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Construção de saberes com agricultores familiares no Nordeste Paraense

Construcción de saberes con agricultores familiares en el Noreste de Pará, Brasil

Construction de savoirs avec des agriculteurs familiers au Nord-est de Para, Brésil

Knowledge construction with household farmers in Northeast Pará, Brazil

Resumos

O objetivo do artigo é analisar o processo de construção de saberes decorrente de uma interação entre agricultores familiares, técnicos e pesquisadores visando à criação de peixes no Nordeste Paraense. Para isso, são discutidas as lógicas orientadoras das ações desses agricultores, bem como são analisados os elementos que favoreceram a construção de saberes e a socialização de novos conteúdos. O entendimento prévio sobre a noção de construção de conhecimento e de saberes orienta a análise.

Saberes; Construção; Agricultura familiar


El objetivo del articulo es analizar el proceso de construcción de saberes decurrente de una interacción entre agricultores familiares, técnicos y investigadores visando la crianza de pescados en el Noreste del departamento de Pará, Brasil. Para esto, son discutidas las lógicas orientadoras de las acciones de los agricultores, bien como, son analizados los elementos que favorecieron la construcción de saberes y la socialización de nuevos contenidos. El entendimiento previo sobre la noción de construcción de conocimiento y de saberes orienta el análisis.

Saberes; Construcción; Agricultura familiar


L'objectif de l'article est d'analyser le processus de construction des savoirs issus de l'interaction entre les pratiquant une agriculture familière, les techniciens et les chercheurs en vue de la mise en place d'une pisciculture dans le Nord-Est du Pará. Pour cela, les logiques qui influencent les actions de ces agriculteurs sont analysées ainsi que les éléments qui favorisent à l'origine de la construction des savoirs et leur divulgation. La compréhension de la notion de contruction des connaissances et des savoirs est une base prérequise pour cette analyse.

Savoirs; Construction; Agricultura familière


The aim of this article is to analyse the knowledge construction process originated from the interaction among household farmers, technicians na researchers in Northeast Pará, Brasil. For this, the reasons that orient these household farmers fish culture actions are discussed, as well is analysed the factors that supported the knowledge construction and the socialization of new technical subject. A previous understanding concerning the knowledge construction conception orient the analysis.

Knowledge; Construction; Household agriculture


ARTIGOS

Construction de savoirs avec des agriculteurs familiers au Nord-est de Para, Brésil

Construcción de saberes con agricultores familiares en el Noreste de Pará, Brasil

Gustavo MeyerI; Dalva Maria da MotaII; Roselany de Oliveira CorrêaIII

IPesquisador da Embrapa Amazônia Oriental. Mestre em Aquicultura. E-mail: meyer@cpatu.embrapa.br

IIPesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental. Doutora em Sociologia. E-mail: dalva@cpatu.embrapa.br

IIIPesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental. Mestra em Biologia Aquática. E-mail: rcorrea@cpatu.embrapa.br

RESUMO

O objetivo do artigo é analisar o processo de construção de saberes decorrente de uma interação entre agricultores familiares, técnicos e pesquisadores visando à criação de peixes no Nordeste Paraense. Para isso, são discutidas as lógicas orientadoras das ações desses agricultores, bem como são analisados os elementos que favoreceram a construção de saberes e a socialização de novos conteúdos. O entendimento prévio sobre a noção de construção de conhecimento e de saberes orienta a análise.

Palavras-chave: Saberes. Construção. Agricultura familiar.

ABSTRACT

The aim of this article is to analyse the knowledge construction process originated from the interaction among household farmers, technicians na researchers in Northeast Pará, Brasil. For this, the reasons that orient these household farmers fish culture actions are discussed, as well is analysed the factors that supported the knowledge construction and the socialization of new technical subject. A previous understanding concerning the knowledge construction conception orient the analysis.

Key-words: Knowledge. Construction. Household agriculture.

RÉSUMÉ

L'objectif de l'article est d'analyser le processus de construction des savoirs issus de l'interaction entre les pratiquant une agriculture familière, les techniciens et les chercheurs en vue de la mise en place d'une pisciculture dans le Nord-Est du Pará. Pour cela, les logiques qui influencent les actions de ces agriculteurs sont analysées ainsi que les éléments qui favorisent à l'origine de la construction des savoirs et leur divulgation. La compréhension de la notion de contruction des connaissances et des savoirs est une base prérequise pour cette analyse.

Mots-clés: Savoirs. Construction. Agricultura familière.

RESUMEN

El objetivo del articulo es analizar el proceso de construcción de saberes decurrente de una interacción entre agricultores familiares, técnicos y investigadores visando la crianza de pescados en el Noreste del departamento de Pará, Brasil. Para esto, son discutidas las lógicas orientadoras de las acciones de los agricultores, bien como, son analizados los elementos que favorecieron la construcción de saberes y la socialización de nuevos contenidos. El entendimiento previo sobre la noción de construcción de conocimiento y de saberes orienta el análisis.

Palabras clave: Saberes. Construcción. Agricultura familiar.

Introdução

O objetivo deste artigo é, segundo um entendimento prévio sobre a noção de construção de conhecimento e de saberes, analisar o processo de construção coletiva de saberes que se deu no âmbito de uma interação entre agricultores, técnicos e pesquisadores, no Nordeste Paraense. Buscou-se, para isso, a compreensão dos sentidos das ações destes atores no processo de criação de peixes, atividade recente e em expansão na região. Tal processo foi decorrente de uma demanda apresentada por representações de diferentes grupos dos agricultores, que desencadeou a elaboração e execução de um projeto de apoio à piscicultura familiar local, formalizado pela Embrapa em parceria com prestadoras locais de assistência técnica e extensão rural (ATER). Daí, originou-se o Projeto Ver-o-Peixe, no interior do qual se deram as interações aqui analisadas.

A pesquisa se deu predominantemente a partir de abordagens qualitativas que permitiram analisar pontos de vista não tão explícitos e compreender como padrões gerais são reproduzidos em situações específicas da vida cotidiana. Observações diretas, levantamento de dados primários e secundários, entrevistas abertas e grupos focais foram realizados entre maio de 2007 e junho de 2009, com diferentes atores envolvidos com o projeto Ver-o-Peixe (agricultores familiares e suas representações, técnicos de extensão rural pública e privada, pesquisadores, secretários municipais de agricultura, entre outros), nos municípios de Mãe-do-Rio, Irituia, Capitão Poço e São Domingos do Capim (Figura 1). Não obstante a diversidade de atores envolvidos, as interações predominaram entre os agricultores criadores de peixe (na forma individual ou coletiva), técnicos de ATER e pesquisadores da Embrapa, em diferentes tipos de encontros (mensais, com duração média de 4h, em cada um dos seis estabelecimentos rurais onde a piscicultura era praticada; e semestral, entre os agricultores pertinentes à rede).


Além desta introdução e das considerações finais, o artigo está dividido em quatro partes. A primeira objetiva compartilhar um entendimento sobre as noções de construção de conhecimento e de saberes, bem como tratar das particularidades inerentes aos agricultores, técnicos e pesquisadores no que se refere a este tema. A segunda trata do entendimento das lógicas produtivas da piscicultura local, entendimento este que correspondeu às principais apreensões dos técnicos e pesquisadores no processo de construção de saberes. Na terceira, reflete-se sobre os elementos considerados relevantes para o diálogo entre os atores participantes do processo. Por fim, na quarta, discutem-se as apreensões dos agricultores a respeito da piscicultura. Para fins analíticos, ao longo do texto, convencionamos a referência aos técnicos e pesquisadores como sendo os atores técnico-científicos. A referência aos agricultores, individualmente, foi feita utilizando-se as designações A1, A2, A3, A4, A5 e A6.

1 A construção de conhecimento e de saberes

Não existe consenso sobre a noção de construção do conhecimento, e múltiplos são os pontos de vista e definições a respeito. Segundo Werneck, "a noção de construção do conhecimento é uma dessas idéias análogas que têm mais que um significado" (WERNECK, 2006, p. 175). Pode-se entendê-la sob o ponto de vista da educação, da filosofia, da psicologia, entre outros, havendo divergências dentro de cada campo.

Para Werneck (2006), a construção, qualquer que seja, enquanto ato ou ação, é decorrente de um processo racional de vontade. Assim sendo, é essencial em um processo de construção do conhecimento haver uma predisposição do sujeito favorável ao objeto. De outro modo, a mesma autora coloca que "o homem não 'descobre' o conhecimento pronto na natureza, mas relaciona os dados dela recebidos, constituindo os saberes" (WERNECK, 2006, p. 175). Por isso, define a construção do conhecimento como um processo de constituição dos saberes.

Saber pode ser considerado como um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos que obedece a certa sistemática de organização e são passíveis de serem transmitidos (JAPIASSU, 1977 apud WERNECK, 2006). Já sabedoria é entendida como resultado da adequada hierarquização de valores para múltiplos fins, entre eles o domínio do conhecimento científico e tecnológico de uma determinada época, a promoção da justiça ou o alcance da dignidade humana. Neste sentido, Werneck (2006) entende que a construção do conhecimento tem algumas características, das quais se destaca a interferência do imaginário neste processo "pela via da cosmovisão e da ideologia". O conhecimento ocorre quando seu objeto traduz-se na atividade do sujeito. Este processo, então, segundo a autora, pode ser traduzido como aprendizagem, e exige um estado de atividade da parte do sujeito.

Na tentativa de aprofundar a questão e considerando ainda o termo "construção do conhecimento", duas analogias são pertinentes. A primeira é em relação ao processo, ora em voga, chamado de inovação, que se define como qualquer novidade introduzida em um processo social ou produtivo (SAGARPA, 2004). A inovação não deve ser necessariamente nova para o mundo, mas sim para o agente que a "adota". Para Rölling, a "inovação é a renovação da realidade socialmente construída, que por definição não é idêntica à tecnologia" (RÖLLING, 1994, p. 276). No entanto, uma nova tecnologia pode ser consequência desta renovação. A segunda é o conceito da aprendizagem associado ao construtivismo. Segundo Werneck, o construtivismo propõe

[...] uma modalidade de aquisição do conhecimento em que o sujeito de modo ativo, compreenda cada fase do processo, perceba os nexos causais existentes entre eles e, principalmente, incorpore como seu aquele conteúdo. (WERNECK, 2006, p. 180)

Assim, tanto a noção de inovação como a de construtvismo se aproximam daquelas de construção de conhecimento e de saberes, entretanto ainda não as contemplando por inteiro.

Considerando este debate, é importante analisar a distinção entre os termos construção de conhecimento e construção de saberes. Embora existam poucas referências sobre este tema no âmbito dos estudos voltados à agricultura familiar, as referências em campos como a educação e a psicologia são vastas. Mota (2005) faz diferenciação entre os termos saber e conhecimento, a partir de uma fusão de várias definições e pontos de vista advindos principalmente do campo da filosofia. Cunha e Prado (2007) bem resumem o esforço da autora, da seguinte forma:

Para Mota, o conhecimento é uma apropriação cognitiva de um determinado objeto externo: o sujeito obtém uma imagem cognitiva interna de uma realidade externa. O saber implica uma relação entre o sujeito, o conhecimento e seu contexto, ou seja, uma interação sujeito-mundo. Construir conhecimentos seria objetivar informações, dados, conceitos. Construir saberes seria movimentar esses conhecimentos no contexto de ação, reinventando-os, recriando-os e traduzindo-os, de acordo com as circunstâncias da situação. Saber e conhecimento são vistos como formas de se relacionar, pensar e expressar a realidade. (CUNHA & PRADO, 2007, p. 277)

Rapimán, analisando a relação entre os saberes indígenas e a formação de professores de educação intercultural, apropria-se do que foi observado por Mota ao dizer que

Estos saberes están constituidos por um corpus de conocimientos sobre la naturaleza com respecto a las concepciones que cada sociedad tiene del mundo. (RAPIMÁN, 2007, p. 227)

No entanto, aceitar o pressuposto de que o conhecimento esteja contido no saber, ou vice-versa, depende de qual forma ele tenha sido construído. Por outro lado, a distinção feita por Mota, associando os saberes às ações, às práticas, confere maior sentido à ideia do saber ser constituído de conhecimento, particularmente se a análise recair sobre agricultores familiares, que têm as práticas como principal meio cognitivo.

Concordando com a proposição de Mota, é pertinente associar três outros elementos como sendo intrínsecos aos processos de construção de saber. O primeiro consiste em um meio pedagógico particular, denominado recontextualização, discutido, entre outros autores, por Marandino (2004). Segundo a autora, a recontextualização parte do pressuposto de que o espaço dos saberes das práticas sociais são referências tão legítimas quanto as advindas da ciência hegemônica. É um mecanismo cujas bases do discurso pedagógico são regras recontextualizadoras, ou seja, capazes de

[...] embutir e relacionar dois discursos e, neste processo de relação, o discurso da competência, instrucional, é embutido no discurso regulativo, de ordem social. (MARANDINO, 2004, p. 102).

Assim, a recontextualização enquanto elemento destes processos

[...] age de forma seletiva, apropriando, refocalizando e relacionando outros discursos a partir de sua própria ordem, tornando-os um outro discurso. (p. 103)

De outro modo, a recontextualização seria uma perspectiva de

[...] transferência de textos entre diferentes contextos de produção e reprodução, mediada pelas relações de poder e pela regulação do discurso de ordem social. (p. 104)

O segundo elemento é a cultura, traduzida em realidade social. Vale dizer que parte do saber a que nos referimos é o de agricultores familiares, temporalmente localizados, cuja cultura está intimamente ligada ao manejo dos recursos naturais, que constituem a base de seu sustento, mas não apenas isso, suas relações sociais foram construídas a partir da interação com este meio. Neste sentido, Werneck coloca que "o homem transforma a natureza tanto por sua ação individual quanto social num mundo de cultura que vai para ele aparecer revestido de valor" (WERNECK, 2006, p. 177). Em outras palavras, é por intermédio da cultura que um sujeito ou comunidade atuam fundamentalmente em seus respectivos processos de constituição de saberes, pois nela estão representados os pressupostos do modo de pensar e agir locais.

Por fim, o terceiro elemento é a intersubjetividade. Os processos de construção de saberes de que tratamos acontecem necessariamente de maneira compartilhada entre sujeitos e exige, portanto, uma comunicabilidade. A intersubjetividade não seria então condição para processos de apropriação de um conhecimento já pronto, mas sim para os de construção. A partir destes elementos e pelo exposto, dialogamos com a noção de saber proposta por Jovchelovitch (2004). Para a autora, o saber é um sistema de representações simbólicas enredado produtivamente com um modo de vida e com sua cultura; ele é sempre obra de uma comunidade humana e, portanto, deve ser entendido no plural, sendo que não há uma forma de saber apenas, mas muitas. Essa variação corresponde à variação nas formas de relação social que constituem tanto o saber como a comunidade. Em relação à sua construção, essa variação acontece a partir de uma relação entre sujeito-sujeito-objeto, no tempo e no espaço, e seus meios são as relações sociais estabelecidas entre pessoas e seu ambiente social e natural.

Em síntese, o conceito de construção de saber que utilizamos, por uma parte, é o de um processo de aprendizagem decorrente da vontade, no qual figura a recontextualização para a apreensão de conteúdos. Isto porque pressupomos a socialização de conceitos técnicos provenientes da ciência hegemônica. Por outra, configuram-se como ideias, práticas, métodos ou conceitos traduzidos nas atividades de sujeitos e influenciados por seu imaginário, cultura e ideologias, produzindo um novo modo de fazer, ou outro "saber-fazer". Este novo saber não tem como base apenas o conhecimento científico, tampouco atores distinguidos como "aquele que ensina" ou "o sujeito que aprende", evidentemente sem que se possa negar a existência de um componente pedagógico. Trata-se de um processo com suas próprias características, por sua vez representadas pela experimentação em meio real, pelo trabalho e pela família, construído a partir de diferentes modos de ser e distintas capacidades.

1.1 Saber de agricultores versus saber técnico-científico: uma barreira difícil de transpor?

O saber associado à ciência hegemônica e o saber-fazer associado aos agricultores familiares compartilham critérios técnicos comuns. Entretanto, é possível dizer que as lógicas que orientam a elaboração ou constituição destes dois "tipos" de saber são diferenciáveis. Os saberes dos agricultores são dinâmicos e heterogêneos (VEIGA, 2002) e esta heterogeneidade é uma das principais características que se deve levar em consideração ao contrastá-las. Sendo o saber a movimentação do conhecimento no contexto da ação e sendo o conhecimento dos agricultores de ordem mais prática, isto implica maior heterogeneidade deste em relação aquele movimentado por atores técnico-científicos. Isto porque o conhecimento que está por trás dos saberes destes últimos (atores técnico-científicos) está em muito associado a uma epistemologia socialmente aceita, em contraposição, mais homogênea. Então, neste ponto reside parte expressiva da dificuldade de diálogo dos atores portadores destes saberes, por sua vez requisito aos processos de construção compartilhada.

Para Rapimán (2007), o saber técnico científico é baseado no acúmulo da ciência hegemônica, ou, de outra forma, na elaboração de hipóteses e teorias no marco de uma prática discursiva, ao passo que o saber local tende a ser mais indutivo que dedutivo, muito embora não prescinda de eventuais préstimos técnicos da ciência hegemônica. Assim, assumir a indutividade como característica - e não regra - do saber local, nos leva a pensar que os saberes locais e os técnico-científicos podem ser elaborados por caminhos inversos, já que "indutivo" é o raciocínio que parte da prática, dos fatos ou dos efeitos, para as leis ou causas, ao contrário da dedução. Neste ponto, entendemos, reside outro aspecto frágil e importante. À proporção de que é árduo para o ator técnico-científico reconhecer a heterogeneidade de saberes decorrente das práticas dos agricultores, é também árduo para o agricultor vislumbrar efeitos decorrentes de práticas que ainda não aconteceram, portanto sem referenciais práticos.

Em um sentido mais amplo, entender as razões e lógicas que regem as ações dos agricultores é um ponto de partida essencial para dialogar com eles. O saber dos agricultores é fundamentado na natureza e em suas relações sociais, ou seja, segundo uma relação intuitiva homem-sociedade e homem—natureza; suas normas técnicas colocadas no discurso são muitas vezes diferentes da prática, e os assuntos do cotidiano - da vida - nem sempre se separam dos assuntos da produção (TAVARES; VEIGA, 2006, SARTRE et al., 2005). Neste sentido, Veiga coloca que

[...] o diálogo implica em conhecer os saberes em jogo, bem como em se ter consciência e superar relações de dominação e de violência simbólica entre indivíduos que ocupam posições sociais diferentes (tais como técnicos e agricultores), mas também entre os próprios agricultores. (VEIGA, 2002, p. 16)

Por um lado, o saber técnico-científico pode ser apresentado aos agricultores familiares como uma "novidade", no sentido estrito da palavra, desvinculada da prática. Por outro, o saber local aparece ao técnico muitas vezes mascarado pelo discurso do agricultor, que é imbuído de características da vida, da natureza e da cultura, não facilmente dissociáveis na interpretação. Para Cunha (1999), os pressupostos do saber científico são diferentes daqueles do saber local, em muito devido à tradição oral predominante nestes últimos, que confere outras lógicas de operação e de transmissão do saber. Por fim, há de se adicionar as relações de poder que se constituem na interação entre agricultores e atores técnico—científicos, nas quais a proporcionalidade entre os menos e mais privilegiados segue esta mesma ordem e atua em sentido desfavorável ao diálogo e à construção.

2 As lógicas por trás das práticas - os novos saberes de quem é de "fora"

Buscou-se compreender algumas das lógicas orientadoras das ações dos agricultores no que tangia à criação de peixes. Sua melhor compreensão, no entanto, somente ocorreu ao longo da rotina de interação e dos eventuais "embates" que surgiram; foi a frequência contínua de encontros que permitiu o diálogo entre atores e o melhor entendimento do saber-fazer dos agricultores por parte dos atores técnico-científicos.

É consenso que, tratando-se de agricultores familiares, a produção para o autoconsumo da família não pode ser ignorada. Assim, os agricultores tendem a vislumbrar o planejamento e a própria produção dos peixes a partir desta lógica. Segundo Gazolla e Shneider (2007), o aprovisionamento, ou o autoconsumo, relaciona-se com diversos aspectos da vida dos agricultores, dentre eles, à sociabilidade e reciprocidade entre as famílias (ex. troca de alimentos e de sementes) com a autonomia, com a proteção diante do mercado de alimentos e às estratégias para garantir segurança alimentar e nutricional. Em outra perspectiva, garante a identidade e a reprodução social (CHAIANOV, 1974 apud GAZOLLA; SHNEIDER, 2007).

Enquanto pressuposto, esta centralidade do autoconsumo compôs o discurso dos atores técnico-científicos, entretanto, não fora de fato considerada nos momentos de planejamento dos ciclos produtivos de criação de peixes. Isto porque prevaleceu a tendência de vislumbrar estes ciclos com começo, meio e fim, no qual os peixes seriam despescados todos de uma única vez, ao final, impedindo o consumo temporalmente distribuído, ou seja, ao longo do ciclo. O emprego inicial desta lógica cartesiana, em parte "ofertada", ocasionou uma série de replanejamentos e rearranjos (principalmente em relação a A1 e A2), apontando para uma "confusão preliminar", que por sua vez foi superada à medida que a distribuição temporal do autoconsumo fora incorporada aos planejamentos. Assim, os agricultores buscaram valorizar o autoconsumo ao longo dos ciclos, a partir das experiências já existentes no lote, ao passo que os atores técnico-científicos tenderam a sugerir um recomeço, gerando um embate subliminar.

Embora houvesse a predisposição ao diálogo, algumas ideias, práticas e conceitos não puderam ser inicialmente transpostos para fora da sistemática da ciência hegemônica por parte dos atores técnico-científicos. Este debate pôde ser iniciado pelo fato de que ocorreu a tendência, por parte destes atores, de estimular o início da piscicultura partindo de alevinos (peixes pequenos, pesando menos de 1g) sob a justificativa de menor custo. Entretanto, foi observado que a utilização de peixes maiores para início da piscicultura constitui uma das estratégias locais. Isto porque, localmente, peixes maiores são bens preciosos, devido à existência de poucas referências que dêem suficiente amparo à engorda dos peixes a partir de alevinos. Assim, a aquisição de peixes juvenis (pesando mais de 10g) significa maior oportunidade, e às vezes única, de êxito do ciclo produtivo; poucos são os agricultores que os têm, e seu valor é funcional, ou seja, não obedece diretamente às regras financeiras.

Assim como o tamanho inicial dos peixes, dispor de grande diversidade de espécies nos tanques representa um valor aos agricultores, o que contraria a tendência técnico-científica que usualmente roga pela criação de uma única espécie para facilitar o monitoramento da produção. Tal gosto pela diversidade relaciona-se ao hábito alimentar também diverso destes agricultores, ao menos no que se refere ao consumo de peixes que foram consumidos, durante gerações, de forma diversa, diretamente dos igarapés. Além disso, nomes de peixes, seus comportamentos, tamanhos, cores e formatos constituem assuntos do cotidiano, já que os igarapés são espaços de lazer e de socialização. Desta maneira, os tanques de piscicultura representam tentativas de reprodução da diversidade destes igarapés e, havendo diversidade, evitam-se riscos.

Devido à dificuldade de obtenção de alevinos ou juvenis na região, bem como a de garantir sua sobrevivência nas condições locais, existe a predileção pela abundância de peixes, no que se refere ao número estocado nos tanques. Neste sentido, a tilápia, espécie exótica cuja criação é proibida na região, é desejada e criada sempre que possível, pois sua reprodução ocorre naturalmente, em velocidade acelerada. A criação deste peixe, então, resulta em tanques com muitos peixes, mas sempre pequenos, condição que não é desejada sob a lógica técnico-científica. Entretanto, na prática local, este procedimento garante a disponibilidade de peixes, de modo que é preferível tê-los sempre pequenos a não tê-los. A valorização desta abundância, entendemos, relaciona-se também à presença de condições ambientais adversas (enxurradas, secas, ocorrência de parasitas, predadores, etc.) e à falta de referências locais para enfrentá-las. Neste sentido, dispor de muitos peixes, ainda que não seja possível alimentá-los, evita os riscos impostos pelas adversidades.

A construção sucessiva de tanques de piscicultura constitui prática comum na região. Mesmo quando são acumuladas experiências de insucesso com a criação, os tanques continuam sendo construídos pelos agricultores porque representam reservas de valor às famílias. Não obstante a própria piscicultura seja desejada, a construção de tanques, açudes e barragens funciona como investimento para o futuro, pois valorizam o lote, inclusive sob o aspecto paisagístico - e esta sucessão de esforços não está condicionada ao êxito com a piscicultura em si. Assim, constatamos que tais investimentos, de trabalho e financeiro, sejam um mecanismo dentro das estratégias de reprodução social destas famílias (A1 e A3).

Constatamos ainda que o principal critério de decisão para a adoção de qualquer tipo ou sistema de piscicultura é o custo financeiro a ele associado, que por sua vez se relaciona com as limitações e projetos de cada família. Tal fato é diferente de como ocorre, por exemplo, com a roça sem queima, cujo critério principal para o emprego de um determinado itinerário técnico é o volume de trabalho (OLIVEIRA et al., 2006). De um modo mais específico, a experimentação foi a principal ferramenta utilizada pelos agricultores para a adesão a novos componentes tecnológicos. Tal adesão não foi imediata, mas gradual, como subsídio à resolução dos novos problemas que surgiam. Alguns dos agricultores, no entanto, executaram suas atividades de piscicultura de forma mais prescritiva aos conceitos discutidos e frisados pelos atores técnico-científicos. Associamos tal ocorrência aos agricultores que vivenciaram sucessivas perdas de lotes de peixes e, assim, de recursos. Em alguns casos (A3 e A5), a intenção fora a de exatamente experimentar as proposições dos atores técnico-científicos. Segundo Mota et al. (2007), esta situação é favorecida quando há uma estrutura minimamente organizada e viabilidade em termos econômicos e de mão-de-obra.

A piscicultura em si não constituiu o objetivo de todos os agricultores envolvidos na experiência. Neste sentido, alguns dos agricultores (A2 e A4) tidos pelos atores técnico-científicos como "menos exitosos" em relação à produção de peixes exerceram outras funções além da produção, relacionadas à mediação social. Para Furtado (2005), a mediação social é o processo de construção de ações compartilhadas entre os indivíduos e as organizações, desenvolvendo a capacidade dos comunitários de

[...] influenciar as políticas e analisar suas práticas do conhecimento necessário para apoiar, informar e influenciar as pessoas envolvidas na formulação de políticas.

Similarmente, esses agricultores apresentaram predisposição à animação das redes locais de inovação relacionadas à piscicultura, exercendo função similar a "braços" destas comunidades que fazem a interlocução com outros setores da sociedade.

Por fim, para os agricultores, as atividades combinadas em conjunto com os atores técnico-científicos se "confundem" com outras do cotidiano, dando a entender a existência de uma outra escala de tempo e o surgimento constante de novos projetos pessoais. Pela análise, transpareceu a ideia de que a sistemática da ciência hegemônica - e seu itinerário técnico associado - aparece como sendo monótona ao agricultor, que se relaciona com as experimentações de forma mais criativa.

3 Os meios para o diálogo

A ação, aqui designada como construção de saberes, esbarrou em inúmeras limitações, dentre as quais procuramos dar ênfase àquelas inerentes ao diálogo entre os atores. A presença de uma equipe interdisciplinar favoreceu o diálogo, no sentido de, a certa altura, se dispor de múltiplas interpretações dos problemas da produção e da família. Assim, diferentes hipóteses que emergiram durante o processo foram confrontadas. Aspectos técnicos, na medida do possível, puderam ser acrescidos de uma visão do sistema de produção, tornando a experiência mais dinâmica, com sentido para todos os atores. Os problemas discutidos passaram a assumir maior complexidade à medida que ocorreu a apreensão da interface entre o biológico, o produtivo e o social para aporte de outros conhecimentos.

É pressuposto da interdisciplinaridade a refutação do pensamento simplificador ou unidimensional, dando espaço à contextualização dos saberes, integrando-os e articulando-os (MEIRELES; ERDMANN, 2005). No nosso caso particular, a interdisciplinaridade atuou como elemento que, primeiramente, permitiu a apreensão da complexidade contextual e, num segundo momento, possibilitou que um novo saber, interdisciplinar, fosse forjado. Para Minayo, "atualmente do ponto de vista prático, a experiência tem mostrado que, frente a problemas complexos impossíveis de serem tratados isoladamente, os êxitos dependem da reunião de pessoas capazes de dialogar e dispostas a isso" (MINAYO, 1994, p.

[...] é ao nível da ação concreta que a relação de diálogo pode avançar e que os verdadeiros problemas se manifestam, permitindo assim chegarmos em temas de compreensão mútua, sendo que são estes temas que passa a mediatizar a relação entre os atores implicados na ação. Eles permitem o estabelecimento de um diálogo, e assim, a emergência de novas questões. (SIMÕES, 2005, p. 209)

De outra forma, pode-se inferir que a continuidade na interação favoreceu a confiança e os laços de amizade entre os atores e propiciou finalmente um ambiente favorável à compreensão de aspectos pessoais e de relações interpessoais nos vários lotes e nas comunidades, tais como os projetos de vida, predileções e divisão do trabalho.

Um aspecto importante, direta e coincidentemente associado à constância de frequência nas interações, são as relações de poder que se instauram no primeiro contato entre agricultores e atores técnico-científicos. Retomando o que colocou Veiga,

[...] o diálogo implica em conhecer os saberes em jogo, bem como em se ter consciência e superar relações de dominação e de violência simbólica entre indivíduos. (VEIGA, 2002, p. 16)

Tal reflexão, no decorrer das interações, foi imbuída de sentido, revelando que, à medida que tais relações de poder puderam ser "desconstruídas", o diálogo foi estabelecido, facilitando a compreensão e a real aceitação de critérios formulados pelos agricultores, bem como de suas proposições técnicas.

No caso particular aqui analisado, ocorreu a entrada de novos conteúdos, oriundos da ciência hegemônica, tais como manejo da qualidade da água, nutrição e alimentação de peixes, entre outros. Mais especificamente, esta particularidade refere-se ao fato da situação exigir um mecanismo propriamente pedagógico. Neste sentido, dados da FAO apontam que

[...] qualquer projeto que subestime a capacitação dos agricultores estará condenado ao fracasso, como de fato fracassaram por este mesmo motivo muitos projetos de alto custo. (FAO, 1992 apud GASTAL et al., 2002, p. 18)

No entanto, no bojo desta discussão, cabe a pergunta: que tipo de capacitação é esta e como ela foi inserida no contexto?

Considerando o processo em análise, além dos contatos informais, apontamos sim para a necessidade de interações formais periódicas para apresentação desses conteúdos, mas pautadas em sua recontextualização e no debate baseado no "fazer" dos agricultores, ou seja, utilizando-se os dados das experimentações compartilhadas. A periodicidade deste tipo de debate atenuou as dificuldades de entendimento entre atores, comuns neste tipo de processo. Já o contexto dessas interações é aquele de múltiplos sistemas de valores, forças e intenções, no qual se faz necessário

[...] valorizar o reconhecimento das hierarquizadas posições ou das distâncias sociais entre os agentes partícipes do processo de mudança social (NEVES, 2005, p. 190).

Tal reconhecimento favorece que o dito processo pedagógico não se configure como um fim, mas como um meio pelo qual busca-se a contextualização de novos componentes, num processo que deve objetivar, sobretudo, a comunicação ou, de uma forma mais ampla como colocou Neves, "incorporar referências de outros múltiplos domínios de vida social e a se comunicar com outros diferenciados discursos" (p. 190).

Na medida em que ocorreram os contatos nos lotes e também as interações decorrentes da ida dos diferentes atores a encontros em outros locais (reuniões periódicas na sede da prestadora de ATER, intercâmbios com outros agricultores não formalmente integrados à rede, etc.), novos conceitos técnicos foram inseridos no debate. Simplificações e adaptações foram feitas por parte dos atores técnico-científicos e favoreceram a contextualização destes novos conteúdos. Alguns agricultores também se valeram deste mecanismo, por exemplo, adotando o termo "espécie" (de peixe) para referirem-se ao que eles conhecem como "marca". Entretanto, tais artifícios, por si só, não foram suficientes para a tradução destes novos conceitos em um diferente sistema de valores; isso somente foi possível quando tais conceitos emergiram de uma discussão para a resolução de problemas reais. Entendemos que o esforço deve ocorrer com o intuito de buscar mecanismos que facilitem que conceitos advindos da ciência hegemônica possam fazer sentido dentro de um sistema de pensamento que tende ao indutivo.

De modo geral, as experimentações foram acrescidas do registro sistemático das informações produtivas (ex. crescimento, conversão alimentar e mortalidade dos peixes; indicadores de qualidade da água; receitas e despesas; etc.). Tais registros também serviram de base ao diálogo, pois seus significados atuaram como elemento comum aos atores, propiciando um espaço de intersubjetividade. Com a experiência, então, dois "núcleos" de saber foram modificados - dos agricultores e dos atores técnico-científicos - e outro, comum a todos, foi constituído: um saber contextualizado.

4 Um novo discurso produzido - os novos saberes de quem é de "lá"

No início da interação, foi feito um esforço no sentido de entender as práticas relacionadas à piscicultura vigentes no contexto, bem como de registrar conteúdos do discurso dos agricultores que subsidiassem o aprofundamento desse entendimento. Vários elementos foram percebidos e sistematizados, no início, revelando aprendizados e inovações anteriores afetos à temática de piscicultura (Tabela 1).

Conforme a Tabela 1, o saber local a respeito da piscicultura já era bastante diversificado e fora adquirido, salvo poucas exceções, com as experiências de insucesso do passado. Entretanto e de modo geral, as informações locais a respeito da piscicultura não constituía um conjunto coeso o suficiente para viabilizar a sobrevivência dos peixes e término dos ciclos produtivos sem prejuízos financeiros. Isto porque a piscicultura ainda estava (e está) sendo incorporada ao saber-fazer e itinerários produtivos locais.

A partir do diálogo, por sua vez facilitado pelos meios acima expostos, novos elementos, conceitos e abordagens surgiram no discurso dos diferentes atores, dentre os quais aqui daremos ênfase aos agricultores. A partir do discurso, foram encontrados indicativos suficientes para se poder afirmar que o conjunto de saberes relacionado à piscicultura havia se tornado localmente mais coeso, tanto no que se refere à atividade em si, quanto às suas formas de gestão, coletiva ou individual. De modo geral, alguns princípios passaram a compor o conjunto referencial que orienta as práticas dos agricultores, dos quais se destaca, inicialmente, a percepção dos limites da atividade. Esta afirmação pode ser exemplificada por uma das falas que a isto remete: "alguns pensam que criar peixe é jogar ele na água e só pegar o peixe de 5kg [...] a quantidade de peixe que coloca depende da capacidade de alimentação do espaço"(A6). Foram, então, frequentes as menções que aludiam ao fato de que o quantitativo desejado (de peixes) estava condicionado à disponibilidade de recursos, sobretudo físicos e financeiros, fato até então pouco considerado.

Outro indicativo foi o da limitação operacional de alguns tipos de sistema, especialmente os abertos, chamados localmente de "barramentos". Em tais sistemas, é aproveitada a existência de um curso de água natural (nascente ou pequeno igarapé), fazendo com que estes, caracteristicamente, estejam vulneráveis às enxurradas, que por sua vez alteram repentinamente a qualidade da água do ambiente de criação. Entre outras limitações desse sistema, o comprometimento da despesca também passou a ser percebido: "o barramento é mais dificíl porque não dá pra botá rede quando tá cheio, só despesca quando esvazia a água" (A4). Neste sentido, os agricultores tenderam também a declarar as vantagens dos sistemas fechados (tanques escavados, que funcionam independentemente do barramento de um curso d'água), tal como a de que "o manejo e a captura dos peixes fica mais fácil" (A6), bem como seus inconvenientes.

Integraram-se também ao discurso aspectos relacionados à necessidade de cuidados especiais com os alevinos. Da mesma forma, diversos aspectos relacionados à qualidade da água foram mencionados gradativamente ao longo do processo, de modo que a dinâmica de qualidade da água, cujo entendimento é de relativa complexidade e exige a compreensão de conceitos tais como pH, oxigênio dissolvido, luminosidade, etc., foi em grande parte incorporada ao discurso; da mesma forma a inter-relação entre estes conceitos, de maneira que, inclusive, resoluções de problemas desta natureza puderam ser conduzidas pelos próprios agricultores, após o primeiro ano de interação.

Diversas menções referiram-se à necessidade de planejar os gastos destinados à compra de ração, bem como à administração deste alimento. Isto está associado aos relatos sobre a importância do emprego de taxas de alimentação diferenciadas, ao longo do ciclo. Neste sentido, foi diversamente expresso que o consumo de ração se dá em um processo de competição entre os peixes, "[...] uns come mais outros menos [...]" (A1), ao passo que passaram a relacionar tal fato, tanto na prática quanto no discurso, com o manejo da quantidade e da qualidade do alimento oferecido, que proporciona benefícios e, ao mesmo tempo, exige o planejamento do uso de recursos financeiros. Deve-se acrescentar a verbalização dos ganhos em se respeitar a densidade de estocagem (número de peixe/m

Referências também surgiram em relação à gestão coletiva da atividade (por intermédio das associações). Neste âmbito, foram frisadas as dificuldades de manutenção dos compromissos firmados, bem como a necessidade de mobilização e animação dos membros das associações no que se refere às responsabilidades a serem assumidas por cada sócio. Também, a "[...] dificuldade de tomar decisões coletivas" (A5) foi associada aos atrasos de planejamento que algumas vezes ocorreram nestes processos, em função da decisão coletiva. Por outro lado, o "companheirismo" e a confiança foram destacados pelos agricultores como componentes fundamentais, que atuam de forma simbiótica nestes processos.

Considerações finais

Consideramos que a criação de um espaço de construção de saberes foi favorecida (ou limitada pela falta) pelos elementos: interdisciplinaridade; continuidade e frequência de interações entre atores; valorização dos aspectos pessoais; reconhecimento das relações de poder; recontextualização com protagonismo do agricultor e uso do registro de dados produtivos. Na ação, tais elementos, estiveram imbricados entre si e favoreceram a compreensão das estratégias produtivas utilizadas pelos agricultores e vice-versa.

De modo geral, foi possível identificar que os agricultores e atores técnicos científicos conectaram novos aspectos técnicos, sociais, econômicos, ambientais e legais aos seus conhecimentos e sistemas de valores, fato que foi representado pelo surgimento de um novo discurso comum. Atribuímos tal fato também à predisposição dos sujeitos em relação ao objeto, ou seja, à piscicultura e à interação. Neste sentido, Matos (2007) coloca que "o sujeito do processo deve ser a comunidade, a partir de suas próprias iniciativas", haja vista que estas detém capacidade. O embate entre as premissas locais e as técnico-científicas, então, deu-se em função da dificuldade de transposição da sistemática oriunda da ciência hegemônica para o meio local, onde figuram os valores dos agricultores, e vice-versa.

Recebido em 20/6/2010; revisado e aprovado em 7/10/2010; aceito em 30/11/2010

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    Knowledge construction with household farmers in Northeast Pará, Brazil
  • 2
    ), tanto no sentido do crescimento dos peixes quanto naquele de evitar a ocorrência de doenças.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      20 Jun 2010
    • Revisado
      07 Out 2010
    • Aceito
      30 Nov 2010
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