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Ecologia política da construção da crise ambiental global e do modelo do desenvolvimento sustentável

Écologie politique de la construction de la crise ambiental global développement soutenable

Ecología política de la construcción de la crise ambiental y el modelo de desarollo sostenibel

Political ecology of the building of the global environmental crisis and on the sustainable development model

Resumos

Neste trabalho discutimos o debate sobre a crise ambiental e o modelo do desenvolvimento sustentável como campo de lutas no qual se articulam interesses políticos e econômicos. Defendemos a idéia de que as direções tomadas pela discussão sobre as questões ambientais em nível mundial apontam para o apagamento das variáveis clássicas da interpretação sociológica dos fenômenos sociais, tais como as de ideologia, dominação e conflito, apresentando uma proposta de redirecionamento da discussão mencionada, a ser feita em termos da teoria da ecologia política. No final indicamos algumas sugestões específicas para a pesquisa sobre a denominada crise hídrica mundial.

Ecologia; crise ambiental global; desenvolvimento sustentável


Em ce travail nous discutons le debat sûr la crise ambiental et le modele de développement soutenabel comment plaine de luttes dans lequel s'articulent intérêts plitiques e t économiques. Nous défendons l'idée de que les directions prises por la discution sûr les questions ambientaux en niveau mondial indiquent pour l'extinction des variales clássiques de l'interprétation socilogique des phénoménes sociaux tels comment les d'ideologie, domination et conflit, avec la présentation d'une propose de reprise de la discution menttionée, pour éter fait em termes de la théorie de l'écologie politique. Au final nous avons indique quelques suggestions specífiques por la recheche sur la nommée crise hydrique mondiale.

Écologie; crise ambiental; développement soutenable


Defendemos la idea de que las decisiónes tomadas por la dscusíon sobre las cuestiónes ambientales em nível mundial apuntan para el apagamineto de las variábles clásicas de la interpretación sociológica de los fenômenos sociales. como los que están relacionados à la ideología, dominación y conflicto, presentando uma propuesta de redireccionamineto de la discusión mencionada a ser hecha em termos de la teoria de la ecología política. Em el final indicamos algunas sugeréncias específcas para la búsqueda sonre la denominada crise hídrica mundial.

Ecología; crise ambiental global; desarrollo sotenible


In this work we discuss the debate on the environmental crisis and on the sustainable development model as a field of fights in which are articulated political and economic interests. We argue here that the discussion on those themes indicate the suppression of classic sociological categories as those of ideology, domination and conflict, presenting afterwards a purpose of reshaping of the mentioned discussion, which must be done in terms of the Political Ecology Theory. We finalize the article indicating some points to a research agenda on the global water resources crisis.

Ecology; global environmental crisis; sustainable development


ARTIGOS

Ecologia política da construção da crise ambiental global e do modelo do desenvolvimento sustentável

Political ecology of the building of the global environmental crisis and on the sustainable development model

Ecología política de la construcción de la crise ambiental y el modelo de desarollo sostenibel

Écologie politique de la construction de la crise ambiental global ; développement soutenable

Lemuel Dourado GuerraI; Deolinda de Sousa RamalhoI; Jairo Bezerra SilvaII; Cláudio Ruy Portela de VasconcelosIII

IProfessores do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Campina Grande-PB. (lenksguerra@yahoo.com.br)

IIProfessor do CESAC (Centro de Ensino Superior de Santa Cruz do Capibaribe-PE) e bolsista do CEDRUS (Curso de Especialização em Desenvolvimento Rural Sustentável), com trabalhos publicados na área da Sociologia dos recursos hídricos. (jairrobezerra@bol.com.br ou nel.nunsiilva@bol.com.br)

IIIProfessor do Departamento de Ciências Básicas e Sociais, da Universidade Federal da Paraíba, na área de Gestão Ambiental

RESUMO

Neste trabalho discutimos o debate sobre a crise ambiental e o modelo do desenvolvimento sustentável como campo de lutas no qual se articulam interesses políticos e econômicos. Defendemos a idéia de que as direções tomadas pela discussão sobre as questões ambientais em nível mundial apontam para o apagamento das variáveis clássicas da interpretação sociológica dos fenômenos sociais, tais como as de ideologia, dominação e conflito, apresentando uma proposta de redirecionamento da discussão mencionada, a ser feita em termos da teoria da ecologia política. No final indicamos algumas sugestões específicas para a pesquisa sobre a denominada crise hídrica mundial.

Palavras-chave: Ecologia; crise ambiental global; desenvolvimento sustentável.

ABSTRACT

In this work we discuss the debate on the environmental crisis and on the sustainable development model as a field of fights in which are articulated political and economic interests. We argue here that the discussion on those themes indicate the suppression of classic sociological categories as those of ideology, domination and conflict, presenting afterwards a purpose of reshaping of the mentioned discussion, which must be done in terms of the Political Ecology Theory. We finalize the article indicating some points to a research agenda on the global water resources crisis.

Key words: Ecology; global environmental crisis; sustainable development.

RÉSUMÉ

Em ce travail nous discutons le debat sûr la crise ambiental et le modele de développement soutenabel comment plaine de luttes dans lequel s'articulent intérêts plitiques e t économiques. Nous défendons l'idée de que les directions prises por la discution sûr les questions ambientaux en niveau mondial indiquent pour l'extinction des variales clássiques de l'interprétation socilogique des phénoménes sociaux tels comment les d'ideologie, domination et conflit, avec la présentation d'une propose de reprise de la discution menttionée, pour éter fait em termes de la théorie de l'écologie politique. Au final nous avons indique quelques suggestions specífiques por la recheche sur la nommée crise hydrique mondiale.

Mots-clé: Écologie; crise ambiental; développement soutenable.

RESUMEN

Defendemos la idea de que las decisiónes tomadas por la dscusíon sobre las cuestiónes ambientales em nível mundial apuntan para el apagamineto de las variábles clásicas de la interpretación sociológica de los fenômenos sociales. como los que están relacionados à la ideología, dominación y conflicto, presentando uma propuesta de redireccionamineto de la discusión mencionada a ser hecha em termos de la teoria de la ecología política. Em el final indicamos algunas sugeréncias específcas para la búsqueda sonre la denominada crise hídrica mundial.

Palabras clave: Ecología; crise ambiental global; desarrollo sotenible.

Introdução

O processo pelo qual o meio ambiente emerge como uma preocupação relevante em muitas sociedades contemporâneas é o resultado da conjunção de vários elementos e da ação de instituições sociais e forças variadas. Há pelo menos três décadas atrás, a relação dos homens com a natureza, no que se referia à exploração dos recursos naturais, era um tema incapaz de gerar polêmica. Naquele momento, eram centrais as questões referentes às formas de organização social da produção, existindo como pólos opostos dominando o debate, de um lado, as propostas socialistas/comunistas e, do outro, o modelo capitalista. Com a crise da maioria das experiências de socialismo na Europa, a hegemonização do capitalismo em quase todas as economias mundiais, a polarização mencionada deixa de existir, abrindo-se espaço para que novos eixos de preocupação sócio-político-cultural emirjam.

É nessa conjuntura que assistimos, desde o último quartel do século passado, a uma significativa hipertrofia do debate sobre visões de iminentes catástrofes ecológicas, que colocariam em risco a vida do homem no planeta. É nesse contexto que surgem as propostas de salvação da Terra, as quais incluem, entre outros pontos, a necessidade de implementar, mundialmente, um modelo de Desenvolvimento Sustentável.

Sem pretender fazer uma abordagem aprofundada do conceito mais geral de desenvolvimento, defendemos neste artigo: (1) a idéia de que o modelo de Desenvolvimento Sustentável, de certa maneira, é um retorno de práticas "desenvolvimentistas" semelhantes ao que na sociologia do desenvolvimento ficou conhecido como o "terceiro-mundismo", um modelo assumido por países do capitalismo central, basicamente, pelos Estados Unidos, que consistia no oferecimento de "ajuda" aos países subdesenvolvidos e "em desenvolvimento", na direção da promoção das condições necessárias à chegada dos países do Sul ao modelo dos países industrializados do Norte; (2) a necessidade da construção de uma abordagem propriamente sociológica das questões ambientais, informada pelos autores da corrente denominada de Ecologia Política, de forma a interpretar a construção social dos fenômenos relativos aos moldes de apropriação humana dos recursos naturais do planeta e das propostas apresentadas como alternativas à Crise Ambiental, à luz de categorias clássicas da análise sociológica, tais como poder, ideologia, exploração, sistemas de hierarquia e outras dessa natureza.

Desenvolvimento Sustentável ou crescimento sem fronteiras?

Depois do período em que o "desenvolvimento" se constituiu num tema de grande importância no cenário internacional – que vai do final da II Guerra Mundial até meados da década de 70 do século passado –, com o fim de experiências de socialismo real no Leste europeu e a derrocada a União Soviética, o discurso e a prática de "ajuda" aos países do Terceiro Mundo, os quais tinham como um dos principais objetivos implícitos a luta ideológica contra um possível opositor ao sistema econômico dominante, perdem a força. É justamente na década de 80, que é formulada a proposição do "ajuste estrutural", já um reflexo da perda de espaço da discussão sobre o "desenvolvimento" para a temática da globalização, que passa a ser o mote para uma série de articulações no sentido do estabelecimento definitivo de uma economia mundial de rede, agora com todas as condições objetivas a ela necessárias, em termos de tecnologia da informação.

Todavia, a história do "desenvolvimento", intimamente ligada ao desenrolar do sistema capitalista ocidental, não seria tão facilmente descartada. Depois de passar por um período de "esquecimento", a temática da ecologia, anteriormente lateral, cria as condições objetivas para a volta da reflexão a respeito das questões ligadas ao desenvolvimento. A ligação dos problemas ecológicos com os níveis de pobreza dos países do Sul, conduziu rapidamente ao reconhecimento de que, apesar das políticas desenvolvimentistas baseadas na "ajuda" dos países capitalistas centrais, especialmente aquela fornecida pelos Estados Unidos – e mesmo em decorrência delas – os problemas enfrentados por países desta área tinham crescido e piorado. Era necessário, por conseguinte, e agora possível, que o "desenvolvimento" retornasse firme através da moda ocidental da ecologia.

A retomada começou na década de 80, com a realização de conferências mundiais sobre o tema do Meio Ambiente, e teve como momento marcante o ano de 1983, quando a Assembléia Geral das Nações Unidas pediu ao seu secretário geral que indicasse uma "Comissão Mundial do Meio Ambiente e do Desenvolvimento" para realizar um relatório a respeito do desenvolvimento e do Meio Ambiente, em termos mundiais, cuja presidência foi confiada à senhora Gro Harlem Brundtland, então Primeira Ministra da Noruega.

As condições eram bastante favoráveis para a realização de um relatório original e bem informado, já que havia uma previsão de consulta internacional aos grupos ambientalistas e ONGs envolvidas com o tema, no sentido de construir uma visão o mais abrangente possível e, acima de tudo, antenada com as expectativas dos países do Norte e do Sul. O trabalho foi concluído em março de 1987, e foi publicado no ano seguinte, sob o título de Nosso Futuro Comum, contendo, entre outras coisas, uma exaustiva lista de ameaças ao equilíbrio do meio ambiente planetário: o desflorestamento; a erosão do solo; o efeito-estufa; o buraco na camada de ozônio; a questão da demografia; a cadeia alimentar; os recursos hídricos; a energia; aspectos ligados aos processos de urbanização; a extinção de espécies animais; o armazenamento de armas; a proteção dos oceanos e do espaço. Em vistas do apresentado, os governos não poderiam mais ignorar os muitos perigos ecológicos que deveriam ser, se não eliminados, pelo menos controlados, através de uma legislação ambiental rigorosa.

Uma diferença básica no que se refere à discussão ambiental anterior e o tema a ser enfrentado pela Comissão Brundtland, foi o fato de que esta teve que considerar de maneira conjunta o Meio Ambiente e o "desenvolvimento". Esse foi uma ponto crucial, porque produziu uma ênfase nas maneiras pelas quais tanto as sociedades ricas quanto as pobres destruíram o meio ambiente, claro que considerando sua diferentes razões. Isso também significou a reconciliação de dois conceitos opostos: de um lado, estava precisamente a atividade humana – especialmente aquela baseada no modo de produção industrial, sinônimo de "desenvolvimento" – que estava por trás da deterioração do meio ambiente; do outro lado, a concepção de que era impossível não pensar na necessidade de acelerar o desenvolvimento de povos que não tinham tido ainda acesso a condições decentes de vida.

Para dar uma resposta que integrasse esses dois pólos da questão, a Comissão propôs o modelo do Desenvolvimento Sustentável. Embora parecesse ser um dos pontos centrais do relatório, sobre o qual se esperava que fossem apresentadas propostas de operacionalização capazes de funcionar como um guia o mais claro possível para as políticas a serem adotadas pelos diversos governos, o que se encontra é um texto singularmente dúbio em seu conteúdo. Sem pretender fazer uma análise completa, mencionaremos alguns aspectos críticos essenciais a respeito da passagem da página 29 da versão espanhola e na página 8 da versão em inglês, que, por questão de espaço não citamos na íntegra:

a) No texto há uma pressuposição implícita da existência de um sujeito coletivo (a humanidade) dotado de reflexão e de vontade1 1 Por exemplo: "está nas mãos da humanidade fazer com que o desenvolvimento seja sustentável" ( Nuestro Futuro Común, 1987, p.29, tradução nossa). , que não pode, todavia, ser claramente definido. Como colocado, o Desenvolvimento Sustentável depende de todos, o que pode significar que não depende de ninguém;

b) O relatório também defende que é preciso atender as necessidades presentes sem prejudicar o atendimento das necessidades das gerações futuras. A questão que se coloca é a respeito da maneira pela qual as necessidades serão identificadas e quem estabelece quais são "básicas" e quais são "supérfluas". Outra dificuldade é aquela ligada à impossibilidade concreta de definir as necessidades correntes da humanidade, e muito mais aquelas das gerações futuras2 2 A própria idéia de "necessidades presentes" é difícil de precisar, já que estas variam de acordo com a região, com a classe social, só para mencionar algumas das possíveis variáveis influenciadoras neste ponto. ;

c) A "atividade humana", que, obviamente, tem efeitos sobre a biosfera, é citada, mas os prejuízos decorrentes do modelo industrial – ue são mostrados como sendo o principal problema na maior seção do relatório – não recebe nenhuma menção neste ponto, como se a presença humana na terra não fosse condicionada pelos modos de produção adotados.

d) Na visão da Comissão, "a pobreza não é mais inevitável". Uma abordagem mais interessante seria uma que considerasse os mecanismos pelas quais a pobreza tem sido socialmente construída nas últimas décadas no nível internacional. Sem dúvida isto levaria a denunciar os mecanismos de exclusão praticados pelos moldes do crescimento econômico adotados;

e) "A Pobreza é um mal em si mesmo". Em um quadro de referência baseado em uma dicotomia moral, o desenvolvimento é visto como um bem nele mesmo. Outras leituras têm conduzido a conclusões diametralmente opostas, segundo as quais, do ponto de vista da proteção do meio ambiente, o desenvolvimento é que é o "mal" nele mesmo.

Outra objeção importante em relação aos resultados do Relatório é aquela referente ao valor de denunciar o fato de que " a economia e a ecologia podem interagir de maneira destrutiva e irem para o desastre", se ao mesmo tempo é reafirmado que "o que é preciso agora é uma nova era de crescimento econômico – crescimento que seja vigoroso e ao mesmo tempo socialmente e ambientalmente sustentável". Mesmo considerando a justeza dessa aspiração, o problema é que o Relatório não diz muito a respeito de 'como' atingi-la3 3 Conforme Rist (1997): "As sugestões são limitadas a uma série de esperanças (por exemplo, de uma maior assistência internacional para projetos de preservação do Meio Ambiente, ou mais recursos para organizações que tratam com problemas ecológicos), ou a apelos solenes por um gerenciamento mais eficiente dos recursos disponíveis. A despeito de suas afirmações de que os problemas precisam ser atacados em sua raiz, a Comissão faz pouco mais do que distribuir recomendações para todos: agências internacionais, governos, ONGs e indivíduos. Todos seus membros estão indubitavelmente preocupados com os problemas, e eles repetem que algo precisa ser feito, mas o que eles sugerem são medidas mais paliativas (reciclagem e racionalização) do que mudanças radicais". ;

Ainda outra fragilidade do Relatório em sua tarefa de propor uma contribuição para a construção de modelos de desenvolvimento sustentável é que há uma confusão implícita entre a perspectiva referente aos recursos naturais não-renováveis e os recursos naturais renováveis, o que conduz a pensar dinâmicas de sociedades com diversos níveis de industrialização e com diversas bases econômicas sejam consideradas como equivalentes. Ao ignorar essa diferença básica dos potenciais e estilos de crescimento nas duas situações, o Relatório Brundtland falha em colocar com clareza a problemática da "sustentabilidade"4 4 Nas sociedades cuja base econômica é industrial, o desenvolvimento torna possível aumentar a produção pelo uso das reservas num ritmo que não depende do tempo necessário para sua reposição, mas do estado de desenvolvimento tecnológico. Naquelas onde a economia é baseada, principalmente, nas florestas, nas plantas e nos animais, as coisas são completamente diferentes. Para estas, a produção somente é incrementada se for respeitado o ritmo de sua recuperação, havendo pouca ou nenhuma possibilidade de armazenamento. .

Em vistas do apresentado, pode-se por em questão a propagada independência da Comissão. Dado que um dos pontos centrais da discussão do Relatório Brundtland era a questão do modo de vida dos ricos, tanto no Norte quanto no Sul, e embora seja dito que "escolhas dolorosas precisariam ser feitas", a Comissão não propõe que os países industriais façam mudanças básicas em seus modelos de consumo. Pelo contrário, as propostas de aplicação de modelos de Desenvolvimento Sustentável consistem em garantir que, em áreas estratégicas de países do Sul, definidas como fundamentais para o "equilíbrio do planeta", sejam mantidas as formas "atrasadas" e "tradicionais" de produção, em outros tempo consideradas obstáculos ao desenvolvimento e, portanto, à erradicação da pobreza5 5 Como bem colocou Rist (1997): "A principal contradição do Relatório de Brundtland, portanto, é que a política de crescimento proposta como uma forma de reduzir a pobreza e estabilizar o ecossistema dificilmente difere da política que historicamente abriu o hiato entre ricos e pobres e que colocou o meio ambiente em perigo (por causa dos diferentes ritmos de crescimento que podem ser atingidos, dependendo do uso de recursos renováveis ou não renováveis)". .

Ao optar por fazer uma crítica dos modelos de desenvolvimento que desconsiderou os seus determinantes sócio-político-econômicos, privilegiando uma visão ecocêntrica – o que vai se refletir no modelo de Desenvolvimento Sustentável que ela sugere – a tarefa da Comissão Brundtland de redefinir a relação entre meio ambiente e "desenvolvimento" e propor "um programa global de mudança" ficou comprometida. Para a produção de uma análise mais conseqüente, pelo menos três pontos de partida deveriam ser adotados. O primeiro deles, a compreensão das formas pelas quais as pessoas e as sociedades realmente se relacionam com seu meio ambiente, de forma a estabelecer, de maneira mais razoável, a responsabilidade diferenciada pela produção da crise ecológica mundial e as tarefas correspondentes necessárias a sua solução; o segundo, a adoção de uma visão desafiadora dos modelos simplistas de análise das relações entre meio ambiente e a esfera econômica, inclusive considerando a contradição interna à proposta de adequação do ritmo do crescimento que o modelo capitalista-industrial implica ao ritmo do ecossistema; e o terceiro, a localização histórico-cultural do conceito de desenvolvimento, o que conduz ao reconhecimento do seu caráter ocidental e dos mecanismos de enriquecimento e de exclusão que o mesmo historicamente envolveu. Tendo falhado em considerar esses três pontos básicos, o Relatório Brundtland poderia somente registrar os desequilíbrios que ameaçam a sobrevivência humana, mas não contribuir para uma solução genuína.

A opção ecocêntrica do conceito e do modelo de Desenvolvimento Sustentável, em detrimento de uma visão mais sociológica da questão do desenvolvimento e da crise ecológica, revela uma prática social, embutida na formulação teórica, que tem como desdobramento a utilização de categorias analíticas que comprometem, inclusive a própria aplicabilidade das propostas de organização das novas estratégias de desenvolvimento. O caráter planetário da crise, o apelo ao nosso "futuro comum", todas essas metáforas de inclusão de todos na responsabilidade pela crise ambiental e na solução da mesma, se constroem de forma a diluir as diferenças entre nações, povos, classes e grupos étnicos, operando com uma idéia de totalidade onde não há lugar para uma reflexão a respeito das contradições e dos conflitos de interesses envolvidos. Como conseqüências básicas dessa orientação dos formuladores do conceito e dos modelos de Desenvolvimento Sustentável, podemos citar:

1. A legitimação da prática dos países hegemônicos no sentido de construir políticas ambientais referentes a espaços geográficos para além de suas fronteiras, já que os "interesses do planeta" dependem de uma ação em áreas escolhidas como alvos da intervenção internacional;

2. A definição de instituições supranacionais vinculadas aos países do capitalismo central como gerenciadoras da política ambiental global, tais como a ONU, o Grupo dos 7, o Banco Mundial e a NASA. Da ação conjunta dessas instituições emergiram os principais diagnósticos mundiais e os contornos da política ambiental para os países do Sul. A Conferência do Rio e a formulação da Agenda 21 Global são exemplos da sua potencialidade de mobilização internacional;

3. A execução de políticas interventivas, traduzidas em projetos realizados em pequenas comunidades, cuja formulação contempla, prioritariamente os interesses dos financiadores internacionais, de um corpo de especialistas locais e, como veremos a seguir, a garantia da manutenção dos ritmos de crescimento dos países desenvolvidos e dos privilégios de determinados grupos sociais das camadas abastadas da população.

Esses aspectos problemáticos do conceito de Desenvolvimento Sustentável acima apresentados justificam o questionamento a respeito do porquê de sua tão ampla aceitação, no Brasil e fora dele, demonstrada tanto em termos do volume de literatura que tem originado, quanto pelo número de grupos de estudos, inclusão em programas de pós-graduação como linha de pesquisa e, finalmente, pelo privilegia mento por parte dos financiadores, de projetos que o tenham como objeto. De acordo com Sachs (1992) e Rist(1997), é graças ao caráter ambíguo de sua formulação que o conceito de Desenvolvimento Sustentável tem conseguido mobilizar um público de tamanha envergadura.

Efeitos e interesses da ambigüidade do conceito de Desenvolvimento Sustentável

O conceito de Desenvolvimento Sustentável tem originado pelo menos dois conjuntos de interpretações principais, sendo essa sua abertura enquanto significante, além das condições sociais e políticas que atravessamos, um dos fatores mais responsáveis pelo seu sucesso. Os ecologistas o entendem como uma proposta de limitação do desenvolvimento ao ritmo que o ecossistema pode suportar, o que pode, por conseguinte, garantir sua manutenção a longo prazo. De acordo com essa compreensão, o modelo de Desenvolvimento Sustentável implica no reconhecimento de que a capacidade de reprodução dos recursos determina o volume da produção, e de que a "sustentabilidade" significa que o processo pode ser mantido unicamente sob certas condições dadas, tanto em referência aos padrões de produção e consumo das sociedades humanas, quanto no que diz respeito ao ritmo de reposição dos recursos naturais renováveis e do ritmo de exploração dos não-renováveis.

A outra interpretação que prevalece é a dos defensores do desenvolvimentismo, que entendem o Desenvolvimento Sustentável como uma estratégia para manter o "desenvolvimento", isto é, o ritmo do crescimento econômico. De acordo com essa visão, o "desenvolvimento" é universal e inexorável, devendo ser prolongado tanto quanto for possível. Em outras palavras, já que o "desenvolvimento" é visto como naturalmente positivo, deve-se evitar que ele seja asfixiado. O Desenvolvimento Sustentável, então, significa que o "desenvolvimento deve avançar num ritmo o mais "sustentável" possível até que ele se torne irreversível.

De acordo com os defensores do Desenvolvimento Sustentável como uma estratégia para garantir um alargamento da sobrevida do modelo de crescimento econômico iniciado com a Revolução Industrial, o problema com os países do sul é que eles estariam realizando um "desenvolvimento não-sustentável", marcado por avanços e recuos desenvolvimentistas, constantemente determinados ao sabor da implementação de políticas efêmeras de crescimento. Para os partidários dessa interpretação, então, a "sustentabilidade" é entendida no sentido trivial de "durabilidade': não é a sobrevivência do ecossistema que coloca os limites para o "desenvolvimento, mas o "desenvolvimento" que determina a sobrevivência das sociedades. Como o desenvolvimento é ao mesmo tempo uma necessidade e uma oportunidade, a conclusão é perfeitamente óbvia – que seja tão longo quanto possa durar!

Essas duas interpretações são tanto legítimas quanto contraditórias, já que os dois significados antinômicos correspondem ao mesmo significante. A interpretação dos ecologistas, aparentemente superior em termos de ética, já que defende o respeito à natureza, a preservação da "saúde do planeta", mascara, na verdade, uma posição tão conservadora quanto a dos capitalistas "sem coração", prontos a defender seus interesses imediatos contra qualquer coisa, já que sua abordagem freqüentemente opera com a secundarização das variáveis referentes às relações humanas, em seus efeitos sobre as formas de apropriação da natureza, preocupando-se em garantir o equilíbrio do ecossistema, em detrimento da consideração dos efeitos das ações interventivas com vistas à produção da sustentabilidade ecológica sobre a vida dos indivíduos envolvidos.

O conceito e os modelos de Desenvolvimento Sustentável implicam numa dupla ênfase que contém elementos contraditórios: por um lado seus defensores investem nos avisos a respeito dos limites do meio ambiente e acerca dos perigos de não respeitá-los, e, por outro, enfatizam as exortações ao avanço determinado em direção da "nova era de crescimento econômico". O Relatório Brundtland não opta por nenhuma dessas direções. Ele é um texto que pertence ao que alguns chamam de "diplomacia pela terminologia", na medida em que não significa colocar em cheque nem a posição dos ecologistas, nem a posição dos que defendem a inalterabilidade dos modelos de produção, de consumo e do ritmo de crescimento econômico. Esse seu caráter dúbio favorece sua utilização no sentido de encobrir práticas questionáveis, oferecendo, sob a aparência de uma política de preservação do meio ambiente, o álibi de que necessitam as operações interessadas de agentes econômicos, buscando sempre o controle de novas áreas e de novas oportunidades de negócios, além de proteger de qualquer possibilidade de alteração o modelo de produção e consumo dominante.

Neste texto temos o objetivo de sugerir pontos para uma análise sociológica da crise ecológica e de algumas das propostas para o seu equacionamento, mais especificamente, a do modelo de Desenvolvimento Sustentável. No caso deste, dois pontos nos despertam a curiosidade e a necessidade de problematização sociológica: o primeiro, a extremamente rápida aceitação e disseminação do conceito e das propostas de intervenções concretas na Amazônia brasileira e em outras áreas do país, delas resultantes, tanto por parte da tecnocracia governamental, quanto por parte dos intelectuais, ONGs e outras entidades da sociedade civil; o segundo, o fantasma da ineficácia que ronda os projetos que têm sido anunciados como destinados à construção do novo tipo de desenvolvimento proposto.

A sua capacidade de se estabelecer rapidamente enquanto um discurso consensual, quase único, nos estimula a concentrar esforços de reflexão de caráter sociológico a respeito dos aspectos ideológicos do discurso eco-ambientalista, e do modelo de Desenvolvimento Sustentável, ambos capazes de articular símbolos, significados e conceitos, de forma a favorecer interesses de algumas forças e de secundarizar os de outras. Para a construção de uma abordagem sociológica da temática e do modelo mencionados, partimos de um levantamento das condições históricas em que surge o discurso ecológico, constrói-se a plausibilidade da idéia de crise ecológica mundial e em que se dissemina a proposta de um Desenvolvimento Sustentável.

Esse inventário do contemporâneo, configura-se como uma tarefa de enorme amplitude. Nos deparamos com uma área de produção intelectual extremamente farta, em que novos trabalhos, tanto no que se refere aos livros, bem como aos artigos, relatórios e publicações especiais, aparecem em ritmo notavelmente veloz. Isto, aliado ao reconhecimento dos inúmeros fatores envolvidos, logo evidenciou que não seria possível dar conta de todas as variáveis e aspectos envolvidos na "invenção" da preocupação ecológica., sendo nosso propósito aqui levantar pontos significativos relativos aos contornos do debate da temática e do modelo citados.

O cenário em que emergem a crise ecológica global e o modelo do Desenvolvimento Sustentável

Um dos principais componentes desse cenário em que emerge o debate a respeito da crise ecológica, de suas conseqüências e da alternativa do modelo de Desenvolvimento Sustentável, é a derrota estrondosa de uma determinada ideologia, que competiu quase duzentos anos com o modo dominante de organizar as relações econômicas e sociais nas sociedades ocidentais. É na esteira do fim de experiências de socialismo real como os existentes tanto na antiga União Soviética, quanto na Alemanha Oriental, só para citar dois exemplos, que toma corpo a preocupação ecológica (cf. LATOUR, 1994).

O prevalecimento do capitalismo sobre a alternativa socialista evoluiu no sentido da constituição de uma rede econômica internacional, com o suporte tecnológico da revolução da informática, possibilitando um fluxo crescentemente veloz de informações, capaz de criar condições para que se executem operações financeiras à distância, configurando uma conjuntura de atividades econômicas gradualmente exercidas no campo da virtualidade. Devido ao consenso em torno do modo de produção dominante, e, ao menos aparentemente, triunfante, o tempo presente se caracteriza por um imaginário e espaço social concreto nos quais avançam os elementos e mecanismos da lógica do mercado.

Esse cenário, cujos contornos foram anunciados acima, é facilmente observado no mundo real, podendo ser, alternativamente, lido positivamente ou negativamente. Pode-se falar mesmo da constituição progressiva de um debate internacional referente a conceitos como globalização, economia virtual, neoliberalismo, todos esses termos ligados ao reconhecimento da falência do socialismo e da inexorabilidade do capitalismo.

É nesse contexto, caracterizado pela globalização da economia e pelo fim dos embates econômico-políticos do capitalismo com experiências significativas de socialismo, que a sociedade capitalista industrial tem condições de construir a problemática ecológica, à medida em que se livra da preocupação com um eventual enfrentamento com outro modelo econômico, e que se mundializa o escopo em que é considerado o campo de sua ação e de sua influência.

Dois desdobramentos desse cenário associam-se mais diretamente com a emergência da questão ecológica no cenário mundial: o primeiro, o fato de que o capitalismo triunfante não pode deixar de tomar medidas para que sejam mantidas e expandidas as taxas de lucro; o segundo, a expansão do campo em que as ações econômicas e políticas passam a ser pensadas e operacionalizadas.

Isso se relaciona com a emergência do ambientalismo e com a formulação e proposição do modelo de Desenvolvimento Sustentável pelo fato de que, se, no passado, a busca de taxas crescentes de lucro, traduzida na valorização das vantagens comparativas, guiou o movimento de capitais no sentido da periferia do modelo, atraído pelos benefícios advindos da maior proximidade da matéria prima e dos salários baixos regionais, uma das questões agora colocadas ao sistema dominante de apropriação e transformação da natureza, é, justamente, a garantia de uma acessibilidade máxima aos recursos naturais, renováveis e não renováveis. Se, antes, o âmbito em que competiam as forças econômicas pelo acesso e disponibilização desses recursos eram as fronteiras nacionais, a mundialização dos mercados coloca agora como novidade inescapável a ampliação do espaço no qual se enfrentam essas forças pelo controle do "capital natural", configurando-se um momento em que a idéia de crise ecológica planetária e a proposta do Desenvolvimento Sustentável, poderiam se transformar em estratégias funcionalizadas no sentido de criar condições para uma gestão internacionalizada dos recursos naturais, pensada de forma a favorecer os interesses das forças político-econômicas dominantes.

Com o objetivo de possibilitar a essas forças o acesso e a disponibilização imediata ou futura dos estoques de recursos naturais de áreas consideradas nichos ecológicos planetários, começou a emergir o debate sobre a crise ecológica mundial e um conjunto de políticas ambientais internacionalizadas, no âmbito das quais se destaca o modelo de Desenvolvimento Sustentável.

Para entender a plausibilização da discussão ecológica como um problema mundial, com seus tons ao mesmo tempo catastróficos e utópico-românticos, bem como das propostas para o seu enfrentamento, é preciso adicionar à descrição do cenário econômico e político alguns dados referentes à prática dos cientistas. Lyotard (1982) já menciona, em seu relatório sobre o estado do conhecimento científico no mundo, elaborado no final da década de 70 do século passado, o aprofundamento das relações entre a ciência e as demandas do mercado. É em referência a essa descrição que podemos entender como são mobilizados conceitos, teorias e discursos de intelectuais no sentido de dar suporte a uma preocupação coletiva a respeito do meio ambiente, bem como à disseminação, em termos de mídia de massa, mas também no nível acadêmico, da alternativa do Desenvolvimento Sustentável.

Em termos da contribuição da ciência para a emergência da questão ecológica, cabe ressaltar uma marca fundamental, a saber, o resgate, no nível teórico/metodológico, dos pressupostos do paradigma sistêmico. Estes compõem a matriz principal da formulação do debate sobre a crise ecológica, desdobrando-se na noção de interdisciplinaridade, servindo de fundamento para a mobilização de várias metáforas inclusivistas, utilizadas para a formulação de uma mística do planeta, descrito como, por exemplo, a "nave Terra". O sistemismo também fundamenta a "invenção" de uma responsabilidade "de todos" pelo enfrentamento dos problemas atuais do ecossistema planetário e dos previstos para um futuro próximo, se não forem tomadas as providências propostas e acordadas nos pactos ambientalistas internacionais.

Em termos de prática científica, particularmente no que se refere às ciências sociais, a intensificação das ligações entre produção intelectual e as demandas do mercado se reflete, basicamente, na redução progressiva do espaço da reflexão crítica, que dá lugar à hipertrofia das categorias "limpas"6 6 Conforme Fernandes (2001). , nas quais se apagam as variáveis ligadas à consideração dos aspectos da relações sociais tradicionalmente associados à atividade de análise da interação social humana7 7 Essa tendência é particularmente observada no que se refere à análise da maior parte da produção dos cientistas sociais a respeito da questão ecológica e do modelo de Desenvolvimento Sustentável. . Como dissemos, é como se a ascensão da importância de satisfazer as demandas do mercado em termos de produção intelectual produzisse o silêncio da teoria a respeito de uma realidade sócio-econômica que demanda, talvez mais urgentemente do que nunca, uma atividade capaz de desvendar os mecanismos de funcionamento e de estruturação dos arranjos sociais nos quais se inscrevem as relações sociais.

Num momento histórico como esse, em que as sociedades são marcadas pela reflexividade8 8 De acordo com Giddens (1991), a reflexividade como mecanismo estruturante da sociedade determinaria que a mesma seria crescentemente moldada pela possibilidade de circulação de informações através da totalidade do tecido social. , a construção da idéia de uma situação limite do ecossistema mundial somente tem sido possível graças ao fornecimento de uma base de caráter científico. A plausibilização da catástrofe ecológica iminente, mediatizada pelo aporte dos relatórios "científicos", portanto, dá suporte à formulação de duas estratégias, diferentes, mas interrelacionadas, no sentido do enfrentamento da crise ambiental planetária: uma, a Divisão Ecológica Internacional9 9 Conceito desenvolvido por Fernandes (2000). , que prevê, inclusive, um mapeamento mundial, em termos de recursos naturais, e uma conseqüente atribuição de responsabilidades, no que se refere a uma divisão do "trabalho ecológico" necessário ao equilíbrio do ecossistema da Terra entre as diversas áreas geo-políticas do planeta; a outra, o modelo de Desenvolvimento Sustentável, que traz, como principal trunfo teórico, a proposta de que crescimento econômico e a preservação dos ecossistemas podem existir simultaneamente.

A Divisão Ecológica Internacional apresenta uma série de contradições, e interesses não confessados, que uma análise sociológica conseqüente pode facilmente detectar. Essa proposta de divisão internacional do "trabalho ecológico", associa uma maior responsabilidade, na atuação no sentido da resolução da crise ambiental global, às áreas e países que consomem volumes menores e também poluem menos do que aqueles que são os maiores consumidores de capital natural e mais poluentes10 10 Essa DEI é um exemplo de como embora os problemas ambientais, tais como o da poluição, não respeitem fronteiras nacionais ou regionais, as soluções "globais", defendidas pelos países desenvolvidos, perpetuam as relações colonialistas de dependência. As imagens das cidades poluídas do Terceiro Mundo – se raciocinarmos em termos de países –, abundam na mídia, sem que se propague e reconheça a responsabilidade dos países do Primeiro Mundo, que consomem 80% do alumínio, do papel do ferro e do aço do mundo; 75% da energia mundial; 75% dos peixes; 61% da carne mundialmente produzida, além de serem responsáveis por 70% da destruição da camada de ozônio através de CFCs (cf. RENNER, 1997). Embora estejamos analisando o nível de comparação entre países, o raciocínio é o mesmo, quando são propagadas imagens da periferia das cidades em termos de populações distribuídas espacialmente em termos de poder aquisitivo, nas campanhas de "educação ambiental", em argumentações a respeito da relação entre a degradação ambiental e a pobreza, e nos discursos ideológicos destinados a produzir a adesão dos indivíduos a campanhas de racionamento do uso de recursos naturais, a exemplo da água, por exemplo, onde os sacrifícios são apresentados como sendo semelhantes para todos. . O que observamos é que essa Divisão Ecológica Internacional (DEI) prevê, na prática, a manutenção dos padrões de produção e de consumo exercidos nos países capitalistas desenvolvidos, enquanto propõe, aos países pobres e em Desenvolvimento, o modelo de Desenvolvimento Sustentável, que implica, em grande medida, na revisão dos modelos de produção e de consumo de recursos naturais nas áreas definidas como nichos ecológicos mundiais11 11 Chega a ser irônica a proposição de que os países pobres (ou os indivíduos pobres) do mundo precisem ser "austeros" em seu uso dos recursos naturais, enquanto as nações ricas (e os indivíduos ricos) continuem a desfrutar de altos padrões de vida, inclusive somente possibilitados pelas austeridade das nações pobres (ou dos indivíduos pobres). .

Sendo a proposta da Divisão Ecológica Internacional uma formulação originada nos países do Norte, e estando o modelo de Desenvolvimento Sustentável a ela associado, não admira que seja construído no sentido de garantir o privilegiamento dos interesses desses países, em detrimento dos daqueles incluídos nas áreas das quais se exigem modificações mais significativas, no que se refere às estratégias e ritmos de apropriação dos recursos naturais, necessários à manutenção dos padrões de produção e consumo neles existentes.

Essa proposta de Divisão Ecológica Internacional articula-se com o modelo de Desenvolvimento Sustentável, na medida em que este tem destinatários específicos, a saber as áreas geográficas consideradas como reservatórios de biodiversidade e de recursos naturais não-renováveis, localizáveis a partir da nova cartografia mundial, formulada através dos critérios da distribuição dos "trabalhos ecológicos" a serem desempenhados no sentido de evitar – de acordo com os formuladores das políticas ambientais internacionais – a exaustão iminente do ecossistema do planeta.

Nossa análise da Divisão Ecológica Internacional, bem como de muitas das experiências anunciadas como de construção do Desenvolvimento Sustentável, apresentadas, inclusive como exemplos para replicação, indicou algumas pontos principais para eventuais questionamentos, que podem ser, sinteticamente, assim apresentados:

  • Os eixos nos quais se baseia o conceito de Desenvolvimento Sustentável não são igualmente enfatizados nas experiências de implementação do modelo em várias áreas do Brasil e especificamente na Amazônia brasileira. O que observamos na análise de várias propostas atuais de políticas ambientalistas, é a hipertrofia dos aspectos ligados à preservação ambiental e a secundarização daqueles ligados à produção da eqüidade social e da eficiência econômica, não sendo as mesmas avaliadas em termos das conseqüências que têm sobre a vida de milhões de pessoas para as quais o meio ambiente é menos uma questão de qualidade de vida, do que de sobrevivência. Para as populações pobres, as noções de conservação e proteção ambiental, completamente aceitáveis em países desenvolvidos, são altamente contestáveis. Nossa análise da literatura sobre sustentabilidade e crise ecológica, mesmo a produzida pelos cientistas sociais, tem revelado que enquanto a pobreza e a degradação ambiental são amplamente relacionadas, o papel das políticas ambientalistas para a construção do Desenvolvimento Sustentável na diminuição do acesso das populações pobres aos recursos naturais é muito raramente discutido.;

  • O privilegiamento dos aspectos ligados ao ecossistema, corresponde a dois elementos presentes na formulação original do modelo e também recorrentes em grande parte da produção a respeito da crise ecológica mundial, a saber: o primeiro deles, o biocentrismo, que produz o apagamento das relações sociais e das preocupações a elas referentes; o segundo, a intenção de formular, na verdade, uma política racional de gestão de recursos naturais em áreas consideradas ecologicamente privilegiadas, visando, inclusive sua disponibilização para uso internacional, possibilitado, por sua vez, pela disponibilização de estoques biogenéticos e de recursos não-renováveis para a compra e venda no mercado de capitais naturais.

Argumentamos, com Banerjee (2001), que, a despeito de ser anunciado como uma mudança de paradigma, o modelo do Desenvolvimento Sustentável baseia-se efetivamente numa racionalidade econômica e não ecológica. O discurso do Desenvolvimento Sustentável reforça uma visão da natureza como apresentada pelo pensamento econômico moderno, sendo uma das suas conseqüências a transformação da "natureza" em "meio ambiente", o que tem importantes implicações sobre as noções de como o desenvolvimento deve ser promovido e realizado.

A gestão "racional" dos recursos, embutida nos documentos em que o discurso sobre a sustentabilidade é construído, é fundamental para a economia ocidental e sua imposição para países "em desenvolvimento" é problemática, sendo necessário discutir as implicações desse "regime de verdade" aos países do III Mundo, em referência, particularmente à biotecnologia, à biodiversidade e aos direitos de propriedade intelectual12 12 Embora não possamos discutir neste trabalho esses três elementos e sua relação com as tendências neocolonizadoras presentes em muito das políticas ambientais mundiais atualmente em processo de implementação, recomendamos o excelente artigo de Banerjee (2001), intitulado Who Sustains Whose Development? Sustainable Development and the Reivention of Nature, sobre o tema. . Todos esses aspectos envolvidos na disseminação impositiva do modelo de Desenvolvimento Sustentável precisam ser vistos como ameaças de neocolonização de espaços ecologicamente privilegiados, localizados no Sul, que devem ser agora tornados "eficientes", graças à capitalização da natureza13 13 Nesse sentido, Mies & Shiva (1993) comentam os riscos de que o ambientalismo tenha efeitos similares aos do "desenvolvimentismo": ao invés de fortalecer as populações camponesas, indígenas, geralmente parcelas pobres da população em todo o mundo, as políticas ambientais conservacionistas transferem o controle dos direitos e dos recursos para instituições nacionais e internacionais de financiamento. .

Embora nas várias definições de Desenvolvimento Sustentável seja possível identificar muitos temas tais como os referentes: (1) ao desenvolvimento humano; (2) à integração ecológica, econômica, política, tecnológica e de sistemas sociais; (3) à conexão entre objetivos sócio-políticos, econômicos e ambientais; (4) à eqüidade, como uma distribuição justa de recursos e da propriedade dos direitos sobre os recursos naturais; (5)à prudência ecológica; e (6) à segurança, traduzida em níveis seguros de saúde e de qualidade de vida14 14 Conforme Gladwin et al. (1995), apud Banerjee (2001, p.7) , a linguagem do capital é que prevalece na fundamentação das estratégias de produção e efetivação de políticas ambientais para o atingimento do Desenvolvimento Sustentável.

A ênfase na "constância do estoque de capital natural" como condição necessária à sustentabilidade, defendida por Pearce et al. (1989), é um exemplo disso. De acordo com esse autor, as mudanças no estoque mencionado deveriam ser "não-negativas", e o capital criado pelo homem (produtos e serviços, como definidos pela economia e contabilidade tradicionais), não deveria se expandir às expensas do capital natural. Assim, termos como "custos sustentáveis", "capital natural", "capital sustentável", "produção sustentável", indicam que o tradicional léxico do capital, da renda e do crescimento continuam a informar esse "novo" paradigma do Desenvolvimento Sustentável.

A relação da proposição do modelo de Desenvolvimento Sustentável com a lógica de expansão do capital é também mostrada por Hart (1997, p.67), para quem o desafio implícito daquele é "desenvolver uma economia global sustentável: uma economia que o planeta possa suportar indefinidamente". Também nessa direção, para Beder (1994), os objetivos não anunciados do Desenvolvimento Sustentável seriam os de encontrar novas tecnologias e expandir o papel do mercado na alocação de recursos naturais, escudados no pressuposto de que a única maneira de proteger o meio ambiente natural seria colocar preço nele, tornando sua degradação menos rentável.

Assim, ao invés de transformar o mercado e os processos de produção, com o objetivo de torná-los adequados à lógica do ecossistema, o modelo do Desenvolvimento Sustentável usa a lógica do capital e da acumulação capitalista para determinar o futuro da natureza e, por conseguinte, das possibilidades de acesso e uso dos recursos naturais das várias populações ao redor do mundo (cf. SHIVA, 1991).

Sobre esse aspecto pouco crítico do modelo de Desenvolvimento Sustentável, em relação ao tipo de apropriação da natureza praticado há mais ou menos dois séculos pelas sociedade ocidentais, Banerjee (1998) e Visvanathan (1991), afirmam que não é possível encontrar naquele um desafio conseqüente à noção moderno-industrial de progresso, observando-se que a racionalidade econômica implícita no modelo mencionado continua a privilegiar o consumismo, reafirmando-se a necessidade de crescimento econômico, à qual apenas se adicionam termos tais como "prevenção da poluição", "reciclagem", gestão ambiental, dentre outros.

A análise de várias das experiências apresentadas como sendo capazes de produzir o Desenvolvimento Sustentável, pela possibilidade de harmonização do crescimento econômico com as medidas na direção da melhoria da qualidade de vida para as comunidades envolvidas e a preservação ambiental, demonstra uma realidade onde é possível observar um distanciamento significativo do que é oficialmente enunciado. Essas experiências são realmente eficazes é na adoção de restrições ao uso dos recursos naturais pelas populações locais e na sua funcionalização enquanto mobilizadoras de uma fala única, livre de resistências e questionamento, a respeito da gestão do capital natural das diversas regiões15 15 É possível encontrar projetos dos mais variados tipos, anunciados como sendo "de Desenvolvimento Sustentável". Desde um Projeto de Beneficiamento de Babaçu – atingindo 14 famílias, num total de 300 residentes na comunidade atingida –, passando por outro de Alfabetização de Adultos, bem como um de construção de 1 milhão de cisternas em estados do Nordeste do Brasil. Para uma análise perspicaz de como quase tudo pode ser incluído como projeto de Desenvolvimento Sustentável, sem que se observe efetivamente os sinais do que é definido como desenvolvimento no âmbito desse conceito, ver a tese de Fernandes (2001), que teve como corpus de estudo empírico uma significativa área da Amazônia Brasileira. .

Essa eficácia é demonstrada pela abrangência das estruturas governamentais geradas pela ingerência do capital externo nas regiões definidas como nichos ecológicos, materializada pelo estilo de financiamento internacional de projetos, que tem exigido, como contrapartida estatal, a montagem de instituições para gerir a política ambiental destinadas a instalar os mecanismos de gestão racional dos recursos naturais nas áreas-alvos. Outro indicativo do sucesso dessas experiências como catalisadoras de uma mentalidade e discursos unificados em defesa da natureza16 16 Como se a realidade nessa área não fosse também determinada pelos fatores econômicos, políticos e sociais, que mereceriam atenção, pelo menos, equivalente, e eram objeto de mobilização popular nos períodos anteriores à emergência avassaladora da preocupação ambiental na região. é a montagem de redes de projetos em regiões ricas em biodiversidade e recursos naturais, como a Amazônia, e em outras áreas-alvos, definidas como nichos ecológicos mundiais, capazes de, através da articulação de ONGs, Sindicatos Rurais, Cooperativas e outros tipos de entidades, minar, nestas, a antiga tarefa de funcionar como mediadores da interlocução com o Estado, no que se refere à reivindicação de políticas públicas capazes de solucionar os problemas sociais e, por conseguinte, influenciar os níveis de degradação ambiental associados às populações pobres da região.

O discurso ecológico, e sua operacionalização em termos da formulação implícita de uma Política Racional de Gestão dos Recursos Naturais Internacionalizada, apresentada como uma proposta de Desenvolvimento Sustentável e disseminada graças ao oferecimento da "ajuda" internacional em temos de financiamento das ações localizadas, têm transformado as pautas dos movimentos sociais, das instituições públicas de pesquisa, de maneira a produzir o apagamento dos conteúdos ligados ao questionamento do Estado e de suas políticas sociais.

Assim, gradualmente as entidades da sociedade civil se direcionam à reflexão e conscientização a respeito da necessidade de preservar o meio ambiente, definido da maneira mais prejudicial possível à luta pela melhoria de condições de vida das camadas pobres da população urbana e rural das regiões eleitas como alvos da intervenção em busca da "sustentabilidade": como se estivesse desligado do arranjo das relações sociais sob o qual se definem, inclusive, o estilo e o ritmo de apropriação da natureza, bem como as estratégias mais gerais de organização da produção econômica, objetivando o crescimento econômico efetivo.

A vantagem de reconhecer no modelo de Desenvolvimento Sustentável não um efetivo novo estilo de desenvolvimento, mas uma articulação teórico e prática no sentido de, inclusive, abrir as fronteiras das regiões classificadas como nichos ecológicos mundiais – como por exemplo, a Amazônia –, à ingerência internacional, através da capacidade de impulsionar uma política de gestão dos recursos naturais para as mesmas, é a possibilidade que isso abre no sentido da análise de como são beneficiadas as forças envolvidas.

A partir do dado de que o financiamento externo das experiência anunciadas como produtoras de Desenvolvimento Sustentável não tem, efetivamente, a intenção de promover o desenvolvimento sócio-econômico da região, mas o de fornecer protocolos oficiais de acesso a uma região definida como possuidora de estoques de capital natural incomensuráveis, é possível suspeitar dos interesses dos "doadores" envolvidos. Instala-se, assim, uma outra lógica de análise, impossível de ser adotada se o pressuposto de que as ações interventivas realizadas na área produziriam um desenvolvimento capaz de harmonizar a eficiência econômica, a preservação ecológica e a eqüidade social, sendo respeitados os interesses das comunidades locais e alcançadas as metas do desenvolvimento regional.

O desvendamento do funcionamento ideológico do discurso ecológico, bem como dos interesses efetivos implícitos na proposta de Desenvolvimento Sustentável abre as portas para uma análise sociológica que considere, diferentemente do que vem sendo realizado tendencialmente na atualidade, as questões ligadas às formas pelas quais se darão o acesso e a disponibilização do capital natural da região, o que envolve uma postura crítica de propostas em discussão tais como, por exemplo, as referentes aos tratados de biodiversidade e a da internacionalização da região amazônica. Isso poderá trazer de volta ao debate as categorias sociológicas tradicionais ligadas à discussão das relações de forças, dos conflitos de interesses e a abordagem que coloca sob questão os arranjos sociais sob os quais vivem os homens, tanto os do Norte, quanto os Sul, chamados tantas vezes de "povos sem história", sem que esbocemos, enquanto cientistas sociais, ações capazes de transformar essa classificação apenas numa versão equivocada, etnocêntrica da nossa realidade. Na próxima seção apresentamos algumas reflexões a respeito das tendências principais da abordagem da questão ecológica feita por cientistas sociais no Brasil, propondo finalmente alguns eixos de uma proposta de reformulação sociologizadora do debate.

O papel dos cientistas sociais na discussão sobre a crise ambiental global e sobre o modelo do Desenvolvimento Sustentável

Com o objetivo de levantar alguns aspectos da contribuição dos cientistas sociais para o estabelecimento dos contornos do debate a respeito da questão ambiental contemporânea, especialmente em seu aspecto de globalismo ecológico, para finalmente apresentar uma proposta de questões a enfrentar para uma abordagem mais estritamente "sociológica", apresentamos, inicialmente, uma breve caracterização dos eixos temáticos principais adotados, que têm sido marcados pelo prevalecimento de uma orientação para a "despolitização" da discussão, o que pode contribuir para o agravamento das situações de pobreza, de dependência e exploração às quais amplos setores da população nacional estão submetidos já há tão grande período de tempo.

A tendência hegemônica, em termos da maneira pela qual a maioria dos trabalhos na área das ciências sociais tem focalizado o debate sobre a crise ecológica mundial, tem sido a adoção de estratégias de abordagens que dificultam a construção de uma visão propriamente sociológica da questão. Freqüentemente a atuação dos profissionais das ciências sociais tem se reduzido ao papel de meros classificadores de áreas e de mapeadores de identidades culturais em processos avaliativos dos impactos ambientais de projetos de intervenção localizada17 17 Redclift (1995) já menciona uma certa forma de integração dos cientistas sociais nos projetos de avaliação e gestão ambiental muito próxima da atividade dos assistentes sociais, que, embora não deva ser desvalorizada, significa uma redução da abrangência do papel a ser desempenhado pelos cientistas sociais no enfrentamento das questões envolvidas na relação entre sociedade e meio ambiente. .

Na maioria dos casos, os sociólogos e antropólogos têm sido convidados a prestar serviços na área de classificação de terras, no levantamento de impactos sociais de implantação de novas tecnologias em áreas subdesenvolvidas, no levantamento de dados e organização de informações em cadastros de comunidades, atividades que envolvem uma ação mais técnica, tanto em termos de trabalho científico de equacionamento de problemas e de formulação de questões, quanto em referência à elaboração de propostas de intervenções e na efetivação das mesmas.

Enquanto como protagonistas das ações interventivas, os cientistas da área das chamadas 'ciências exatas', capazes de medir as condições biofísicas das áreas escolhidas como objeto de intervenção, atuam elaborando modelos matemáticos com o objetivo de "prever para prevenir", os cientistas da cultura terminam por executar apenas o trabalho de mobilizar as populações para a "participação" nos processos de implantação das transformações na direção da construção da "sustentabilidade", na maioria das vezes fornecendo um discurso legitimador da ênfase na lógica preservacionista – freqüentemente privilegiada, em detrimento das preocupações com a construção da eqüidade social e do desenvolvimento econômico –, que subjaz aos projetos de "desenvolvimento sustentável" financiados pelo capital internacional.

Esse papel que tem cabido aos cientistas sociais é fruto da maneira pela qual o próprio debate a respeito da crise ambiental se constitui, tendo como pressuposto explícito a necessidade de uma abordagem sistêmica. Essa abordagem, por sua vez, implicaria na imposição da interdisciplinaridade como maneira privilegiada de produzir conhecimento e orientar processos interventivos na direção do enfrentamento da crise ambiental planetária.

No caso específico do objeto da crise ambiental, os cientistas sociais que têm sido seduzidos pelas propostas de estratégias de cooperação interdisciplinar não têm conseguido evitar a hegemonização das ciências bio-físico-químicas nas experiências realizadas, tanto na formulação de projetos, quanto nas experiências de sua implementação, que se desdobra no apagamento da contribuição das ciências sociais em geral, e, especificamente, da sociologia, que vai, então, assumindo um papel periférico nos processos.

O privilegiamento das variáveis ligadas ao mundo bio-químico-físico é, ele mesmo, um resultado da maneira pela qual o debate sobre a crise ambiental emerge historicamente. Como veremos posteriormente, as linhas gerais da discussão a respeito da problemática ambiental são marcadas pela luta de interesses e pela intenção de proteger privilégios e determinadas maneiras de estruturação das relações de poder ao nível internacional, o que, ao nível da teoria, tem se traduzido na secundarização da reflexão a respeito das relações sociais e dos modelos de sociedade nas quais as mesmas se estabelecem. É significativo o abandono de categorias sociológicas clássicas usadas pelo menos até o fim do terceiro quartel do século XX.

O problema aqui é justamente o assentimento de antropólogos e sociólogos em participar desses processos dessa maneira, aceitando o papel de figuração no cenário da discussão teórica e da implementação de propostas visando ao equacionamento do que se tem definido como o problema da exaustão dos recursos naturais no planeta, o que tem significado a perda do status das ciências sociais enquanto aquela que dá sentido à história, a partir de uma prática caracterizada pelo seu caráter crítico. O que podemos encontrar como tendência da produção dos cientistas sociais a respeito da crise ambiental em geral e do Desenvolvimento Sustentável é a aceitação acrítica do conceito – que tem, inclusive, criado as condições para seu estabelecimento como um discurso único –, corroborada por toda uma política de financiamentos executada pelos organismos internacionais e ratificada na proliferação reflexiva de institutos, grupos de pesquisa, cursos de pós-graduação e de órgãos governamentais dedicados ao estudo dessa temática.

Isso aponta para o surgimento e estabelecimento de um conjunto de especialistas no assunto, que vão, gradualmente, abandonando as questões ligadas aos conflitos de terra, à análise dos problemas causados pela estrutura agrária nacional, marcada pelas distorções da preponderância de minifúndios e latifúndios, dentre outros temas tradicionais em termos de sociologia rural, promovendo e disseminando o(s) modelo(s) de Desenvolvimento Sustentável, que passa a ser tanto hiper-citado quanto transformado numa linha de pesquisa "quente", principalmente em termos de capacidade de captação de recursos financeiros.

Uma outra tendência observada na produção dos cientistas sociais sobre a questão ambiental e especificamente sobre o Desenvolvimento Sustentável é o enfoque micro-localizado. Muitas coletâneas lançadas no Brasil, referentes ao estudo do modelo de desenvolvimento acima citado e das alternativas de enfrentamento da crise ambiental, dedicam-se à apresentação de resultados de ações interventivas implementadas em pequenas comunidades rurais, secundarizando a perspectiva macrossocial – o que resulta na desatenção dada a problemas que somente um visão mais totalizadora permite–, em favor da demonstração dos resultados dos projetos locais específicos, em tentativas desesperadas de provar a efetividade da proposta, em termos da produção dos três eixos do conceito, quais sejam: o da eqüidade social; o do preservacionismo e o da eficiência econômica.

Vistas essas tendências do debate a respeito do Meio Ambiente em geral, e da sustentabilidade especificamente, realizado no âmbito das ciências sociais no Brasil, propomos na próxima seção um conjunto de pontos a serem considerados num projeto de construção de uma abordagem mais adequada às ciências da sociedade a respeito da temática da Crise Ecológica em suas relações com a questão do desenvolvimento.

Pontos sugeridos para uma agenda de pesquisa da sociologia e da ecologia política de questões ambientais

No sentido da construção de uma abordagem mais genuinamente sociológica da crise ambiental e do Desenvolvimento Sustentável, sugerimos algumas estratégias fundamentais que precisam ser adotadas na análise das temáticas mencionadas, e cujo negligenciamento tem determinado, inclusive, uma contribuição tímida e pouco preocupada com os aspectos estritamente sociológicos, a saber:

(1) Encarar o modelo do Desenvolvimento como um discurso com funções ideológicas, capaz de articular conceitos e símbolos com o objetivo de mascarar o privilegiamento de interesses particulares a partir de uma retórica marcada pelas metáforas da inclusão de todos;

(2) Analisar o modelo de Desenvolvimento Sustentável como uma proposta de gestão racional dos recursos hídricos, que implica numa abordagem que permita a visualização clara dos grupos em favor dos quais um determinado modelo de acessibilidade e de uso dos mesmos recursos funciona;

(3) Focalizar as contradições dos modelos de "participação" propostos nos projetos de intervenção localizada com o objetivo da produção da sustentabilidade;

(4) Estudar a articulação entre os interesses locais e os dos países e grupos financiadores dos projetos, que inclui, inclusive a necessidade de analisar a constituição de uma rede de projetos e de ações que desmobilizam uma fala da comunidade local – inclusive através de ONGs aparentemente "populares" –, dificultando a articulação e a interlocução da sociedade civil com o Estado, dificultando o levantamento da discussão dos problemas sociais e a adoção de estratégias políticas de defesa dos interesses das populações locais;

(5) Abordar os eventuais efeitos do discurso que defende o globalismo ecológico, ou da constituição da crise ambiental enquanto um fenômeno planetário, em termos da construção da licença política para a intervenção de países capitalistas desenvolvidos em áreas internas de países subdesenvolvidos e "em desenvolvimento", desde que classificadas como patrimônio mundial, devido à atribuição que lhes é feita de uma papel significativo na "salvação do planeta";

(6) Focalizar a questão dos interesses relacionados com a biodiversidade de áreas como a da Amazônia, que envolve a avaliação dos interesses econômicos internacionais embutidos no discurso da "ecologização" da região;

(7) Trabalhar para tornar explícita a incoerência de uma Divisão Ecológica Internacional18 18 Conforme FERNANDES (2001). que, embora aparente mente respaldada num discurso científico de avaliação da iminente exaustão dos recursos naturais e dos níveis de poluição produzidos pelos modelos de produção e de consumo praticados mais intensamente por países desenvolvidos capitalistas, estabelece uma relação inversa entre a responsabilização pela produção da crise e a responsabilidade de pagar por ela, contribuindo para sua solução;

(8) Discutir a intocabilidade dos modelos de produção e de consumo praticados nos países do Norte, aliada à proposta de intervenção e de conservadorismo, feita às regiões eleitas como significativas para a preservação do planeta.

Especificamente em relação à ecologia política dos Recursos Hídricos

A reflexão inspirada nas contribuições teóricas da análise sociológica e da Ecologia Política sobre as questões ambientais referidas especificamente ao campo dos recursos hídricos precisa focalizar o que chamarei aqui do irresistível encanto das micro-ações e da participação popular. Assim como em outros setores, os discursos de sustentabilidade ambiental hídrica mobilizam símbolos e imaginários referidos ao micro-espaço, sendo de fundamental importância pesquisar as transformações no cenários, nos atores, nas ações relativas ao enfrentamento de problemas relativos ao acesso e uso de água nas sociedades contemporâneas.

Questões importantes a serem enfrentadas podem ser, dentre outras, as que apontamos a seguir:

  • Como é possível a atual configuração das políticas para o enfrentamento de questões ligadas ao abastecimento de água?

  • Quais os significados ideológicos da Proposta de Gestão Racional de Recursos Hídricos, atualmente em discussão em muitos países?

  • Como se dá a evolução das políticas públicas, da ação coletiva e dos atores envolvidos nas ações de enfrentamento das questões relativas à escassez de água?

  • De que maneira elementos relacionados à construção histórica das políticas públicas e da ação coletiva relacionadas com o enfrentamento da escassez de água tais Interações como o clientelismo, a utilização política, o privilegiamento de elites – se transformam com a passagem do paradigma do Estado Forte para o Estado Neoliberal?

  • Em que medida e como as mudanças do paradigma da Modernidade para o Paradigma da Sustentabilidade se refletem sobre a evolução das políticas públicas e da ação coletiva relacionadas ao enfrentamento dos problemas de abastecimento de água nas sociedades contemporâneas?

  • Quais as implicações da crescente mercadorização da água, em termos de disponibilização e acesso ao recurso por parte dos diversos estratos sociais?

  • Que conflitos emergem nos processos de participação popular previstos nos Comitês de Bacias?

  • Como se dão as lutas de interesses entre corporações, governos e grupos populacionais pelo controle das águas em nível mundial?

Conclusão

Não pretendemos fechar posição em torno de uma crítica inteiramente negativa do conceito e do(s) modelo(s) de Desenvolvimento Sustentável e das propostas dele resultantes em várias áreas que emergem como objetos da preocupação ambientalista. Nosso objetivo é o de contribuir para provocar um debate a respeito das abordagens que as ciências sociais têm construído a respeito da crise ambiental e das propostas elaboradas para o seu enfrentamento. Nossa perspectiva representa a constituição de uma possibilidade de quebra do consenso que circunda os discursos construídos em torno da questão ambiental e das estratégias de enfrentamento dos problemas ecológicos detectados, que representa, na maioria dos casos, o distanciamento da construção de uma reflexão científica mais produtiva, capaz de fornecer à sociedade como um todo, e não apenas aos grupos dominantes, respostas às questões cruciais tais como a da pobreza em que vivem amplos setores da população mundial, a do subdesenvolvimento, a do acesso a níveis dignos de qualidade de vida, todas referidas à coletividade do planeta, mas incapazes de mobilizar os esforços coletivos para seu enfrentamento.

No caso, trata-se de examinar um novo modelo de desenvolvimento, e algumas propostas de construção da sustentabilidade ecológica em várias áreas, originadas a partir de lugares específicos de poder e de privilégios, com conseqüências de amplo alcance social. Da nossa capacidade de desvendar os interesses implícitos nesse processo e de produzir dele um entendimento o mais claro possível, depende a construção da nossa própria significância enquanto cientistas da sociedade. Nesse sentido, chamamos a atenção dos estudiosos da questão ambiental para as condições sócio-históricas em que emerge esse debate sobre o Desenvolvimento Sustentável e sobre as condições necessárias a sua consolidação enquanto perspectiva orientadora das políticas para o meio ambiente.

Vale a pena relembrar o significado legitimador atribuído ao modelo de desenvolvimento aqui focalizado por centros, institutos, grupos e programas de pesquisa das universidades brasileiras sobre a temática, bem como pela constituição de um corpo de especialistas no tema, absorvendo-o e o reafirmando como um novo projeto social, geralmente de maneira acrítica, curiosamente eliminando das análises produzidas justamente o que é inaceitável eliminar: as questões relativas aos jogos de poder e de interesses, que determinam significativamente as práticas efetivas no mundo real.

Enquanto se alega que a teoria e o modelo de Desenvolvimento Sustentável, bem como as alternativas de enfrentamento das questões ambientais deles decorrentes estão em construção19 19 Isso sempre que é objeto de quaisquer críticas. , as estratégias e políticas apresentadas como desdobramentos da reflexão que eles provocam vêm manifestando um alto poder de concretização sobre realidades sociais, sem que se alcancem modificações efetivas nos níveis de desenvolvimento econômico, social ou humano. O argumento da provisoriedade e da inconclusão teórico-conceitual do paradigma da sustentabilidade oculta tanto a fragilidade teórica e conceptual dessa noção quanto suas fortes implicações políticas. Com essa observação, afirma-se sua ênfase normativa e intervencionista e sua capacidade de alavancar processos, o que coloca mais um ponto a ser analisado por aqueles cientistas sociais interessados em desvendar os meandros do debate acima mencionado, a saber, o âmbito das autoridades responsáveis pelas decisões supra-nacionais, nacionais, subnacionais e globais e sua força de atuação sobre pessoas, grupos e instituições, sobre os quais tomam decisões, canalizando e interiorizando o modelo e estratégias formuladas sob o rótulo do Desenvolvimento Sustentável20 20 Dois exemplos disso seriam, em primeiro lugar, a transferência do Tratado de Cooperação Amazônica, de Manaus para Brasília, dentro da proposta de fortalecimento institucional do PPG7; em segundo, o reconhecimento do fato de que agências supra-nacionais operam e formulam programas de cooperação e de formação, sob o rótulo do Desenvolvimento Sustentável, utilizando como critério de aprovação dos projetos o compromisso e a relação discursiva com este modelo. .

Notas

Recebido em 28/7/2006; revisado e aprovado em 31/10/2006; aceito em 26/1/2007.

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  • 1
    Por exemplo: "está nas mãos da humanidade fazer com que o desenvolvimento seja sustentável" (
    Nuestro Futuro Común, 1987, p.29, tradução nossa).
  • 2
    A própria idéia de "necessidades presentes" é difícil de precisar, já que estas variam de acordo com a região, com a classe social, só para mencionar algumas das possíveis variáveis influenciadoras neste ponto.
  • 3
    Conforme Rist (1997): "As sugestões são limitadas a uma série de esperanças (por exemplo, de uma maior assistência internacional para projetos de preservação do Meio Ambiente, ou mais recursos para organizações que tratam com problemas ecológicos), ou a apelos solenes por um gerenciamento mais eficiente dos recursos disponíveis. A despeito de suas afirmações de que os problemas precisam ser atacados em sua raiz, a Comissão faz pouco mais do que distribuir recomendações para todos: agências internacionais, governos, ONGs e indivíduos. Todos seus membros estão indubitavelmente preocupados com os problemas, e eles repetem que algo precisa ser feito, mas o que eles sugerem são medidas mais paliativas (reciclagem e racionalização) do que mudanças radicais".
  • 4
    Nas sociedades cuja base econômica é industrial, o desenvolvimento torna possível aumentar a produção pelo uso das reservas num ritmo que não depende do tempo necessário para sua reposição, mas do estado de desenvolvimento tecnológico. Naquelas onde a economia é baseada, principalmente, nas florestas, nas plantas e nos animais, as coisas são completamente diferentes. Para estas, a produção somente é incrementada se for respeitado o ritmo de sua recuperação, havendo pouca ou nenhuma possibilidade de armazenamento.
  • 5
    Como bem colocou Rist (1997): "A principal contradição do Relatório de Brundtland, portanto, é que a política de crescimento proposta como uma forma de reduzir a pobreza e estabilizar o ecossistema dificilmente difere da política que historicamente abriu o hiato entre ricos e pobres e que colocou o meio ambiente em perigo (por causa dos diferentes ritmos de crescimento que podem ser atingidos, dependendo do uso de recursos renováveis ou não renováveis)".
  • 6
    Conforme Fernandes (2001).
  • 7
    Essa tendência é particularmente observada no que se refere à análise da maior parte da produção dos cientistas sociais a respeito da questão ecológica e do modelo de Desenvolvimento Sustentável.
  • 8
    De acordo com Giddens (1991), a reflexividade como mecanismo estruturante da sociedade determinaria que a mesma seria crescentemente moldada pela possibilidade de circulação de informações através da totalidade do tecido social.
  • 9
    Conceito desenvolvido por Fernandes (2000).
  • 10
    Essa DEI é um exemplo de como embora os problemas ambientais, tais como o da poluição, não respeitem fronteiras nacionais ou regionais, as soluções "globais", defendidas pelos países desenvolvidos, perpetuam as relações colonialistas de dependência. As imagens das cidades poluídas do Terceiro Mundo – se raciocinarmos em termos de países –, abundam na mídia, sem que se propague e reconheça a responsabilidade dos países do Primeiro Mundo, que consomem 80% do alumínio, do papel do ferro e do aço do mundo; 75% da energia mundial; 75% dos peixes; 61% da carne mundialmente produzida, além de serem responsáveis por 70% da destruição da camada de ozônio através de CFCs (cf. RENNER, 1997). Embora estejamos analisando o nível de comparação entre países, o raciocínio é o mesmo, quando são propagadas imagens da periferia das cidades em termos de populações distribuídas espacialmente em termos de poder aquisitivo, nas campanhas de "educação ambiental", em argumentações a respeito da relação entre a degradação ambiental e a pobreza, e nos discursos ideológicos destinados a produzir a adesão dos indivíduos a campanhas de racionamento do uso de recursos naturais, a exemplo da água, por exemplo, onde os sacrifícios são apresentados como sendo semelhantes para todos.
  • 11
    Chega a ser irônica a proposição de que os países pobres (ou os indivíduos pobres) do mundo precisem ser "austeros" em seu uso dos recursos naturais, enquanto as nações ricas (e os indivíduos ricos) continuem a desfrutar de altos padrões de vida, inclusive somente possibilitados pelas austeridade das nações pobres (ou dos indivíduos pobres).
  • 12
    Embora não possamos discutir neste trabalho esses três elementos e sua relação com as tendências neocolonizadoras presentes em muito das políticas ambientais mundiais atualmente em processo de implementação, recomendamos o excelente artigo de Banerjee (2001), intitulado
    Who Sustains Whose Development? Sustainable Development and the Reivention of Nature, sobre o tema.
  • 13
    Nesse sentido, Mies & Shiva (1993) comentam os riscos de que o ambientalismo tenha efeitos similares aos do "desenvolvimentismo": ao invés de fortalecer as populações camponesas, indígenas, geralmente parcelas pobres da população em todo o mundo, as políticas ambientais conservacionistas transferem o controle dos direitos e dos recursos para instituições nacionais e internacionais de financiamento.
  • 14
    Conforme Gladwin
    et al. (1995),
    apud Banerjee (2001, p.7)
  • 15
    É possível encontrar projetos dos mais variados tipos, anunciados como sendo "de Desenvolvimento Sustentável". Desde um Projeto de Beneficiamento de Babaçu – atingindo 14 famílias, num total de 300 residentes na comunidade atingida –, passando por outro de Alfabetização de Adultos, bem como um de construção de 1 milhão de cisternas em estados do Nordeste do Brasil. Para uma análise perspicaz de como quase tudo pode ser incluído como projeto de Desenvolvimento Sustentável, sem que se observe efetivamente os sinais do que é definido como desenvolvimento no âmbito desse conceito, ver a tese de Fernandes (2001), que teve como
    corpus de estudo empírico uma significativa área da Amazônia Brasileira.
  • 16
    Como se a realidade nessa área não fosse também determinada pelos fatores econômicos, políticos e sociais, que mereceriam atenção, pelo menos, equivalente, e eram objeto de mobilização popular nos períodos anteriores à emergência avassaladora da preocupação ambiental na região.
  • 17
    Redclift (1995) já menciona uma certa forma de integração dos cientistas sociais nos projetos de avaliação e gestão ambiental muito próxima da atividade dos assistentes sociais, que, embora não deva ser desvalorizada, significa uma redução da abrangência do papel a ser desempenhado pelos cientistas sociais no enfrentamento das questões envolvidas na relação entre sociedade e meio ambiente.
  • 18
    Conforme FERNANDES (2001).
  • 19
    Isso sempre que é objeto de quaisquer críticas.
  • 20
    Dois exemplos disso seriam, em primeiro lugar, a transferência do Tratado de Cooperação Amazônica, de Manaus para Brasília, dentro da proposta de fortalecimento institucional do PPG7; em segundo, o reconhecimento do fato de que agências supra-nacionais operam e formulam programas de cooperação e de formação, sob o rótulo do Desenvolvimento Sustentável, utilizando como critério de aprovação dos projetos o compromisso e a relação discursiva com este modelo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      26 Jan 2006
    • Revisado
      31 Out 2006
    • Recebido
      28 Jul 2006
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