p. 37-48, 2012., p.41).

Apesar disso, o recurso de compartilhamento e interação social, a possibilidade de debate no viés da web sobre o conceito de informação e documento na era digital, dá sentido a uma revitalização do conceito de documento, pois, criado no mundo digital, acompanha uma nova perspectiva que poderia possibilitar uma compreensão mais contemplativa das informações registradas, o documento, no ambiente digital, em que se configura com as tendências do pensamento informacional brasileiro no campo da CI (RODRIGUES, 2020RODRIGUES, Gabriela Fernanda Ribeiro; BAPTISTA, Dulce Maria. O movimento neodocumentalista e a reaproximação entre ciência da informação e documentação: uma perspectiva histórico-conceitual. Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação e Biblioteconomia, v. 15, n. 1, 2020. Disponível em: 10.22478/ufpb.1981-0695.2020v15n1.50556. Acesso em: 5 ago. 2020.).

Neodocumentalista, neodocumentação e redocumentarização são alguns dos termos encontrados que destacam a diversidade do movimento neodocumentalista, que surgiu com o objetivo de compreender como se configura a nova realidade de documentos, em que os ambientes físico e digital coexistem, e cuja relação é necessária para viabilizar o conceito do que se configura como um documento (RODRIGUES; BAPTISTA, 2020RODRIGUES, Gabriela Fernanda Ribeiro; BAPTISTA, Dulce Maria. O movimento neodocumentalista e a reaproximação entre ciência da informação e documentação: uma perspectiva histórico-conceitual. Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação e Biblioteconomia, v. 15, n. 1, 2020. Disponível em: 10.22478/ufpb.1981-0695.2020v15n1.50556. Acesso em: 5 ago. 2020.). Em um breve panorama dos estudos de Lund (2010LUND, Niels Windfeld. Document, text and medium: concepts, theories and disciplines. Journal of Documentation, v. 66, n. 5, 2010. Disponível em: emerald.ez87.periodicos.capes.gov.br/insight/content/doi/10.1108/00220411011066817/full/html. Acesso em: 26 abr. 2021].), um dos autores que trouxe a gênese da discussão para ampliar o termo documentação e seus suportes, o autor debate, a princípio, sobre a “Bibliografia e sociologia dos textos” pautado em McKenzie (1986/1990), que faz uma apreciação sobre as formas registradas de produção e recepção, os dados verbais, as imagens visuais, orais e numéricas, em forma de mapas, gravuras, músicas, arquivos de som gravado e filmes.

Nesse contexto, Lund (2009LUND, Niels Windfeld. Document theory. Annual Review of Information Science and Technology Today, v. 43, n.1, 2009. Disponível em: https://asistdl.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/aris.2009.1440430116. Acesso em: 24 abr. 2021.
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) considera os estudos teóricos que incluem a definição de documentação que é pouco debatida e ressignificada na CI, o que resulta em uma redução terminológica e prática em que o documento é inserido. O autor refere que, “[...] se compararmos o número de trabalhos teóricos sobre conceitos como signo, texto e representação com o número equivalente de obras sobre o conceito de documento, este último é incrivelmente pequeno.” (LUND, 2009LUND, Niels Windfeld. Document theory. Annual Review of Information Science and Technology Today, v. 43, n.1, 2009. Disponível em: https://asistdl.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/aris.2009.1440430116. Acesso em: 24 abr. 2021.
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, p. 399).

Porquanto, os estudos que envolvem a documentação são discutidos, e seu principal papel nos diálogos ainda é de promover o apoio físico, isto é, o objeto físico, palpável, como fios que lembram a burocracia. Lund explica que “[...] essa definição de documento é amplamente difundida na sociedade atual.” (LUND, 2010LUND, Niels Windfeld. Document, text and medium: concepts, theories and disciplines. Journal of Documentation, v. 66, n. 5, 2010. Disponível em: emerald.ez87.periodicos.capes.gov.br/insight/content/doi/10.1108/00220411011066817/full/html. Acesso em: 26 abr. 2021]., p. 740). Sob esse ponto de vista, este texto corrobora o pensamento desse autor, que refere que os estudos que compreendem as charges na CI ainda as reduzem a uma espécie de documentação técnica, em que a leitura ocorre de forma categorizada, e se esquecem da relação crítica e social que as permeia, não apenas em seu contexto de suporte documental digital, mas também no contexto simbólico e na produção de sentidos que ela pode representar. Saldanha (2013SALDANHA, Gustavo Silva, 2013. O documento e a “via simbólica”: sob a tensão da “neodocumentação”. Informação arquivística, v. 2, n. 1. Disponível em: http://www.aaerj.org.br/ojs/index.php/informacaoarquivistica/article/view/17. Acesso em 05 ago. de 2020.
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) considera a neodocumentação como uma “via-simbólica”, com a possibilidade de compreender e interpretar a produção de sentidos. Pois, considera o documento como imaterial a partir da sua instância ontológica.

No campo simbólico, Lima (2012LIMA, Marília Dalva Teixeira de. A construção de sentido no gênero charge: o discurso humorístico da crítica social no Brasil na Eras FHC e Lula. 2012. Dissertação (Mestrado em Linguística) João Pessoa- PB: - Programa de Pós Graduação em Linguística, Universidade Federal da Paraíba. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/tede/6414. Acesso em: 24 abr. 2021.
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) colabora com esse pensamento da imaterialidade quando analisa a charge como uma imagem artístico-simbólico, pois para ele a charge é um produto pautado na linguagem ideológico que se tornou signo e que não reflete unicamente uma realidade física e material, mas também outra realidade.

Esse contexto se complementa com o pensamento de Ribeiro e Cordeiro (2007RIBEIRO, Rita de Cássia Souza; CORDEIRO, Rosa Inês de Novais. A caricatura na perspectiva da representação documentária. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, 8, Salvador, BA, 28 a 31 de outubro de 2007. Anais... Salvador: UFBA, 2007. Disponível em: http://enancib.ibict.br/index.php/enancib/viiienancib/paper/view/2803/1931. Acesso em: 28 jul. 2020.
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), que analisam que os estudos da imagem têm sido pouco enfatizados na literatura sobre CI, ao contrário de outros estudos de representação e documentação da informação. As autoras defendem que as imagens estão sendo cada vez mais utilizadas como veículo informacional e/ou comunicacional. Além disso, têm sido usadas amplamente como ilustração ou reafirmação de argumentações em trabalhos textuais, que desencadeiam uma forma de expressão cômica, mas em sua dimensão sensível evoca o tom da crítica e da ironia em certos públicos, isto é, assuntos que causam “burburinhos” na sociedade e que se configuram na retomada dos fatos que, em geral, são sociais e políticos.

Embora os estudos sobre os diversos tipos de imagem (fotografia, caricatura, charge, cartum etc.) ainda sejam tímidos no campo da Ciência da Informação, autores como Souza (2018SOUZA, Isabel Cristina de Oliveira. A charge como Fonte de Representação da Informação no Desenvolvimento Político Brasileiro. 2018. 195f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Instituto de Ciência da Informação, Universidade Federal da Bahia, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/27843. Acesso em: 28 jul. 2020.
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), Gomes (2015GOMES, Thulio Pereira Dias. A charge é o assunto: análise documentária de charge. 2015. 170f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Rio de Janeiro, 2015.) e Gatto (2018GATTO, Ana Clara. Análise documental de imagem: uma leitura das contribuições semióticas. Revista Digital Biblioteconomia e Ciência da Informação, Campinas, v. 16, n. 1, jan./abr. 2018. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rdbci/article/view/8650508/pdf. Acesso em: 28 jul. 2020.
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) consideram a utilização informacional da charge e os estudos da semiótica como informação social. Para esses autores, é necessário impulsionar a dimensão sensível da CI para pensar na representação de imagens que estão constantemente no cotidiano e, pontualmente, são encontradas em uma simples leitura periódica (em jornais ou revistas), em formatos físico e online. Estudos que compreendem a charge no campo da CI como, por exemplo, as pesquisas de Gomes (2015) e Souza (2018), consideram a charge como documento e apontam também como documento em formato digital. Nas interações que ocorrem simultaneamente no meio digital, a charge está em constante criação e é compartilhada na web. Por isso, ao navegar pela web, é possível observar sites jornalísticos e páginas de humor satírico dedicadas à charge.

Por meio do humor, lança críticas ou observações que levam o leitor atento a buscar a relação imediata com o contexto em que se encontra inserida (LUZ, 2014LUZ, Rosemári Pereira da. A Prática da Leitura de Charges na Esfera Jornalística e na Internet. In: Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor pde: produções didático-pedagógicas. v. 2, Paraná: Secretaria de Estado da Educação 2014. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2014/2014_uel_port_pdp_rosemari_pereira_da_luz.pdf. Acesso em: 27 jul. 2020.
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). Arbach (2007ARBACH, Jorge Mtanios Iskandar. O fato gráfico: o humor gráfico como gênero jornalístico. 2007. Tese (Doutorado em Estudo dos Meios e da Produção Mediática) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27153/tde-22072009-182433/pt-br.php. Acesso em: 31 ago. 2018.
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) chama a charge de informação visual e refere que ela corresponde à evolução das ilustrações a ponto de se tornar forma de consciência crítica e atuação editorial no contexto social e que, assim como o texto, a ilustração detém uma linguagem com discurso próprio. E como as charges fazem parte do cotidiano dos jornais, das revistas e das postagens de conteúdos eletrônicos, representam, em formato cômico ou não, os assuntos que estão em evidência no momento. As charges tentam transmitir uma crítica em um formato desenhado para seus leitores, que podem interpretá-las conforme suas cognições e interpretações de mundo (ARBACH, 2007ARBACH, Jorge Mtanios Iskandar. O fato gráfico: o humor gráfico como gênero jornalístico. 2007. Tese (Doutorado em Estudo dos Meios e da Produção Mediática) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27153/tde-22072009-182433/pt-br.php. Acesso em: 31 ago. 2018.
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).

Logo, percebe-se que o chargista traz à tona algo que está sendo debatido no cotidiano. E para que a charge transmita seu efeito cômico através da crítica, os leitores precisam estar situados no momento sócio-histórico que motivou sua produção para entendê-la (BORNEMANN; COX, 2011BORNEMANN, Neila Barbosa de Oliveira; COX, Maria Inês Pagliarini. “Vote tiririca, pior que tá não fica”: a construção de efeitos de sentido em charges, Revista Signótica, Goiás, v.23, n.2, 2011. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/index.php/sig/article/view/17530. Acesso em 28 jul. 2020.
https://www.revistas.ufg.br/index.php/si...
). Quando nos deparamos com uma charge, podemos ver que ela apresenta um tom de ironia sobre determinados assuntos que estão em evidência no momento e que emanam dos discursos proclamados na sociedade. De acordo com Luz (2014LUZ, Rosemári Pereira da. A Prática da Leitura de Charges na Esfera Jornalística e na Internet. In: Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor pde: produções didático-pedagógicas. v. 2, Paraná: Secretaria de Estado da Educação 2014. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2014/2014_uel_port_pdp_rosemari_pereira_da_luz.pdf. Acesso em: 27 jul. 2020.
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), o termo charge dá força aos discursos que estão sendo propagados pelas massas. O nome vem do francês e significa carregar o tom de alguém ou algo para torná-lo ridículo, conforme ressalta a autora.

A charge chama a atenção por sua frequente participação crítica no campo político, tanto em embates eleitorais quanto nos embates simbólicos. É um veículo capaz de proporcionar um olhar diferente de poder e influência, trazendo um debate diferente para a crítica e a reflexão (FERRAZ, 2013FERRAZ, Gabriel Pinelli. A representação social de Dilma Rousseff: uma análise das charges que a retratam na Folha de S. Paulo. 2013. 190 f, Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/17031. Acesso em: 28 jul. 2020.
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). Quando a charge é sobre alguém influente socialmente, é feita de forma cômica, com ilustrações engraçadas e diálogos que formam um contexto crítico. Isso ocorre porque os chargistas fazem grandes e fortes críticas à ideologia e aos problemas sociais existentes e conseguem atingir um grande público, uma vez que as charges comumente são publicadas em jornais ou revistas para que seja feita uma leitura rápida, mas significativa (ALVARES; FRANCO, 2016ALVARES, Camila; FRANCO, Sandra Aparecida Pires. O gênero charge: humor e crítica para a formação de leitores. Revista Educação e Cultura Contemporânea, v. 13, n.32, 2016. Disponível em: http://periodicos.estacio.br/index.php/reeduc/article/view/974/1249. Acesso em: 16 maio. 2021.
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).

3 AS CHARGES COMO REGISTRO DOCUMENTAL EM TEMPOS PANDÊMICOS

Então, para seguir a narrativa, recapitulamos o contexto para analisar as percepções que a charge reflete. O Ministério da Saúde, através da publicação da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), divulgou o primeiro boletim epidemiológico (BE) em janeiro de 2020, informando sobre o que seria o novo coronavírus e emitindo alertas para os casos de pessoas com sintomatologia respiratória e que apresentavam histórico de viagens para áreas de transmissão local nos últimos 14 dias (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA E SAÚDE, 2020, p. 1).

Em 11 março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a doença coronavírus 2019 (COVID-19), causada pelo vírus SARS-CoV-2, como uma pandemia, significando que o vírus estava circulando em todos os continentes (BRASIL, 2020). Em seu discurso do dia 10 de março de 2020, em um evento em Miami - Estados Unidos - o Presidente Jair Messias Bolsonaro minimizou a crise do coronavírus dizendo que não era tudo aquilo que a mídia propagava e acrescentou: “Obviamente temos um momento de crise, pequena crise, no meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo” (BRASIL, 2020).

A fala repercutiu em todos os portais, veículos de imprensa e redes sociais (G1 -política; Correio Braziliense; Twitter) e estimulou o debate sobre “a fantasia do coronavírus” no momento em que o Ministério da Saúde registrava os primeiros casos. Segundo os dados, foram “[...] 34 casos confirmados em todo o país, sendo seis por transmissão local, cinco em São Paulo e um na Bahia, e 28 casos importados.” (BRASIL, 2020, online).

Essa situação foi o ponto chave para fazer da fala do Presidente uma ironia nas mãos dos chargistas. Mas, para entender essa questão, precisamos considerar seu contexto, isto é, o do acontecimento, que “[...] não é determinado, apenas, pelas características da sua ocorrência como fato, mas também pelas reações e pelas respostas que suscita, via uma compreensão e uma apropriação, seja qual for o suporte.” (QUÉRÉ, 2005, p. 68). A difusão de acontecimentos instiga sua propagação no mundo da web por diversas formas imagéticas difundidas por chargistas e suas habilidades para criar, como, por exemplo, a charge ‘Fantasia e o coronavírus na Terra do Nunca’, que proporciona certa instigação dos leitores dentro de um contexto.

Figura 1
Fantasia e o coronavírus na Terra do Nunca

Veja-se o exemplo da Figura 1. Na situação que envolve a fala de Jair Bolsonaro, o leitor precisa ter conhecimento sobre a pandemia e sobre o que ele falou, porque “[...] a charge funciona como processo de significação, em que os sentidos não se encontram prontos, mas são formulados a partir do espaço discursivo ocupado pelos interlocutores.” (OLIVEIRA; FERREIRA, 2015OLIVEIRA, Francisca Verônica Araújo; FERREIRA, Fernanda Castro. Efeitos de sentido em charges políticas: uma análise discursiva. Revista de linguagem, cultura e discurso, v. 6, n. 2, jul./dez. 2015. Disponível em: https://core.ac.uk/reader/230543292. Acesso em 29 jul. 2020.
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, p. 6). Esses sentidos dependem de cada leitor, que carrega informações subjetivas sobre o tempo presente das informações. Assim, ele poderá interpretar conforme os signos que sua sensibilidade desperta para a leitura chargista. O leitor que não está atualizado sobre o acontecimento poderá não perceber o que a charge está apresentando para o palco da crítica. Isso ocorre porque ele precisa estabelecer as relações intertextuais para entender o humor do texto.

Compreendendo a charge, destaca-se o humor se veicula, nesse sentido, considera-se os apontamentos de Saliba (2017SALIBA, Elias Thomé. História Cultural do Humor: balanço provisório e perspectivas de pesquisas. Revista de História, n. 172, 2017., p.9):

O humor, ainda que assuma muitas formas diferentes, não pode ser reduzido a uma única regra ou fórmula. Em vez disso, devemos vê-lo como um processo de resolução de conflitos. Neste sentido, o humor é um processo, não uma visão ou um comportamento. É o resultado de uma batalha em nosso cérebro entre os sentimentos e os pensamentos, uma batalha que só pode ser compreendida ao se reconhecer o que causou o conflito. Noutros termos, o humor às vezes é a única forma de lidar com o turbilhão da vida.

E para compreender as informações que permeiam a charge no fazer humor, os sujeitos cognoscentes precisam estar informados sobre os assuntos do momento que estão em alta nos noticiários e relacioná-los ao seu conhecimento de mundo (ROMUALDO, 2000ROMUALDO, Edson Carlos. Charge Jornalística: polifonia e intertextualidade. Maringá: Eduem, 2000. Disponível em: http://old.periodicos.uem.br/~eduem/novapagina/?q=system/files/Liv-Edson-1.pdf. Acesso em: 27 jul. 2020.
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). Do ponto de vista dessa reflexão, Ginman e Von Ungern-Sternberg (2003GINMAN, Mariam; VON UNGERN-STERNBERG, Sara. Cartoons as informations. Journal of Information Science, v. 29, n.1, 2003. Disponível em: https://journals-sagepub-com.ez87.periodicos.capes.gov.br/doi/10.1177/016555150302900109. Acesso em 28 abr. 2021.
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) consideram que a informação visual pode ser uma coleção de lugares, eventos ou aventuras acessíveis por meio de diferentes links e caminhos digitais que contextualizam a mensagem por meio da imagem. Quando recorremos à teoria da informação visual, observamos que ela é o palco da discussão sobre a semiótica das imagens que estão presentes nas novas mídias digitais, já que, para ela ser criada, parte-se de detalhes entre dimensões e tamanhos, que também podem formar os destaques que os chargistas procuram alcançar para que o seu desenho seja interpretado (Ver Figura 2).

Figura 2
Charge de Gilmar Fraga: Fantasia

A charge foi elaborada partindo de detalhes para que o leitor entenda a dimensão do discurso. Na fala do Presidente “a fantasia que a mídia propaga”, o que entra em destaque é a representação do desenho de um “vírus” com as mãos na cintura, expondo uma expressão relativa à fala do Presidente. Nessa descrição, encontramos relações informacionais. Araújo (2017ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. Teorias e tendências contemporâneas da Ciência da Informação. Inf. Pauta, v. 2, n. 2, 2017. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/informacaoempauta/article/view/20162/71589. Acesso em: 16 maio. 2021.
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) assevera que, na Neodocumentação, não se deve observar apenas o “documento” como conteúdo objetivo, mas também considerar as dimensões em que ela apresenta.

No entanto, para que a informação visual da charge seja alcançada, os autores Ginman e Von Ungern-Sternberg (2003GINMAN, Mariam; VON UNGERN-STERNBERG, Sara. Cartoons as informations. Journal of Information Science, v. 29, n.1, 2003. Disponível em: https://journals-sagepub-com.ez87.periodicos.capes.gov.br/doi/10.1177/016555150302900109. Acesso em 28 abr. 2021.
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) apontam três condições para que tenha o efeito desejado - o de informação por meio da imagem: “(1) o receptor deve perceber a mensagem (percepção); (2) o receptor deve entender a mensagem e ser capaz / querer de recebê-la; e (3) o receptor deve tomar conhecimento de qualquer ação que possa ser exigida pela mensagem.” (idem, p. 70). Ainda sobre a Figura 1, para entender a dimensão do sentido expresso na interjeição “putz”, articulada pelo ex-Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o leitor precisa se colocar no tempo e no contexto em que foi dita a fala do então Presidente e as relações de oposição entre o ex-Ministro e a pandemia. Pode denotar discordância da fala de Jair Bolsonaro, porque o então Ministro da Saúde estava ciente das dimensões negativas da pandemia e, em entrevista na Câmara dos Deputados sobre o decreto da pandemia, disse que “[...] a OMS demorou a decretar a pandemia, e isso fez com que muitos países ficassem procurando nexo para seguir um protocolo rígido, como foi o caso da Itália que, quando percebeu, já havia casos com espiral acentuada.” (CORREIO BRAZILIENSE, 2020, online). Como uma forma de leitura que requer um sentido do contexto temporal do leitor, a charge convida-nos a discutir sobre uma ação situada em um contexto simbólico, como, por exemplo, as bases das relações e posições de falas do ex-Ministro e do Presidente sobre a pandemia.

Em 20 de abril de 2020, Jair Bolsonaro, em conversas com jornalistas e admiradores no Palácio da Alvorada, respondeu algumas perguntas de repórteres, cujas respostas movimentaram o mundo dos chargistas. Quando um repórter tentou fazer uma pergunta sobre as mortes que estavam acontecendo em decorrência do novo coronavírus, o diálogo não terminou, pois houve resposta incisiva do Presidente: “Presidente, hoje tivemos mais de 300 mortes. Quantas mortes o senhor acha que...” ô, cara, quem fala de... Eu não sou coveiro, tá certo?", declarou o Presidente. "Não sou coveiro, tá?”, repetiu o presidente da República quando o repórter tentou fazer novamente a pergunta (BAND JORNALISMO, 21 nov. 2020).

Figura 3
Não sou coveiro - Charge de Jota Bosco do jornal O liberal

O “não sou coveiro, tá?” repercutiu nos principais jornais brasileiros, como o Correio Braziliense, o Estadão, a Folha de São Paulo e a Gazeta. Os portais Uol, G1 e Ig também transmitiram os vídeos no exato momento da fala do Presidente. Já outros transmitiram o vídeo completo sobre as perguntas e as respostas concedidas. Em 07 de maio de 2020, conforme o Ministério da Saúde, foram registrados, até as 19h, 135.106 casos confirmados de coronavírus e 9.146 mortes provocadas pela doença (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020, online). Em 8 de maio de 2020, o Presidente Jair Bolsonaro visitou o Supremo Tribunal Federal (STF) e o fim do isolamento social em defesa da economia. Na próxima charge, vê-se o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, mostrando para o Presidente Jair Bolsonaro o número de mortes do dia.

Figura 4
Exame de vista

A charge apresenta o rosto de espanto de Dias Toffoli ao apontar para o Presidente os números de óbitos, enquanto ele sorri e pede o fim do isolamento. Nesse ponto, chegamos aos estímulos provocativos da imagem. Mota e Nogueira (2008MOTA, Nilce Helena da; NOGUEIRA, Teresinha de Fátima. Gênero charge - crônica visual, um texto provocador. In: XII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e VIII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação, 2008, São Paulo. Anais... São Paulo: Universidade do Vale do Paraíba, 2008. Disponível em: http://www.inicepg.univap.br/cd/INIC_2008/anais/arquivosEPG/EPG01354_01_O.pdf. Acesso 05 ago. 2020.
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) asseveram que a percepção do leitor precisa estar afinada para responder aos estímulos da imagem. A mente, a sensibilidade e a criatividade são intensificadas nesse processo de leitura, porquanto a linguagem visual é questionadora e, neste trabalho indagativo, o leitor elabora múltiplas respostas em sua atividade discursiva.

Os dados da charge podem ser aportes para mostrar a realidade de um momento que representa o cotidiano, uma vez que as charges também são narrativas de um cotidiano que expressa certo tempo da vida nacional (MOTA; ALMEIDA, 2016MOTA, Célia Maria Ladeira; ALMEIDA, Paulo Henrique Soares de. A charge na representação do cotidiano do século xix: análise da semana illustrada. Revista mídia e cotidiano, Niterói - Rio de Janeiro, v. 8, n. 8, 2016. Disponível em: https://periodicos.uff.br/midiaecotidiano/article/view/9769. Acesso em: 05 ago. 2020.
https://periodicos.uff.br/midiaecotidian...
). No site do Ministério da Saúde, de 28 de abril de 2020,

Foram registrados 71.886 casos de coronavírus e 5.017 mortes da doença no Brasil até as 14h desta terça-feira (27), segundo informações repassadas pelas Secretarias Estaduais de Saúde de todo o país. Nas últimas 24 horas, foram 5.385 casos novos e 474 novos óbitos. Dos 71.886 casos confirmados, 32.544 são considerados recuperados (45%) e 34.325 estão em acompanhamento. Existem ainda 1.156 óbitos que estão em investigação. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020, online).

Os números mostravam que o Brasil passava da China, em relação ao número de mortes em decorrência do coronavírus. Os noticiários disseminavam as informações dizendo: “[...] o Brasil bate recorde de mortes por coronavírus em 24 h, com 474, e passa o total da China. País se torna o 9º com mais vítimas no mundo.” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2020). O Brasil tem 5.017 mortes por coronavírus; o total supera o registrado na China (PORTAL G1, 2020) e com 474 novas mortes, o Brasil registra mais vítimas da COVID-19 que a China (CNN BRASIL, 2020).

Em meio a esses registros que narram, no Brasil, aumentaram os casos do novo coronavírus, a frase de Bolsonaro “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre” alcançou a imprensa, que reproduziu nos noticiários a fala do dia 28 de abril, em resposta ao repórter, que, durante a coletiva de imprensa, informou ao Presidente que o Brasil ultrapassou o número de mortos da China por Covid-19 (AZEVEDO, 2020AZEVEDO, Reinaldo. Bolsonaro sobre 474 mortos: "E daí?" E o tédio mortal do ministro Teich. Portal UOL, 28 abr. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2020/04/28/bolsonaro-sobre-474-mortos-e-dai-e-o-tedio-mortal-do-ministro-teich.htm?aff_source=56d95533a8284936a374e3a6da3d7996. Acesso em: 30 jul. 2020.
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, online). Sua resposta ao jornalista estampou os noticiários e deu início a várias criações de charges. Algumas só traçaram o termo “e daí?” do Presidente questionando os fatos.

Figura 5
E daí?’, desdenha Bolsonaro

A charge coloca Jair Messias Bolsonaro sobre ossadas perguntando “E daí?” e com as mãos vermelhas. Aqui se faz presente o exemplo que Rocha e Lima (2016ROCHA, Renata Amaral de Matos; LIMA, Bruno de Assis Freire de. O gênero charge e a construção de leitores críticos. Revista Idioma, Rio de Janeiro, n. 30, 2016. Disponível em: http://www.institutodeletras.uerj.br/idioma/numeros/30/Idioma30_a01.pdf. Acesso em: 05 ago. 2020.
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) mostram sobre a charge, ao dizer que seu objetivo é de provocar o leitor, utilizando a crítica para fatos ou situações ou expor uma atitude de protesto. Outras charges expuseram a frase “Eu sou Messias, mas não faço milagre”.

Figura 6
Milícia no divã

A faixa presidencial, a cadeira do divã, a justificativa do “eu sou Messias, mas não faço milagre” e a imagem caricata de Sigmund Freud formam o contexto da charge. Maggioni (2011MAGGIONI, Fabiano. A charge jornalística: estratégias de imagem em enunciações de humor cômico. 2011. 129 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, 2011.) defende que os sentidos encontrados nas charges não são jogados ali de forma aleatória, visto que elas se estruturam de forma lógica para possibilitar uma compreensão da mensagem que é transmitida, e um inocente desenho é capaz de revelar-se uma estratégia crítica sagaz.

Quando falamos da pandemia do coronavírus no Brasil e das falas de Jair Bolsonaro, lembramos das discussões sobre os medicamentos chamados “hidroxicloroquina” e “cloroquina”. O Presidente dizia que eram bastante eficazes contra o coronavírus, mesmo pronunciando que ainda não existiam remédios para combater o vírus. Em 24 de março de 2020, fez este pronunciamento em cadeia nacional:

O mundo busca um tratamento para a doença. O FDA Americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre esse remédio fabricado no Brasil. (BRASIL, 2020).

Em seu quinto discurso em cadeia nacional sobre o coronavírus, o Presidente falou:

O vírus é uma realidade. Ainda não existe vacina contra ele. Ou remédio com eficiência cientificamente comprovada, apesar da hidroxicloroquina parecer bastante eficaz [...] os laboratórios químico-farmacêuticos militares entraram com força total e, 12 dias serão produzidos um milhão de cloroquina, além de álcool gel. (BRASIL, 2020).

Mesmo sendo alvo de estudos para analisar sua eficácia, a OMS não comprovou a eficácia do medicamento e, em defesa da cloroquina, Bolsonaro foi visto como seu “garoto propaganda”. No estado do Espírito Santo, os apoiadores de Bolsonaro colocaram um outdoor com sua foto e a mensagem “Tratamento precoce salva vidas”, seguido com a foto do respectivo medicamento.

Seguindo em defesa da cloroquina, Jair Bolsonaro, em 19 de julho de 2020, tirou do bolso o remédio e mostrou a caixa para seus seguidores em frente ao Palácio da Alvorada, que respondia com palmas e gritos. A ação repercutiu nos portais de noticiários. A Uol, na coluna de Leonardo Sakamoto, disse: “Cena de culto à cloroquina mostra que ela se tornou símbolo do bolsonarismo.” (SAKAMOTO, 2020SAKAMOTO, Leonardo. Cena de culto à cloroquina mostra que ela se tornou símbolo do bolsonarismo. 20 jul. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/07/20/cena-de-culto-a-cloroquina-mostra-que-ela-se-tornou-simbolo-do-bolsonarismo.htm. Acesso e 15 ago. 2020.
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). A charge a seguir expressa a ironia sobre a propaganda da cloroquina.

Figura 7
O garoto propaganda da cloroquina

Ainda como defensor da cloroquina, Jair Bolsonaro, na tarde de 23 de julho de 2020, foi fotografado exibindo a caixa do medicamento para as emas criadas no Palácio da Alvorada, residência oficial do Presidente. A ação virou manchetes jornalísticas, que destacavam o ato do Presidente perante a ema: “Bolsonaro exibe caixa de cloroquina para emas no Palácio da Alvorada.” (UOL, 2020); Bolsonaro mostra caixa de hidroxicloroquina para emas da Alvorada (GAZETA BRASIL, 2020).

Figura 8
Depois de bicado, Bolsonaro oferece cloroquina para a ema

A atitude reverberou em charges que mostram Bolsonaro versus ema, mostrando uma espécie de narrativa a respeito da indiferença da ema ao Presidente. Tudo começou quando Bolsonaro, em 14 de julho de 2020, foi bicado por uma ema no Palácio da Alvorada quando alimentava uma delas. “Força, colega!''. Assim, o chargista Amarildo retratou o que seria uma ema dando força para a sua “amiga” que bicou Bolsonaro.

Figura 9
Depois de bicado, Bolsonaro oferece cloroquina para ema

Nessa charge, a figura de Jair Bolsonaro não aparece, mas quem está atualizado sobre as notícias percebe a crítica ao signo da ema que o bicou. É interessante ressaltar que o chargista faz uma referência ao local do acontecimento expondo um desenho do Palácio da Alvorada. O vômito da ema, o Palácio da Alvorada e a frase “força, colega” são construtos de sentidos que convidam o leitor para a informação visual da crítica política. Oliveira e Ferreira (2015OLIVEIRA, Francisca Verônica Araújo; FERREIRA, Fernanda Castro. Efeitos de sentido em charges políticas: uma análise discursiva. Revista de linguagem, cultura e discurso, v. 6, n. 2, jul./dez. 2015. Disponível em: https://core.ac.uk/reader/230543292. Acesso em 29 jul. 2020.
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) consideram que o sentido não é construído isoladamente na relação entre o verbal e o visual, mas por meio da relação entre o contexto da enunciação, o contexto sócio-histórico e ideológico e a memória discursiva do interlocutor, pois, para entender os signos de vômito, o desenho em segundo plano da ema desejando força e o desenho do palácio da Alvorada, o leitor precisa estar atualizado sobre as notícias cotidianas. Já para um leitor que não está atualizado, não faria sentido nem a comicidade nem a situação que o chargista desejou traçar.

O contexto semiótico que envolve Bolsonaro e a cloroquina apresenta como exemplo as possibilidades de trabalhar as charges sob o viés da neodocumentação, com as correntes teóricas e tendências da CI que envolvem o tratamento temático da informação: catalogação de assunto e indexação e análise documentária (GOMES, 2015GOMES, Thulio Pereira Dias. A charge é o assunto: análise documentária de charge. 2015. 170f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Rio de Janeiro, 2015.). Entretanto, como a charge se apresenta com uma estrutura semiótica, sua análise possibilita inseri-la em várias dimensões da narrativa semiótica documental, que podem ser analisadas a partir do tema central das charges aqui investigadas. Por meio da análise, é possível organizar, tratar e disseminar os discursos presentes nas charges, efetivados no mundo digital e viabilizar as interações que ela provoca com seus conteúdos.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ideia de se conceber a charge como um registro informacional visual surgiu de forma densa, porquanto ela apresenta aspectos comunicacionais distintos da área da informação, mas sua significação como neodocumentação e registro documental atravessa novos sentidos a respeito do qual precisamos pensar, como pesquisadores. Depois de revisar autores que estudam a charge no campo da CI, entendemos que as bases conceituais que implicam a análise de charges precisam ser revistas, porque, na literatura que trata da área, a charge segue sendo analisada sob o conceito de documento material, reduzido ao tratamento técnico da informação, que é uma forma de contribuir com o campo da CI.

Ressaltemos, entretanto, que a concepção de neodocumentação trabalha com a ideia de compartilhamento de informações visuais e imagéticas por meio da web, e isso equivale a formas interdisciplinares e variadas dimensões social, política e comunicacional, que podemos analisar a partir dos sentidos que são atribuídos à charge e que podem fornecer uma diversidade de investigações, principalmente numa perspectiva neodocumental.

Sobre o conceito de nova documentação, a análise alcançou novos horizontes e perspectivas no âmbito da área da CI, por meio de discussões que envolvem o mundo da documentação nas interações da web compartilhada. Mesmo com recentes estudos brasileiros emergindo de forma tímida sobre a neodocumentação e suas diferentes dimensões simbólicas, é possível estudar o conceito relacionando-o com objetos imateriais que estão surgindo no meio digital, como as derivadas formas de imagens e o audiovisual.

É importante enfatizar que as correlações da neodocumentação com objetos simbólicos imateriais são exaustivas para investigar e descrever, porque a área ainda está surgindo com literaturas que envolvem um viés crítico social através dos signos. Exemplo disso é a forma instrumental como os estudos da CI analisam a charge - como simplesmente um documento descritivo, e pouco enfatizam a intervenção crítico social que ela pode suscitar e que acaba sendo um desperdício, comparando com a dimensão de informações que podem ser absorvidas dela, uma vez que ela desperta a contribuição crítica social do tempo em que está sendo disseminada. Assim, cada leitor, conforme sua sensibilidade semiótica, poderá ter a visão do contexto em que ela está inserida.

Nas pesquisas realizadas, foram encontradas diversas charges que pouco explicam os dizeres do Presidente. Nesses casos, foi necessário um esforço maior para compreender os significados discursivos. Porém outras charges traziam um teor crítico mais fácil de assimilar. Assim, com base nos estudos levantados para as pesquisas, partimos da premissa de que as charges, assim como os estudos de análise de imagem e do discurso, precisam ser analisadas de forma sensível, pois, para assimilar o máximo de informações que elas querem passar, precisamos estar atentos aos detalhes.

Pensando em ressignificar a charge para a área da CI, no fluxo das informações presentes nas charges, o leitor ou pesquisador encontrará, através de um olhar crítico e sensível, às questões sociais em que elas se inserem, a saber: os estudos de usuários que esse gênero textual compartilha, a charge como informação do tempo e no registro da memória, a informação visual que ela busca contextualizar no momento em que está sendo divulgada, o impacto dos termos que mais aparecem em seu conteúdo e as discussões sobre os termos mais debatidos nas charges do momento político.

Especificamente nos estudos da Biblioteconomia, a investigação de charges pode incluir-se no ensino da técnica e da discussão teórica sobre os aspectos físico, cognitivo e social de um documento, além de analisá-la através do seu status de documento, uma abordagem considerada do ponto de vista de Buckland (2018BUCKLAND, Michael. Document theory. Knowledge organization, v. 45, n. 5, p. 425-436, 2018.). Há contextos interdisciplinares em que ela pode ser investigada. Esse é um dos pontos onde a charge pode proporcionar as pesquisas na CI.

Durante a pesquisa, houve algumas dificuldades para trabalhar os conceitos de charge, porque ainda são poucos os autores que utilizam esse gênero textual com um valor de signo informativo social. Alguns estudos na área ainda tratam da charge somente sob o ponto de vista instrumental. Nesta pesquisa, analisamos a charge como um catalisador de informações, que pode situar leitores como aportes de determinada época.

Portanto, a charge é, também, um neodocumento que representa um tipo de informação simbólica, que proporciona diálogos críticos sobre o tempo e a memória. Por essa razão, merece ser armazenada para futuras pesquisas. Nessa perspectiva, são necessárias futuras pesquisas no âmbito da Ciência da Informação, para mostrar o impacto social e as divergências que a charge proporciona na sociedade.

REFERÊNCIAS

  • CONJUNTO DE DADOS DE PESQUISA

    1) Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
  • FINANCIAMENTO

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq - processo -140388/2021-4
  • CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM

    Não se aplica
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Não se aplica
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  • PUBLISHER

    Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC . As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Editado por

EDITORES

Edgar Bisset Alvarez, Ana Clara Cândido, Patrícia Neubert e Genilson Geraldo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2022
  • Aceito
    16 Dez 2022
  • Publicado
    02 Jan 2023
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