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TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E TAUTISMO: UMA QUESTÃO DE PREFIXO? EPISTEMICÍDIO E CAPACITISMO NA ANÁLISE CRÍTICA À INFOCOMUNICAÇÃO

Autism spectrum disorder and tautism: A prefix issue? Epistemicide and ableism in the critical analysis of infocommunication

RESUMO

Objetivo:

Trata-se de um debate sobre os efeitos ético e ontoepistemológico do conceito de tautismo (neologismo entre tautologia e autismo), elaborado por Lucien Sfez no escopo das Teorias da Informação e Comunicação, como crítica à chamada comunicação confusional, onde a desinformação e o fim da comunicação seriam seus produtos imediatos. Sem desconsiderar a legitimidade, relevância e atualidade do problema apresentado por Sfez, o artigo reflete sobre a apropriação do termo autismo para construção de metáforas embasadas nas definições temporais e contextuais do espectro, domínio ainda em desenvolvimento.

Métodos:

Estudo de natureza básica, descritivo, abordagem qualitativa e bibliográfica e análise hermenêutica. O percurso teórico-metodológico examina os conceitos de tautismo e comunicação confusional, de Lucien Sfez, em contraponto à leitura sofista acerca da linguagem, em Barbara Cassin. Como fio condutor, o conceito de justiça informacional de Kay Mathiesen.

Resultado:

Com base nos estudos críticos informacionais e de linguagem, sustenta-se que o princípio ocidental de não-contradição aristotélico hegemônico fortalece o uso do prefixo grego - autós na instituição de identidade autista como indivíduo alheio à realidade, consequentemente, não-sujeito dotado de logos, abrindo brecha para representações capacitistas e epistemicidas da população avaliada, seus saberes e suas práticas.

Conclusões:

Como cientistas da informação, averiguamos as pegadas terminológicas que não espelham o universal, mas apontam historicidade. O gesto ontológico de exclusão funda o tautismo, cuja metaforologia negativa resguarda um problema legítimo: os efeitos físicos, mentais e políticos emergentes da digitalização de atividades e processos, capturados e agenciados por empresas e governos com interesses próprios. Apesar de Sfez desenvolver argumentação crítica à comunicação enquanto forma simbólica e ideológica, reforça uma racionalidade técnica autônoma na figura de Frankenstein.

PALAVRAS-CHAVE:
Representação da Informação; Transtorno do Espectro Autista; Tautismo; Teorias da Informação; Justiça informacional

ABSTRACT

Objective:

This is a debate about the ethical and onto-epistemological effects of the concept of tautism (neologism between tautology and autism), elaborated by Lucien Sfez in the scope of Information Theory, as a criticism of the so-called confusional communication, where disinformation and the end of communication would be its immediate products. Without disregarding the legitimacy, relevance and timeliness of the problem presented by Sfez, the article reflects on the appropriation of the term autism for the construction of metaphors, based on temporal and contextual definitions of the spectrum, a domain still under development. Based on critical informational and language studies, it is argued that the Western hegemonic Aristotelian principle of non-contradiction strengthens the use of the Greek prefix -autos in the institution of autistic identity as an individual alien to reality, consequently, a non-subject endowed with logos , opening a gap for ableist and epistemic representations of the evaluated population, their knowledge and practices.

Methods:

Basic, descriptive study, with a qualitative approach, bibliography and hermeneutic analysis. The theoretical-methodological route examines Lucien Sfez's concepts of tautism and confusional communication, in opposition to Barbara Cassin's sophistic reading of language.

Results:

Based on critical informational and language studies, it is argued that the Western hegemonic Aristotelian principle of non-contradiction strengthens the use of the Greek prefix -autos in the institution of autistic identity as an individual alien to reality, consequently, a non-subject endowed with logos, opening a gap for empowering and epistemic representations of the assessed population, their knowledge and practices.

Conclusions:

As information scientists, we check the terminological footprints that do not reflect the universal, but point to historicity. The ontological gesture of exclusion founds tautism, whose negative metaphorology safeguards a legitimate problem: the physical, mental and political effects emerging from the digitization of activities and processes, captured and managed by companies and governments with their own interests. Although Sfez develops a critical argument towards communication as a symbolic and ideological form, he reinforces an autonomous technical rationality in the figure of Frankenstein.

KEYWORDS:
Information Representation; Autistic Spectrum Disorder; Tautism; Information Theories; Informational justice

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, a Lei nº 12.764, promulgada em 2012, classificou o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como uma deficiência (BRASIL, 2012). Sem dados oficiais sobre essa população em território nacional, o mapeamento estatístico federal segue em andamento, pela primeira vez, com o Censo Demográfico, sob responsabilidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como um conceito em formação aplicado a um corpo humano que opera e se manifesta diferentemente da média, o autismo é atravessado pelas mudanças históricas e sociológicas que ocorrem no âmbito da deficiência. Observa-se seus reflexos na imediatez do cotidiano e em longo prazo na vida das pessoas diagnosticadas, seja pelo fortalecimento do estigma em relação à coletividade, instrumentos e dispositivos oficiais de exclusão (como Michel Foucault demonstrou ao mapear a história da loucura, o florescer da Psiquiatria enquanto campo do conhecimento e a tradição manicomial), ou pela disseminação de informação em meios acadêmicos e não acadêmicos, como a imprensa.

É desse novelo de múltiplas enunciações que parte a inquietação do presente artigo: com o afastamento social necessário para contenção da transmissão da COVID-19, popularizou-se os termos “autismo virtual” e “autismo de telas” para designar o comportamento infanto-juvenil introspectivo, autocentrado e socialmente dissonante aos estímulos exteriores, interpretado como característico do TEA (AUTISMO..., 2022). Por conseguinte, recrudesceu a noção de que o uso abusivo de smartphone e tablet causaria autismo em pessoas anteriormente neurotípicas. Entretanto, a apropriação do termo para fenômenos sociopolíticos ou atribuição do diagnóstico a celebridades, mesmo com a ausência de laudo médico, não são novidades trazidas pela pandemia.

Pasek (2015PASEK, Anne. Errant Bodies: Relational Aesthetics, Digital Communication, and the Autistic Analogy. Disability Studies Quarterly, [S.l.], v.35, n.4, 2015. Disponível em: https://dsq-sds.org/index.php/dsq/article/view/4656/4111. Acesso em: 08 jan.2023.
https://dsq-sds.org/index.php/dsq/articl...
), no artigo Errant Bodies: Relational Aesthetics, Digital Communication, and the Autistic Analogy (em português, Corpos errantes: estética relacional, Comunicação digital e Analogia autista, tradução nossa), investigou a utilização de terminologias relacionadas à deficiência para retratar os efeitos negativos da sociabilidade tecnológica promovida no século XXI com enfoque em estudos de mídia e artes visuais. No trabalho, salienta a expressão “autismo cultural”, cunhada em 1996, por Anne Balsamo, a fim de compreender novas formas de subjetividades mediadas pela realidade virtual. Fenômeno semelhante é observado em solo nacional: em revisão documental realizada na Hemeroteca Digital Brasileira, mantida pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN), por meio do termo amplo “autismo”, recuperamos algumas matérias jornalísticas que lançam luz à produção discursiva do domínio abordado e colaboram na compreensão de suas diferentes aplicações.

Para fins contextuais, diferentes exemplos do uso da linguagem são identificadas nas fontes gerais de informação ao longo do século XX e constroem representações e metarrepresentações no âmbito de uma metaforologia sobre o espectro autista. Conforme demonstraremos a seguir via os exemplos, trata-se de uma infraestrutura de metáforas que permite conceber os modos de fundamentação ontológica do ser autista no imaginário social. A metaforologia, aqui, segue o olhar do estudo das metáforas em Hans Blumenberg (2013BLUMENBERG, Hans. Teoria da não-conceitualidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.), para quem uma teoria da metáfora se consolida aquém e além do conceito. A metaforologia blumenbergiana estabelece, como dinâmica pragmática, a ação da linguagem no mundo social pela via do movimento da metáfora. As identidades tendem a cristalizações semânticas não pela definição científica do conceito ou por um sentido local do termo, mas pela complexa relação de uso como produção de sentido, que envolve esses e outros movimentos (atravessando política, cultura, saúde, ou seja, distintas e entrelaçadas estruturas do tecido social).

Em 1928, a revista humorística Careta publicou uma crítica às decisões de oferta de bebida alcóolica em aeronaves como subterfúgio à lei seca vigente nos Estados Unidos: aos adversários da regra, situa o autismo, “um exaggero [sic] de certos fenômenos physiologicos [sic]”, visto haver “uma ideia autística normal que não presta atenção alguma à realidade das coisas” (PORTO, 1928PORTO, Adriano Ramos Pinto. Todos os vinhos são bons. Careta, Rio de Janeiro, ano 21, n.1028, p.3, 03 mar. 1928. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=083712&pagfis=42003. Acesso em: 06 jan. 2023.
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). Em 1947, em matéria sobre o poeta Augusto dos Anjos (1884-1914), o Diário de Notícias o descreve como “um homem que lutava contra um estado psíquico de esquizoidia, encontrando no vocabulário de enfermaria e necrotério a racionalização compensadora da neurose”, fruto da tuberculose, da miséria financeira e temperamento introspectivo, que o “conduziram ao mais estranho autismo (classificação de Bleuler), ou seja, a refugiar-se na contemplação de moneras, átomos e desintegração de matéria” (CRUZ, 1947CRUZ, Luiz Santa. Augusto dos Anjos insepulto. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 17, n.7475, 09 mar. 1947. Letras, Artes, Ideias Gerais, Primeira página. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=093718_02&pagfis=32210. Acesso em: 06 jan. 2023.
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).

Pouco mais de quinze anos depois, em 1964, o Correio do Paraná promove uma análise sobre um suposto mal oculto da personalidade de Machado de Assis (1839-1908), a epilepsia, e lista doze fatos certificadores da hipótese amparada em Peregrino Junior sobre o escritor brasileiro. A última observação equivale autismo a “pensamento cindido” (ATAIDE, 1964ATAIDE, Vicente de Paula. A doença de Machado de Assis. Correio do Paraná, Curitiba, n.1627, 29 nov. 1964. Letras, Ciências & Artes, p.9. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=171395&Pesq=autismo&pagfis=27085. Acesso em: 06 jan. 2023.
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). No ano seguinte, o Diário de Notícias (AUTISMO..., 1965) novamente aborda o tema do autismo, dessa vez, com o enfoque da saúde. Intitulada “Autismo: cruel doença que encerra a criança numa tôrre [sic] de marfim”, a matéria define o transtorno como uma forma de doença mental infantil que afeta a capacidade de interpretação do que se ouve ou enxerga, resultando em comportamento estranho e indiferente; com ausência de demonstração de afetos. Ainda segundo a reportagem, o tratamento é lento e objetiva “acordar a criança para o mundo físico que a cerca”. Anos mais tarde, em 1985, o Diário de Pernambuco publicou “O stress, um mal da vida moderna, ameaça a juventude brasileira”, preocupação semelhante à da geração atual, onde evidencia a importância da psiquiatria e seu espaço cada vez maior na vida dos brasileiros para tratar de doenças como esquizofrenia, cujo estresse diário poderia ser motivo de eclosão. No texto, autismo é destacado como um dos sintomas, o “fechamento em si mesmo” (D’OLIVEIRA, 1985D'OLIVEIRA, Fernanda. O stress, um mal na vida moderna, ameaça a juventude brasileira. Diário de Pernambuco, n.7, 07 jan. 1985. Viver, p.1. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=029033_16&Pesq=autismo&pagfis=84683. Acesso em: 06 jan. 2023.
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).

Na década posterior, um desvio: a representação do autismo na linguagem das fontes gerais emerge como mecanismo da desinformação. No tradicional Jornal do Brasil, um artigo de opinião intitulado “O papa, um show em Nova York”, asseverou: “os aplausos ao vibrante e comprometedor discurso de João Paulo II, pronunciando ao coração do consumismo mundial, revelam o autismo da informação (ou desinformação) que circula em certos ambientes da mídia” (DI FRANCO, 1995DI FRANCO, Carlos Alberto. O papa, um show em Nova York. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n.191, 16 out. 1995. Opinião, p.9. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=030015_11&pagfis=167981. Acesso em: 06 jan. 2023.
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). Não se tratou de um caso isolado. Mais dez anos à frente, o Jornal da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) ressaltou “A hora da ética: repórteres carentes de informação e de documentação apropriadas acabam instrumentalizados pela fonte”, em que avalia escândalos de fraude do New York Times, a responsabilidade da apuração e a presença de novos artefatos tecnológicos para o fazer jornalístico. Nas palavras do repórter: “Entramos na era do jornalismo sem jornalistas, nos tempos da reportagem sem repórteres. Ficamos, todos (ou quase todos) fechados no nosso autismo, emparedados no ambiente rarefeito das redações” (DI FRANCO, 2005). Por fim, o Correio do Norte utilizou a expressão “autismo político” como causa da crise governamental brasileira, imersa na corrupção, e entrave para desenvolvimento econômico do país (BIRKNER, 2005BIRKNER, Walter Marcos Knaesel. Autismo político e crise institucional. Correio do Norte, Santa Catarina, ano 57, n.2686, 27 mai. 2005. Opinião, p.2. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=886408&pagfis=21575. Acesso em: 06 jan. 2023.
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).

De modo geral, a caracterização metafórica do autismo encontra base em disputas políticas, documentais e simbólicas dominantes que deslocam a pessoa autista para fora do mundo e do devir da linguagem. Em retrospectiva, a utilização de metáforas sobre autismo para representar problemáticas diversas, além da imprensa, tem respaldo na literatura científica, especialmente em Lucien Sfez, que cunhou o neologismo “tautismo” para definir os efeitos mentais, afetivos e sensoriais da dominação midiática e da morte informacional advinda do excesso de informação circulante no ciberespaço, denominada comunicação confusional, cuja metáfora é a figura de Frankenstein e o tautismo, o seu conceito (SFEZ, 2007SFEZ, Lucien. A comunicação. São Paulo: Martins Fontes, 2007.). A problemática apresentada pelo cientista político tunisiano afirma que se inaugurou um “mundo sem verso nem reverso, sem ontologia, um mundo indiferenciado, ilimitado”, caracterizado pelo paradoxo e pelo simulacro em rede, onde representação é travestida de expressão, uma inversão circular que fragmenta a comunicação e oculta os intermediários, uma totalidade sem aparente hierarquia (SFEZ, 2000, 2007).

Ao considerar o nosso lugar de fala como cientistas da informação, a pesquisa, aqui sugerida, visa à discussão teórica sobre a perspectiva ontoepistêmica do tautismo enquanto problema legítimo infocomunicacional, atualizado nas formas da desinformação e infodemia, e seu reflexo negativo, um contínuo efeito linguístico de base aristotélica em regimes epistemicidas e excludentes, focalizados na comunidade autista. Santos (1998SANTOS, Boaventura de Sousa. La globalización del derecho: los nuevos caminos de la regulación y la emancipación. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 1998.) demarca epistemicídio como o apagamento de saberes produzidos e marginalizados por uma dada forma dominante de produção e validação científica e filosófica notadamente oriunda do histórico colonialista. Pela via da institucionalização científica e do pertencimento étnico-racial, autismo não se configura enquanto campo ou povo, mas adotamos o conceito de epistemicídio por situar os mecanismos de exclusão contra a comunidade autista, seus saberes, suas mediações e suas ações no olhar ocidental sobre ontologia - portanto, quem confere existência - e em uma forma específica de linguagem, a racionalidade aristotélica manifestada pela fala, pelo dizer de um único modo, do falar como homem para não ser rebaixado a logos de planta. Destarte, não apenas pessoas autistas tendem a ser excluídas pela acepção sobre seus corpos, como os saberes produzidos por esses sujeitos são potencialmente rejeitados pela invalidação dessas pessoas como sujeitos pensantes e partícipes da sociedade - uma leitura crítica ontoepistêmica do TEA.

Em Biblioteconomia e Ciência da Informação, centralmente no escopo da organização do conhecimento, o poder da metáfora encontra longa tradição de estudo vinculada à compreensão da capacidade de mobilizar e construir realidades que a ação metafórica detém. Com Emanuele Tesauro (1670TESAURO, Emanuele. Il Cannocchiale Aristotelico. Berlin: Verlag Gehlen; Zürich: Bad Homburg, 1670.), inaugura-se, do ponto de vista da metarrepresentação, uma teoria que desemboca na semiótica e nas práticas metarrepresentacionais para existência social no mundo da linguagem, de seres, coisas e ações. As possibilidades de usos da metáfora para tessitura de realidades em Tesauro (1670) demonstram sua profundidade para reflexões futuras sobre a metáfora, como a teoria da não-conceitualidade, em Hans Blumenberg (2013BLUMENBERG, Hans. Teoria da não-conceitualidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.). Tal teoria procura, via uma crítica ao “conceito” em sua esfera greco-latina e moderna, descortinar os riscos e o falseamento provocado pela ilusão do conceito, suas armadilhas na representação. A crítica nos conduz à compreensão do conceito dentro da “casa” da metáfora, seus movimentos de socialização no mundo e seus riscos. Em organização do conhecimento, a expressão do jogo da metáfora na construção de realidades na dinâmica dos dilemas sociais pode ser observada, por exemplo, nos estudos sobre gênero e representação, como em Pinho (2010PINHO, Fabio Assis. Aspectos éticos em representação do conhecimento em temáticas relativas à homossexualidade masculina: uma análise da precisão em linguagens de indexação brasileiras. Tese (Doutorado em Ciência da Informação), 2010. Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências: Marília, 2010.) e Guimarães, Nascimento e Pinho (2017GUIMARÃES, José Augusto C.; NASCIMENTO, Francisco A.; PINHO, Fabio A. The metaphorical dimension of LGBTQ information: challenges for its subject representation. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v.27, n.3, p. 49-57, set./dez., 2017.). O modo como a metáfora opera com demarcação de interações entre ética e inclusão social nas vivências e nos saberes LGBTQIA+ são um demonstrativo do impacto da metáfora na ordem dos discursos, das políticas e dos corpos no espaço social, como o âmbito das realidades vinculadas ao espectro autista.

A comunicação, não restrita à fala ou à escrita, mas central no debate proposto enquanto elementos fulcrais da Comunicação Social e da Ciência da Informação, adquire novos problemas de pesquisa no âmbito da neurodiversidade1 1 Conceito trabalhado pela socióloga australiana Judy Singer, em 1999. devido à volatilidade do sentido também presente nos dilemas das teorias da infocomunicação: a máxima de Harold Lasswell (Quem diz o quê? Para quem? Por qual canal? Com que efeito?) é suspensa a partir do momento em que esse “quem” aparentemente não diz ou diz de maneiras incompreensíveis, e esse “para quem” reage com efeitos contraditórios à mensagem enviada.

Portanto, o percurso teórico-metodológico deste trabalho descritivo, de natureza básica, abordagem qualitativa e análise hermenêutica, se funda nos conceitos de epistemicídio, capacitismo e justiça informacional a partir dos estudos críticos da linguagem e da informação. Estruturalmente, a primeira seção é dedicada à crítica da comunicação realizada por Sfez pela perspectiva metaforológica e a noção de tautismo como um problema necessário aos estudos informacionais. A segunda aborda o efeito linguístico de marginalização perpetuado pelo neologismo enunciado, com contribuições das filósofas Barbara Cassin, acerca da filosofia da linguagem, e de Kay Mathiesen, no contexto da justiça informacional enquanto solo ético e meio de luta contra o capacitismo, ou seja, o preconceito contra pessoas com deficiência.

2 TAUTISMO: A MORTE DA COMUNICAÇÃO OU A VOLATILIDADE DOS SENTIDOS

Entre os anos de 1980 e 1990, o cientista político Lucien Sfez escreveu a obra “Crítica da comunicação” onde apresenta o nascimento do tautismo, contração dos termos tautologia e autismo como análise crítica da chamada “sociedade da comunicação”. Para Sfez (2000), a designação é um truísmo, ou tautologia, visto a comunicação ser substância da sociedade. A autorreferência, na interpretação do autor, simboliza um problema: a repetição enquanto morte da comunicação, um mecanismo enunciativo de resistência contra o declínio da vinculação mediada pelo comunicar - ou, pelos sentidos mediados pelas palavras enquanto animais sociais aristotélicos centrados no dizer. O tautismo emerge como o retrato da destruição da coesão do tecido social.

Como argumento inicial, Sfez (2000SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2000.) apresenta a imprecisão da expressão uma vez que não esclarece que tipo de comunicação caracterizaria a “sociedade da comunicação”, tornando-a, a seu ver, uma entidade metafísica. Desse modo, um de seus atributos é o totalitarismo cuja “generalidade vazia acolhe então toda formulação de tipo mais particular” (SFEZ, 2000SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2000., p.72). A segunda característica seria o acoplamento entre comunicação e tecnologia de modo que a dimensão tecnológica definiria o significado de “sociedade de comunicação”. Trata-se da primazia da técnica, simultaneamente produzida e produtora do real enquanto princípio ordenador da totalidade. Nesse aspecto, a tautologia de Sfez adentra a dimensão da poiesis: os objetos fabricados pela sociedade estão contidos em um sistema - o social - e “são tomados como modelo definidor... desses mesmos conteúdos. Eis aí toda questão da sociedade Frankenstein” (SFEZ, 2000, p.72). É preciso esclarecer a terminologia: Frankenstein é a metáfora; tautismo é seu conceito, como o próprio autor pontua. A figura do monstro conhecido a partir do clássico de Mary Shelly é recuperada para demonstrar a vitória da criatura, um simulacro ou simples duplo, que, aplicado aos eventos comunicacionais, assujeitou seu criador humano e o reduziu ao desempenho mecânico, tecnocrático. Perdeu-se a subjetividade. Vive-se como máquinas. Na metáfora do autor, significa a deturpação da essência humana e o entendimento entre os humanos em busca da verdade, visto se constituírem através da (não) comunicação.

Por tautologia, Sfez (2000SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2000.) explica ser: i) proposição idêntica cujo conceito é o mesmo no sujeito e o predicado e ii) apoiado em Ludwig Wittgenstein, uma proposição que é verdadeira apenas em sua forma, independentemente do valor de verdade das partes que a compõem. Já por autismo, o autor entende ser uma doença do autofechamento onde o sujeito não sente necessidade de se comunicar; sua necessidade é apenas a da satisfação biológica ou lúdica. Conforme veremos adiante, Sfez parece se respaldar em definições comuns à época de sua escrita: o TEA era interpretado como doença e não condição genética, e a pessoa autista era vista como alguém sem capacidade racional ou afetiva, à parte do mundo; em última instância, aprisionada em um corpo apático - um corpo que está no mundo, mas não vive, não interage, é desrealizado e autocentrado. Ao apropriar-se para a crítica da comunicação, Sfez indica a desrealização como a confusão (não o conflito) entre a representação (com limites claros entre representante e representado, o intermediário entre o singular e o universal) e a expressão (espontânea, auto-organizada, dispensável de mediação, pois já incorpora o universal), isto é, um delírio onde os sujeitos pensam exprimir-se espontaneamente, mas são dependentes da representação maquínica, rompendo as fronteiras do espaço e distanciando-se do sentido entre verdadeiro e falso (SFEZ, 2000SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2000.).

Creio exprimir o mundo, esse mundo de máquinas que me representam e que, na verdade, se exprimem em meu lugar. Circularidade e inversão: aproprio-me das cenografias televisivas como se fossem minhas. Tenho a ilusão de estar ali, de ser aquilo, quando não há senão cortes e escolhas que antecedem o meu lugar. Chego ao ponto de emprestar à máquina social, televisiva ou informática, minhas próprias faculdades. Tendo-as delegado a essa máquina, recebo-as de volta como se a sua origem se situasse em outro lugar [...]. Essa máquina inteiramente feita de representação e de simulações se torna então o único real a exprimir-se. É ela que passa a formar e informar, dar alegria e vida. (SFEZ, 2000SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2000., p.75)

As armadilhas da sociedade Frankenstein passam pela supressão dos atores da mediação e a ausência do sentido inicial: em uma circularidade infinita, emissor é simultaneamente receptor, abdicando de ser sujeito para ser suporte mediado (SFEZ, 2000SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2000.). A dita “sociedade da comunicação” refletiria a falsa comunhão, onde a repetição, a prolixidade, o excesso e a constante autorreferência prejudicam a integridade da mensagem e perpetuam mensagens vazias ou ressoam os ruídos até eles próprios serem transformados em mutismo - no fim, muito se diz, nada é efetivamente dito.

Cada qual em sua caixa, isto é, em sua casa, acredita entrar em contato simultâneo, imediato com todos os outros, em um grande sincrônico, ecossistêmico, até mesmo autogestionário. Mas todos eles entram em contato apenas consigo mesmos. Autismo tautológico pelo qual se repete interminavelmente a mesma cerimônia abstrata. Autismo totalizante pelo qual somos diluídos no absoluto do mundo (SFEZ, 2000SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2000., p.116)

O fim do comunicar - considerado qualificado desde a perspectiva elaborada até então - pelo seu excesso é um problema antigo dito de múltiplas maneiras ao longo da História do pensamento ocidental. Desde Platão, no Fedro, há a angústia em torno da manutenção da veracidade da informação e da consolidação de um chamado “conhecimento, de fato” na realidade mediada pela escrita, sobreposta à oralidade. Jean Baudrillard (1985BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985., 1991, 1996, 2004) decretou o fim do social, pois as organizações modernas são compulsivas por enclausuramento, estabelecem apenas uma relação de imagem a imagem, onde as mensagens “não são nem informação, nem comunicação, mas referendo, teste perpétuo, resposta circular, verificação de código” (BAUDRILLARD, 1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’Água, 1991., p.98). Semelhante a Sfez, o sociólogo francês salienta a homogeneização do espaço e a suspensão da mediação em uma relação direta de manipulação, “um jogo de desdobramento e redobramento que fecha este mundo sobre si próprio” (BAUDRILLARD, 1991, idem). No âmbito teórico da Ciência da Informação, Rafael Capurro, já em 1996CAPURRO, Rafael. On the genealogy of information. In: KORNWACHS, K.; JACOBY, K. (eds.). Information: new questions to a multidisciplinary concept. Berlin: Akademie Verlag, 1996. p. 259-270., alertava sobre os perigos éticos e a necessidade de regulação de uma nova economia informacional intimamente associada a estruturas de poder através de mensagens distribuídas por banco de dados pulverizados. Assim como na ótica de Sfez, estava em xeque a idealização Moderna de um homem em si (CAPURRO, 1996CAPURRO, Rafael. On the genealogy of information. In: KORNWACHS, K.; JACOBY, K. (eds.). Information: new questions to a multidisciplinary concept. Berlin: Akademie Verlag, 1996. p. 259-270.), agora acuado frente a sua criação que o ilude com o discurso do acesso universal às fontes. Ambas as autorias indagam qual seria o caminho para evitar a manipulação e a desinformação na medida em que inexiste um meio neutro de comunicação - uma realidade ocultada pelo fenômeno do tautismo.

Contudo, é possível retornar ainda mais no tempo. O filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto, na obra organizada postumamente em dois volumes intitulada “O Conceito de Tecnologia”, concebida mais de uma década antes do trabalho de Sfez, afirma que os desafios advindos da cibernética são contrários à lógica formal (ainda que prevalente em algumas correntes de pensamento desde a Escola de Viena), e das contemporâneas ciências cognitivas (ciência tautística do tautismo, segundo Sfez), sobretudo porque as máquinas não concebem a si mesmas e o homem, seu sujeito criador, possui cultura e historicidade, intencionalidade e necessidade. Nesse sentido, a fragmentação, junto à velocidade distributiva da informação, para Vieira Pinto (2005), constitui o outro lado da moeda, o seu desperdício. Em seus termos, “o aumento quantitativo da informação, especialmente a transmitida via eletromagnética, criou o fenômeno existencial do desinteresse pela informação”. Em suma, a ampla oferta conduziu à resistência, indo contra ao imperativo existencial da própria informação: sua utilidade. Em retrospectiva, Vieira Pinto (2005) comenta a rotina dos antepassados do homem moderno e o risco de desprezar ou ignorar uma informação útil ao custo da própria sobrevivência e conclui ser a mercantilização da informação - especificamente a transformação de notícia em publicidade - a responsável pelo fim da comunicação, uma vez que produz em excesso conteúdos não-essenciais.

Deu-se, com essa nova condição, a degenerescência da notícia, esvaziada do caráter vital que lhe era próprio e passando a representar o que, no vocabulário técnico cibernético, se deverá chamar um “ruído total”. Aconteceu a inversão do atrativo humano pelo saber, como consequência de ser distribuído ao acaso e não mais buscado pelo homem por seu efetivo valor de bem precioso. A teoria da informação, que nos ensina haver sempre um ruído, inextirpável, associado a toda comunicação, não poderia supor que, por efeito da saturação mercantil da informação, esta, em totalidade, se transformasse no “ruído” indesejável (VIEIRA PINTO, 2005VIEIRA PINTO, Álvaro. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005., p. 457)

A banalização da informação, interpretada como caminho condutor à verdade, figura como instrumento anti-iluminista na medida em que atua como seu contrário, ou simulação. Nas palavras de Baudrillard (1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’Água, 1991., p.105), “em vez de produzir sentido, esgota-se na encenação do sentido”. Nessa direção, no lugar da aspiração às luzes da razão, apenas rejeição à dialética do sentido; é o fim da mensagem e a primazia do signo, ou, para Sfez (1996SFEZ, Lucien. Informação, saber, comunicação. Informare, [S.l.], v. 2, n. 1, 1996, p. 5-13. Disponível em: https://brapci.inf.br/index.php/res/v/41119. Acesso em: 22 jan. 2023.
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), a subsistência do rumor. Ainda nessa esteira, Vilém Flusser (2017FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Ubu Editora, 2017.) comenta que a comunicação é um processo artificial que esconde a realidade de um animal solitário e privado que se traveste de político - não por ser social, mas por inadequação à solidão. Nesse horizonte, quem não aprende os instrumentos da comunicação, como a língua, é um idiota, “um ser homem imperfeito, que falta arte” (FLUSSER, 2017FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Ubu Editora, 2017., p.86).

Como o processo de nomear é uma ação fundamental no fazer filosófico-científico ocidental, Froehlich (2017FROEHLICH, Thomas. Anàlisi no tan breu de l'estat actual de l'ètica de la informació: ètica de la ignorància, informació incompleta, falsa i falsejada i altres formes d'engany i incompetència. BiD: textos universitaris de biblioteconomia i documentació, [S.l.], n.39, 2017. Disponível em: https://bid.ub.edu/39/froehlich.htm. Acesso em: 08 jan. 2023.
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) introduziu uma taxonomia onde segmenta os efeitos da problemática apresentada, o caos comunicacional que constrói a chamada Babel do presente pautado no desacordo, ilusão e afastamento da ciência. Segundo o esquema formulado pelo autor, da parte do sujeito-emissor, as causas podem ser ignorância per se (falta de conhecimento ou consciência sobre um fato específico ou um assunto), misinformation (relaciona-se a informações incorretas ou imprecisas, fruto de um erro ingênuo ou negligência) e disinformation (intenção deliberada de enganar a outrem). No escopo da recepção, do destinatário da informação, Froehlich (2017) narra as gradações de autoengano motivado por preconceitos ou manobras políticas, cujos frutos diretos seriam as fake news, notícias falsas que se beneficiam pela característica da repetição, e a agnotologia, a geração de dúvidas estratégicas e sistematizadas de respaldo às práticas de desinformação. Dentre os alicerces do fenômeno, menciona o aspecto individual (características psicológicas que favorecem à adesão), circularidade informacional e baixo contato intragrupo, isto é, as chamadas “bolhas sociais” controladas por filtros e algoritmos - aproximando-se da noção tautista da comunicação proposta por Sfez.

No âmbito da Ciência da Informação brasileira, destacam-se as investigações direcionadas à competência em informação como um dos domínios protetivos à maldade e ao engano gerados e mediados também por dados digitais. Na leitura de Schneider (2019SCHNEIDER, Marco. CCI/7: Competência crítica em informação (em 7 níveis) como dispositivo de combate à pós-verdade. In: BEZERRA, Arthur Coelho; SCHNEIDER, Marco; PIMENTA, Ricardo M.; SALDANHA, Gustavo Silva. iKrítika: estudos críticos em informação. Rio de Janeiro: Garamond, 2019., 2022) é impossível investigar a pós-verdade sem conjugar ética, política e epistemologia, capacitação técnica e construção dos gostos, credibilidade e cotidianidade, enfim, um conjunto de dispositivos que molda as formas de pensar; trata-se de um afastamento necessário da simplificação de “esclarecimento aos ignorantes” para ir em direção à identificação e ao desmantelamento das estruturas de dominação (físicas e simbólicas) e da alienação, uma reflexão fundada em Hegel e Marx.

Por vias teórico-filosóficas distintas, as autorias anteviram a problemática da atualidade, manifestada, conforme dito, desde a invenção da escrita. Ao adquirir novas roupagens (publicações impressas, radiofônicas, televisivas, cibernéticas), o seu duplo, a desinformação, confronta o vigia milenar: a ordem do sentido para que a doxa não passe por aletheia. Nesse ponto retornamos à inquietação inicial: a linguagem que permite formas e não-formas, que deforma, informa, que manifesta ou constitui a razão (a depender da escola filosófica) - “a informação devora os seus próprios conteúdos. Devora a comunicação e o social” (BAUDRILLARD, 1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’Água, 1991., p.105).

A argumentação a respeito do tautismo é coerente, importante e ressonante aos dias atuais. O objetivo do trabalho não é aprofundar a crítica sfeziana, mas mirar em sua escolha linguística que entoa um conceito, pois, concordantes a Pasek (2015PASEK, Anne. Errant Bodies: Relational Aesthetics, Digital Communication, and the Autistic Analogy. Disability Studies Quarterly, [S.l.], v.35, n.4, 2015. Disponível em: https://dsq-sds.org/index.php/dsq/article/view/4656/4111. Acesso em: 08 jan.2023.
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, sem paginação), “há algo nas telecomunicações que é semelhante ao autismo - a suspensão de sinais proprioceptivos e de linguagem corporal, o rearranjo de intensidades afetivas e novos, às vezes desafiadores, adiamentos de presença”. Decerto, da perspectiva da recepção, há consequências em curso de investigação, notadamente na fase infantil, como a suspeita de miopia relacionada ao uso constante das telas (GOMES et al., 2020GOMES, Anna Caroline Guimarães et. al. Miopia causada pelo uso de telas de aparelhos eletrônicos: uma revisão de literatura. Revista Brasileira de Oftalmologia, [S.l.], n.79, v.5, set./out., p.350-353, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbof/a/RqBxKbL4mgwxnZhFFftZYSM/?lang=pt. Acesso em: 22 jan. 2023.
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), os efeitos causados no desenvolvimento pela prevalência do ato de digitar em vez do escrever (USO..., 2019), além das questões psicológicas, mentais e comportamentais já apontadas. Porém, tal contexto não se trata de autismo enquanto categoria clínica e, embora Sfez tenha frisado não adotar a palavra em termos da saúde, vale reforçar que a própria ideia de autismo se encontra em construção. Hoje, a figura do autista aparentemente fechado em si mesmo relaciona-se a três grupos, grosso modo: uma parcela de indivíduos, de fato, diagnosticados; a um estereótipo sobrevivente desde o início do século que resultou na metaforologia negativa e a divergência interpretativa de especialistas do campo da saúde. De um lado, médicos e psicólogos que reconhecem as diferentes manifestações como oriundas do próprio espectro e, de outro, os que reconhecem esse mesmo espectro, mas argumentam ser um termo guarda-chuva, onde, por desconhecimento, inclui-se o diagnóstico de autismo. Em outras palavras, nessa interpretação, o espectro autista não seria exatamente um espectro, mas outras condições de saúde desconhecidas por ora a serem nomeadas no futuro.

Em busca dos vestígios discursivos sobre TEA, objetivo de pesquisa de doutorado em curso, constata-se que, desde sua primeira descrição documental conhecida na obra Dementia praecox, lançada em 1911, pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, a palavra autismo adquiriu diferentes formas e categorias de representação para além do âmbito da saúde, mas de onde parte sua institucionalização. Inicialmente situado como um dos sintomas da esquizofrenia, o TEA foi classificado como um transtorno único na década de 1940 a partir da observação de outro psiquiatra, Leo Kanner, que atuava nos Estados Unidos. Dessa data até os anos de 1980, a compreensão do conceito foi ampliada para espectro, com contribuição primordial de Lorna Wing, uma psiquiatra inglesa e mãe de pessoa autista, que sugeriu haver diferentes gradações de manifestação no então chamado autismo infantil. Também na década de 1980, o transtorno foi incluído no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), chancelado pela Associação Americana de Psiquiatria. O olhar etiológico acompanhou as pesquisas científicas ao longo de um século: passou de distúrbio psiquiátrico e doença mental à condição de saúde de origem genética, popularizou o termo neurodiversidade e foi reclassificado em revisões da Classificação Internacional de Doenças (CID). Em 2019, um estudo publicado pela JAMA Psychiatry investigou mais de 2 milhões de indivíduos, de cinco países diferentes, e concluiu que 97% a 99% dos casos de autismo são genéticos, 1% a 3%, resultado de causas ambientais intrauterinas, e 81% são provenientes de hereditariedade (BAI et al., 2019BAI, Dan et al. Association of genetic and environmental factors with autism in a 5-Country Cohort. JAMA Psychiatry, [S.l.], n.76, v.10, p.1035-1043, 2019. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/fullarticle/2737582. Acesso em: 07 jan. 2023.
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).

De acordo com o DSM, pessoas diagnosticadas com TEA apresentam dificuldades e desafios expressivos na cotidianidade, desde a primeira infância, na linguagem, comunicação e interação, com presença de interesses restritos e repetitivos, não circunscritos à oralidade/fala. São comuns inflexibilidade mental, desordens nas funções executivas cerebrais e processamento sensorial. Os sintomas do autismo se manifestam de variadas formas e intensidades, refletindo necessidades diferentes de suporte individualizado. Portanto, o uso de um termo da saúde para servir de metáfora a outro campo do conhecimento abre brecha para legitimação de preconceitos, compreensão incompleta ou desinformação. Ao denominar tautismo, Sfez cristaliza uma definição de autismo, contrária às evidências científicas do tempo presente, embora o problema de pesquisa infocomunicacional ao qual estava dedicado fosse fundamental. Mas, ele não esteve sozinho.

3 AUTISMO, DO GREGO AUTÓS: O PROTAGONISMO DA LINGUAGEM E A (IN)JUSTIÇA INFORMACIONAL

No livro Tutameia, o último antes de sua morte, João Guimarães Rosa escreveu “infelicidade é questão de prefixo” (ROSA, 2015ROSA, João Guimarães. Tutameia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.). O prefixo demarca negação, como no exemplo dado, e norteia as pegadas de sua historicidade para a abertura de sentido nas traduções. O olhar diacrônico nos conduz à etimologia. Autismo deriva do prefixo grego autós, cujo equivalente em latim pode ser auto ou acto/us (NASCENTES, 1955AUTÓS. In: NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: [s.n.], 1955.). No Dicionário da Língua Portugueza, organizado por Silva (1890AUTÓS. In: SILVA, Antonio de Moraes. Dicionário da Língua Portugueza. Rio de Janeiro: Editora Empreza Litteraria Fluminense, 1890.), autós é relativo a “próprio”, “independente”, “por si só”. No Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de 1913, uma pequena variação: “de si mesmo” e “por si mesmo” (FIGUEIREDO, 1913AUTÓS. In: FIGUEIREDO, Candido de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Liv. Clássica Ed., 1913.). Já no Dicionário de Termos Médicos e de Enfermagem, publicado em 2002, “de si próprio” e “por si próprio” (GUIMARÃES, 2002AUTISMO. In: GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (org.). Dicionário de termos médicos e de enfermagem. São Paulo: Rideel, 2002.). O prefixo latino abarca atos como atos públicos, ritos da administração, execução, ação, representação (atuar), movimento e, de acordo com o Dicionário Latim-Português, da Porto Editora (AUTÓS, 2001), “direito de conduzir carro ou besta de carga por qualquer parte, direito de passagem”, fato que pode explicar o fato de a palavra autista em italiano significar motorista.

Aplicado ao TEA, o prefixo associa-se ao sufixo -ismo, usado para designar doença, em acepção moderna, especialmente a partir do século XIX. De acordo com Roudinesco e Plon (1998AUTISMO. In: ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.), a primeira evidência, em caráter oficioso, figura em uma carta entre Bleuler e Jung, datada de 1907, onde Bleuler justifica o uso do termo autismo fundamentado no conceito freudiano de autoerotismo, porém com uma interpretação menos sexualizada do original, e pelo ipsismo latino, um radical autorreferente. Do conceito freudiano, Bleuler adotou autismo e Jung, introversão (ROUDINESCO; PLON, 1998AUTISMO. In: ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.).

Em 1996, Mesquita e Duarte (1996AUTISMO. In: MESQUITA, Raul; DUARTE, Fernanda. Dicionário de Psicologia. Santa Marta de Corroios: Plátano Editora, 1996.), no Dicionário de Psicologia, definem autismo como “isolamento sobre si mesmo da parte de um indivíduo que recusa o contacto com o mundo exterior”, atribuem autoria do termo a Bleuler e o caracteriza como “predominância mórbida do alheamento relativo à vida exterior e à perda de comunicação com os outros, no esquizofrénico adulto”. Definição semelhante é notada em Guimarães (2002AUTISMO. In: GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (org.). Dicionário de termos médicos e de enfermagem. São Paulo: Rideel, 2002.): “uma forma lastimosa de doença mental em crianças. (...) A criança é emocionalmente indiferente e não se relaciona com a família e com o ambiente”. Ressalta ainda que pode estar ou não associada a outras formas de retardamento e indica urgência de tratamento psiquiátrico. No dicionário Michaelis (2022) da língua portuguesa, disponível em versão online, autismo é “psicopatologia caracterizada pelo recolhimento e absorção do indivíduo em seu universo privilegiado de pensamentos, sentimentos e devaneios subjetivos”, pessoa alheia ao mundo com perda de contato com a realidade.

Ao retornar à literatura científica, quando Flusser (2017FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Ubu Editora, 2017.), citado anteriormente, adota a palavra “idiota” em sentido próximo ao “tautismo”, abre caminho para outra via etimológica: idiota, do grego idhios/idiotés significa privado, ignorante, simples cidadão do povo, iletrado, a maioria popular ou quem se aparta do Estado, do jogo da pólis. Em interpretação aristotélica, também alguém desprovido de logos. A acepção médica moderna institucionalizou o termo idiotia comumente para representar pessoas com deficiência intelectual. Atualmente, discute-se o caráter pejorativo e estigmatizante do termo quando aplicado como adjetivo para desqualificar um ser humano. Com efeito, as pistas demonstram que Sfez não foi imprudente ao adotar a palavra autismo para compor um conceito novo, pois, no papel de cientista, lançou mão da garantia literária de sua época. Pelo mesmo motivo, o problema permanece, e, para nós, segue uma questão de prefixo.

Em busca de uma fenomenologia do logos, Cassin (1999CASSIN, Barbara. Aristóteles e o logos: contos da fenomenologia comum. São Paulo: Edições Loyola, 1999.) descreve a língua como a chave de identidade na tradição grega. De fundo heideggeriano, a autora indaga:

A língua é na medida em que é, como o Dasein, isto é, “a língua existe, ela é historial”; à parte Falar como homem?. “O desvelamento do presente - subsistindo encontra seu fundamento no fato de que o Dasein enquanto existente diz respeito desde sempre a um mundo que está aberto”, e, em refrão: “Quando um Dasein se comunica com outro Dasein...” à parte Dizer o mundo?: “O enunciado é um fazer ver que evidencia o ente em questão” (CASSIN, 1999CASSIN, Barbara. Aristóteles e o logos: contos da fenomenologia comum. São Paulo: Edições Loyola, 1999., p.11)

Em Aristóteles, assim como a leitura de Heidegger supracitada, o logos é um lugar de relação com centralidade na palavra, é o encontro entre a coisa, seu nome correspondente e sentido de encontro. O “falar como homem” tem um sentido único que deve ser evidente a todos dotados de logos. Nesse entendimento, não são admitidos o falar por prazer ou o falar por falar. É preciso haver significação - a mesma para todos, universal. Segundo Aristóteles, “é ridículo buscar argumentação contra quem não sustenta nenhum argumento na exata medida em que não sustenta. Pois alguém desse tipo, enquanto é deste tipo, é já semelhante a uma planta” (ARISTÓTELES, 2007ARISTÓTELES. Metafísica. Campinas: UNICAMP, 2007.), ao que Cassin (1999CASSIN, Barbara. Aristóteles e o logos: contos da fenomenologia comum. São Paulo: Edições Loyola, 1999., p.28) conclui: “se não que o mundo é estruturado como linguagem, ao menos que o ente se faz como sentido”. Não basta falar, o homem deve querer dizer algo (legein ti, semainein ti) porque é isso que o caracteriza como humano - é um princípio de racionalidade que funda a não-contradição: “É esse algo, na medida em que, uma vez dito, se encontra “determinado” ou “definido” (horismenon), que constitui a entidade, a identidade enquanto tal não contraditória” (CASSIN, 2005CASSIN, Barbara. O efeito sofístico. São Paulo: Editora 34, 2005., p.95). Assim, tanto o silêncio quanto o excesso da tagarelice ou da simples oralidade seriam o declínio do Dasein e do acordo discursivo. Daí se desdobram, segundo a filósofa francesa, a noção de “falar de maneira inteligível” e “fazer barbarismos”, pois bárbaro era todo ser não-grego e todos os que não dominavam a língua grega (única língua admissível): pessoas escravizadas, estrangeiros, analfabetos, mulheres... seres esvaziados de logos, de capacidade intelectiva, de alma, enquanto princípio de ligação com o universal. Sendo uma determinação identitária, a autorreferência demanda a alteridade em busca do acordo consensual do sentido instituído linguisticamente. Portanto, a sua ausência implica em não-ser homem. O ser para si ou de si mesmo, -autós, encontra-se na incompletude ou na subalternidade. O autista não pertence ao mundo dos homens. Ao citar Apel, Cassin diz que:

O ser humano, prossegue Apel, “só pode se afastar dessa instituição pagando o preço da perda da possibilidade da identidade de si como agente sensato, no suicídio, por desespero existencial, ou na perda do eu provocada pelo processo patológico de uma paranoia autista” (p.926) [...] a idêntica violência da ameaça e do julgamento de valor tem sua origem aqui mesmo, nesse gesto aristotélico de exclusão que acabamos de descrever: significa algo, se não és uma planta, ou, aculturado: fala, se és homem (CASSIN, 2005CASSIN, Barbara. O efeito sofístico. São Paulo: Editora 34, 2005., p.97)

O breve retrospecto etimológico a partir de uma leitura aristotélica e a menção cassiniana ao uso do termo autismo (aqui, utilizado em sentido semelhante ao de Sfez) demonstram, simultaneamente, a exclusão ontológica e epistêmica do ser autista: se não fala (ou fala de modo incompreensível), não compactua com o comum humano, solo da pólis. Incapaz de logos (razão e/ou discurso), é desprovido das capacidades intelectivas que conduzem à verdade e, numa leitura Moderna, marginalizado da práxis científica. Nesse contexto, os saberes produzidos seriam não-saberes, simples barbarismos.

No campo da Biblioteconomia e Ciência da Informação, Mathiesen (2015MATHIESEN, Kay. Informational Justice: a conceptual framework for social justice in library and information services. Library Trends, v.64, n.2, p. 198-225, 2015.) incorpora a dimensão informacional na justiça social, uma estrutura que engloba sistemas de buscas, fontes e sujeitos da informação com fins à redução e eliminação das injustiças sociais advindas de modelos opressores (racistas, classistas, sexistas, capacitistas). Para a autora, a justiça informacional serve como instrumento de justiça social em larga escala, uma vez que qualifica as fontes de informação e seu acesso por meio da justiça distributiva. Além da distribuição, a justiça informacional prevê a justiça participativa, o direito à colaboração na produção de conhecimento, e o direito à representação justa no conjunto geral de informações. Nesse horizonte, as estratégias e práticas de justiça informacional combatem à desinformação e promovem a inclusão social ao banir estereótipos. Em cenário amplo, a justiça social aplicada à linguagem não usaria autismo como metáfora para representação de um contexto negativo ou uma adjetivação excludente. No âmbito da Biblioteconomia e Ciência da Informação, compreende a revisão do conjunto de metodologias e processos, tais como controle terminológico para indexação, ontologias e interoperabilidade, para interrupção de generalizações estereotipadas ou ultrapassadas sobre o espectro e a ampliação do acesso aos múltiplos olhares e sujeitos. Podemos encontrar os passos iniciais da justificativa epistemológica do campo na luta antiepistemicida no próprio período histórico de fundamentação da ideia de ciência no campo, entre os anos 1920 e 1930, com Roubakine (1998ROUBAKINE, Nicolas. Introduction à la psychologie bibliologique. Paris: Association Internationale en Bibliologie, 1998. v.1.) e Ranganathan (2009RANGANATHAN, Shiyali Ramamrita. As cinco leis da Biblioteconomia. Brasília: Briquet de Lemos, 2009.). O primeiro proporcionou uma complexa metodologia para compreensão da leitura com foco para justiça social na Rússia czarista; Ranganathan, por sua vez, a partir do conceito digvijaya, abre, desde 1931, ampla discussão para fundamentação do acesso ao conhecimento a partir de interseccionalidades no contexto indiano, lutando pelo rompimento de infraestruturas milenares de exclusão e de massacre.

Eco (2014ECO, Umberto. Tratado geral de semiótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 2014.) ressalta que a noção de semelhança em uma metáfora não se refere à relação significante e coisa significada, mas uma identidade sêmica. Assim, a metáfora da sociedade Frankenstein, cujo conceito é o tautismo, trouxe para o debate o conjunto discursivo, filosófico e ideológico marginalizante do falar aristotélico e da pessoa autista. Contudo, nem o autista é necessariamente alheio à realidade, nem a comunicação digital per se destrói o sentido, embora crie novas formas de sociabilidade, regimes e políticas. O imbróglio, conforme visto, é anterior ao artefato.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutiu-se dois problemas conceituais implicados ao domínio do Transtorno do Espectro Autista: a apropriação do termo “autismo” para construção de metáforas fora do escopo da saúde, especificamente a noção de tautismo como crítica à sociedade da comunicação; e as diferentes definições e usos vivenciados pela terminologia no processo de sua própria constituição enquanto conceito.

O retrospecto etimológico sobre o prefixo -autós e a contextualização do sufixo -ismo indicaram ao menos duas possibilidades de interpretações terminológicas de autismo: da perspectiva filosófica, onde a etimologia se retroalimenta, autista é alguém sem mundo, incapaz do comum da linguagem, alguém considerado inferior, não-humano ou humano imperfeito, de acordo com a teoria logocêntrica de Aristóteles comentada por Cassin. Contudo, em -autós também está contido o sentido de independência - por si mesmo - e não apenas em si mesmo. A preposição faz diferença ao conjugar o sufixo -ismo de influência freudiana. O autoerotismo relaciona-se à autorrealização, ao direcionamento autocentrado das pulsões, onde inexiste a figura do outro posto não se consolidar ainda a ideia do eu, do ego. Trata-se do atributo psíquico mais primitivo que Freud focaliza na pulsão sexual no intuito de delinear o nascimento da unidade, integrada, do que será chamado de ser. Nesse horizonte, à parte da gênese sexual, Bleuler utiliza o conceito para representar casos mais graves de esquizofrenia onde há evidente ruptura com o mundo vivido, promovendo o embotamento psíquico. Mais tarde, Kanner identifica sintomas semelhantes em pessoas não esquizofrênicas e a história do autismo é contada conforme o exposto. Neste trabalho, não foram determinados aspectos etiológicos ou nosológicos, tampouco estabeleceu-se qualquer crivo de validação ou invalidação de teorias advindas da saúde, mas, no papel de cientistas da informação, averiguamos as pegadas terminológicas que não espelham o universal, mas guardam historicidade.

A ciência tem o caráter revisionista e o que se sabia sobre autismo no século XIX ganhou novos contornos, outras perspectivas e evidências. A partir disso, entende-se que a terminologia utilizada, bebendo da fonte psicanalítica, fortaleceu associações etiológicas no campo da psicologia e da psiquiatria enquanto transtorno mental, psicose, paranoia e outros termos presentes na literatura especializada ao longo dos séculos XX e XXI. No tempo presente, as pesquisas se guiam por uma etiologia predominantemente genética onde a psicologia é aliada fundamental terapêutica, mas não guarda sua origem, contrariando, portanto, a argumentação de que exposição às telas causa autismo. De acordo com as evidências recentes, ninguém se torna autista por fatores externos após o nascimento. Não é algo contagioso (visto não ser doença), nem adquirido a posteriori.

Todavia, autismo apresenta limitações, desafios e potencialidades. Como um transtorno caracterizado como deficiência, há questões imbricadas à qualidade de vida, autonomia e independência dos sujeitos. Há dificuldades significativas na comunicação e na interação que intensificam o dilema do sentido: pode haver uma aparente recusa no dizer ou escrever, a emissão de sons sem significação para quem ouve. Independentemente do debate milenar filosófico sobre a origem e os atributos da linguagem, para a vida política e a dimensão da cotidianidade, da vida prática, fulcral existir um meio de comunicação partilhado, comum, ainda que se discuta se existe ou não uma linguagem privada, como em Wittgenstein, ou se a linguagem espelha ou não o universal, no âmbito da sofística.

Longe de serem assuntos desimportantes, o artigo aponta o oposto: a teorização milenar grega e o percurso da filosofia da linguagem ocidental colaboram na compreensão dos gestos de exclusão da pessoa autista, na invalidação das suas obras e de sua singularidade desenhando o mapa da injustiça ontoepistêmica. Esse gesto funda o tautismo que, assim como o autismo enquanto condição de saúde e, a despeito dos embates simbólicos e linguísticos, aborda um problema de pesquisa existente e urgente: os efeitos físicos, mentais, sensoriais e políticos em um indivíduo ou coletivo (TEA, enquanto categoria médica) e os mesmos efeitos provenientes da digitalização de atividades e processos, capturados e agenciados por empresas e governos com interesses próprios.

Ambos os fenômenos não estão relacionados, mas, ao centralizarem o debate na metáfora do autista descolado da realidade, partilham a lógica capacitista que insere a pessoa com deficiência em um contexto de total incapacidade e ausência de protagonismo perante si, enquanto sujeito, e o outro, em seu papel social. Pessoas com deficiência são sujeitos viventes no mundo na sua integralidade, dotados de direitos e deveres perante o Estado, como a justiça informacional.

No âmbito científico, filosófico e sociológico da comunicação social, a problemática acerca das Tecnologias da Informação e Comunicação - TICs - segue em aberto, cujos conceitos referentes à pós-verdade e ao aparente fim da comunicação são revisitados a cada época, conforme a sociedade muda e cria novos dispositivos infocomunicacionais. Concordantes a Sfez e Baudrillard, observa-se a primazia da representação e os subterfúgios para o apagamento dos sujeitos e intermediários na realidade tecnocêntrica mediada e atravessada pelo capital. Mas, discordantes destes, o fim da comunicação não é a encenação do sentido ou o seu assassínio, porque a perspectiva admite um sentido universal a priori. A crítica ao universalismo significa retornar ao princípio de sua constituição: um universal oralizado em uma língua, a grega, gestada em uma cultura estruturada pela lógica da exclusão, posto que imperialista. Nesse domínio, aproximamo-nos dos jogos de linguagem wittgensteinianos, onde a palavra abriga possibilidades e não correspondência.

Malgrado Sfez desenvolva sua crítica à comunicação enquanto forma simbólica e ideológica, reforça uma racionalidade técnica autônoma na figura de Frankenstein. A questão do contemporâneo, como diria Deleuze (2000DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades do controle. In: CONVERSAÇÕES. Rio de Janeiro: Editora 34, 2000. Disponível em: https://historiacultural.mpbnet.com.br/pos-modernismo/Post-Scriptum_sobre_as_Sociedades_de_Controle.pdf. Acesso em: 13 jan. 2023.
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) ao dissertar sobre as sociedades do controle e as diversas faces do capitalismo, é que “os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira”.

AGRADECIMENTOS

Agradecimento ao pesquisador Vinícios Menezes pelos diálogos enriquecedores sobre filosofia da informação e da linguagem.

REFERÊNCIAS

  • ARISTÓTELES. Metafísica. Campinas: UNICAMP, 2007.
  • ATAIDE, Vicente de Paula. A doença de Machado de Assis. Correio do Paraná, Curitiba, n.1627, 29 nov. 1964. Letras, Ciências & Artes, p.9. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=171395&Pesq=autismo&pagfis=27085 Acesso em: 06 jan. 2023.
    » http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=171395&Pesq=autismo&pagfis=27085
  • AUTISMO: cruel doença que encerra a criança numa tôrre de marfim. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano 36, n.13188, 16 nov., 1965. 2ª Seção, p.6. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=093718_04&pagfis=53365 Acesso em: 06 jan. 2023.
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  • AUTISMO. In: GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (org.). Dicionário de termos médicos e de enfermagem. São Paulo: Rideel, 2002.
  • AUTISMO. In: MESQUITA, Raul; DUARTE, Fernanda. Dicionário de Psicologia. Santa Marta de Corroios: Plátano Editora, 1996.
  • AUTISMO. In: MICHAELIS. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2022. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/autismo/. Acesso em: 22 jan. 2023.
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  • FINANCIAMENTO

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes - Brasil), Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - Brasil) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj - Brasil).
  • 1
    Conceito trabalhado pela socióloga australiana Judy Singer, em 1999.
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  • PUBLISHER

    Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

EDITORES

Franciéle Garcês, Natalia Duque Cardona, Edgar Bisset Alvarez, Ana Clara Cândido, Genilson Geraldo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2023
  • Aceito
    31 Mar 2023
  • Publicado
    05 Maio 2023
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