Acessibilidade / Reportar erro

Populações indígenas e lógicas tradicionais de Desenvolvimento Local

Indigenous populations and traditional logics for local development

Populaciones indígenas y sus lógicas tradicionales de desarrollo local

Populations autochtones et logiques traditionelles de développement local

Resumos

O texto analisa as perspectivas de desenvolvimento junto a populações indígenas, tendo como referência os Kaiowá e Guarani, no Mato Grosso do Sul, Brasil. Embora com as mesmas demandas por proteção, segurança alimentar, saúde, entre outras, e, muitas vezes, com os mesmos bens econômicos ou recursos naturais disponíveis, as formas historicamente construídas por cada povo para satisfazer suas necessidades têm sido específicas, sendo que essa distintividade remete para a organização social, as visões de mundo e cosmologias específicas de cada povo.

Desenvolvimento; Populações indígenas; Lógicas tradicionais


The text analyses the prospects for indigenous populations development, having as a reference the Kaiowá and Guarani, in South Mato Grosso, Brazil. Although they have the same demands for protection, food supply and health care amongst other requirements, and very often, with the same economic situation or natural resources available, their historically constructed ways of satisfying the necessities of each group have been specific, this being the distinctness of each group that goes back to their social organization, world visions and specific cosmologies.

Development; Indigenous populations; Cultural distinctness


El texto analisa las perspectivas de desarollo junto a los pueblos indígenas, teniendo como referencia los Kaiowá y Guarani, en el Mato Grosso do Sul, Brasil. Aunque con las mismas exigências por proteción, seguridad alimentar, salud, dentre otras, y, muchas veces, con los mismos bienes economicos o recursos naturales disponíbles, las formas historicamente construidas por cada pueblo para satisfazer sus necesidades han sido específicas, siendo que esa distintividad remite a la organización social, las concepciones de mundo y cosmologias específicas de cada pueblo.

Desarollo; Poblaciones indigenas; Lógicas tradicionales


Cette étude est centrée sur les perspectives de développement de groupes autochtones, ce à partir des expériences des Kaiowá et Guarani, qui vivent dans l'Etat du Mato Grosso do Sul. Tel que les autres groupes autochtones au Brésil, ce peuple présente une forte démande vis-à-vis de la securité alimentaire, la protection et la santé, ainsi que des semblables ressources économiques ou naturelles. Toutefois, les formes de satisfaire leurs besoins sont fort spécifiques, du fait de leur histoire. Cette distinctivité est redevable de l'organisation sociale, de la cosmovision e de la cosmogonie propre à chaque groupe.

Développement; Populations autochtones; Logiques traditionelles


ARTIGOS

Populações indígenas e lógicas tradicionais de Desenvolvimento Local* * Artigo elaborado a partir do projeto de pesquisa: Confinamento e tradição nos processos históricos dos Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul, apoiado pela FUNDECT/MS.

Indigenous populations and traditional logics for local development

Populations autochtones et logiques traditionelles de développement local

Populaciones indígenas y sus lógicas tradicionales de desarrollo local

Antonio J. BrandI; Rosa S. ColmanII; Reginaldo B. CostaIII

IDoutor em História, coordenador do Programa Kaiowá/Guarani e Professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local/UCDB. E-mail: brand@ucdb.br

IIMestre em Desenvolvimento Local e pesquisadora no Programa Kaiowá/Guarani/UCDB. E-mail: rosacolman01@yahoo.com.br

IIIDoutor em Ciências Florestais, Professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local. E-mail: rcosta@ucdb.br

RESUMO

O texto analisa as perspectivas de desenvolvimento junto a populações indígenas, tendo como referência os Kaiowá e Guarani, no Mato Grosso do Sul, Brasil. Embora com as mesmas demandas por proteção, segurança alimentar, saúde, entre outras, e, muitas vezes, com os mesmos bens econômicos ou recursos naturais disponíveis, as formas historicamente construídas por cada povo para satisfazer suas necessidades têm sido específicas, sendo que essa distintividade remete para a organização social, as visões de mundo e cosmologias específicas de cada povo.

Palavras-chave: Desenvolvimento. Populações indígenas. Lógicas tradicionais.

ABSTRACT

The text analyses the prospects for indigenous populations development, having as a reference the Kaiowá and Guarani, in South Mato Grosso, Brazil. Although they have the same demands for protection, food supply and health care amongst other requirements, and very often, with the same economic situation or natural resources available, their historically constructed ways of satisfying the necessities of each group have been specific, this being the distinctness of each group that goes back to their social organization, world visions and specific cosmologies.

Key words: Development. Indigenous populations. Cultural distinctness.

RÉSUMÉ

Cette étude est centrée sur les perspectives de développement de groupes autochtones, ce à partir des expériences des Kaiowá et Guarani, qui vivent dans l'Etat du Mato Grosso do Sul. Tel que les autres groupes autochtones au Brésil, ce peuple présente une forte démande vis-à-vis de la securité alimentaire, la protection et la santé, ainsi que des semblables ressources économiques ou naturelles. Toutefois, les formes de satisfaire leurs besoins sont fort spécifiques, du fait de leur histoire. Cette distinctivité est redevable de l'organisation sociale, de la cosmovision e de la cosmogonie propre à chaque groupe.

Mots-clé: Développement. Populations autochtones. Logiques traditionelles.

RESUMEN

El texto analisa las perspectivas de desarollo junto a los pueblos indígenas, teniendo como referencia los Kaiowá y Guarani, en el Mato Grosso do Sul, Brasil. Aunque con las mismas exigências por proteción, seguridad alimentar, salud, dentre otras, y, muchas veces, con los mismos bienes economicos o recursos naturales disponíbles, las formas historicamente construidas por cada pueblo para satisfazer sus necesidades han sido específicas, siendo que esa distintividad remite a la organización social, las concepciones de mundo y cosmologias específicas de cada pueblo.

Palabras clave: Desarollo. Poblaciones indigenas. Lógicas tradicionales.

Populações Indígenas e suas Lógicas Econômicas de Desenvolvimento Local

Introdução

O desenvolvimento é um conceito construído no âmbito do mundo ocidental e diretamente articulado com as suas concepções de progresso e bem estar. Os projetos de desenvolvimento são iniciativas que objetivam, sob o aspecto formal, contribuir com o bem estar de um grupo ou de uma população. Pretendem contribuir para que as pessoas alcancem uma condição de vida menos precária no que se refere à moradia, segurança alimentar, saúde, educação, comunicação, entre outras. Estabelece índices concretos para avaliar essa melhora na vida do cidadão. Porém, é importante atentar para o fato de que esse conceito de desenvolvimento vem configurado por uma concepção determinada de qualidade de vida, que remete para um determinado padrão de moradia, de alimentação, saúde, entre outros, apoiada em uma determinada visão de mundo, de relação com a natureza, com os outros homens e com o mundo sobrenatural. E é importante destacar que essa concepção ocidental de desenvolvimento e qualidade de vida, centrada, basicamente, no consumo de cada vez mais bens têm gerado grave problema no que se refere ao comprometimento dos recursos naturais.

É fácil perceber os problemas postos quando esses projetos de desenvolvimento voltam-se para populações baseadas em outras tradições culturais, com formas específicas de se relacionarem entre si, com a natureza e o sobrenatural, com outras explicações sobre o mundo. Entre as muitas perguntas que podemos fazer, ressalta-se a que diz respeito à forma como esses povos entendem seu bem estar, ou sua qualidade de vida. Que fatores emergem como mais relevantes para o bem de uma população tradicional ou indígena?

Muitos encontram respostas convincentes a essa pergunta na constatação bastante óbvia de que todos, índios e não-índios, querem comer, ter casa, roupas e, mais recentemente, acesso a todos os bens de consumo, disponíveis no entorno regional. Sustentam, ainda, suas conclusões na, também, evidente constatação de que a situação efetivamente vivenciada pela maior parte dos povos indígenas está cada vez mais próxima, no que se refere a essas demandas, à de milhares de outros brasileiros que, em cada região, encontram dificuldades crescentes para se alimentarem, vestirem, morarem e terem vida digna. Inúmeras pesquisas confirmam essa percepção do senso comum de que, na medida em que determinados "sinais diacríticos", caracterizados pelo entorno regional como indicativos da identidade indígena, são obscurecidos, mais cresce a tendência de considerá-los já perfeitamente integrados em nossas lógicas econômicas e, portanto, não só com as mesmas demandas e necessidades, mas, também, com as mesmas concepções de bem estar e qualidade de vida. E, nesse contexto, as questões relacionadas a concepções distintas de qualidade de vida, embora academicamente interessantes, não teriam relevância quando se trata de discutir projetos de desenvolvimento, pois, se as demandas são as mesmas e o contexto sócio-econômico dentro do qual essas populações se situam é o mesmo, as soluções, também, poderiam ser as mesmas. Evidentemente, que todos estão de acordo com a necessidade de um desenvolvimento ecologicamente mais correto, menos depredador. No entanto, embora um tema de grande interesse para os povos indígenas, não é essa a questão em discussão nesse trabalho.

Pretende-se, nesse texto, questionar e aprofundar as análises sobre perspectivas de desenvolvimento de populações tradicionais, em especial indígenas, que nos obrigam a ir além da construção de "projetos ecologicamente corretos". O trabalho tem como referência experiências construídas junto aos índios Kaiowá e Guarani, no Mato Grosso do Sul, Brasil.

2 Distintividade Cultural

Todos necessitam, certamente, de proteção, segurança alimentar, saúde, afeto, entre outras demandas. Não podemos esquecer, no entanto, que, embora com as mesmas necessidades/demandas e, em muitos casos, os mesmos bens econômicos ou recursos naturais disponíveis, as formas historicamente construídas por cada povo para satisfazer essas demandas/necessidades têm sido específicas. Ou seja, no mesmo espaço e tendo acesso aos mesmos recursos naturais encontramos formas diversas de inserção e relação com esse espaço e esses recursos, inclusive, por vezes as mesmas tecnologias sendo usadas de forma bastante distinta. Mais recentemente, o mesmo trator vem sendo usado de forma bastante variada. E ao investigar-se as razões dessa distintividade, encontraremos, certamente, não apenas o esforço de cada povo ou grupo humano em satisfazer suas demandas ou necessidades, mas talvez mais importante do que isso, um esforço maior em viabilizar em cada momento histórico a sua organização social, impregnada de valores próprios, que remete para visões de mundo e cosmologias específicas1 1 Por cosmologia, entende-se as teorias sobre o mundo, o movimento no espaço e no tempo e o lugar da humanidade nesse cosmos. Informa, portanto, as concepções sobre natureza, humanidade e deuses. Ela se expressa, especialmente, através do ritual e do mito, sendo o primeiro um momento privilegiado de interação entre o sobrenatural, a natureza e os homens. Segundo Silva (1992, p. 75-6), o ritual é "o lugar da confluência e da presença concomitante do sobrenatural, da natureza e da humanidade" e lugar de "reafirmação dos laços de solidariedade interna, da troca recíproca, da expressão concreta da dimensão econômica dos ritos, através da redistribuição e partilha de alimentos". É o momento de superação das divisões e das divergências. Cosmologia e seus mitos associados são produtos e são meios da reflexão de um povo sobre sua vida, sua sociedade e sua história. Expressam concepções e experiências. "Constroem-se e reconstroem-se ao longo do tempo", pela interação com novos espaços e dialogando com novos autores. . E é importante ter presente que o fortalecimento da organização social de cada povo ou comunidade é condição importante para uma maior autonomia frente ao entorno regional.

Essa constatação já nos permite perceber que qualidade de vida para essas populações não pode ser reduzida à satisfação de necessidades ou demandas e dissociada da esfera sócio-religiosa. Suas concepções de natureza, ao contrário do pensamento ocidental, compreendem "interligação orgânica entre o mundo natural, o sobrenatural e a organização social" (ARRUDA e DIEGUES, 2001, p. 32)2 2 A relação entre o mundo da natureza e o mundo da cultura, entendido aqui como o "mundo dos homens", exige superar a concepção dualista e hierarquizada que sustenta a visão ocidental e cristã de mundo. Para Descola (1988, p. 132), os conceitos que vêm da tradição grega sempre estimulam uma visão de natureza como uma "realidad exterior al hombre que éste ordena, transforma y transfigura". . As etapas que marcam o plantio e a colheita do milho entre os Kaiowá vêm acompanhadas por um igual ciclo de rituais e rezas, destacando-se a cerimônia do batismo do milho (avatikyry), que expressa bem a interdependência entre organização econômica, social e religiosa. A articulação entre o ciclo econômico e o ciclo dos rituais religiosos é fundamental para o êxito da iniciativa implementada3 3 Os Kaiowá, da aldeia de Panambizinho, município de Dourados, MS, relacionam o crescimento e o desenvolvimento dos meninos ao milho. Ambos dependem, para seu pleno amadurecimento, de complexos rituais – kunumi pepy e avatikyry – rituais que ocupavam lugar relevante na vida de qualquer aldeia kaiowa: " Así como en el avatikyry el maiz es una criatura, en el kunumi pepy los niños son como las plantas" (CHAMORRO, 1995, p. 118). Em outra passagem, a mesma pesquisadora (1991, p. 18,) afirma que "as crianças são como as plantas, são como as sementes [...]. Enquanto as crianças crescem, no mundo há esperança. Quando isso não mais acontecer, os homens podem plantar milho, mas este não dará fruto". , sendo impossível dissociar e fragmentar as diversas dimensões da realidade.

Existem duas percepções relevantes para a presente discussão que nos vêm da visão de mundo desses povos. Refiro-me à profunda interdependência entre o mundo da natureza, dos vegetais e dos animais, e o mundo dos humanos e a concepção da natureza como algo vivo com quem se interage e se estabelece uma comunicação constante, apoiada numa visão cosmológica integradora. Não se trata, portanto, sob a ótica dessas populações, tanto de dominar a natureza, mas entender sua linguagem e compreendê-la, na certeza de que a sobrevivência do homem dependerá muito mais dessa sua capacidade de compreensão e respeito frente a mesma do que de sua capacidade de domínio ou de transformação. O desafio maior reside, portanto, em "conhecer a sabedoria daquelas forças" (BREMEN, 1987, p. 15).

Há, nesse ponto, uma diferença fundamental da forma ocidental de entender a natureza. Para os Kaiowá e Guarani, a comunicação com os espíritos das plantas e da mata é possível. Afirmam eles: "quando a gente vai entrá no mato, tem que fazê o jehovasa (se benzer), assim falá pro dono da mata para não olhá mal pra gente. Então, na época pra derrubá o mato, você tem que chegá ali e fazê assim", porque se derrubar a árvore sem estabelecer contato com o espírito da mata "você fica doente", afirmava uma liderança guarani4 4 Relato gravado durante oficina realizada, em Caarapó, dia 9 de novembro de 2000, com um grupo de índios já mais idosos, tendo em vista a implementação de um programa de replantio de espécies vegetais nativas no interior da área indígena. .

Têm-se, então, indicativos relevantes para pensar qualidade de vida de populações tradicionais e, por conseguinte, novos modelos de desenvolvimento. O confinamento dos Kaiowá e Guarani não significou apenas a perda de terras de ocupação tradicional e conseqüentemente problemas para a satisfação de suas necessidades e demandas por proteção, segurança alimentar, saúde, entre outros, mas impôs-lhes profundas transformações em relação a sua organização social e essas refletem-se na sua relação com o sobrenatural5 5 Se os problemas dos Kaiowá e Guarani hoje vivenciados pudessem ser reduzidos a questões relacionadas a sua subsistência física um bom programa de cestas básicas e a garantia de emprego nas usinas de açúcar e álcool seria já um bom início de solução. . Gerou um desequilíbrio nas relações entre o mundo dos homens e a natureza, desequilíbrio esse atribuído pelos índios não tanto aos problemas decorrentes da excessiva exploração dos mesmos recursos nas poucas terras que ocupam, mas às dificuldades na relação com o sobrenatural.

É o que vem expresso por Hamilton Benitez6 6 Hamilton Benitez é da aldeia de Paraguasu, município de Paranhos, MS, sendo o relato gravado em 5 de agosto de 1995. , que frente à crescente destruição das matas, entende que o "rezador não está tão preocupado com o fim do mato, mas em seguir com o "nosso sistema" para não morrer. O mato cresce de novo dependendo da reza que faz para a terra produzir [...]. Isso porque a planta não é nosso, mas é do dono lá de cima (yvyra anga)". Trata-se de seres vivos que têm seus protetores no mundo sobrenatural com os quais os Kaiowá e Guarani se relacionam através do meio próprio de se comunicar com os deuses, a reza. Segundo Cadogan (1959, apud MELIÀ e TEMPLE, 2004, p. 23), "las normas para una buena agricultura están todas ellas impregnadas de categorias regiosas".

Por isso, a relação com os animais e as plantas, bem como a recuperação, hoje, dos mesmos recursos naturais, está diretamente associada à prática da cultura. A relação harmônica com a natureza exige uma relação igualmente harmônica com os deuses. Se as colheitas não geram mais a produção esperada, sob a ótica dos Kaiowá e Guarani de mais idade, é resultado, não tanto do desgaste da terra, mas das mudanças ocorridas no que se refere, especialmente, a suas práticas religiosas. E sob esse aspecto, o esgotamento dos recursos naturais, em especial, da capacidade de produção da terra, contribui para fortalecer a percepção manifesta por alguns da ineficácia, hoje, das práticas rituais relacionadas ao plantio e à colheita agrícola. A quebra da relação harmônica com a natureza indica, também, uma quebra na relação com os deuses.

Para uma sociedade que construiu, historicamente, a partir da sua visão de mundo e dos resultados de longos anos de observação e experimentação, importantes e específicas estratégias para enfrentar e resolver eventuais problemas decorrentes da ação humana sobre a natureza, não é fácil aceitar e se engajar em soluções assentadas em lógicas completamente diversas, como as que sustentam e justificam as propostas de intervenção frente aos mesmos fenômenos da natureza, apresentadas por agências externas à comunidade indígena7 7 Tem reza para chamar a chuva e contra a seca, mas também tem reza para quando a chuva é demasiada, tem reza para chamar e afastar tempestades e tem reza para fazer a terra produzir. E, acima de tudo, se os Kaiowá seguirem as orientações que vêm dos "antigos", em especial no que se refere aos bons comportamentos (prática da cultura), a mata passará a crescer, os recursos naturais voltarão em abundância e as roças produzirão, afirmou Benitez. .

Sendo que a "boa terra" é aquela que proporciona as condições necessárias à sua reprodução social, o dilema maior dos Kaiowá e Guarani, confinados nas reservas, hoje, talvez não esteja nas evidentes dificuldades de ordem econômica, mas por encontrarem cada vez maiores dificuldades para a produção das condições necessárias para a viabilização de sua organização social, da qual depende, também, a sua religião, apoiada em mais ou menos intensas relações de reciprocidade e troca. Por isso, segundo Melià e Temple (2004, p. 22) "una tierra se convierte en plenamente humana cuando hay una casa y un pátio", espaços fundamentais no âmbito da organização dos Guarani e Kaiowá.

Por isso, assim como a quebra do confinamento não pode ser reduzida à certamente necessária ampliação em hectares dos espaços ocupados pelos índios, as propostas de reposição de recursos naturais ou a construção de alternativas de desenvolvimento no interior das mesmas terras de posse indígena não podem restringir-se a questões técnicas definidas a partir de objetivos voltados para a satisfação de necessidades e demandas, a partir de lógicas ocidentais. Faltaria, sempre, a dimensão constitutiva mais relevante do problema sob a ótica indígena, que é sua dimensão holística ou cosmológica, segundo a qual, a natureza (e as árvores a serem replantadas), adquirem seu significado exatamente enquanto integrantes das demais dimensões da realidade, ou seja, o mundo dos homens e o mundo dos deuses. Os alimentos produzidos, a renda gerada e os bens adquiridos devem estar voltados, talvez mais do que para as demandas e necessidades de cada um ou de sua família nuclear, para o fortalecimento das relações de reciprocidade e troca. Adquirem importância especial, nesse contexto, as constatações de Sahlins (1977), quando reconhece a submissão das economias indígenas à reciprocidade e que toda a troca traz embutida um coeficiente de solidariedade que faz com que nunca essa possa ser reduzida a seus termos materiais.

Pode-se afirmar, portanto, que, embora as necessidades ou demandas sejam comuns a qualquer agrupamento humano, as formas de satisfazê-las são específicas (ver ELIZALDE, 2000 e MAX-NEEF, ELIZALDE E HOPENHAYN, 1992). Decorre dessa percepção, a relevância de atentar, na formulação de propostas de desenvolvimento, para a compreensão da organização social da comunidade a ser beneficiada. Por isso, as perguntas mais relevantes na formulação de um programa de desenvolvimento local não dizem respeito à identificação do o que aquela comunidade busca ou deseja, ou seja, do problema vivenciado, mas sobre o como pretende resolvê-lo ou superá-lo. É aí que está a questão chave ou o problema de fundo posto para as nossas intervenções, em especial no que se refere a novas tecnologias. É no respeito à resposta à pergunta de como determinada população pretende incorporar nossos aportes, sejam eles quais forem, é que está a questão chave para o êxito de um projeto de desenvolvimento local.

Muitas vezes damos exagerada ênfase em questionar a relação de coisas a serem incluídas em determinado projeto em elaboração, questionando, inclusive, seus impactos sobre determinado agrupamento humano e esquecemos que a especificidade de cada povo emerge na resposta à pergunta sobre o como pretendem apropriar-se de determinadas tecnologias ou relacionar-se com determinada agência. É na explicitação do como cada comunidade ou povo pretende apropriar-se ou organizar-se para superar determinado problema é que emergem com clareza suas formas organizativas próprias. A pergunta mais relevante é que busca conhecer as práticas sociais e formas de organização de cada povo, pois estas são fundamentais para entender as formas como pretendem satisfazer suas necessidades (MAX-NEEF, ELIZALDE E HOPENHAYN, 1986, p. 36). Por isso, é absolutamente relevante em programas de desenvolvimento local considerar as formas de organização de cada povo, suas práticas sociais, valores, normas e cosmovisão.

2 O Tecido Social Interno da Comunidade e as Iniciativas de Desenvolvimento Local

As agências internacionais de desenvolvimento reconhecem quatro formas básicas de capital: - o capital natural constituído, basicamente, pelos recursos naturais disponíveis em cada região; - o capital construído, referindo-se à infra-estrutura, capital financeiro e comercial; - o capital humano, compreendendo os níveis de bem estar e educação da população e, finalmente; - o capital social (ou capital cultural, segundo outros), remetendo para o tecido social interno de cada comunidade, suas formas de organização, normas de comportamento, relações de reciprocidade, valores, entre outros, ou seja, sua visão de mundo. Durston (1999, p. 103) entende por capital social comunitário

[...] el conjunto de normas, instituiciones y organizaciones que promueven la confianza y la co-operación entre las personas, en las comunidades y e en la sociedad en su conjunto.8 8 Ver sobre isso Putnam, 1994, Coleman, 1990, Kliksberg, 1999, Durston, 1999, entre outros.

Estudos recentes atestam a relevância da dimensão social ou cultural para o êxito de programas de desenvolvimento9 9 Kliksberg (1999) analisa diversos projetos de desenvolvimento, considerados exitosos porque apoiados na dinamização e otimização de experiências de cooperação e solidariedade internas de cada comunidade beneficiada. , sendo que o assim denominado capital social "es la única forma de capital que no disminuye se agota con su uso sino que, por ele contrario, crece con él" (HIRSCHMAN, 1984, apud KLIKSBERG, 1999, p. 89).

Portanto, aí temos um aspecto fundamental dos programas de desenvolvimento local junto a populações tradicionais e que remete para a pesquisa e compreensão de suas formas organizativas, com especial ênfase nas relações de reciprocidade positiva e negativa10 10 Considerando a complexa teia que compõe o tecido social, é fundamental identificar exatamente quem coopera com quem e em que circunstâncias (relações de reciprocidade positiva) e quem não coopera com quem e em que circunstância (reciprocidade negativa). . Durston (1999) acentua a importância do conceito de reciprocidade, remetendo para o clássico tratado sobre o dom, de Marcel Mauss. Refere-se a sistemas de trocas, ou dádivas, que obrigam o beneficiado a retribuir o dom recebido não imediatamente e nem com igual valor. Referindo-se a populações tradicionais ou campesinas, Durston (1999, p. 105) destaca que se trata de comunidades "con relaciones de largo plazo establecidas a través de numerosas interacciones pasadas y con perspectiva de largo plazo" e que essas relações ocorrem ao mesmo tempo entre as mesmas pessoas e famílias e em todos os âmbitos da vida, caracterizando o que Mauss denomina de "fenómenos totales".

Neste contexto, diversos e complexos os fatores de ordem cultural que podem dificultar ou favorecer a implantação de projetos voltados para a reposição dos recursos naturais ou de alternativas de produção de alimentos e geração de renda. Entre os Kaiowá e Guarani esses projetos prosperam de forma lenta, embora os índios percebam, crescentemente, em sua vida diária, a falta que fazem esses recursos, especialmente de alimentos suficientes. Além das dificuldades decorrentes da visão indígena, no caso dos Kaiowá e Guarani, há que se considerar a relevância histórica da etinerância como estratégia que permitia, simultaneamente, a manutenção de relações equilibradas com o meio ambiente e a superação de eventuais conflitos sociais, permitindo a "reprodução de suas formas tradicionais de organização social" (GALLOIS, 2001, p. 184).

Além de ignorar essa visão holística própria das populações tradicionais, as iniciativas de desenvolvimento, apoiadas em concepções ocidentais, exigem planejamento e o cumprimento de metas no que se refere à produção, impondo uma outra destinação ao excedente produzido, com a promessa de resultados a longo prazo. Talvez, por isso mesmo, o impacto dessas iniciativas tenha sido negativo, sem conseguir, em longo prazo, o que prometiam, isto é, suprir as necessidades básicas dessas populações e viabilizar recursos para adquirir os bens de consumo, que lhes foram, historicamente, impostos como necessários. Contribuíram, no entanto, para a degradação na qualidade de vida dessa população, tendo como indicador, em muitos casos, o aumento da fome e da violência interna, sinal de profundo mal estar nas relações sociais11 11 Ver Brand, 2001, p. 59-68. . O descompasso no ritmo das transformações impostas pela nossa sociedade ao território representa uma crescente agressão ao seu modo de vida.

3 As Lógicas dos Kaiowá e Guarani baseadas no Conhecimento Tradicional

Neste âmbito é importante destacar que, segundo as lógicas explicativas dos Kaiowá e Guarani, a recuperação do mato depende, fundamentalmente, da retomada de suas práticas religiosas. Percebem, no entanto, que o plantio de espécies nativas, no bojo de um projeto de recuperação ambiental12 12 A Universidade Católica Dom Bosco, UCDB, através do Programa Kaiowá/Guarani, um projeto interdisciplinar e interinstitucional de pesquisa e extensão, vem desenvolvendo, há seis anos, na terra indígena de Caarapó, diversas iniciativas voltadas para a reposição dos recursos naturais. Destaca-se, entre essas iniciativas, a implementação, em parceria com as escolas da comunidade, de um viveiro de mudas, construção de diversas represas de contenção da erosão, criação de peixes e lazer, controle do fogo e recuperação de matas ciliares. , é, também, bem aceito pelos "donos da mata" e pelos "donos dos animais". Observadores atentos dos fenômenos da natureza constataram que nas árvores replantadas ao redor de suas casas e ao longo dos córregos, os animais estão começando a se juntar novamente: "ali tem o marimbondo, ali desce o passarinho, ali o joão-de-barro faz sua casa então, está ajuntando animais". E apoiados no conhecimento resultante da constante observação desses fenômenos, Ivaldo, kaiowá, entende que se fizer um reflorestamento de um "pequeno mato", ali "já tem queixada, já tem tucano, já tem um monte de animais então volta e pode voltar aquele, o dono do mato pode voltar ali de novo". E sua conclusão está apoiada no conhecimento acumulado, que lhe permite concluir que "é a mesma coisa dizer, ver uma coisa assim que você fica alegre, uma coisa que estava errado, você vê que consertou, você fica todo satisfeito porque voltou aquele negócio no lugar certo. Então o dono do mato vai ser a mesma coisa, ele vai ficar alegre porque está reflorestando, o pedaço que foi perdido, tá crescendo" 13 13 Idem, relato gravado durante oficina realizada em Caarapó, dia 9 de novembro de 2000. , ou está consertando algo que foi estragado.

Dessa forma, o desafio fundamental que permanece para as iniciativas de desenvolvimento local junto a populações indígenas é o do profundo respeito a sua organização social e visão de mundo. Nesse sentido, já representa um bom início um diagnóstico participativo, permitindo, desde o início, a explicitação e a parceria entre o conhecimento indígena e o conhecimento ocidental, que deve acompanhar todos os momentos e passos do projeto, lembrando sempre que o aspecto mais relevante nesse trabalho conjunto diz respeito à definição do como os trabalhos serão encaminhados. E, nunca é demais lembrar que cabe a eles, aos indígenas, como profundos conhecedores dos recursos naturais e como comunidade local, a palavra decisiva.

Em recente encontro de avaliação das experiências de produção de alimentos e geração de renda entre os Kaiowá e Guarani, no Mato Grosso do Sul14 14 Encontro realizado na terra indígena de Caarapó, entre os dias 1 e 2 de junho de 2004, que reuniu um grupo de cerca de 35 representantes indígenas kaiowá e guarani de diversas regiões, junto com técnicos responsáveis pela assistência técnica nos diversos órgãos do Governo do Estado, representantes da FUNASA, da FUNAI, entre outros, para avaliar programas voltados para a produção de alimentos e geração de renda. , ao analisar as razões que sob a ótica indígena foram responsáveis pelo êxito ou fracasso dessas iniciativas, os participantes destacaram diversas variáveis. O fato dessas iniciativas terem conseguido ou não dialogar e serem assumidas pelos grupos macrofamiliares, no interior de cada terra indígena, superando a concepção genérica e abstrata de "comunidade" aparece como determinante. Existem, efetivamente, em cada terra indígena diversos grupos mais ou menos organizados em torno de relações de parentesco, associações, Igrejas, segmentos específicos como os professores e agentes de saúde, entre outros. Destacaram como fator relevante a identificação e o engajamento em cada iniciativa desses grupos de parentesco e\ou com interesses comuns, não só porque, dessa forma, o projeto poderia contribuir para fortalecer as diversas formas organizativas próprias, mas para contribuir, também, com a redução dos conflitos que permeiam as reservas kaiowá e guarani hoje15 15 A superpopulação verificada hoje no interior das reservas indígenas, no Mato Grosso do Sul, obrigando famílias a residirem no mesmo espaço ou em espaços demasiadamente próximos, aliado às crescentes dificuldades de migrar para outros espaços nos casos de mal-estar (como acontecia historicamente) amplia em muito as possibilidades de conflitos entre os diversos grupos macrofamiliares. . Novamente, a organização social como fator decisivo para o êxito dos trabalhos.

Um segundo aspecto destacado pelos representantes indígenas diz respeito à valorização do conhecimento local como forma de enriquecer as alternativas de produção de alimentos, buscando recuperar a diversidade própria da agricultura indígena, junto com tecnologias simples e mais facilmente por eles administradas. Trata-se de um conhecimento transmitido no dia a dia, através das relações sociais estabelecidas. Sua valorização remete, portanto, também, para o reconhecimento e o fortalecimento da organização social e concepções cosmológicas. Um terceiro aspecto diz respeito à assistência técnica prestada por órgãos governamentais e ONGs, propondo a ampliação do horizonte de sua atuação, mediante a incorporação de outros vieses ou fatores que interferem no êxito de determinada iniciativa, ou são relevantes para que se tenha qualidade de vida, sob a ótica indígena. Pelas questões acima podemos concluir que o conceito de qualidade de vida para essas populações não pode ser dissociado de sua organização social, que por sua vez é indissociável de sua visão de mundo ou cosmologia.

Porém, ao mesmo tempo em que acentuaram a relevância do conhecimento tradicional, acentuaram, também, a importância de terem acesso a novas tecnologias que possam ser por eles assumidas, na certeza de que "valorizar determinada dimensão não significa desvalorizar outras", confirmando que a questão de fundo não está no que se oferece, mas no como essas "novidades tecnológicas" são incorporadas por essas populações.

Finalmente, emergiu com força a questão dos territórios indígenas. E nesse ponto há situações bastante distintas. Há povos, especialmente os que se localizam no âmbito da Amazônia legal, que são possuidores de territórios relativamente amplos, com grande variedade de recursos naturais, que embora já sob forte impacto das pressões do mercado, visualizam inúmeras alternativas através da exploração controlada desses recursos e, assim, seguir com suas economias tradicionais. Há o caso dos povos que apesar de ainda manterem territórios que poderiam permitir alternativas de sustentabilidade, porém, seus recursos naturais foram totalmente depredados em épocas recentes16 16 A depredação desses recursos, em muitos casos, está vinculada, diretamente, ao modelo de agricultura implantado nas terras indígenas pelos órgãos oficiais, em especial a partir da década de 1970, no bojo da ampla mecanização que acompanhou, no Mato Grosso do Sul, a expansão do plantio da soja. SCHROEDER, Peter. . Finalmente, há o caso dos povos indígenas que em decorrência de um processo histórico de confinamento vivem hoje em áreas de terra que inviabilizam qualquer perspectiva de sustentabilidade, restando-lhes como única alternativa a venda de sua mão-de-obra. Estão, nessa situação, os Terena e os Kaiowá e Guarani, no Mato Grosso do Sul. Qualquer proposta de desenvolvimento na perspectiva aqui analisada passa, necessariamente, pela ampliação dos territórios, não só por questões de ordem estritamente econômica, mas como exigência de sua organização social.

4 Considerações Finais

A implementação de projetos voltados para a reposição dos recursos naturais, ou para a produção de alimentos e renda pode contribuir para o bem estar e fortalecer a organização social e a autonomia de cada povo. A questão central está na forma de como essas iniciativas se articulam, dialogam e respeitam a organização social do respectivo povo. De outra parte, a incorporação dessa visão indígena e de suas lógicas abre, certamente, novas perspectivas e fortalece projetos centrados numa relação mais equilibrada com os recursos naturais, privilegiando a agroecologia, a policultura e as habilidades humanas no trato da terra, em lugar dos insumos químicos e da mecanização17 17 Ver Brand, 2001. . Tendo como eixo central o território e o conhecimento que sobre ele tem cada povo indígena, aliado a sua experiência histórica, novas e inéditas alternativas de desenvolvimento poderão ser construídas.

Notas

Recebido em 5/10/2007; revisado e aprovado em /3/2008; aceito em 22/7/2008.

  • ARRUDA, Rinaldo S.V. e DIEGUES, Antônio Carlos (org). Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil Brasília: Ministério do Meio Ambiente; S. Paulo: USP, 2001.
  • BRAND. Antonio. O impacto da perda da terra sobre a tradição kaiowá/guarani: os difíceis caminhos da Palavra. Tese (Doutorado em História) - PUC/RS, 1997.
  • ______. O confinamento e o seu impacto sobre os Pãi/Kaiowá Dissertação (Mestrado em História) - Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1993.
  • ______. Desenvolvimento Local em Comunidades Indígenas no Mato Grosso do Sul: a construção de alternativas. Interações, Campo Grande: UCDB, v. 1, n. 2, p. 59-68, março de 2001.
  • ______. Biodiversidade, sócio-diversidade e desenvolvimento local: os Kaiowá e Guarani no Estado de Mato Grosso do Sul. In: Costa, Reginaldo Brito da. Fragmentação florestal e alternativas de desenvolvimento rural na Região Centro-Oeste Campo Grande: UCDB, 2003. p. 175-204.
  • BREMEN, Volker Von. Fuentes de caza y recolección modernas Projectos de ayuda al dessarolo destinados a los indígenas del Gran Chaco.1987.
  • CHAMORRO, Graciela. Kurursu Ñe'ëngatu: palavras que la história no podría olvidar. Assunción: Centro de Estúdios Antropológicos/ Instituito Ecumênico de Posgrado/ COMIN, 235 p, 1995.
  • ______. Ava ha kuña reko, aspectos do modo de ser guarani - Relatório apresentado ao COMIN sobre o Projeto AVA REKO, desenvolvido entre os Guarani, de julho de 1990 a junho de 1991 (inédito), 362 p.
  • DESCOLA, Philippe. La selva culta. Simbolismo y praxis en la ecología de los Achuar. trad. de Juan Carrera Colin y Xavier Catta Quelen. Quito: Abya-Yala, 1988.
  • DURSTON, John. Construyendo capital social comunitário. CEPAL (69). Santiago: CEPAL, 1999.
  • ELIZALDE, Antonio. Dessarolo y sustentabilidad: límites y potencialidades. Documentación social n. 89, 1992.
  • ______. Desarollo a escala humana: conceptos y experiências. Interações. Campo Grande: UCDB, v. 1, n. 1, p. 51-62, set. 2000.
  • GALLOIS, Dominique. Sociedades indígenas e desenvolvimento: discursos, práticas, para pensar a tolerância. In Povos indígenas e tolerância Grupione, Luis Donisete, Vidal Lux e Fischmann, Roseli (org), São Paulo: Edusp, 2001.
  • GIANNINI, Isabelle Vidal. Os índios e suas relações com a Natureza. In: Grupioni, Luis Donisete Benzi (org.). Índios do Brasil São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.
  • KLINSBERG, Bernando. Capital social y cultura: claves esenciales del desarrolo. CEPAL (69). Santiago: CEPAL, 1999.
  • MAX-NEEF, Manfred; ELIZALDE, Antonio; HOPENHAYN, Martin. Desarollo a escala humana. Una opción para el futuro. Development Dialogue Número especial CEPAUR, Uppsala, Suécia, 1986.
  • MELIÀ, Bartomeu; TEMPLE, Dominique. El don, la venganza y otras formas de economía guaraní. Asunción del Paraguay, CEPAG, 2004
  • SAHLINS, Marshall. Economia de la edad de piedra Madrid: Akaleditor, 1997.
  • SCHROEDER, Peter. Economia Indígena Situação atual e problemas relacionados a projetos indígenas de comercialização na Amazônia Legal. Recife: Editora Universitária UFPE, 2003.
  • SILVA, Aracy Lopes da. Mitos e Cosmologias no Brasil: Breve Introdução. In: Grupioni, Luis Donisete Benzi (org.). Índios do Brasil. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura,1992, p. 75-82.
  • SOUSA, Cássio Noronha I.; SOUZA LIMA, Antonio Carlos, ALMEIDA, Fábio Vaz R., WENTZEL, Sondra. (orgs.). Povos Indígenas: projetos e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2007.
  • 1
    Por cosmologia, entende-se as teorias sobre o mundo, o movimento no espaço e no tempo e o lugar da humanidade nesse cosmos. Informa, portanto, as concepções sobre natureza, humanidade e deuses. Ela se expressa, especialmente, através do ritual e do mito, sendo o primeiro um momento privilegiado de interação entre o sobrenatural, a natureza e os homens. Segundo Silva (1992, p. 75-6), o ritual é
    "o lugar da confluência e da presença concomitante do sobrenatural, da natureza e da humanidade" e lugar de
    "reafirmação dos laços de solidariedade interna, da troca recíproca, da expressão concreta da dimensão econômica dos ritos, através da redistribuição e partilha de alimentos". É o momento de superação das divisões e das divergências. Cosmologia e seus mitos associados são produtos e são meios da reflexão de um povo sobre sua vida, sua sociedade e sua história. Expressam concepções e experiências.
    "Constroem-se e reconstroem-se ao longo do tempo", pela interação com novos espaços e dialogando com novos autores.
  • 2
    A relação entre o mundo da natureza e o mundo da cultura, entendido aqui como o
    "mundo dos homens", exige superar a concepção dualista e hierarquizada que sustenta a visão ocidental e cristã de mundo. Para Descola (1988, p. 132), os conceitos que vêm da tradição grega sempre estimulam uma visão de natureza como uma
    "realidad exterior al hombre que éste ordena, transforma y transfigura".
  • 3
    Os Kaiowá, da aldeia de Panambizinho, município de Dourados, MS, relacionam o crescimento e o desenvolvimento dos meninos ao milho. Ambos dependem, para seu pleno amadurecimento, de complexos rituais –
    kunumi pepy e avatikyry – rituais que ocupavam lugar relevante na vida de qualquer aldeia kaiowa: "
    Así como en el avatikyry el maiz es una criatura, en el kunumi pepy los niños son como las plantas" (CHAMORRO, 1995, p. 118). Em outra passagem, a mesma pesquisadora (1991, p. 18,) afirma que "as crianças são como as plantas, são como as sementes [...]. Enquanto as crianças crescem, no mundo há esperança. Quando isso não mais acontecer, os homens podem plantar milho, mas este não dará fruto".
  • 4
    Relato gravado durante oficina realizada, em Caarapó, dia 9 de novembro de 2000, com um grupo de índios já mais idosos, tendo em vista a implementação de um programa de replantio de espécies vegetais nativas no interior da área indígena.
  • 5
    Se os problemas dos Kaiowá e Guarani hoje vivenciados pudessem ser reduzidos a questões relacionadas a sua subsistência física um bom programa de cestas básicas e a garantia de emprego nas usinas de açúcar e álcool seria já um bom início de solução.
  • 6
    Hamilton Benitez é da aldeia de Paraguasu, município de Paranhos, MS, sendo o relato gravado em 5 de agosto de 1995.
  • 7
    Tem reza para chamar a chuva e contra a seca, mas também tem reza para quando a chuva é demasiada, tem reza para chamar e afastar tempestades e tem reza para fazer a terra produzir. E, acima de tudo, se os Kaiowá seguirem as orientações que vêm dos "antigos", em especial no que se refere aos bons comportamentos (prática da cultura), a mata passará a crescer, os recursos naturais voltarão em abundância e as roças produzirão, afirmou Benitez.
  • 8
    Ver sobre isso Putnam, 1994, Coleman, 1990, Kliksberg, 1999, Durston, 1999, entre outros.
  • 9
    Kliksberg (1999) analisa diversos projetos de desenvolvimento, considerados exitosos porque apoiados na dinamização e otimização de experiências de cooperação e solidariedade internas de cada comunidade beneficiada.
  • 10
    Considerando a complexa teia que compõe o tecido social, é fundamental identificar exatamente quem coopera com quem e em que circunstâncias (relações de reciprocidade positiva) e quem não coopera com quem e em que circunstância (reciprocidade negativa).
  • 11
    Ver Brand, 2001, p. 59-68.
  • 12
    A Universidade Católica Dom Bosco, UCDB, através do Programa Kaiowá/Guarani, um projeto interdisciplinar e interinstitucional de pesquisa e extensão, vem desenvolvendo, há seis anos, na terra indígena de Caarapó, diversas iniciativas voltadas para a reposição dos recursos naturais. Destaca-se, entre essas iniciativas, a implementação, em parceria com as escolas da comunidade, de um viveiro de mudas, construção de diversas represas de contenção da erosão, criação de peixes e lazer, controle do fogo e recuperação de matas ciliares.
  • 13
    Idem, relato gravado durante oficina realizada em Caarapó, dia 9 de novembro de 2000.
  • 14
    Encontro realizado na terra indígena de Caarapó, entre os dias 1 e 2 de junho de 2004, que reuniu um grupo de cerca de 35 representantes indígenas kaiowá e guarani de diversas regiões, junto com técnicos responsáveis pela assistência técnica nos diversos órgãos do Governo do Estado, representantes da FUNASA, da FUNAI, entre outros, para avaliar programas voltados para a produção de alimentos e geração de renda.
  • 15
    A superpopulação verificada hoje no interior das reservas indígenas, no Mato Grosso do Sul, obrigando famílias a residirem no mesmo espaço ou em espaços demasiadamente próximos, aliado às crescentes dificuldades de migrar para outros espaços nos casos de mal-estar (como acontecia historicamente) amplia em muito as possibilidades de conflitos entre os diversos grupos macrofamiliares.
  • 16
    A depredação desses recursos, em muitos casos, está vinculada, diretamente, ao modelo de agricultura implantado nas terras indígenas pelos órgãos oficiais, em especial a partir da década de 1970, no bojo da ampla mecanização que acompanhou, no Mato Grosso do Sul, a expansão do plantio da soja. SCHROEDER, Peter.
  • 17
    Ver Brand, 2001.
  • *
    Artigo elaborado a partir do projeto de pesquisa: Confinamento e tradição nos processos históricos dos Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul, apoiado pela FUNDECT/MS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      05 Out 2007
    • Aceito
      22 Jul 2008
    Universidade Católica Dom Bosco Av. Tamandaré, 6000 - Jd. Seminário, 79117-900 Campo Grande- MS - Brasil, Tel./Fax: (55 67) 3312-3373/3377 - Campo Grande - MS - Brazil
    E-mail: suzantoniazzo@ucdb.br