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As influências das interações étnicas na formação da cidade de Ilhéus/Bahia

The influencies of the ethnic interactions in the formation of Ilhéus city/Bahia

Las influencias de6 las interacciones étnicas en la formación de la ciudad de Ilhéus/Bahia

Les influences des interactions ethniques dans la formation de la ville d'Ilhéus/Bahia

Resumos

Os imigrantes Sírios e Libaneses chegaram ao Sul da Bahia, região do Cacau, ao final do século XIX e início do século XX em função das crises políticas que ocorriam em seus territórios e atraídos pela perspectiva do progresso que se evidenciava nessa região. A cidade de Ilhéus recebeu muitos desses imigrantes que fizeram desse espaço o seu novo lar. Esse fenômeno migracional foi registrado por vários autores de origem regional e percebido pelas pessoas da região em função de hábitos e costumes diferenciados trazidos por esses povos. As assimilações aconteceram, os imigrantes de primeira geração passaram a segunda, terceira e quarta gerações deixando um legado significativo para a cidade principalmente no comércio e na gastronomia. A análise desse fenômeno é desenvolvida nesse trabalho através de depoimentos, é embasada pelos conceitos de Imigração, Turismo e Globalização, bem como de hibridismo, pluralismo e identidade que subsidiam a discussão, no sentido de propor uma reflexão quanto à utilização, ao aproveitamento dessas histórias registradas para enriquecer o turismo cultural da cidade.

Cultura; turismo; imigração


The Syria and Lebanese immigrants had arrived at the South of the Bahia, region of the Cacao, in the end of century XIX and beginning of century XX in function of the crisis politic that occurred in theirs territories and attracted by the perspective of the progress that was evidenced in this region. The city of Ilhéus received many of these immigrants who had made of this space theirs new home. This migratory phenomenon was registered for some authors of regional origin and perceived by the people of the region in function of habits and differentiated customs brought for these peoples. The assimilations had happened, the immigrants of first generation had passed to second, third and fourth generations giving a significant legacy for the city mainly in the commerce and the feeding. The analysis of this phenomenon is developed in this work through depositions based by the concepts of Immigration, Tourism and Globalization, as well as of hybridism, pluralism and identity that subsidize the quarrel, in the direction to consider a reflection about the use, the exploitation of these registered histories to enrich the cultural tourism of the city.

Culture; tourism; immigration


Los emigrantes Sirios y Libaneses llegaron al Sur de Bahia, región del Cacao, a finales del siglo XIX e inicio del siglo XX a causa de las crisis políticas que ocurrían en sus territorios y atraídos por la perspectiva de progreso que se demostraba en esa región. La ciudad de Ilhéus recibió muchos de estos emigrantes que hicieron en ese espacio su nueva morada. Ese fenómeno migratorio fue registrado por varios autores de origen regional y visto por los pobladores de la región en función de hábitos y costumbres diferenciados traídos por esos pueblos. Las similitudes sobrevinieron, a los emigrantes de primera generación pasaron a la segunda, tercera y cuarta generación dejando un legado significativo para la ciudad principalmente en el comercio y en la gastronomía. El análisis de ese fenómeno es desenvuelto en ese trabajo a través de la declaración, es basada por los conceptos de Emigración, Turismo y Globalización, bien como de hibridismo, pluralismo e identidad que subsidian la discusión, en el sentido de proponer una reflexión en cuanto a la utilización, aprovechamiento de esas historias registradas para enriquecer el turismo cultural de la ciudad.

Cultura; turismo; emigración


Les immigrants Syriens et Libanais sont arrivés au sud de l'Etat de Bahia, région du cacao, à la fin du XIXème et XX ème siècle à cause des crises politiques qu'il y avait dans leur pays et attirés par la perspective du progrès qui apparaissait dans cette région. La ville d'Ilheus a reçu beaucoup de ces immigrants qui en ont fait leur nouveau foyer. Ce phénomène de migration a été enregistré par plusieurs auteurs d'origine régionale et remarqué par les propres habitants en fonction des habitudes et coutumes différentes de ces peuples. Les assimilations ont eu lieu, les immigrants de première génération les ont repassées aux générations suivantes marquant ainsi la ville, principalement dans le commerce et la gastronomie. L'analyse de ce phénomène est développée, dans ce travail, à travers des témoignages et basée sur les concepts d'immigration. Tourisme et globalisation, de même que l'hybridisme, pluralisme et identité qui alimentaient la discussion, dans le sens de proposer une réflexion en ce qui concerne l'utilisation, et profiter de ces histoires enregistrées pour enrichir le tourisme culturel de la ville.

Culture; tourisme; immigration


ARTIGOS

As influências das interações étnicas na formação da cidade de Ilhéus/Bahia

The influencies of the ethnic interactions in the formation of Ilhéus city/Bahia

Les influences des interactions ethniques dans la formation de la ville d'Ilhéus/Bahia

Las influencias de6 las interacciones étnicas en la formación de la ciudad de Ilhéus/Bahia

Maria Luiza Silva Santos

Professora de Sociologia da Universidade Estadual de Santa Cruz Km 16 da rodovia Ilhéus/Itabuna Bahia CEP 45650000, Mestre em Cultura e Turismo. Este artigo está embasado na dissertação de mestrado "O Quibe no tabuleiro da baiana". (maluss@uesc.br) - telefone: (73) 36805312

RESUMO

Os imigrantes Sírios e Libaneses chegaram ao Sul da Bahia, região do Cacau, ao final do século XIX e início do século XX em função das crises políticas que ocorriam em seus territórios e atraídos pela perspectiva do progresso que se evidenciava nessa região. A cidade de Ilhéus recebeu muitos desses imigrantes que fizeram desse espaço o seu novo lar. Esse fenômeno migracional foi registrado por vários autores de origem regional e percebido pelas pessoas da região em função de hábitos e costumes diferenciados trazidos por esses povos. As assimilações aconteceram, os imigrantes de primeira geração passaram a segunda, terceira e quarta gerações deixando um legado significativo para a cidade principalmente no comércio e na gastronomia. A análise desse fenômeno é desenvolvida nesse trabalho através de depoimentos, é embasada pelos conceitos de Imigração, Turismo e Globalização, bem como de hibridismo, pluralismo e identidade que subsidiam a discussão, no sentido de propor uma reflexão quanto à utilização, ao aproveitamento dessas histórias registradas para enriquecer o turismo cultural da cidade.

Palabras-chave: Cultura; turismo; imigração.

ABSTRACT

The Syria and Lebanese immigrants had arrived at the South of the Bahia, region of the Cacao, in the end of century XIX and beginning of century XX in function of the crisis politic that occurred in theirs territories and attracted by the perspective of the progress that was evidenced in this region. The city of Ilhéus received many of these immigrants who had made of this space theirs new home. This migratory phenomenon was registered for some authors of regional origin and perceived by the people of the region in function of habits and differentiated customs brought for these peoples. The assimilations had happened, the immigrants of first generation had passed to second, third and fourth generations giving a significant legacy for the city mainly in the commerce and the feeding. The analysis of this phenomenon is developed in this work through depositions based by the concepts of Immigration, Tourism and Globalization, as well as of hybridism, pluralism and identity that subsidize the quarrel, in the direction to consider a reflection about the use, the exploitation of these registered histories to enrich the cultural tourism of the city.

Key words: Culture; tourism; immigration.

RÉSUMÉ

Les immigrants Syriens et Libanais sont arrivés au sud de l'Etat de Bahia, région du cacao, à la fin du XIXème et XX ème siècle à cause des crises politiques qu'il y avait dans leur pays et attirés par la perspective du progrès qui apparaissait dans cette région. La ville d'Ilheus a reçu beaucoup de ces immigrants qui en ont fait leur nouveau foyer. Ce phénomène de migration a été enregistré par plusieurs auteurs d'origine régionale et remarqué par les propres habitants en fonction des habitudes et coutumes différentes de ces peuples. Les assimilations ont eu lieu, les immigrants de première génération les ont repassées aux générations suivantes marquant ainsi la ville, principalement dans le commerce et la gastronomie. L'analyse de ce phénomène est développée, dans ce travail, à travers des témoignages et basée sur les concepts d'immigration. Tourisme et globalisation, de même que l'hybridisme, pluralisme et identité qui alimentaient la discussion, dans le sens de proposer une réflexion en ce qui concerne l'utilisation, et profiter de ces histoires enregistrées pour enrichir le tourisme culturel de la ville.

Mots-clé: Culture; tourisme; immigration.

RESUMEN

Los emigrantes Sirios y Libaneses llegaron al Sur de Bahia, región del Cacao, a finales del siglo XIX e inicio del siglo XX a causa de las crisis políticas que ocurrían en sus territorios y atraídos por la perspectiva de progreso que se demostraba en esa región. La ciudad de Ilhéus recibió muchos de estos emigrantes que hicieron en ese espacio su nueva morada. Ese fenómeno migratorio fue registrado por varios autores de origen regional y visto por los pobladores de la región en función de hábitos y costumbres diferenciados traídos por esos pueblos. Las similitudes sobrevinieron, a los emigrantes de primera generación pasaron a la segunda, tercera y cuarta generación dejando un legado significativo para la ciudad principalmente en el comercio y en la gastronomía. El análisis de ese fenómeno es desenvuelto en ese trabajo a través de la declaración, es basada por los conceptos de Emigración, Turismo y Globalización, bien como de hibridismo, pluralismo e identidad que subsidian la discusión, en el sentido de proponer una reflexión en cuanto a la utilización, aprovechamiento de esas historias registradas para enriquecer el turismo cultural de la ciudad.

Palabras clave: Cultura; turismo; emigración.

Introdução

A proposta deste trabalho consiste em analisar as aproximações de grupos étnicos distintos em um mesmo espaço. Mais precisamente da inclusão de povos árabes, sírios e libaneses na sociedade ilheense, município situado na região Sul da Bahia. Apesar de distintos, não se percebe a ocorrência de significativo confronto. Resistências sutís, esteriótipos mais engraçados que ofencivos e a necessidade de união com os patrícios em um primeiro momento dão a tônica desse encontro, que vem ocorrendo desde o final do século XIX, deixando uma marca forte na região onde há muito "não se estranha os nomes de origem síria e libanesa" (SALUME, apud SILVA, 2001, p.05).

No bojo dessa análise realizada através de depoimentos, entrevistas e rastreamento em pesquisas monográficas, são trabalhados os conceitos de etnicidade, imigração e assimilação que fundamentam a trajetória, o encontro com as peculiaridades específicas de cada grupo e a fusão das tradições com o surgimento de novas posturas e modelo de comportamento social.

Apesar de já ter evidenciado a não ocorrência de conflito, aqui entendido na acepção de Pearson como "uma interceptação do caminho através da realização de seus desejos, surgindo rivalidade, antipatias, críticas de forte tonalidade emotiva e assim tornando-se comuns as retaliações pessoais ou grupais" (PEARSON, 1975, p.188) e sim o processo de assimilação que se refere a "modificação que ocorre na vida interior do indivíduo, na medida em que o imigrante, por exemplo, vem a adquirir os objetivos comuns e as atitudes e sentimentos comuns do grupo entre o qual veio viver" (PEARSON, 1975, p.189), é interessante buscar para essa análise o entendimento sobre etnicidade.

Essa necessidade é ainda mais evidenciada porque estamos tomando como objeto um grupo étnico que sempre foi e continua sendo, mais do que nunca, alvo de preconceitos e discriminações em grande parte do globo. Mas essa perspectiva é minorada em termos de nação brasileira, pois é comum nos depoimentos os imigrantes afirmarem que no Brasil não tenham passado por nenhum tipo de preconceito ou discriminação. É evidente, porém, que em termos de mundo esse preconceito seja latente. Se antes o árabe era rotulado de turco, em função da dominação turco otomana, hoje são tachados de inimigos terroristas.

Etnicidade

Como foi evidenciado, falar em grupos étnicos pressupõe falar em diferenças, em perspectivas opostas ou pelo menos em pontos de vistas contrários dentro de um mesmo território ou sociedade. Da perspectiva do habitante local, do nativo, "um dentre eles não é étnico. Ou seja, o grupo étnico originário da comunidade. E existem as pessoas que são étnicas, a saber, aqueles que diferem dele e que por isso, não são considerados como membros integrais da sociedade local" (HUGLES; MC HUGUES, 1952, p.137). Esse raciocínio pode ocasionar muitas vezes resistências e preconceitos de ambos os grupos ou, ao contrário, um processo inicial de acomodação que pode vir a tornar-se um processo de assimilação e difusão do desenvolvimento local.

A discussão quanto ao fenômeno da etnicidade é relativamente recente, seu marco é evidenciado por volta da década de 40 na Inglaterra, de 70 nos Estados Unidos e 80 na França, no século XX, devido a questões relativas a imigração, racismo e nacionalismo. O surgimento de conflitos nas sociedades industriais e as disparidades entre os países de terceiro mundo, bem como a avidez de melhores condições de vida de populações pobres e sua esperança na migração, produzindo nações pluriétnicas, faz com que o conceito se imponha para abranger os fenômenos de competição e conflito nos quais os grupos se opõem em nome de sua pertença étnica (POUTIGNAT, s/d, p.39).

Ao contrário do que foi considerado a priori, na literatura acerca do tema de que a etnicidade seria considerada como fator de assimilação e uniformização, atualmente termina por ser entendida como um fator que facilita a emergência de entidades particularistas, o que evidencia Poutignat:

A identidade étnica constrói-se a partir da diferença. A atração entre aqueles que se sentem como de uma espécie é indissociável da repulsa diante daqueles que são percebidos como estrangeiros. Esta idéia implica que não é o isolamento que cria consciência de pertença, mas, ao contrário, a comunicação das diferenças das quais os indivíduos se apropriam para estabelecer fronteiras étnicas (POUTIGNAT, s/d, p.40).

Com base nessa prerrogativa, sua característica principal é a emergência de uma consciência de separação e ao mesmo tempo de formas de interação que só podem surgir num contato social comum. A etnicidade não pode ser identificada e relacionada a apenas um grupo ou um determinado tipo de indivíduo, mas a todos os grupos, entendendo que a importância desse debate irá variar de acordo com as épocas e as situações. Importa para a análise desse fenômeno os conteúdos culturais de cada grupo, pois é através da percepção e classificação das variadas práticas dos diferentes grupos é que as categorias étnicas são entendidas e consideradas como pertinentes.

Imigração

Atrelado ao conceito de etnicidade está o fenômeno da imigração. Esse fenômeno envolve, segundo Fausto (2000), o peso dos fatores de expulsão e de de atração e a maneira como se equilibram, dentro da perspectiva do deslocamento. A maioria dos migrantes não faz a viagem por vontade própria, pois o movimento geralmente se dá por fatores externos, alheios à sua vontade. "Se pudessem escolher, todos – com exceção dos que anseiam por mudanças e aventuras – permaneceriam em seus locais de origem" (FAUSTO, 2000, p.13). Portanto, a trajetória só tem início quando essas pessoas percebem que não conseguirão viver, através dos meios tradicionais, em suas comunidades de origem. Essa trajetória pode ocorrer de forma amistosa ou conturbada. Em geral, a segunda opção ocorre quando os países de recepção não estão preparados ou não aceitam a convivência com determinado grupo étnico.

Perseguições em função da nacionalidade, em razão de credo religioso ou por condições econômicas são os fatores mais comuns para a imigração. Ao final do século XIX, várias correntes migratórias chegaram ao Brasil; trouxeram espanhóis, italianos e também árabes. Porém existia uma diferença entre os primeiros exemplos e a imigração árabe. A corrente síria e libanesa se caracterizou pela espontaneidade, ou seja, por não haver uma participação direta do governo em termos de subsídio. Essa impossibilidade quanto a acordos com governos dos países árabes não poderia ocorrer, uma vez que seus Estados não eram ainda soberanos e, por sua vez, o Brasil também não possuía interesse específico nesse grupo étnico.

Esses imigrantes desembarcavam geralmente no Rio de Janeiro ou no Porto de Santos e convergiam para três zonas principais. Ao Norte, na região do Amazonas e do Pará, onde encontraram e passaram a fazer parte do ciclo da borracha; ao Sul e Sudeste se encontraram com o ciclo do café, principalmente na região de São Paulo, onde um grande contingente de sírios e libaneses podem ser encontrados, e ao centro trabalharam com o ciclo dos minérios. A evidência da imigração que se encontra sobre a Bahia e o ciclo do cacau consiste no registro de que:

O estado da Bahia figura como 9º lugar com o número de 1206 imigrantes em 1920 e com 947 no recenceamento de 1940. Na Bahia, parte desse contingente humano deslocou-se para a região cacaueira atraída pela pujança do cacau, em pleno desenvolvimento, que semeava estímulos e oportunidades aos recém chegados na sociedade (SILVA, 2001, p.6).

A busca pelo progresso e melhores condições fazia com que o deslocamento desses imigrantes fosse em busca de uma nova perspectiva econômica para que pudessem se estabelecer ou pelo menos buscar recursos para poderem retornar ao seu lugar de origem, pois as primeiras levas não consideravam definitivas sua vinda para o Brasil. Alguns deixavam noivas ou esposas e filhos esperando, na busca de fazer fortuna para poder retornar. "A possibilidade de obter terra era uma constante atração para todos os imigrantes. Com a terra tão barata em comparação com os padrões europeus era grande a probabilidade de trabalhadores sem terra conseguirem suas próprias fazendas, muitas vezes num período de tempo muito curto, após a chegada" (FAUSTO, 2000, p.16). Alguns poucos conseguiram esse feito, porém a maioria se estabeleceu no Brasil e começou a buscar outros conterrâneos que também tinham esperança em melhorar seu padrão de vida.

Convém ressaltar que o próprio ofício escolhido pelos primeiros migrantes, "a mascatagem", consistia em uma atividade rápida e simples, como é descrita a seguir:

Procuravam um comerciante ou fabricante de bugingangas que lhes dava uma caixa com pentes, vidros de perfume, etc e iam vender nos arredores da cidade. Foram chamados de 'Ahlal kacha' (povo da caixa), a palavra entrou aliás no vocabulário árabe comum (HAJAR, 1995, p.89).

A caixa era denominada de cachi e o itinerário era realizado por bairros afastados, até a zona rural. Quando acabavam as vendas no centro, os mascates buscavam os subúrbios até chegar às cidades do interior e de lá as fazendas e até os sertões. "Houve mascates que empreendiam viagens com caixas nos ombros pesando de 80 a 100 kg, na medida do crescimento do negócio, alugavam carregadores e até burros de carga" (TRUZZI, 1997, p.47). A prática da venda a prazo também foi introduzida e em alguns casos não recebiam dinheiro e sim parte da safra referente à colheita da região onde estivessem, onde mais tarde teriam que prestar conta a outro patrícios. Aos poucos esse quadro vai se alterando e o mascate passa a vendeiro, e desse para o comerciante, e até proprietário de terras.

Se antes o objetivo desses comerciantes era voltar ao local de orgem e adquirir propriedades na aldeia natal, ou mandar dinheiro para os parentes comprarem imóveis, agora essa situação começa a se inverter. Os migrante árabes começavam a se interessar pelas residências e propriedades em terras brasileiras.

De acordo com essa perspectiva, a imigração deixava de ser provisória, passando a existir com as características de busca por um lugar definitivo, onde começavam a ser esquecidos o sonho do retorno e as forças começaram a ser concentradas na busca da construção de uma sociedade melhor na terra escolhida.

Conclusão – interações étnicas em Ilhéus

Em Ilhéus, a situação não foi muito diferente. Como nas outras regiões, pressupõem-se atração pela cultura cacaueira e o encontro desses imigrantes com a roça de cacau através da mascatagem. Os sobrenomes Atalla, Bacil, Ocké, Midlej, Darwich, Maron, Zaidan, Baracat, Daneu, Kalid, Ganem, Bichara, Dieb, Chalhoub, Hage, Habib, Chauí, Bitar, Halla, Abijaude, Zugaib, Gedeon são alguns exemplos que povoam a região do sul da Bahia e ao mesmo tempo são referência quanto ao comércio, a culinária, a cacauicultura, comprovando o processo de assimilação ocorrido nas terras de São Jorge dos Ilhéus.

Nos depoimentos lidos de alguns imigrantes sírios e libaneses e seus descendentes que vivem ou viveram nas cidades de Ilhéus e Itabuna, é comum a percepção quanto à saudade que permeia esse grupo de pessoas que saem de terras tão distantes em busca de uma vida melhor. Para vencer a saudade da terra distante, reuniam-se na casa de um patrício para conversar em seu idioma original e saborear a comida árabe, que muitas vezes era produzida com dificuldade, pois não existiam na região todos os ingredientes para o preparo dessas iguarias. Essa dificuldade na aquisição de mantimentos como o trigo, a lentilha e o grão de bico se evidenciava nas listas de compras que eram solicitadas a algum conterrâneo quando viajava para São Paulo. Num depoimento da Srª Daid Hage Salume (SILVA, 2001), ela conta que também gostava de preparar o feijão à brasileira, a nossa feijoada, e que nesses dias era festa, pois estava acostumada a utilizar-se do feijão para fazer saladas, pois na Síria se usa muito o tule, que é um feijão grande, bem graúdo, para essa finalidade, porém ela passou a se utilizar do feijão mulatinho, que cozinhava com água e sal e depois temperava com tomate, cebola e muita alface.

Ainda segundo a Srª Daid Hage Salume (SILVA, 2001), a assimilação da culinária foi espetacular. Hoje todos comem e gostam das comidas sírias e libanesas. É bem verdade que houve algumas adaptações, pois ela ressalta que os baianos colocaram mais carne e mais pimenta no quibe, mas mesmo assim se sabe que é comida árabe. O Sr. Hafle Salume chama a atenção para o charutinho que no original é feito com folha de parreira e na região é adaptado com outros tipos de folhas. Uma observação pertinente ainda sobre a culinária é feita pela Srª Clara Fadoul (HALLA, 1999), que ressalta a importância do quibe, pois faz reconhecer um sírio ou um libanês a metros de distância, uma vez que, em outros países do oriente médio, como a Jordânia, vizinha da Síria, não se faz o quibe, só os sírios e os libaneses. Devido a esse encontro que tornou tão próximos baianos e sírios e libaneses é que vemos na maioria dos bares e restaurantes e nas festas da região o quibe sendo vendido e deliciado pelos dois grupos e ainda pelos turistas.

O idioma foi um entrave para alguns desses imigrantes: a Srª Afif Chauí (HALLA, 1999) habitou em Ilhéus pela maior parte da sua vida, até falecer sem soletrar uma palavra em português, já a Srª Elvira Chagouri Ocké (HALLA, 1999) conta que aprendeu a falar o português com as empregadas na cozinha, aprendendo o nome das verduras, frutas e carnes. Durante muito tempo não saía de casa e evitava os contatos com brasileiros, pois achava que os mesmos iam achar graça pela sua dificuldade em se comunicar.

Notória também é a presença desses imigrantes no comércio da cidade de Ilhéus. Encontravam-se nas ruas Almirante Barroso e Pedro II os pontos de maior fixação dos seus estabelecimentos. Podia-se encontrar nessas lojas desde artigos de luxo, como tecidos importados, a gêneros de primeira necessidade. A integração com os habitantes locais era de ampla cordialidade, o que sempre demonstrou que os comerciantes sírios e libaneses eram fortes concorrentes na arte da conquista dos seus compradores.

Segundo Halla (1999), na rua Almirante Barroso existiam as lojas A Brasileira, de Sali Bichara, Loja Celeste de Lut Fallal Dieb, A carioca, de Esber Salume, Alinda, de Antonio Chalhoub e A Rainha, de Emílio Chaouí. Na rua D. Pedro II se encontravam A Casa Paulista de Bichara Rabat, A Gaúcha, de Isac Ocké, Dois Irmãos de Abud e Elias, O Grande Bazar Barateiro de Ruffan Chalhoub, a loja Elias, de Elias Medauar, a Casa Oriental, de Nassau, A Barateira de José Chame e a Casa das Miudezas de Toufic Boulos.

Esses imigrantes, em geral, não partiram para atividades políticas, apesar de bem relacionados com os habitantes locais, preferiam o comércio e mesmo quando passaram a se interessar pelas roças de cacau e que puderam começar a adquiri-las, não se desfizeram do comércio.

Numa perspectiva inversa, do olhar de um habitante local sobre a presença dos sírios e libaneses na região, Sr. Hélio Moura afirma que a convivência com essas pessoas sempre se deu de forma harmônica. Frequentador do Vesúvio e amigo do Sr. Maron, disse que ia ao bar apenas três vezes por dia, de manhã,à tarde e à noite. Conta que, a princípio, estranhava a comida fria, degustada com pão, mas que hoje em dia são pratos que fazem parte do cotidiano, como a comida com farinha do baiano, que faz parte do cotidiano deles.

Como os exemplos atestam, a formação da sociedade se deu de uma forma pacífica. Tiveram sim, as denominações de "turco" e de "gringo", que algumas vezes não eram bem aceitas pelos imigrantes e ainda uma sátira quanto ao eseriótipo a respeito da esperteza dos árabes, mas nada que comprometesse ou atrapalhasse o bom relacionamento de etnias tão diferentes que fazem parte da construção cultural e social da região sul da Bahia, mas precisamente da cidade de Ilhéus.

Recebido em 15/4/2005; revisado e aprovado em 29/4/2005; aceito em 30/11/2005.

  • FAUSTO, Boris. Fazer a América. A Imigração em massa para a América Latina. 2.ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2000.
  • HALLA, Roberta Dieb. A Imigração sírio libanesa para Ilhéus. Monografia. (Especialização em História Regional), 1999.
  • MAIO, Marcos (Org.) Raça, Ciência e Sociedade Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CCBB, 1996.
  • MOURA, H. Hélio Moura: depoimento [27 mar. 2002]. Entrevistadora: M. L. S. Santos. Ilhéus: Avenida Soares Lopes residência do entrevistado, 2002. 1 fita cassete (120 min), 33/4 pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura e Turismo da UESC.
  • PEARSON, Donald. Teoria e pesquisa em Sociologia São Paulo: Melhoramentos, 1975.
  • POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade São Paulo: Unesp.
  • SILVA, Ana Paula. Migração sírio libanesa O caso de Itabuna (1910-1940). Monografia (Curso de Graduação em História), 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2007
  • Data do Fascículo
    Set 2006

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2005
  • Revisado
    29 Abr 2005
  • Aceito
    30 Nov 2005
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