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O MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS ENQUANTO UM DISPOSITIVO INFO-COMUNICACIONAL

The Diagnostic and Statistical Manual of Mental as an info-comunicational device

RESUMO

Objetivo:

Analisar o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais (DSM) enquanto um dispositivo info-comunicacional.

Método:

Realizou-se uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa. O DSM foi analisado a partir da proposta de Foucault (1977), para quem um dispositivo é definido pela estrutura de seus elementos heterogêneos e pela sua gênese.

Resultado:

A primeira edição do Manual, o DSM-I, foi elaborada pela então American Medico-Psycological Association, que viria a ser a American Psychiatric Association (APA), e publicado em 1952. A ele, seguiram-se quatro edições: o DSM-II, o DSM-III, o DSM-IV e o DSM-5. O DSM-5 foi lançado nos Estados Unidos em 2013 e conta com vinte e duas grandes categorias de transtornos mentais. Ele foi produzido pela APA e contou com uma extensa rede de colaboradores para sua elaboração. Seu público-alvo são clínicos que buscam uma nomenclatura oficial para diagnóstico, estudantes e pesquisadores.

Conclusões:

Esse dispositivo info-comunicacional conseguiu se estabilizar com o DSM-III, mantendo-se estável no DSM-IV e no DSM-5. Porém, os movimentos contrários ao DSM surgidos com a publicação da atual edição demonstram uma insatisfação com o sistema de classificação vigente, pois a fabricação de doenças mentais parece favorecer cada vez mais o mercado da psicofarmacologia. Seriam esses movimentos capazes de levar ao esmaecimento e futuro colapso desse dispositivo info-comunicacional? Ou à sua transformação? São necessários estudos, de caráter interdisciplinar, para esclarecer esses questionamentos.

PALAVRAS-CHAVE:
Dispositivo info-comunicacional; Documento; Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais; Regime de informação; Transtorno mental

ABSTRACT

Objective

To analyze the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) as an info-communicational device.

Methods:

A bibliographic research was carried out, with a qualitative approach. The DSM was analyzed from the proposal of Foucault (1977), for whom a device is defined by the structure of its heterogeneous elements and by its genesis.

Results:

The first edition of the Manual, the DSM-I, was prepared by the then American Medico-Psychological Association, which would become the American Psychiatric Association (APA), and published in 1952. It was followed by four editions: the DSM- II, the DSM-III, the DSM-IV and the DSM-5. The DSM-5 was launched in the United States in 2013 and has twenty-two major categories of mental disorders. It was produced by APA and had an extensive network of collaborators for its elaboration. Its target audience is clinicians looking for an official nomenclature for diagnosis, students and researchers. In institutional routines, the DSM is a document that has the power to manufacture and erase categories of mental disorders.

Conclusions:

This info-communication device managed to stabilize with the DSM-III, remaining stable in the DSM-IV and DSM-5. However, the movements against the DSM that emerged with the publication of the current edition demonstrate dissatisfaction with the current classification system, as the manufacture of mental illnesses seems to increasingly favor the psychopharmacology market. Would these movements be capable of leading to the fading and future collapse of this info-communicational device? Or your transformation? Studies of an interdisciplinary nature are needed to clarify these questions.

KEYWORDS:
Info-communication device; Document; Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders; Information regime; Mental Disorder

1 INTRODUÇÃO

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais ou Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), “[...] é uma classificação de transtornos mentais e critérios associados elaborada para facilitar o estabelecimento de diagnósticos mais confiáveis desses transtornos.” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. xli). Além disso, ele é um “[...] instrumento para a coleta e a comunicação precisa de estatísticas de saúde pública sobre as taxas de morbidade e mortalidade dos transtornos mentais.” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. xli). O DSM é uma publicação da American Psyquiatric Association e está atualmente em sua quinta edição, sendo também conhecido como DSM-5.

O DSM é um documento dotado de robusto peso e massa institucional (FROHMANN, 2008FROHMANN, B. O caráter social, material e público da informação. In: FUJITA, M.S.L.; MARTELETO, R.M.; LARA, M. L. G. (orgs.). A dimensão epistemológica da Ciência da Informação e suas interfaces técnicas, políticas e institucionais nos processos de produção, acesso e disseminação da informação. São Paulo: Cultura Acadêmica Ed.; Marília: Fundepe Ed., 2008, p. 17-34.), uma vez que é um importante instrumento utilizado em diversos países do mundo, dotado da missão de uniformizar a linguagem para a classificação dos transtornos mentais (BURKLE, 2009BURKLE, T. da S. Uma reflexão crítica sobre as edições do Manual de Diagnóstico e Estatística das Pertubações Mentais - DSM. 2009. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.). Partindo do pressuposto de que um documento é passível de ser analisado como um dispositivo (MARTELETO; COUZINET, 2013MARTELETO, R.; COUZINET, V. Mediações e dispositivos de informação e comunicação na apropriação de conhecimentos: elementos conceituais e empíricos a partir de olhares intercruzados. RECIIS - Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, v. 7, n. 2, jun. 2013. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/450/1104. Acesso em: 15 ago. 2021.
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), uma vez que está imerso em um regime de informação, o presente trabalho tem por objetivo analisar Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno mentais (DSM) enquanto um dispositivo info-comunicacional.

Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa. O DSM foi analisado a partir da proposta de Foucault (1977FOUCAULT, M. Le jeu de Michel Foucault [entretien avec D. COLAS et al...]. ORNICAR? Bulletin périodique du champ freudien, n. 10, p. 62-93, 1977. Disponível em: http://1libertaire.free.fr/MFoucault158.html. Acesso em 15 ago. 2021
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), para quem um dispositivo é definido pela estrutura de seus elementos heterogêneos e pela sua gênese, que se constitui em dois momentos. Primeiramente, o dispositivo nasce a fim de servir a um objetivo estratégico, e após, ele se constitui propriamente como tal, sobrevivendo à intencionalidade que orientou seu surgimento.

A pesquisa se sustenta nesses princípios para estudar o dispositivo info-comunicacional em questão, e tem por objetivos específicos: conceituar regime de Informação; discorrer acerca dos dispositivos e mais especificamente dos dispositivos info-comunicacionais; apresentar a concepção de documento; desenvolver uma perspectiva genealógica de entendimento da criação do DSM, das modificações ocorridas nas edições do manual ao longo do tempo e do seu processo de cristalização; e realizar uma análise do DSM-5 (a atual edição do Manual), a fim de identificar os temas abordados, a mídia empregada, a rede de atores envolvidos, e o público-alvo a que se propõe atingir.

O DSM surgiu devido à necessidade de haver um documento que auxiliasse o diagnóstico de transtornos mentais por parte dos profissionais da área da saúde mental. Assim, a primeira edição do Manual, o DSM-I, foi publicada em 1952, tendo sido elaborada pela então American Medico-Psycological Association, que viria a ser a American Psychiatric Association (APA). A ele, seguiram-se quatro edições: o DSM-II, o DSM-III, o DSM-IV e o DSM-5.

O DSM-5 foi lançado nos Estados Unidos em 2013 e conta com vinte e duas grandes categorias de transtornos mentais. Ele foi produzido pela APA e contou com uma extensa rede de colaboradores para sua elaboração. Seu público-alvo são clínicos que buscam uma nomenclatura oficial para diagnóstico, estudantes e pesquisadores.

2 REGIME DE INFORMAÇÃO

Considera-se regime de informação enquanto “[...] qualquer sistema ou rede mais ou menos estável em que a informação flui por canais determináveis a partir de produtores específicos, por meio de estruturas organizacionais específicas, para consumidores ou usuários específicos [...]” (FROHMANN, 1995FROHMANN, B. Taking information policy beyond information science: applying the actor network theory. ANNUAL CONFERENCE: CANADIAN ASSOCIATION FORMIN FORMATION, 23., 1995, Edmonton. Anais [...]. Edmonton: CAIS/ACSI, 1995. Disponível em: https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.517.5320&rep=rep1&type=pdf. Acesso em: 5 jul. 2021.
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, p. 21, tradução nossa). Segundo o autor, na descrição de uma política de informação estaria a descrição da genealogia de um regime da informação, o que significa mapear os processos agonísticos que levam a estabilizações provisórias e, em grande parte das vezes, incômodas, entre grupos sociais, discursos, interesses, artefatos científicos e tecnológicos (FROHMANN, 1995).

Ao retomar essa compreensão desenvolvida por Frohmann, González de Gómez (2012, p. 43) considera um regime de informação como

[...] o modo informacional dominante de uma formação social, o qual define quem são os sujeitos, as organizações, as regras e as autoridades informacionais e quais os meios e os recursos preferenciais de informação, os padrões de excelência e os modelos de sua organização, interação e distribuição, enquanto vigentes em certo tempo, lugar e circunstância.

Segundo a autora, um regime de informação não tem a configuração de um sistema de informação, mas antes, constitui-se como um conjunto de redes sociocomunicacionais formais e informais em que as informações “[...] podem ser geradas, organizadas e transferidas de diferentes produtores, através de muitos e diversos meios, canais e organizações, a diferentes destinatários ou receptores, sejam estes usuários específicos ou públicos amplos.” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2002, p. 34). Um regime de informação é formado por zonas de diferentes densidades, e por planos de fluxos e estruturas de informação, de desigual estabilidade.

Dessa forma, o conceito de regime de informação é uma importante ferramenta para analisar as relações entre os atores, suas práticas e recursos, à luz da transversalidade específica das ações e efeitos de informação. Diz-se transversalidade, uma vez que as relações e interações perpassam diferentes esferas da cultura, economia, educação, comunicação, pesquisa científica e vida cotidiana; e especificidade, pois a direção dessa transversalidade pertence à esfera da informação (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2012GONZÁLEZ DE GÓMEZ, M. N. Regime de informação: construção de um conceito. Informação e Sociedade: estudos, v. 22, n. 3, p. 43-60, set./dez. 2012. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/14376. Acesso em: 10 jul. 2021.
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).

Um regime de informação, por se tratar de um complexo de relações e agências, está exposto a condições culturais, políticas e econômicas que nele se constituem e expressam. O conceito é utilizado para abordar as relações existentes entre política, informação e poder, e proporciona “[...] visibilidade à questão dos critérios de valor associados à informação e de modo geral, à dimensão simbólica da cultura.” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2012GONZÁLEZ DE GÓMEZ, M. N. Regime de informação: construção de um conceito. Informação e Sociedade: estudos, v. 22, n. 3, p. 43-60, set./dez. 2012. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/14376. Acesso em: 10 jul. 2021.
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, p. 44).

E de que forma os regimes de informação exercem o poder informacional? Por meio da escrita, do discurso e dos dispositivos (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2012GONZÁLEZ DE GÓMEZ, M. N. Regime de informação: construção de um conceito. Informação e Sociedade: estudos, v. 22, n. 3, p. 43-60, set./dez. 2012. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/14376. Acesso em: 10 jul. 2021.
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), que funcionam como seus tentáculos, expressão latente de sua materialidade. Um dispositivo se configura como motor de um regime de informação que, por sua vez, comporta os dispositivos, atores e os elementos em rede.

3 DISPOSITIVOS INFO-COMUNICACIONAIS

O termo dispositivo remonta ao grego oikonomia que significa a administração da casa. Tratava-se de uma atividade prática que deveria ser feita a cada período frente a um problema ou situação particular. A oikonomia seria “[...] um conjunto de práxis, de saberes, de medidas, de instituições cujo objetivo é de administrar, governar, controlar e orientar, em um sentido que supõe útil, os comportamentos, os gestos e os pensamentos dos homens” (AGAMBEN, 2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? Outra travessia, Ilha de Santa Catarina, n. 5, p. 9-16, 2005. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/12576/11743. Acesso em: 07 jul. 2021.
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, p. 12). Nos escritos latinos, o termo foi traduzido como dispositivo.

O uso do termo dispositivo por Foucault remonta à sua obra A arqueologia do saber, em que o autor emprega o termo positividade (positivité) para analisar, numa perspectiva histórica, as práticas discursivas dentro de determinado campo disciplinar (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 7a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.). A “positividade” mais tarde se tornará o “dispositivo” e é empregado para abordar a relação entre indivíduos como seres viventes e o elemento histórico (conjunto das instituições, dos processos de subjetivação e das regras em que se estabelecem as relações de poder). Seu objetivo é o “[...] de investigar os modos concretos em que as positividades (ou os dispositivos) atuam nas relações, nos mecanismos e nos ‘jogos’ de poder.” (AGAMBEN, 2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? Outra travessia, Ilha de Santa Catarina, n. 5, p. 9-16, 2005. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/12576/11743. Acesso em: 07 jul. 2021.
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, p. 11).

Foucault, em entrevista concedida a um círculo de psicanalistas na França, em 1977FOUCAULT, M. Le jeu de Michel Foucault [entretien avec D. COLAS et al...]. ORNICAR? Bulletin périodique du champ freudien, n. 10, p. 62-93, 1977. Disponível em: http://1libertaire.free.fr/MFoucault158.html. Acesso em 15 ago. 2021
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, discorre sobre o conceito de dispositivo, enquanto

um todo decididamente heterogêneo, composto por discursos, instituições, arranjos arquitetônicos, decisões normativas, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, propostas filosóficas, morais, filantrópicas, enfim: o dito, assim como o não dito, esses são os elementos do dispositivo. O próprio dispositivo é a rede que pode ser estabelecida entre esses elementos (FOUCAULT, 1977FOUCAULT, M. Le jeu de Michel Foucault [entretien avec D. COLAS et al...]. ORNICAR? Bulletin périodique du champ freudien, n. 10, p. 62-93, 1977. Disponível em: http://1libertaire.free.fr/MFoucault158.html. Acesso em 15 ago. 2021
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, não paginado, tradução nossa)

Segundo Foucault (1977FOUCAULT, M. Le jeu de Michel Foucault [entretien avec D. COLAS et al...]. ORNICAR? Bulletin périodique du champ freudien, n. 10, p. 62-93, 1977. Disponível em: http://1libertaire.free.fr/MFoucault158.html. Acesso em 15 ago. 2021
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), no dispositivo podem existir diferentes vínculos entre esses elementos heterogêneos, de forma que entre estes há como um jogo, com mudanças de posição e modificação de funções. Além disso, o dispositivo surge com a função primordial de responder a uma urgência, sendo dotado de uma função estratégica dominante. Para Marteleto e Couzinet (2013MARTELETO, R.; COUZINET, V. Mediações e dispositivos de informação e comunicação na apropriação de conhecimentos: elementos conceituais e empíricos a partir de olhares intercruzados. RECIIS - Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, v. 7, n. 2, jun. 2013. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/450/1104. Acesso em: 15 ago. 2021.
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, p. [8]), o conceito de dispositivo pode ser empregado para entender “[...] os arranjos técnicos de informação e comunicação e, neles, o papel indispensável de redes heterogêneas na produção de saberes, de relações de poder, de subjetividades e de objetividades.”

Couzinet (2009COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: contributions à une définition. In: COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: questions de médiations documentaires. Paris: Hermès Science, Lavoisier, 2009. p. 19-30.) destaca ainda que o projeto em que o dispositivo está imerso e a missão que possui o insere desde o início em uma situação particular, que o dota de sua razão de ser, ao mesmo tempo que impõe restrições que podem limitar seus objetivos. Um dispositivo não é um objeto isolado e encontra-se ligado a outros objetos de mesma natureza (METZGER, 2002 apud COUZINET, 2009COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: contributions à une définition. In: COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: questions de médiations documentaires. Paris: Hermès Science, Lavoisier, 2009. p. 19-30.). Esses objetos aos quais ele está ligado, podem também ser considerados como dispositivos, e para estudá-los, é necessário desemaranhar os elos que os compõem e que exercem força sobre o todo (COUZINET, 2009).

Agamben (2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? Outra travessia, Ilha de Santa Catarina, n. 5, p. 9-16, 2005. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/12576/11743. Acesso em: 07 jul. 2021.
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, p. 13) propõe uma divisão entre dois grandes grupos: de um lado os seres viventes e de outro os dispositivos que capturam esses seres, generalizando a classe dos dispositivos foucaultianos para englobar “[...] qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes.” Entre essas duas classes estariam os sujeitos, que são o resultado da relação entre os viventes e os dispositivos.

Assim, um dispositivo implica, necessariamente, um processo de subjetivação, sem o qual não pode funcionar como dispositivo do Estado. Porém, na atual fase do capitalismo, o que define os dispositivos é que eles agem mais pela dessubjetivação. Dessa forma, as sociedades contemporâneas são nada mais do que corpos inertes atravessados por processos de dessubjetivação que não correspondem a uma subjetivação real (AGAMBEN, 2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? Outra travessia, Ilha de Santa Catarina, n. 5, p. 9-16, 2005. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/12576/11743. Acesso em: 07 jul. 2021.
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).

Associar os dispositivos aos denominados dispositivos info-comunicacionais implica considerar suas formas e conteúdos. No processo comunicacional, a informação é o conteúdo cognitivo da comunicação (COUZINET, 2009COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: contributions à une définition. In: COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: questions de médiations documentaires. Paris: Hermès Science, Lavoisier, 2009. p. 19-30.), e uma das formas de conceituar a informação é como sendo conhecimento comunicado (CAPURRO; HJORLAND, 2007CAPURRO, R.; HJORLAND, B. O conceito de informação. Perspectivas em Ciência da Informação, [s.l.], v. 12, n. 1, p. 148-207, 2007.). “Um dispositivo informacional seria então um dispositivo cognitivo portador de informações latentes passíveis de se transformarem em conhecimentos, ou seja, capazes de contribuir para a modificação de uma ação.” (COUZINET, 2009, p. 21, tradução nossa).

Estudar os dispositivos é uma forma de se posicionar na intersecção entre a informação e a comunicação, e esse estudo não pode ser feito sem levar em conta o dispositivo como um objeto material mediador (COUZINET, 2009COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: contributions à une définition. In: COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: questions de médiations documentaires. Paris: Hermès Science, Lavoisier, 2009. p. 19-30.). E refletir sobre a mediação implica levar em conta que os elementos do ambiente cognitivo tornam o ambiente potencial para o desenvolvimento de competências, conhecimentos, e saber-fazer. É nesse espaço potencial que surgem os objetos transicionais chamados dispositivos (BERTEN, 1999BERTEN, A. Dispositif, médiation, créativité: petite généalogie. Hermès, [S.l], n. 25, p. 33-47, 1999.).

Para estudar os dispositivos info-comunicacionais é necessário questionar sua natureza e seu funcionamento, a maneira como atingem os objetivos de que foram imbuídos e questionar as razões de sua eficácia e fracassos. Os dispositivos estão inseridos em determinados contextos e a sua abordagem deve levar em conta o ambiente em que estão inscritos, que é de igual forma um lugar de emergência e um lugar de dependência (COUZINET, 2009COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: contributions à une définition. In: COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: questions de médiations documentaires. Paris: Hermès Science, Lavoisier, 2009. p. 19-30.).

Também se faz relevante indagar acerca dos sujeitos e como eles intervêm no funcionamento dos dispositivos enquanto uma rede de laços sociais que unem o produtor de informação, aquele que permite sua circulação, aquele que intervém a fim de facilitar a difusão e aquele que se apropria da informação. Logo, o dispositivo depende de uma rede social para atingir seu objetivo de emergência (COUZINET, 2009COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: contributions à une définition. In: COUZINET, V. Dispositifs info-communicationnels: questions de médiations documentaires. Paris: Hermès Science, Lavoisier, 2009. p. 19-30.; MARTELETO; COUZINET, 2013MARTELETO, R.; COUZINET, V. Mediações e dispositivos de informação e comunicação na apropriação de conhecimentos: elementos conceituais e empíricos a partir de olhares intercruzados. RECIIS - Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, v. 7, n. 2, jun. 2013. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/450/1104. Acesso em: 15 ago. 2021.
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).

4 DOCUMENTO

Segundo Frohamnn (2008) o documento é a forma pela qual a informação se materializa. Para abordar a “materialidade da informação”, Frohmann (2006) retoma o conceito de “materialidade dos enunciados” de Foucault, que discute o enunciado não do ponto de vista de sua “informação”, mas de sua existência: como ele surge, se transforma, se amplia, suas conexões e seu desvanecimento até desaparecer. Para Foucault, os enunciados só podem ser analisados se forem dotados de existência material.

A materialidade de um enunciado pode ser analisada pela sua imersão institucional, pois o regime de materialidade a que os enunciados obedecem é mais da ordem da instituição do que da inscrição no espaço-tempo. “O ponto levantado por Foucault é que as rotinas institucionalizadas estabelecem e mantêm as relações entre enunciados, dando a eles peso, massa, inércia e resistência. Elas respondem pela materialidade dos enunciados.” (FROHAMNN, 2008, p. 23).

Ao se conceber os documentos como enunciados, e utilizando-se do conceito de materialidade dos enunciados de Foucault (FROHMANN, 2008FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 7a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.) - que se refere à materialidade da ordem da instituição - é possível identificar que os documentos que circulam através das instituições são dotados de materialidade. “Requer muito esforço produzi-los, instituir práticas com eles, substituí-los por diferentes documentos, e instalar documentos manufaturados e disponibilizados por uma instituição em outra.” (FROHMANN, 2008, p. 24).

Foucault atribui aos documentos um poder constitutivo, que difere da sua função comunicativa. “O processo que ele chama de ‘escrita disciplinar’ coloca indivíduos num campo de vigilância através da inserção de registros sobre eles em pesados circuitos institucionais altamente rotinizados.” (FROHMANN, 2008FROHMANN, B. O caráter social, material e público da informação. In: FUJITA, M.S.L.; MARTELETO, R.M.; LARA, M. L. G. (orgs.). A dimensão epistemológica da Ciência da Informação e suas interfaces técnicas, políticas e institucionais nos processos de produção, acesso e disseminação da informação. São Paulo: Cultura Acadêmica Ed.; Marília: Fundepe Ed., 2008, p. 17-34. p. 25). O poder da escrita seria, então, parte fundamental dos mecanismos do aparelho disciplinar por meio do qual os indivíduos são construídos como objetos de conhecimento, e os documentos funcionam como transmissão de poder gerativo e formativo, através dos quais os indivíduos são constituídos institucionalmente (FROHMANN, 2008).

As práticas documentárias institucionais vão fornecer peso, massa, inércia e estabilidade que materializam a informação de forma que ela possa configurar a vida social. Além disso,

A materialidade da informação pode também ser estudada através da investigação do papel da documentação na criação de tipos ou de categorias. Em termos gerais, não pode haver informação sobre algo de um tipo X se este tipo não existir. E se o tipo não pode existir sem documentação, então a documentação é necessária para que haja informação sobre ele (FROHMANN, 2008FROHMANN, B. O caráter social, material e público da informação. In: FUJITA, M.S.L.; MARTELETO, R.M.; LARA, M. L. G. (orgs.). A dimensão epistemológica da Ciência da Informação e suas interfaces técnicas, políticas e institucionais nos processos de produção, acesso e disseminação da informação. São Paulo: Cultura Acadêmica Ed.; Marília: Fundepe Ed., 2008, p. 17-34., p. 28).

A materialidade da informação sobre categorias documentadas de indivíduos é expressiva no DSM, que apresenta uma classificação para os transtornos mentais, e consequentemente uma classificação para os indivíduos de acordo com os transtornos.

5 O MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS

Conforme apontado anteriormente, o DSM é uma classificação de transtornos mentais, elaborada para facilitar os diagnósticos destes transtornos, e para permitir que os profissionais utilizem uma linguagem única em sua comunicação. É utilizado por pesquisadores de diversos países e é um dos principais sistemas de classificação adotados pela Saúde Pública Brasileira, juntamente com a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) (MAS, 2018MAS, Natalie Andrade. Transtorno do Espectro Autista: história da construção de um diagnóstico. 2018. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018).

Esta seção apresenta a perspectiva genealógica do DSM e a análise da quinta e atual edição, o DSM-5, e está dividida nos seguintes tópicos: (5.1) Contexto de surgimento do DSM e as quatro primeiras edições do Manual; (5.2) Temas abordados e mídias empregadas no DSM-5; (5.3) Rede de atores; (5.4) Público-alvo; (5.5) O DSM-5 e a fabricação de doenças mentais.

5.1 Contexto de surgimento do DSM e as quatro primeiras edições do Manual

A classificação dos transtornos mentais se modifica de acordo com o momento histórico, de forma que cada uma das edições do Manual reflete o regime de informação da época do seu lançamento. Isso porque “[...] a doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a reconhece como tal.” (FOUCAULT, 1975FOUCAULT, M. Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975., p. 49).

Em 1840 é desenvolvida a primeira classificação psiquiátrica oficial pelo governo norte americano, que contava com apenas duas categorias: idiotismo e insanidade (AGUIAR, 2004AGUIAR, A. A. de. A psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. E-book.). A primeira classificação de transtornos mentais dos EUA foi apresentada no encontro anual da American Medico-Psychological Association - hoje American Psychiatric Association (APA) - em 1869 (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A.; RUIZ, P. Compêndio de Psiquiatria: ciência do comportamento e Psiquiatria Clínica. 11. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.).

Em 1917, a Associação Médico-Psicológica Americana adotou um plano para uniformizar as estatísticas hospitalares de pacientes portadores de doenças mentais. Esse sistema foi revisado em 1934 para ser incorporado à primeira edição da Nomenclatura Padronizada de Doenças da Associação Médica Americana (AGUIAR, 2004AGUIAR, A. A. de. A psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. E-book., e-book).

Na década de 1940 a Administração de Veteranos e a Marinha desenvolveram suas próprias classificações, pois os médicos das Forças Armadas avaliaram que a classificação não contemplava os distúrbios encontrados entre os combatentes durante a Segunda Guerra Mundial (AGUIAR, 2004AGUIAR, A. A. de. A psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. E-book.). Ainda nessa década foi publicada a 6° edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-6), que pela primeira vez apresentou uma seção para os transtornos mentais, mas ainda “[...] não incluía síndromes cerebrais crônicas, bem como vários transtornos de personalidade e situações reativas de interesse dos clínicos americanos.” (AGUIAR, 2004, e-book). Devido a essas omissões, a então American Medico-Psychological Association elaborou sua própria classificação para uso nos Estados Unidos, e publicou em 1952 a primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-I).

O DSM-I forneceu critérios diagnósticos para 106 categorias de transtornos mentais e foi utilizado por profissionais da área de saúde mental a fim de auxiliar o diagnóstico (BURKLE, 2009BURKLE, T. da S. Uma reflexão crítica sobre as edições do Manual de Diagnóstico e Estatística das Pertubações Mentais - DSM. 2009. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.). Sua principal marca era a noção de reação, originária da psicobiologia de Adolf Meyer e a forte influência da psicanálise. A noção de reação reflete o entendimento que a psiquiatria americana tinha da doença mental “[...] como uma reação a problemas da vida e situações difíceis encontradas pelos indivíduos.” (AGUIAR, 2004AGUIAR, A. A. de. A psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. E-book., e-book).

O DSM-II foi publicado em 1968 e apresentava 182 transtornos (BURKLE, 2009BURKLE, T. da S. Uma reflexão crítica sobre as edições do Manual de Diagnóstico e Estatística das Pertubações Mentais - DSM. 2009. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.). A segunda edição “[...] mantém a ideia básica de que os transtornos mentais são a expressão simbólica de realidades psicológicas (ou psicossociais).” (AGUIAR, 2004AGUIAR, A. A. de. A psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. E-book., e-book). A influência da psicanálise nessa edição é ainda maior, ao mesmo tempo em que introduz algumas diferenças em relação ao DSM-I, como o abandono da noção de reação e a concepção biopsicossocial dos transtornos mentais, passando a evidenciar “[...] os aspectos da personalidade individual na compreensão do sofrimento psíquico. As diferentes formas de perturbações mentais passam a corresponder a diferentes níveis de desorganização psicológica do indivíduo.” (AGUIAR, 2004, e-book).

O DSM-III foi publicado em 1980 listando 265 categorias diagnósticas e adotando um sistema de avaliação multiaxial (BURKLE, 2009BURKLE, T. da S. Uma reflexão crítica sobre as edições do Manual de Diagnóstico e Estatística das Pertubações Mentais - DSM. 2009. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.). Essa edição representou um marco na psiquiatria, pois foi a primeira classificação a se basear em critérios diagnósticos explícitos, em que eram descritos sinais e sintomas dos transtornos mentais, rompendo com os princípios da psicanálise. O comitê para a elaboração do DSM-III estava comprometido com a rigorosa aplicação dos princípios de verificabilidade e experimentação científica e visava elaborar um manual com embasamento empírico, “[...] que viesse a aumentar o nível de confiabilidade do diagnóstico psiquiátrico, pelo uso de critérios objetivos e claramente definidos” (AGUIAR, 2004AGUIAR, A. A. de. A psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. E-book., e-book). Essa edição se tornou referência mundial, promovendo a globalização da psiquiatria norte-americana.

O DSM-III promoveu uma reviravolta no campo psiquiátrico, que se apresentou como uma salvação da profissão. [...] Ele surge como efeito da presença cada vez maior de grandes corporações privadas no campo da psiquiatria, como a indústria farmacêutica e as grandes seguradoras de saúde. O Congresso americano, que desacreditava o National Institute of Mental Health (NIMH) no começo dos anos 1970, justamente devido à baixa confiabilidade dos diagnósticos psiquiátricos, passou a aumentar os recursos financeiros destinados à pesquisa após o DSM-III.” (AGUIAR, 2004AGUIAR, A. A. de. A psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. E-book., e-book).

O DSM-IV foi publicado em 1994 com 397 categorias diagnósticas (BURKLE, 2009BURKLE, T. da S. Uma reflexão crítica sobre as edições do Manual de Diagnóstico e Estatística das Pertubações Mentais - DSM. 2009. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.). A quarta edição do Manual seguiu a filosofia do DSM-III, mantendo uma perspectiva descritiva e ateórica. “Sua elaboração foi coordenada com a preparação do capítulo sobre transtornos mentais da CID-10, numa colaboração da APA com a Organização Mundial de Saúde (OMS)” (AGUIAR, 2004AGUIAR, A. A. de. A psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. E-book., e-book).

É possível observar que o DSM se estabilizou ao longo de alguns anos, mas que se firmou como uma referência internacional com o DSM-III. Não só o dispositivo se estabilizou, mas a própria psiquiatria. Nos próximos tópicos a atenção será dirigida à atual edição do Manual, o DSM-5.

5.2 Temas abordados e mídias empregadas no DSM-5

A quinta edição do Manual, DSM-5, foi lançada nos Estados Unidos em 2013 e sua tradução no Brasil foi realizada em 2014.

O DSM se propõe a servir como um guia prático, funcional e flexível para organizar informações que podem auxiliar o diagnóstico preciso e o tratamento de transtornos mentais. Trata-se de uma ferramenta para clínicos, um recurso essencial para a formação de estudantes e profissionais e uma referência para pesquisadores da área (AMERICAN PSYQUIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. xlii).

O DSM-5 é o sistema de codificação psiquiátrica oficial dos Estados Unidos. A classificação dos transtornos está em harmonia com a CID-11 da Organização Mundial da Saúde (OMS). Assim “[...] os critérios do DSM definem transtornos identificados pela denominação diagnóstica e pela codificação alfanumérica da CID.” (AMERICAN PSYQUIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. xlii).

A seção I do DSM-5 apresenta informações básicas sobre o Manual. A seção II apresenta os critérios e transtornos oficiais que possuem aplicabilidade clínica reconhecida, acompanhados de seus códigos. Na seção III encontram-se os instrumentos de avaliação e modelos emergentes, incluindo os tópicos: instrumentos de avaliação, formulação cultural, modelo alternativo do DSM-5 para Transtornos de Personalidade, e condições para estudos posteriores.

O DSM-5 lista 22 grandes categorias de transtornos mentais e apresenta uma

[...] descrição clara e concisa de cada transtorno mental, organizada por meio de critérios diagnósticos claros, complementados, quando apropriado, por medidas dimensionais que perpassam limites diagnósticos, e um breve resumo de informações sobre o diagnóstico, os fatores de risco, as características associadas, os avanços em pesquisa e as várias expressões do transtorno. [...] Os critérios diagnósticos identificam sintomas, comportamentos, funções cognitivas, traços de personalidade, sinais físicos, combinações de síndromes e durações, exigindo perícia clínica para diferenciá-los das variações normais da vida e de respostas transitórias ao estresse. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 5).

A organização do Manual segue os princípios de desenvolvimento e ciclo vital, de forma que se inicia com diagnósticos de processos de desenvolvimento que se manifestam na infância, seguido dos que se manifestam com mais frequência na adolescência, vida adulta e idades mais avançadas. Além disso, foi seguida uma abordagem semelhante dentro de cada capítulo, pois “Essa estrutura organizacional facilita o uso abrangente das informações sobre o ciclo da vida como forma de auxílio à tomada de decisão diagnóstica” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 13).

O Manual é veiculado em sua versão impressa, mas devido à necessidade de manter o documento em um tamanho manejável, as escalas e instrumentos de avaliação clínicas limitam-se às principais considerações. Medidas de avaliação adicionais que foram utilizadas nos testes de campo, assim como a Entrevista de Formulação Cultural e módulos complementares a ela estão disponíveis on-line em www.psychiatry.org/dsm5. O DSM-5 está disponível também na forma de e-book e por meio de assinatura on-line em PsychiatryOnline.org. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 17).

5.3 Rede de atores

O DSM-5 é um documento produzido pela APA, “[...] uma organização de psiquiatras trabalhando em conjunto para garantir atendimento humano e tratamento eficaz para todas as pessoas com doenças mentais, incluindo transtornos por uso de substâncias.” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, c2021, n. p., tradução nossa). Foi publicado nos Estados Unidos pela American Psychiatric Publishing, uma divisão da APA.

Uma extensa rede de atores atuou na elaboração do DSM-5. Entre 2003 e 2008 a APA e a OMS firmaram um acordo de cooperação que foi patrocinado pelo National Institute of Mental Health (NIMH), National Institute on Drug Abuse (NIDA) e National Institute on Alcoholism and Alcohol Abuse (NIAAA) a fim de congregar 13 conferências internacionais, envolvendo 400 participantes. A finalidade das conferências foi realizar uma revisão da literatura mundial para preparar as revisões do DSM-5 e do CID-11 (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

O presidente e o vice-presidente da Força-tarefa do DSM-5 foram nomeados pela APA em 2006. Eles foram responsáveis por indicar presidentes para os 13 grupos de trabalhos de diagnóstico que compuseram a Força-tarefa. Cada um dos 13 grupos era composto por membros que representavam o conhecimento especializado em suas áreas. Mais de 130 membros fizeram parte dos grupos de trabalho. Além disso “Mais de 400 consultores adicionais dos grupos de trabalho sem poder de voto também receberam aprovação para participar do processo” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 7).

Os grupos atuaram sob a direção geral da Força-tarefa do DSM-5 e receberam apoio da Divisão de Pesquisa da APA. Foi estabelecido um Comitê de Revisão Científica (CRC) para proporcionar um processo de revisão por pares externos ao dos grupos de trabalho. Além desses atores, diversos grupos da área da saúde estiveram envolvidos no desenvolvimento e testes do DSM-5, “[...] incluindo médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, consultores, epidemiologistas, estatísticos, neurocientistas e neuropsicólogos.” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 6). Também participaram da revisão do Manual “[...] pacientes, famílias, advogados, organizações de consumidores e grupos de defesa [...]” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 6), fornecendo feedback sobre os transtornos mentais descritos no DSM-5.

5.4 Público-alvo

O DSM tem como público-alvo clínicos que buscam uma nomenclatura oficial para diagnosticar seus pacientes, também atuando como recurso para formação de profissionais e estudantes, e referência para pesquisadores. As informações contidas no Manual podem ser utilizadas por profissionais ligados a saúde mental “[...] incluindo psiquiatras, outros médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, consultores, especialistas das áreas forense e legal, terapeutas ocupacionais e de reabilitação e outros profissionais da área da saúde” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, P. xli). Sua utilização para avaliação dos sintomas se dá em inúmeros contextos clínicos, como internação, ambulatório, clínica, consultório, entre outros.

5.5 O DSM-5 e a fabricação de doenças mentais

Um último ponto deve ser levantado acerca do DSM, no que diz respeito a uma dupla faceta do Manual: de apagador de categorias e de fabricador de novas, o que pode interferir na estabilidade desse dispositivo. O DSM é o principal sistema de classificação de transtornos mentais usado para diagnósticos, o que quer dizer que, ao remover uma categoria desse sistema (como acontece de uma edição para outra) remove-se a categoria não só das práticas institucionais, mas ameaça a existências desses pacientes “[...] também num largo escopo de práticas individuais, sociais e culturais.” (FROHMANN, 2008FROHMANN, B. O caráter social, material e público da informação. In: FUJITA, M.S.L.; MARTELETO, R.M.; LARA, M. L. G. (orgs.). A dimensão epistemológica da Ciência da Informação e suas interfaces técnicas, políticas e institucionais nos processos de produção, acesso e disseminação da informação. São Paulo: Cultura Acadêmica Ed.; Marília: Fundepe Ed., 2008, p. 17-34., p. 29).

Esse apagamento se dá, segundo Frohmann (2008FROHMANN, B. O caráter social, material e público da informação. In: FUJITA, M.S.L.; MARTELETO, R.M.; LARA, M. L. G. (orgs.). A dimensão epistemológica da Ciência da Informação e suas interfaces técnicas, políticas e institucionais nos processos de produção, acesso e disseminação da informação. São Paulo: Cultura Acadêmica Ed.; Marília: Fundepe Ed., 2008, p. 17-34.), porque um determinado grupo de pessoas só existe a partir do momento em que está documentado. Essa lógica também pode ser utilizada para fazer o caminho oposto: quando uma nova categoria é incluída no DSM, novos transtornos passam a existir institucionalmente, o que Freitas e Amarantes (2013FREITAS, F; AMARANTE, P. O DSM-V e a fabricação da loucura. Cebes, Rio de Janeiro, 23 maio 2013. Disponível em: http://cebes.org.br/2013/05/o-dsm-v-e-a-fabricacao-da-loucura/. Acesso em: 12 set. 2021.
http://cebes.org.br/2013/05/o-dsm-v-e-a-...
) chamam de fabricação de doenças mentais.

A publicação do DSM-5 foi acompanhada por uma forte rejeição: Em várias partes do mundo apareceram “[...] petições, chamadas ao boicote, declarações, artigos e livros publicados, assinados principalmente por especialistas, denunciando o Manual como uma obra ‘perigosa’ para a saúde pública.” (FREITAS; AMARANTES, 2013FREITAS, F; AMARANTE, P. O DSM-V e a fabricação da loucura. Cebes, Rio de Janeiro, 23 maio 2013. Disponível em: http://cebes.org.br/2013/05/o-dsm-v-e-a-fabricacao-da-loucura/. Acesso em: 12 set. 2021.
http://cebes.org.br/2013/05/o-dsm-v-e-a-...
, n. p.). Isso porque, desde o DSM-III o Manual passou a possuir uma conexão com o desenvolvimento da indústria dos psicofármacos (BURKLE, 2009BURKLE, T. da S. Uma reflexão crítica sobre as edições do Manual de Diagnóstico e Estatística das Pertubações Mentais - DSM. 2009. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.). Essa conexão de tornou mais evidente com o DSM-5, que ao fabricar doenças mentais, “[...] faz com que enormes contingentes populacionais passem a ser considerados doentes e, como consequência, a consumir medicamentos psiquiátricos.” (FREITAS; AMARANTES, 2013, n. p.). Essa rejeição gerou inclusive um movimento contra o DSM nos Estados Unidos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O DSM é um documento de grande peso e massa institucional que funciona como o motor da Psiquiatria ao se configurar como o principal recurso diagnóstico de transtornos mentais. Esse dispositivo surge a fim de responder a uma emergência, que era a necessidade de auxiliar o diagnóstico de transtornos mentais por parte dos profissionais da área da saúde mental. O CID-6 por omitir inúmeros transtornos mentais não cumpria esse fim, o que levou à criação do DSM-I. Esse objetivo primeiro se manteve com o passar das edições do Manual. A estabilização desse dispositivo info-comunicacional levou alguns anos para acontecer, tendo alcançado essa cristalização com o DSM-III, que se manteve no DSM-IV e no DSM-5.

O Manual é veiculado na edição impressa, em versão e-book e on-line. Além disso, conta com um site que comporta informações extras. O principal ator do DSM é a APA, que além de sua idealizadora e principal responsável pela confecção, também é a responsável pela publicação e veiculação. Para a revisão da quinta edição a APA contou com a colaboração da OMS e de instituições patrocinadoras, além de ter em sua rede de atores, profissionais, pesquisadores e membros da sociedade. O DSM-5 entrou em vigor em 2013 e seu conteúdo volta-se para profissionais clínicos, pesquisadores e estudantes, que buscam uma nomenclatura oficial para o diagnóstico de transtornos mentais.

Os movimento contrários ao DSM surgidos com a publicação da atual edição demonstram uma insatisfação de alguns profissionais da área, assim como dos membros da sociedade civil para com o sistema de classificação vigente. A fabricação de doenças mentais parece favorecer cada vez mais o mercado da psicofarmacologia o que pode oferecer um risco para a saúde coletiva. Seriam esses movimentos capazes de levar ao esmaecimento e futuro colapso desse dispositivo info-comunicacional? Ou à sua transformação? São necessários estudos, de caráter interdisciplinar, para esclarecer esses questionamentos.

REFERÊNCIAS

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    Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC . As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

EDITORES

Edgar Bisset Alvarez, Ana Clara Cândido, Patrícia Neubert, Genilson Geraldo, Jônatas Edison da Silva, Mayara Madeira Trevisol, Camila Letícia Melo Furtado e Beatriz Tarré Alonso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2022
  • Aceito
    01 Abr 2023
  • Publicado
    19 Maio 2023
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