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Lutando e ressignificando o rural em campo: notas epistemológicas

The struggle for a new concept of rural space: epistemological considerations

La lutte pour un nouveau concept de l'espace rural

La lucha por un nuevo concepto de espacio rural : consideraciones epistemológicas

Resumos

A educação do campo é caudatária de um amplo processo de ressignificação do rural - como espaço social historicamente subalternizado - em campo, como um espaço pedagógico. Também se reconfiguram, a partir deste espaço em disputa, matrizes epistemológicas. O presente artigo propõe-se, por um lado, entender como se reconstruiu sociologicamente o "espaço rural" em "campo", tirando algumas consequências teóricas desse percurso e, por outro lado, elencar alguns aspectos que evidenciam essa reordenação epistêmica. A partir dessas evidências aponta-se para a necessidade da educação do campo assumir-se como uma construção de conhecimento na diversidade.

Desenvolvimento rural; Diversidade; Educação do campo


The education of the country comes from an ample process of ressignification of the concept "rural space" -historically understand as subaltern social space - to the concept "country", as a pedagogical space. From the conceptual dispute about this space, there are also reconfigured epistemological matrices. The goal of this article is, on the one hand, to understand why the "rural space" was sociological reconstructed in a new concept "country", taking off some theoretical consequences of this process and, on the other hand, to demonstrated some aspects that evidence this epistemical new ordination. From these evidences it is pointed about the necessity to affirm the education of the country as a construction of knowledge in the diversity.

Rural Development; Diversity; Education of the Country


L'éducation de la campagne est caudataire d'un large processus de ressignification de la ruralité - en tant qu'espace social historiquement subalterné - à la campagne comme un espace pédagogique. A partir de cet espace en discussion se voient aussi reconfigurées des matrices épistémologiques. Cet article prétend, d'une part, comprendre comment s'est sociologiquement reconstitué le concept d' « espace rural » en celui de « campagne » tout en tirant quelques conclusions théoriques, et d'autre part, indiquer quelques aspects qui mettent en évidence ce réalignement épistémique. C'est à partir de ces évidences que le besoin s'accentue pour l'éducation rurale de s'affirmer comme une construction de connaissance dans la diversité.

Développement rural; Diversité; Education de la campagne


La educación del campo resulta de un amplio proceso de resignificación de lo rural - como espacio social históricamente subalternado - en el campo como un espacio pedagógico. A partir de este espacio en discusión, también se reconfiguran matrices epistemológicas. El presente artículo se propone, por un lado, entender como se reconstruyo sociológicamente el concepto de "espacio rural" en un nuevo concepto "campo" sacando algunas conclusiones teóricas de este cambio y, por otro lado, indicar algunos aspectos que evidencian este reordenamiento epistémico. Desde esas evidencias se acentúa la necesidad, para la educación del campo, de asumirse como una construcción de conocimiento en la diversidad.

Desarrollo rural; Diversidad; Educación del campo


ARTIGOS

Lutando e ressignificando o rural em campo: notas epistemológicas

The struggle for a new concept of rural space : epistemological considerations

La lutte pour un nouveau concept de l'espace rural : considérations épistémologiques

La lucha por un nuevo concepto de espacio rural : consideraciones epistemológicas

Walter Marschner

Professor da Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD. E-mail: walmars@ufgd.edu.br

RESUMO

A educação do campo é caudatária de um amplo processo de ressignificação do rural - como espaço social historicamente subalternizado - em campo, como um espaço pedagógico. Também se reconfiguram, a partir deste espaço em disputa, matrizes epistemológicas. O presente artigo propõe-se, por um lado, entender como se reconstruiu sociologicamente o "espaço rural" em "campo", tirando algumas consequências teóricas desse percurso e, por outro lado, elencar alguns aspectos que evidenciam essa reordenação epistêmica. A partir dessas evidências aponta-se para a necessidade da educação do campo assumir-se como uma construção de conhecimento na diversidade.

Palavras-chave: Desenvolvimento rural. Diversidade. Educação do campo.

ABSTRACT

The education of the country comes from an ample process of ressignification of the concept "rural space" -historically understand as subaltern social space - to the concept "country", as a pedagogical space. From the conceptual dispute about this space, there are also reconfigured epistemological matrices. The goal of this article is, on the one hand, to understand why the "rural space" was sociological reconstructed in a new concept "country", taking off some theoretical consequences of this process and, on the other hand, to demonstrated some aspects that evidence this epistemical new ordination. From these evidences it is pointed about the necessity to affirm the education of the country as a construction of knowledge in the diversity.

Key-words: Rural Development. Diversity. Education of the Country.

RÉSUMÉ

L'éducation de la campagne est caudataire d'un large processus de ressignification de la ruralité - en tant qu'espace social historiquement subalterné - à la campagne comme un espace pédagogique. A partir de cet espace en discussion se voient aussi reconfigurées des matrices épistémologiques. Cet article prétend, d'une part, comprendre comment s'est sociologiquement reconstitué le concept d' « espace rural » en celui de « campagne » tout en tirant quelques conclusions théoriques, et d'autre part, indiquer quelques aspects qui mettent en évidence ce réalignement épistémique. C'est à partir de ces évidences que le besoin s'accentue pour l'éducation rurale de s'affirmer comme une construction de connaissance dans la diversité.

Mots-clés: Développement rural. Diversité. Education de la campagne.

RESUMEN

La educación del campo resulta de un amplio proceso de resignificación de lo rural - como espacio social históricamente subalternado - en el campo como un espacio pedagógico. A partir de este espacio en discusión, también se reconfiguran matrices epistemológicas. El presente artículo se propone, por un lado, entender como se reconstruyo sociológicamente el concepto de "espacio rural" en un nuevo concepto "campo" sacando algunas conclusiones teóricas de este cambio y, por otro lado, indicar algunos aspectos que evidencian este reordenamiento epistémico. Desde esas evidencias se acentúa la necesidad, para la educación del campo, de asumirse como una construcción de conocimiento en la diversidad.

Palabras clave: Desarrollo rural. Diversidad. Educación del campo.

Introdução

Num encontro de formação o educador inicia com a pergunta: "Qual é a primeira imagem que você associa à palavra 'rural'?". "Uma camionete velha e dura de dirigir [...]", foi a resposta. E mais: "[...] um ônibus sucateado transportando trabalhadores para o canavial [...]" (Educandos da Pedagogia da Terra, PRONERA, Francisco Beltrão - PR).

Há cerca de 10 anos iniciou-se no Brasil, por iniciativa de sindicatos, ONGS e movimentos sociais camponeses, um conjunto de debates envolvendo desde os conceitos vigentes de desenvolvimento, políticas públicas, até o conceito de escola para as populações rurais. Na medida em que esse debate ganhava contornos mais claros, começava a se falar de "Educação do Campo". Nos sucessivos debates a Educação do Campo (E. do C.) passa a representar mais do que uma demanda por escolas nas comunidades rurais, assumindo uma ampla pauta de análise sobre um espaço específico da sociedade brasileira, com um elenco de ações e revindicações visando a ressignificação e transformação do rural. Um sinal claro desse processo dá-se já no campo semântico : os discursos e representações sobre o espaço social passam a rejeitar a idéia do "rural" substituindo-a por "campo" como um conceito mais apropriado de espaço.

Algumas análises apontam a E. do C. como um desdobramento das lutas por reforma agrária (MOLINA, 2005; CALDART, 2000; FERNANDES, 2004). A luta pela terra faz com que a sociedade seja literalmente reinventada, recriando o rural e resgatando "dimensões esquecidas". Nela o campo ressurge como um espaço emancipatório, como território fecundo de construção da democracia e da solidariedade, ao transformar-se no lugar não apenas das lutas pelo direito à terra, mas também pelo direito à educação, à saúde, à organização da produção, pela soberania alimentar, pela preservação das águas, entre outros. A redescoberta se vincula em parte à crescente consciência das populações camponesas a respeito de sua identidade, seus direitos, e seu papel na sociedade.

As organizações governamentais e não governamentais, reunidas em torno da Articulação Nacional por uma Educação do Campo, uma das protagonistas deste processo de debates, entendem que a E. do C. está numa fase de transição, necessita criar suas referências, para que a mesma não se limite a uma política de um dado governo, mas se consolide como novo paradigma de educação e desenvolvimento, baseada em uma nova base conceitual sobre o campo. Trata-se por isso de um contexto epistemológico muito rico. Conforme Caldart "o desafio teórico atual é o de construir o paradigma contra hegemônico da E. do C.: produzir teorias, construir, consolidar e disseminar nossas concepções, ou seja, os conceitos, o modo de ver, as idéias que conformam unia interpretação e uma tomada de posição diante da realidade que se constitui pela relação entre campo e educação" (2005, p. 16).

É nesse contexto profícuo de debates que situam-se as contribuições deste artigo. Propõe-se aqui uma melhor compreensão do conjunto de mudanças em curso a partir dois exercícios. Primeiro elencar elementos desde a teoria sociológica e da epistemologia para compreender as bases que fundamentam e legitimam um discurso sobre o rural, seus atores e o desenvolvimento. Segundo, partindo de uma breve sistematização de discursos e representações dos atores envolvidos nos debates da E. do C., entender como se dá uma nova leitura desse espaço chamado campo, apontando por último para novas perspectivas de análise.

O ponto de partida é a compreensão de que a luta pela terra - e o acesso a ela, seja pela conquista e assentamento seja pelas ocupações e posses - representa um processo de reinvenção do rural e da sociedade. Esta recriação não se restringe a uma simples justaposição social e cultural do arcaico e do moderno (em uma suposta desordem pós-moderna), mas se constitui em uma novidade. A reinvenção de rural em campo é aqui também chamada de ressignificação pois incide no contexto da linguagem e do imaginário, logrando inverter a hierarquização de espaços e de atores.

Ainda que a realidade analisada se apresente bastante complexa ao pesquisador, a perspectiva teórica deste ensaio centra-se em abordagens contemporâneas que podem ajudar a interpretar essa ressignificação do rural em campo. Teóricos da "modernização tardia" como Beck (1986) e Giddens (1995) ou da "modernidade flexivel" como Baumann (2001) analisam o conjunto de mudanças do fim de século, seus impactos, como uma demanda interpretativa imposta aos sujeitos sociais, abrangendo mesmo aqueles localizados em comunidades supostamente isoladas e tradicionais. A globalização - aqui entendida como uma "técnica" que age sobre as categorias de orientação das pessoas (GIDDENS, 1999; SANTOS, 2002) - traz como uma consequência fundamental o desafio imposto aos atores sociais de reformular constantemente seus pontos de referência. Sobretudo lhes é exigido um alto nível de reflexividade no cotidiano. A perspectiva "pós-tradicional" de Giddens, Beck e em parte, Castells (2003) sustentam que não é possível apostar em sistemas de pertença duradouros, tais como tradição, classe, família ou religião para se formular identidades. Como sujeitos "deslocados" de suas tradições, se impõe cada vez mais sujeitos a necessidade de reflexividade como atitude cotidiana e existencial para fazer frente aos desafios do mundo global.

Como processo exemplar de reflexividade sobre um espaço socialmente constituído na tensão entre tradição e modernidade, entende-se a luta pela E. do C. como um ponto de inflexão. Por tornar-se um eixo aglutinador dos debates sobre o esse espaço social específico, a E. do C. tem sustentado uma análise social de amplo espectro que permite articular a discussão sobre o imaginário, produção de conhecimento, conceito de desenvolvimento de sociedade num projeto coeso e integrador. O presente artigo pretende apenas dar visibilidade a alguns destes aspectos, trazendo algumas consequências teóricas.

O rural: da construção histórica de um espaço subalterno

O caráter subalterno que a sociedade ocidental atribuiu ao que chama de rural é, entre outros, fruto de um imaginário historicamente construído. O imaginário, como uma dinâmica que assumem conteúdos simbólicos numa dada sociedade, é capaz forjar juízos de valor, classificações, bem como dar vida a instituições. Laplantine, ao relacionar imaginário e ideologia aponta para as mitificações das relações reais entre os seres humanos com produtos ou instituições. O imaginário é a

[...] faculdade originária de por ou dar-se, sob a forma de apresentação de uma coisa, ou fazer aparecer uma imagem e uma relação que não são dadas diretamente na percepção […] no imaginário o estímulo perceptual é transfigurado e deslocado, criando novas relações inexistentes no real. (LAPLANTINE e TRINDADE, 1997, p. 24)

Nessa perspectiva Lefebvre (2001, p. 39) sustenta que o capitalismo se construiu a partir do imaginário que conferia uma centralidade (inclusive a partir de noções e conceitos como a divisão social do trabalho, práxis, produção e reprodução, etc.) da noção de cidade e da oposição desta com o campo. Esta oposição dá-se, por exemplo, na divisão do trabalho social onde ocorre, primeiro, uma separação entre trabalho industrial e comercial (dentro do espaço urbano) e, segundo, destes com o trabalho agrícola, materializando a divisão e a oposição entre campo e cidade. Segundo Lefebvre,

O campo, em oposição à cidade, é a dispersão e o isolamento. A cidade, por outro lado, concentra não só a população, mas os instrumentos de produção, o capital, as necessidades, os prazeres. Logo, tudo o que faz com que uma sociedade seja uma sociedade. É assim porque "a existência da cidade implica simultaneamente a necessidade da administração, da polícia, dos impostos, etc., em uma palavra, a necessidade da organização comunal, portanto, da política em geral" (2001, p. 49).

Maria Isaura de Queiroz, valendo-se das teses de Max Weber, explica que são construções históricas que distinguem o urbano do rural. Queirós (1979) aponta que tais classificações são, em última análise, produtos das mentalidades sociais baseadas em determinados modelos de organização. Em uma sociedade indígena essa distinção urbano-rural seria sem sentido, enquanto que para um membro de uma sociedade agrária a cidade seria entendida como um mero pólo administrativo a serviço das comunidades rurais

Um campo da sociologia que contribuiu muito para essa tipificação foi a sociologia rural, especialmente a partir das referências estruturalistas da escola de Chigago. Segundo Schneider (1997), a sociologia rural norte-americana pode ser historicamente resumida em duas fases: estudos de comunidade baseados basicamente pela teoria de Ferdinand Tönnies "Gemeinschaft" (comunidade) und "Gesellschaft" (sociedade)2 2 Ferdinand Tönnies, na trilha de Max Weber, já apontava que o processo de modernização se desdobra necessariamente na passagem de "Gemeinschaft" (comunidade, no geral identificada com o espaço rural) para "Gesellschaft" (sociedade complexa, identificada com o meio urbano), sendo esta primeira base para constituição da segunda, uma vez que, segundo Tönnies, no processo de urbanização e complexificação das relações, os elementos da socialização básica tais como as relações horizontais de vizinhança, parentesco, relações pessoais marcadas pela confiança e reciprocidade, típicos da Gemeinschaft, são mantidos (TÖNNIES, 1991). e que afirmavam a existência de um continuum entre o espaço rural e o urbano, sendo este primeiro fornecedor dos modelos de comportamento que seriam base de desenvolvimento da sociedade maior. A outra fase, a partir do final da segunda guerra mundial, se desenhou como "teoria do difusionismo" que propunha a superação da teoria do continuum, uma vez que a modernização tecnológica havia solapada uma base social e econômica da dicotomia "Gemeinschaft" und "Gesellschaft". Seguindo as tendências modernizantes, a sociologia passou ocupar-se da elaboração de estudos para a difusão de novas tecnologias.

Vale lembrar que no pós guerra se articula a assim chamada "revolução verde" que alterou profundamente a estrutura produtiva da de mudança através introdução da produção industrial, mecanização e o uso de insumos químicos e da escala. Segundo Duarte, (2003, p. 43) no início dos anos 1950 foram fechados diversos contratos de cooperação entre o ministério da agricultura brasileiro e norte americana Inter-American Educacion Foundation Inc. com a intenção de promover a formação técnica no campo no país. Foi criada então a Comissão Brasileiro—Americana de Educação das Populações Rurais que tinha a missão de trazer, por meio da formação técnica, desenvolvimento e segurança social (no sentido da diminuição dos conflitos sociais no campo). Esse foi a origem da EMATER que conhecemos hoje. Seus conceitos de formação partiam do premissa de que toda forma de produção baseada em métodos tradicionais representava uma barreira ao desenvolvimento industrial. Relatórios e análises deste tempo atestavam que a baixa produção poderia, com o tempo, levar os governos a problemas estruturais como inflação e insolvência. Era, portanto, urgente uma ampla mudança nas técnicas produtivas, com a introdução de um grande elenco de medidas modernizadoras para a agricultura, mecanização, fertilizantes químicos, melhoramento genético, técnicas de armazenamento, industrialização de matérias primas agrícolas, assim como o melhoramento da formação como medidas para a superação da "agricultura tradicional".

A "diffusion research" - projeto central da "rural sociology" norte americana - contribuiu muito para a relação distorcida entre cidade e campo. Baseada nas perspectivas funcionalistas de Talcott Parsons3 3 O estudo de Parsons "The Strukture of Social Action" teve grande impacto sobre a produção acadêmica da sociologia rural. O enfoque era de perspectiva behaviorista, visando mudança de comportamento, abrindo o mundo tradicional para a introdução de técnicas agrícolas. , a "diffusion research" adotava um método behaviorista (BUTTEL et al. 1990, p. 43ss; SCHNEIDER, 1997, p. 229). Assim vigorava a compreensão de que as populações camponesas deveriam "responder a estímulos, tais como novas tecnologias agrícolas. comunicação de massa, oportunidades educativas e ocupacionais, entre outras" (BUTTEL et al. 1990, p. 44). Com isto estava lançada as bases para se propor o "continuum" entre centro e periferia, cidade e campo. Este segundo fadado a ser integrado ao primeiro na perspectiva do avanço da industrialização. Os agricultores eram vistos como o "atores de uma determinada propriedade ou comunidade local, que respondiam racionalmente os estímulos às novas técnicas agrícolas, da 'mass media' e da educação gerando novas oportunidades ocupacionais" (SCHNEIDER, 1997, p. 229). Ele aponta que fruto desta mentalidade é que surge conceito de extensionismo, que vai marcar profundamente os projetos de desenvolvimento rural no Brasil. Na abordagem difusionista o sociólogo é um misto de assistente social e extensionista.

Em "Extensão ou comunicação?" Paulo Freire analisa a palavra "extensão" e aponta para o universo de significações que essa palavra abarca, concluindo que o termo extensão "se encontra em relação significativa com transmissão, entrega, doação, messianismo, invasão cultural, manipulação, etc." E vaticina: "Estes termos envolvem ações que, transformando o homem em quase 'coisa', o negam como um ser de transformação do mundo" (1983, p. 22).

A partir dos anos 60 teoria do difusionismo é colocada em xeque. Além da crise do padrão fordista de acumulação, a partir dos anos 60, a base desta crítica foi principalmente as discussões em torno da especificidade do espaço rural, em face das transformações sociais e econômicas sofridas no pós-guerra. Para Buttel e Newby (apud SCHNEIDER, p. 236) o que está em discussão é a idéia de que não poderia existir uma definição sociológica do rural4 4 A tendência que se desenha nesta época era muito mais a elaboração de uma "sociologia da agricultura" com o estudo da estrutura da agricultura a partir de uma perspectiva crítica. A que se verifica uma forte influência da tradição marxista clássica (MARX, LÊNIN, KAUTSKY) e pelos Neomarxistas a que se destaca a obra de Chayanov, traduzida nesta época do Russo e que traz à tona um passo debate a respeito da natureza do desenvolvimento capitalista na agricultura e as razões da persistência da forma familiar de produção. , também não poderia haver uma teoria da sociedade rural. Empiricamente o espaço rural se apresentava como uma expressão geográfica vazia de conteúdo conceitual.

Schneider (1997), ao analisar a crise da sociologia rural norte-americana dos anos 70, aponta que o conceito de rural não serve como categoria de análise, sendo, no máximo, uma noção espacial. Assim a sociologia que se ocupa com sociedades neste espaço precisam delimitar melhor o seu campo de estudo, e criar um arcabouço teórico conceitual mais amplo capaz de dar conta das transformações que se desenham (SCHNEIDER, 1997, p. 239ss).

Estas concepções levam a interpretações que afirmam a diluição das contradições e diferenças entre o rural e o urbano (IANNI, 1997), porque o tecido urbano passa a dominar toda a sociedade. Não há mais espaços geográficos e sociais para a existência de valores e modos de vida "tradicionais", distintos, porque este tecido urbano consumiu todos os resíduos da vida agrária (LEFEBVRE, 1999). Conseqüentemente, segundo Octavio Ianni

[...] faz tempo que a cidade não só venceu como absorveu o campo, o agrário, a sociedade rural. Acabou a contradição cidade e campo, na medida em que o modo urbano de vida, a sociabilidade burguesa, a cultura do capitalismo, o capitalismo como processo civilizatório invadem, recobrem, absorvem ou recriam o campo com outros significados (1997, p. 60).

As atividades agrícolas - e, por extensão, o mundo rural - sofreram um processo de artificialização e de "desnaturalização" via uma homogeneização tecno-industrial porque "a agricultura - culturalmente distinta e identificada na superestrutura como o Outro da Natureza - torna-se agora uma indústria como qualquer outra, e os camponeses, simples operários cujo trabalho é classicamente mercantilizado em termos de equivalências de valor" (JAMESON, p. 40)5 5 Jameson afirma há um paradoxo na pós-modernidade porque a mercantilização global significa "evocar a obliteração da diferença em escala mundial e fornecer uma visão de triunfo irrevogável da homogeneidade espacial sobre quaisquer heterogeneidade que possam ainda ser imaginadas em termos de espaço global" (1997, p. 41). .

A separação e oposição entre cidade e campo - fruto da divisão social do trabalho - bloqueiam a totalidade social (LEFEBVRE, 2001, p. 49), relegando um "trabalho material desprovido de inteligência" ao campo (idem, p. 49). Esta separação resulta na divisão de classes e na alienação e, consequentemente, deve ser superada. A superação (como fruto do processo histórico e da práxis da sociedade) desta oposição "[...] é uma das primeiras condições da comunidade" (idem, p. 50).

A luta pela Educação do Campo como ressignificação do rural em campo

Se considerarmos três os principais ativos estruturantes do desenvolvimento do campo - terra, crédito e educação - então veremos que este último sempre fora relegado a papel secundário pelas políticas públicas. Historicamente o espaço rural fora marcado pela ausência de diretrizes políticas e pedagógicas específicas que regulamentassem a organização e funcionamento da escola neste espaço6 6 Até a década de 40 a escola do campo estava ligada ao patronato, modelo centrado no financiamento privado, a partir da iniciativa dos grandes proprietários de terras (ABRAÃO, 1986). As iniciativas governamentais, como as "missões rurais" e a recém criada Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), primavam por uma prática de extensionismo, balizadas nas perspectivas desenvolvimentistas da época, segundo as quais o subdesenvolvimento se combatia pela "difusão" de matrizes tecnológicas concebidas no primeiro mundo. Com as Leis e Diretrizes e Bases da Educação (LDB 4024/61) a educação rural ficou ao encargo dos municípios, com a oferta de vagas escolares alcançando apenas as séries iniciais do Ensino Fundamental. Os municípios, por sua vez, passaram adotar a estratégia da nuclearização, pondo fim nas escolas existentes nas comunidades rurais. A idéia de estudar associava-se cada vez mais a necessidade de ir para a cidade. Salvo alguns movimentos de educação nas décadas de 60 e 70, organizados a partir da sociedade civil (como os Centros Populares de Cultura da UNE, da "formação sindical' pela CONTAG e 'Federações) e a partir do governo (como o MEB - Movimento de Educação de Base e os Círculos de Cultura Popular de Paulo Freire), o Campo só se tornou centro de atenção das políticas públicas a partir da década de 1990, com o lançamento de programas de desenvolvimento rurais sustentáveis, em parte articulados pelo movimento sindical, estes ainda bastante centrados no desenvolvimento econômico. . Como resultado da histórica ausência de políticas públicas para o campo evidencia-se hoje o problema estrutural da injusta7 7 Segundo dados do IBGE (Censo de Demográfico de 2000), 29,8% da população adulta (15 anos ou mais) da zona rural é analfabeta, enquanto essa taxa no meio urbano é bem inferior: 10,3%. Nota-se que a capacidade de atendimento escolar próximo ao local de residência no meio rural é ideal no tocante ao ensino fundamental: 105%, ou seja, há uma sobre oferta de vagas, com taxa de 95% de crianças entre 10 a 14 anos na escola. A oferta de vagas para crianças de 4 a 6 anos (pré-escola) se limita contudo a apenas 24,9% e para faixa etária de 15 a 17 anos (ensino médio) não passa de 4,5%. Mas é no fator atraso escolar que se percebe claro o efeito das ausências de políticas públicas do passado: significativo: 72% dos alunos no campo contra 50% das crianças do meio urbano apresentam atraso escolar. Esse quadro estatístico reforça a imagem do campo como naturalmente atrasado, um espaço carente. escolarização no país.

Com a Constituição de 1988, a educação destaca-se como "direito de todos, dever do Estado'. Esse direito é definitivamente assegurado e regulamentado às populações do campo com a aprovação da LDB em 1996. Os artigos 23, 26 e 28 da LDB propõem uma escola específica as peculiaridades do campo, com "conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas, adequação à natureza do trabalho na zona rural". O artigo 28 é inovador por respeitar a diversidade sociocultural, fazendo a organização escolar para as peculiaridades do contexto escolar uma questão pedagógica central. Esta especificidade ganhou em 2002 legislação específica com a aprovação das Diretrizes Operacionais para a educação Básica nas Escolas do Campo (resolução CNE/CEB n. 1 de 03 de Abril de 2002).

A partir deste marco legal e partindo das práticas dos Movimentos Sociais surgem no período de 1998 a 2000 as Articulações pela E. do C., nacional e estaduais. Seu papel tem sido criar, gestar, propor política pública para a E. do C. Organizada como um coletivo de educação, as organizações e movimentos da Articulação se desafiam a construir referências para a E. do C. a partir das experiências que cada uma das entidades vinha desenvolvendo. Assim as organizações passam a estruturar espaços e programas de formação.

Um novo olhar

A propósito da ressignificação de práticas e espaços Chauí (1970) entende que o mundo social produz cultura em conflito, na relação desigual de poder. No Capitalismo, o pedagógico da emancipação se dá a partir da rejeição da idéia de um campo cultural harmônico, produzido pelo consenso. A cultura é, portanto, o mundo transformado pelos humanos a partir da sua intervenção consciente, aguçada por um movimento permanente de crítica aos valores instituídos. Nessa perspectiva um novo foco sobre o espaço rural considerando as demandas dos populações camponesas baseia-se na proposição de que a modernidade e a globalização se realizam numa complexa mistura de fenômenos sociais, que não causam apenas rupturas e descontinuidades mas também trazem à tona novas formações sociais (SAUER, 2003, p. 87ss).

A E. do C., ao transcender o debate da escolarização, passa a focar o campo como um todo como espaço pedagógico, promovendo um amplo debate acerca do desenvolvimento. Dá- se assim uma ressignificação do espaço social e das práticas de seus atores.

Com intuito de dar mais visibilidade a esse processo é apresentado nos tópicos a seguir parte de um elenco de desafios que se a E. do C. tem pautado, organizado aqui na forma de 5 tópicos. Os conteúdos em boa parte são resultantes das sistematizações dos diversos encontros e debates ocorridos nos movimentos sociais, organizações não governamentais e fórums populares. Foram analisadas atas e relatórios dos diversos momentos da constituição da Articulação Paranaense por uma E. do C., bem como oficinas de formação de planejamento territorial, promovidas pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) no Sudoeste do Paraná abrangendo o período de 2002 a 20078 8 Boa parte material não foi publicado. Material pesquisado nos arquivos da ONG ASSESOAR (Associação de Estudos Orientação e Assistência Rural), em Francisco Beltrão, Paraná. Os fragmentos de falas e depoimentos são parte de material empírico do autor. .

Ressignificando o saber e o ser humano

Era do sistema assim como eu fui criado: ponhá primeiro o que era necessário para a sobrevivência. Porque tem hoje agricultor que vende tudo e depois tem que ir na venda comprar a semente. Eu tirava da colheita a semente guardava e também o que era do ano aquilo não existe para outro fim. A gente se criou com esse sistema. (Assentado, Francisco Beltrão - PR)

A E. do C. parte de uma visão de ser humano, que interage com os processos naturais pelo trabalho na terra. Nessa atividade os camponeses elaboram um saber que o insere numa totalidade. Trata-se de um "saber-fazer". Com seu trabalho o camponês não apenas realiza a produção, mas se insere numa totalidade simbólica9 9 Com a noção de totalidade simbólica reporto-me à Lewis Strauss, para o qual não existe uma natureza em si , mas uma natureza cognitiva e simbolicamente apreendida. Essa apreensão se faz pelo trabalho no interior de um processo de relações sociais que transforma a natureza. Segundo Woortmann, ao trabalhar a terra, o camponês realiza outro trabalho: o da ideologia, que, juntamente com a produção de alimentos, produz categorias sociais, pois o processo de trabalho, além de ser um encadeamento de ações técnicas, é também um encadeamento de ações simbólicas, ou seja, um processo ritual (WOORTMANN e WOORTMANN, 1997, p. 15). . Esse saber não se restringe apenas ao mundo do trabalho no campo, mas também ao mundo das relações de sentido.

O saber do agricultor sobre solos e as plantas é visto aqui como um sistema cognitivo, onde a apreensão do real possibilita a sua constante adaptação ao meio, dando respostas a mudanças do ambiente natural e social. Como diz o poeta: "a gente cultiva a terra e ela cultiva a gente" (Zé Pinto). No trabalho da terra, cultivo e cultura se associam criativamente.

O avanço do capital agro-industrial impôs limites ao saber fazer dos povos do campo. Trata-se de um processo onde fazer é separado do saber, numa sistemática subordinação no trabalho, na escola, no trabalho, na vida. Aqui dão-se duas formas de subordinação do campo: não só a subordinação ao modo de produção capitalista, mas a uma forma de compreensão da realidade, agora hegemonizada pela cidade. Este é o grande embate de projetos de vida do campo, não raro marcados por uma enorme fragilidade da auto-estima, especialmente entre os jovens do campo, um sentimento de fracasso10 10 O fracasso das políticas de educação do campo, a exemplo das escolas técnicas, é explicado majoritariamente pelo fato destas não formarem os educandos para a sua viabilização nas unidades produtivas, mas formarem mão-de-obra para as empresas agropecuárias. Nesse sentido elas cumprem o que reza o preconceito, de que "se estuda para não sofrer mais na roça". Além disso os programas formativos vinculam os educandos ao projeto do agronegócio, o que, a médio prazo, se mostra projeto inviável. Em segundo lugar explica-se a incompatibilidade entre formação e estrutura disponível (crédito, terra) para implantar o projeto. Como um elemento novo percebe-se um crescimento no mercado de trabalho por técnicos com uma formação mais ampla, absorvendo os egressos dos cursos pós-medio e terra solidária nas entidades sindicais e cooperativas. que por vezes materializa-se em auto-exclusão. Se o trabalho da terra é a realização de ações simbólicas, então a produção de conhecimento a que a E. do C. se propõe deve vincular saber e fazer. Na perspectiva do conhecimento formulado a partir práxis dos movimentos sociais populares, representa uma oposição à concepção positivista de conhecimento, firma-se a unidade entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Há o princípio da unidade entre o que sabe e o que atua: só faz melhor quem melhor compreende e compreende não só no contexto da intervenção imediata, mas também do horizonte, sustentando projetos de longo prazo.

Centradas nas concepções pedagógicas de Paulo Freire, a E. do C. propõe assim superar a dimensão propedêutica da educação, encontrando alternativas ao saber instrumental, saber que é limitado ao ensinar habilidades para algum trabalho, mas que não potencializa sujeitos a uma leitura de seu contexto e ao pensar e construir um projeto estratégico de sociedade.

É neste contexto que o saber tradicional (do trabalho e das relações interpessoais e sociais imediatas) normalmente qualificado como inferior desde a ciência, pode transformar-se em conhecimento. Nesse sentido articula-se os princípios da Educação Popular com a E. do C., isto é, quando ambas perspectivas apostam na construção de conhecimento para transformação de sujeitos e estruturas.

Duarte (2003) acrescenta aqui que o campo se ressignifica como espaço pedagógico. Nesse sentido é que se entende que a E. do C. é maior que a escola. No capitalismo, o saber popular, assim como a ciência (diferentes formas de conhecimento), enquanto componentes da cultura humana, impactam toda a sociedade, na medida em que são produzidos e apropriados com condicionantes e condicionam as relações de poder inclusive no viver cotidiano, na dinâmica das classes sociais. É por isso que o conhecimento é fruto dos processos sociais, sendo dirigido a partir de intencionalidades manifestas, de classe ou não.

Por isso já não se fala apenas em formação para agricultores, mas em Educação do Campo, como uma ampliação dos horizontes do projeto. Para além de capacitações técnicas reflete-se sobre a amplitude do projeto, dos campos de saberes que precisam ser articulados e do reconhecimento público, das conquistas políticas para os trabalhadores do campo.

Essa consciência não se constrói sem contradições. Os depoimentos coletados em parte apontam que predomina ainda ainda o senso comum, de que E. do C. é um instrumento para fixação das pessoas, para "mostrar a importância de ficar no campo". Mesmo assim a E. do C. figura como formação para uma nova relação com seu espaço, educação para a cidadania. Neste sentido ela deve extrapolar o âmbito das atividades agropecuárias. Partindo da ênfase aos saberes locais - "voltado para as nossas raízes" - deve buscar por uma formação ampla sobre o campo, condição para que se alcance uma vida digna. A E. do C. deve permitir que "o campo se imagine, se pense", processo que é base de toda criatividade e autonomia.

Ressignificando o desenvolvimento

Sempre tivemos uma prática pautada em uma visão economicista onde o processo de desenvolvimento não passa pelo coletivo. Este processo coloca a margem as pessoas, a cultura. A monocultura é uma visão seguida pelas pessoas sem muita discussão. Por isso é preciso construir no território a idéia que os alimentos são mais importantes que o dinheiro.

Quando se fala em desenvolvimento se cria uma confusão. Como pensar em desenvolvimento sem crescimento econômico? Por outro lado, este crescimento não tem trazido desenvolvimento para todos. (Depoimentos de participantes da Oficina de Desenvolvimento Territorial de Francisco Beltrão promovidas pelo SDT/MDA)

A agricultura familiar e camponesa tem uma grande função social que é a autonomia de produzir alimento, restabelecer a biodiversidade. No contexto dos assentamentos de reforma agrária, bem como nas comunidades de agricultores familiares ainda se observa a predominância de relações sociais mais ou menos horizontais, não raro articuladas por laços de reciprocidade, familismo, vizinhança. Essa gama de relações ainda se distinguem da impessoalidade e do caráter abstrato das relações urbanas e é frequentemente a base subjetiva de iniciativas de cooperação. No campo econômico a manutenção, ainda que cada vez menos representativa, de uma economia não monetarizada, centrada na subsistência articulada com a gestão de uma diversidade de iniciativas produtivas, faz de muitos atores sujeitos capazes de pensar a solução de seus problemas de forma global e integrada. O projeto de desenvolvimento:

[...] implica em repensar a posse e uso da terra; implica em revalorizar socialmente a produção de alimentos diante do contexto da fome; em equacionar a falta de moradia; a cultura e a recuperação da memória; em democratizar o conhecimento; implica, por fim, em acessar os bens sociais do transporte, da comunicação, da informática. (depoimentos em encontro de formação municipal)

Partindo da perspectiva das mudanças culturais, o espaço rural é redescoberto como lugar para a geração e manutenção de identidade. Já a partir da perspectiva política, o espaço rural é apresentado como lugar da ampliação de uma nova prática dos movimentos sociais com as lutas por terra e com a promoção de uma a política local mais democrática e efetiva. Prima-se então pela abordagem territorial, multidimensional e de caráter endógeno, baseada no protagonismo dos sujeitos locais. Procura-se, dessa forma, evitar modelos de desenvolvimento descontínuos e marcados pela dependência, pelo clientelismo, traços típicos das políticas municipais sujeitas as constantes mudanças de mandatos.

Assim pensar uma E. do C. é pensar o campo para além da dimensão econômica, envolvendo culturas, meio ambiente, cidadania. O campo é entendido como o lugar para o exercício de uma dinâmica sócio-econômica e territorial, onde as pessoas, através de relações horizontais, criam diversas alternativas econômicas, exercitando uma espécie de governança a partir do local, oferecendo-lhes uma saída as pressões da globalização. Um território onde as dimensões econômicas, políticas, culturais e ambientais são consideradas de forma integrada, compondo a complexidade do desenvolvimento territorial, que se materializa na sustentabilidade e soberania alimentar, na utilização de práticas agroecológicas. Entendendo-se as relações humanas mais horizontais e transparentes, a participação popular se dá tanto no processo de produção quanto na escolha de tecnologias agroecológicas e no desenvolvimento a partir das condições locais.

Ressignificando o meio ambiente

Bom, para quem sempre lá nos país tinha terra, e depois que casou a gente sempre viveu andando por aí a procura da terra, acho que valeu a pena. Porque ela produz, porque ela é a [...] vamos chamar ela de mãe, mãe terra, porque ela dá tudo, você sabendo aproveitar as coisas, [...] ela te dá as ervas medicinais, sabendo usar, você tem tudo. Acho que vale a pena luta. Valeu a pena, até hoje estar lutando [...]. (Agricultora, assentada em Renascença - PR)

A experiência dos impactos da revolução verde sobre a agricultura familiar e camponesa, especialmente a exaustão dos recursos naturais, matas, água, mudanças climáticas, causados por sistemas produtivos intensivos, consolidou uma imagem nítida do que representa o desequilíbrio da natureza. Esse desequilíbrio se faz sentir pela imprevisibilidade que tem caracterizado os processos naturais e, por conseguinte, a produção agrícola. Temperaturas atípicas, estiagens prolongadas, imundações fazem da agricultura uma atividade cada vez mais sensível e carregada de riscos. O desequilíbrio - ainda que seja uma exteriorização de um desenvolvimento predatório, quase sempre associado a monocultura, concentração terra e de recursos naturais - não se deixa privatizar, não se limita a fronteiras nacionais ou de classe (BECK, 1986), mas afeta a todos sem distinção.

A partir dos debates da E. do C. percebe-se que os conceitos hegemônicos que há décadas tem construído o imaginário do agronegócio, tais como a noção de propriedade rural, terra mecanizável, unidade produtiva, empreendimento agrícola, produção de commodities, vão cedendo espaço para novas representações do espaço. Especialmente no contexto das experiências agroecológicas veicula-se cada vez mais a idéia de que a terra é "mãe generosa, capaz de nutrir seus filhos e os acolher na hora final". A umidade e fertilidade da mãe11 11 Segundo Gedhini et al. (2000), "existe em muitas culturas uma conaturalidade entre a terra e o elemento feminino da vida. Em sua fertilidade, a terra se une à mulher, que foi a primeira a descobrir a possibilidade do seu cultivo, que foi a primeira a descobrir a possibilidade de seu cultivo, enquanto os homens saíam para caçar e pescar. " Para Eliade (1981, p. 250) "Divindades telúricas e agrárias aparecem em todas as religiões (Gaia, Pachamama, Demeter, Ceres, Papa, Luminuut, Oduna, Tamaiovit, Izanagi, Firgg, Gebb...) sempre em conexão com o tema da mãe e da mulher. [...] Mãe dos viventes, dos vegetais, guardiã das crianças e sepulcro dos mortos, não cessa de gerar vida, graças à sua fecundidade mítica" devem ser objeto de uma outra lógica, baseada na espiritualidade (mística) e na lógica do cuidado.

"A terra guarda a raiz, da planta que gera o pão, da madeira que dá o cabo, da enxada e do violão" (ZÉ PINTO). Essa visão holística, que interrelaciona natureza e seres humanos de forma integradora, é caudatária de um saber - fazer agrícola também integrador. Tal visão opõe-se cada vez mais a racionalidade monológica, centrada no paradigma técnico—científico, base da revolução verde, que entende a natureza com um ativo econômico explorável. A visão agroecológica propõe o resgate da atividade agrícola como atividade humana em íntima cooperação com a natureza. A visão de agricultura sustentada pela E. do C. propõe o resgate e a reapropriação de antigas tradições de cultivo em harmonia com o meio ambiente que foram reprimidas e lançadas ao esquecimento com a implantação da agricultura industrial. Tal é o exemplo das festas das sementes, evento baseado na antiga tradição de seleção e conservação e partilha mútua de sementes para a próxima lavoura, hoje celebrada em vários estados, agora ampliada também como ato político em defesa da diversidade. Também os recentes debates e oficinas em torno da produção de energia renovável (biodigestores, captadores solares) tem promovido uma leitura do meio ambiente como intenso e delicado sistema de trocas de energia. A ressignificação do meio ambiente tem sido assim um eixo estruturador dos debates da E. do C.12 12 O movimento pela Educação do Campo escolheu o girassol como símbolo. Esta flor representa a atitude de "colher o sol", promovendo a biodinâmica dos sistemas agroecológicos ao mesmo tempo que colhe a luz, metáfora do saber. construindo a noção de natureza e sociedade como uma relação de complexidade.

Ressignificando as relações cidade e campo

Quando a gente fala de organização, desenvolvimento, a gente não fala da cidade necessariamente. Estamos falando da distribuição injusta dos bens que a humanidade tem. A nossa reflexão tem mostrado que se você concentra [bens e serviços] na cidade, você racionaliza os recursos, mas de forma excludente. Porque o processo de exclusão não se resolve pela lógica só de organizar. Isso não resolve o problema do desenvolvimento. Por outro lado tem toda essa outra discussão que a reconciliação do espaço do campo tem relevância para o desenvolvimento da sociedade como um todo. E isso é como nadar contra a corrente. Estamos na contramão porque existem idéias que negam o campo como lugar possível. As pessoas pensam no máximo na cachoeira ou no lugar para passar o final de semana. Então de fato a gente tem trabalhado essa discussão do desenvolvimento que a gestão dos recursos pode ser descentrada, não precisa ser pulverizada. […] A organização que falamos tem uma lógica que admitir que comunidade local tem uma organização, um acompanhamento, uma capacidade de reflexão, planejamento e, enfim coordenação do trabalho. (Assessor de Organização Não Governamental, Francisco Beltrão, PR)

O contraste entre cidade e campo, formulado nos discursos das organizações camponesas, respondem, num primeiro momento, ao processo de formação da identidade. São discursos e representações que buscam construir uma especificidade, uma distinção. Como formula Castells, trata-se de uma

[...] identidade de resistência: criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo assim trincheiras de resistências e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade. (2002, p. 24)

Como "lugar alternativo à cidade", aqui o espaço "roça" se diferencia claramente da cidade. As relações entre esses dois espaços são determinadas reflexivamente. O conceito "qualidade de vida e trabalho" como o objetivo geral de diversos projetos de desenvolvimento locais13 13 Destaque aqui para o assim chamado "Projeto Vida na Roça", coordenado pela ONG ASSESOAR. aponta para uma nova concepção de desenvolvimento, para além da produção agropecuária, com a inclusão de aspectos até então só disponíveis na cidade como cultura e tempo de lazer, por exemplo. A "roça" não é lugar de trabalho penoso, nem espaço de produção cada vez intensa, a roça é, antes sim, um lugar alternativo a cidade, lugar de outro estilo de vida mais saudável e pode incluir também outras formas de geração de renda, abrigar alternativas de lazer e de promoção da cultura camponesa.

Contudo, essa identidade por oposição é dinâmica e pode desenvolver-se em discursos e representações que apontem para projetos convergentes entre cidade e campo. Este é sem dúvida um dos impactos que a E. Do C. traz para a discussão do desenvolvimento local, a saber, que a construção de conhecimento traz consigo, necessariamente a diferenciação social e trabalha projetos de vida, para além dos marcos da tradição familiar. Assim a E. Do C. impulsiona os sujeitos a ampliar seu marcos temporais e espaciais pensando o desenvolvimento "da porteira para fora", ou seja na busca de alternativas que se traduzem, não raro, em vincular atividades externas que, além de viabilizar o lote familiar a longo prazo, são entendidas como atividades vinculadas ao mundo de relações da agricultura familiar. "Um projeto de vida ligado à agricultura, no sindicato, nas cooperativas de crédito solidário e de comercialização por ex"."Precisamos, por um período, contribuir também para as nossas organizações". Desenvolvimento "da porteira da fora" aponta assim para o conjunto de redes de informação e cooperação possíveis numa relação solidária com o meio urbano, revelando um aspecto fundamental do desenvolvimento territorial. Iniciativas no contexto da comercialização direta, feiras livres, cooperativa de crédito solidário, cooperativa de consumo cidade e campo, iniciativas dentro dos princípios da economia solidária, são algumas destas iniciativas que abrigam a ampliação do território da agricultura familiar e camponesa. O sucesso dessas estratégias e o vínculo duradouro dos jovens nas unidades produtivas dependerá, entre outros fatores, do diálogo na família sobre em torno de um projeto comum que englobe também estratégias campo-cidade.

Resultados, perspectivas

Para Ciências Sociais coloca-se um desafio, tendo em vista a necessidade de um conceito amplo de reforma agrária, de entender as sociedade camponesas e seu espaço social como objeto de uma análise multidisciplinar. Trata-se de desenvolver novos instrumentos de análise, capazes de interpretar as reviravoltas da modernidade sobre o campo. Aqui o campo não será mais um objeto de uma análise sociológica, que só pergunte pelas condições para ampliação de modernas relações de produção. Muito pelo contrário, outros aspectos da constituição do espaço devem ser considerados. O campo deve ser entendido, neste sentido, como o lugar onde surgem novas perspectivas de socialização. Epistemologicamente a E. do C. traz o desafio de um conhecimento construído na senda da diversidade. Isso implica em entender o campo, ainda que construído em relação á cidade, como um "outro", como uma alteridade. Aponta-se assim para a riqueza do social, composto de diversas epistemes, formas de produzir conhecimento, que coexistem dinamicamente.

O campo nada mais é que "uma forma específica de constituir a vida social", segundo Wanderley (2000, p. 130), que se defende da expansão do mundo urbano. Luta-se para que este espaço não se torne uma relíquia social. O campo não representa nenhuma ficção ou mistificação, mas é produto de uma forma social necessária e possível em meio as relações capitalistas. Por isso é que se pleiteia olhar o campo como uma categoria de sociabilização, que nos pode auxiliar a entender as maneiras como são classificadas, divididas e representadas as coisas sociais, grupos sociais e espaços.

A diferenciação entre cidade e campo parte então da necessidade dos atores sociais se diferenciarem entre si, como uma resposta a homogenização dos espaços que se dá na forma do continuum cidade-campo. Essa diferenciação pode ter conteúdos positivos: trata-se da demanda de cada grupo social, de participar das benesses, a que os moradores da cidade há muito tem acesso. Trata-se de acentuar uma identidade que pode, em última instância, ser valiosa para as trocas entre cidade e campo (REMY, 1998, p. 193).

Numa sociedade onde os espaços são constantemente redefinidos, o dualismo cidade-campo precisa ser questionado. Para entender essa constante reconstrução do espaço é necessário captar as nuances que existem entre homogeneidade e heterogeneidade, igualdade e diferença, continuidade e descontinuidade. A determinação do espaço dá-se por isso tanto no contexto das características naturais de cada lugar como também na memória de cada individuo que determina a percepção do lugar em que vive.

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Recebido em 22/8/2010; revisado e aprovado em 10/12/2010; aceito em 20/12/2010

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  • 1
    . Assim uma sociedade que se urbanizou entende as suas cidades como autônomas observando o rural como seu subalterno. São, para a autora, tipificações ideais no sentido weberiano. O contraste cidade e campo é uma reificação.
  • 1
    Essa foi, segundo Holanda, a realidade brasileira durante os três primeiros séculos do tempo colonial (2000, p. 89ss). A Casa Grande (FREYRE, 1996) com sua estrutura autárquica era naquele tempo centro do exercício de poder territorial enquanto que as cidade vazias destinavam-se para prestação de serviços específicos (comércio, base militar, e espaço de eventuais festas religiosas).
  • 2
    Ferdinand Tönnies, na trilha de Max Weber, já apontava que o processo de modernização se desdobra necessariamente na passagem de "Gemeinschaft" (comunidade, no geral identificada com o espaço rural) para "Gesellschaft" (sociedade complexa, identificada com o meio urbano), sendo esta primeira base para constituição da segunda, uma vez que, segundo Tönnies, no processo de urbanização e complexificação das relações, os elementos da socialização básica tais como as relações horizontais de vizinhança, parentesco, relações pessoais marcadas pela confiança e reciprocidade, típicos da Gemeinschaft, são mantidos (TÖNNIES, 1991).
  • 3
    O estudo de Parsons "The Strukture of Social Action" teve grande impacto sobre a produção acadêmica da sociologia rural. O enfoque era de perspectiva behaviorista, visando mudança de comportamento, abrindo o mundo tradicional para a introdução de técnicas agrícolas.
  • 4
    A tendência que se desenha nesta época era muito mais a elaboração de uma "sociologia da agricultura" com o estudo da estrutura da agricultura a partir de uma perspectiva crítica. A que se verifica uma forte influência da tradição marxista clássica (MARX, LÊNIN, KAUTSKY) e pelos Neomarxistas a que se destaca a obra de Chayanov, traduzida nesta época do Russo e que traz à tona um passo debate a respeito da natureza do desenvolvimento capitalista na agricultura e as razões da persistência da forma familiar de produção.
  • 5
    Jameson afirma há um paradoxo na pós-modernidade porque a mercantilização global significa "evocar a obliteração da diferença em escala mundial e fornecer uma visão de triunfo irrevogável da homogeneidade espacial sobre quaisquer heterogeneidade que possam ainda ser imaginadas em termos de espaço global" (1997, p. 41).
  • 6
    Até a década de 40 a escola do campo estava ligada ao patronato, modelo centrado no financiamento privado, a partir da iniciativa dos grandes proprietários de terras (ABRAÃO, 1986). As iniciativas governamentais, como as "missões rurais" e a recém criada Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), primavam por uma prática de extensionismo, balizadas nas perspectivas desenvolvimentistas da época, segundo as quais o subdesenvolvimento se combatia pela "difusão" de matrizes tecnológicas concebidas no primeiro mundo. Com as Leis e Diretrizes e Bases da Educação (LDB 4024/61) a educação rural ficou ao encargo dos municípios, com a oferta de vagas escolares alcançando apenas as séries iniciais do Ensino Fundamental. Os municípios, por sua vez, passaram adotar a estratégia da nuclearização, pondo fim nas escolas existentes nas comunidades rurais. A idéia de estudar associava-se cada vez mais a necessidade de ir para a cidade. Salvo alguns movimentos de educação nas décadas de 60 e 70, organizados a partir da sociedade civil (como os Centros Populares de Cultura da UNE, da "formação sindical' pela CONTAG e
    'Federações) e a partir do governo (como o MEB - Movimento de Educação de Base e os Círculos de Cultura Popular de Paulo Freire), o Campo só se tornou centro de atenção das políticas públicas a partir da década de 1990, com o lançamento de programas de desenvolvimento rurais sustentáveis, em parte articulados pelo movimento sindical, estes ainda bastante centrados no desenvolvimento econômico.
  • 7
    Segundo dados do IBGE (Censo de Demográfico de 2000), 29,8% da população adulta (15 anos ou mais) da zona rural é analfabeta, enquanto essa taxa no meio urbano é bem inferior: 10,3%. Nota-se que a capacidade de atendimento escolar próximo ao local de residência no meio rural é ideal no tocante ao ensino fundamental: 105%, ou seja, há uma sobre oferta de vagas, com taxa de 95% de crianças entre 10 a 14 anos na escola. A oferta de vagas para crianças de 4 a 6 anos (pré-escola) se limita contudo a apenas 24,9% e para faixa etária de 15 a 17 anos (ensino médio) não passa de 4,5%. Mas é no fator atraso escolar que se percebe claro o efeito das ausências de políticas públicas do passado: significativo: 72% dos alunos no campo contra 50% das crianças do meio urbano apresentam atraso escolar. Esse quadro estatístico reforça a imagem do campo como naturalmente atrasado, um espaço carente.
  • 8
    Boa parte material não foi publicado. Material pesquisado nos arquivos da ONG ASSESOAR (Associação de Estudos Orientação e Assistência Rural), em Francisco Beltrão, Paraná. Os fragmentos de falas e depoimentos são parte de material empírico do autor.
  • 9
    Com a noção de totalidade simbólica reporto-me à Lewis Strauss, para o qual não existe uma natureza em si , mas uma natureza cognitiva e simbolicamente apreendida. Essa apreensão se faz pelo trabalho no interior de um processo de relações sociais que transforma a natureza. Segundo Woortmann, ao trabalhar a terra, o camponês realiza outro trabalho: o da ideologia, que, juntamente com a produção de alimentos, produz categorias sociais, pois o processo de trabalho, além de ser um encadeamento de ações técnicas, é também um encadeamento de ações simbólicas, ou seja, um processo ritual (WOORTMANN e WOORTMANN, 1997, p. 15).
  • 10
    O fracasso das políticas de educação do campo, a exemplo das escolas técnicas, é explicado majoritariamente pelo fato destas não formarem os educandos para a sua viabilização nas unidades produtivas, mas formarem mão-de-obra para as empresas agropecuárias. Nesse sentido elas cumprem o que reza o preconceito, de que "se estuda para não sofrer mais na roça". Além disso os programas formativos vinculam os educandos ao projeto do agronegócio, o que, a médio prazo, se mostra projeto inviável. Em segundo lugar explica-se a incompatibilidade entre formação e estrutura disponível (crédito, terra) para implantar o projeto. Como um elemento novo percebe-se um crescimento no mercado de trabalho por técnicos com uma formação mais ampla, absorvendo os egressos dos cursos pós-medio e terra solidária nas entidades sindicais e cooperativas.
  • 11
    Segundo Gedhini et al. (2000), "existe em muitas culturas uma conaturalidade entre a terra e o elemento feminino da vida. Em sua fertilidade, a terra se une à mulher, que foi a primeira a descobrir a possibilidade do seu cultivo, que foi a primeira a descobrir a possibilidade de seu cultivo, enquanto os homens saíam para caçar e pescar. " Para Eliade (1981, p. 250) "Divindades telúricas e agrárias aparecem em todas as religiões (Gaia, Pachamama, Demeter, Ceres, Papa, Luminuut, Oduna, Tamaiovit, Izanagi, Firgg, Gebb...) sempre em conexão com o tema da mãe e da mulher. [...] Mãe dos viventes, dos vegetais, guardiã das crianças e sepulcro dos mortos, não cessa de gerar vida, graças à sua fecundidade mítica"
  • 12
    O movimento pela Educação do Campo escolheu o girassol como símbolo. Esta flor representa a atitude de "colher o sol", promovendo a biodinâmica dos sistemas agroecológicos ao mesmo tempo que colhe a luz, metáfora do saber.
  • 13
    Destaque aqui para o assim chamado "Projeto Vida na Roça", coordenado pela ONG ASSESOAR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      20 Dez 2010
    • Revisado
      10 Dez 2010
    • Recebido
      22 Ago 2010
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