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Estruturas de governança em Arranjos Produtivos Locais

Forms of governance in Local Productive Arrangemens

Las structures de gouvernance en les Systemes Productifs Localises

Las estructura de gobernanza en los Arreglos Productivos Locales

Resumos

Este estudo teve como objetivo avaliar as formas de governança entre empresas em Arranjos Produtivos Locais (APL), para analisar o desempenho das atividades de cooperação ou hierarquias. Foi feito um estudo exploratório nas teorias sobre as redes e assimetrias de poder e, depois disso, uma observação empírica dos APLs de calçados de Birigui, Franca e Jaú. Foi possível constatar as formas de governança em cada APL, pela taxonomia de Storper e Harrison (1991). O trabalho contribuiu utilizando a tipologia de rede com uma análise entre os APLs de Birigui, Franca e Jaú.

Arranjo Produtivo Local; Estrutura de governança; Calçados


This study aimed to evaluate the forms of governance among enterprise presents in Local Productive Arrangements (APL), so analyzing the performance of cooperation activities or hierarchies. This research was based on an exploratory study in the background theories about networks and asymmetries of power, and after that, a empirical observation of APLs footwear from Birigui, Franca and Jaú. It was possible to evidence the forms of governance in each APL supported by taxonomy from Storper and Harrison (1991). The paper contributed mixing the network typology with a cross sectional analysis from Birigui, Franca and Jaú.

Local Productive Arrangements; Governance Structure; Footwear


Cette étude visait à évaluer les formes de gouvernance entre les entreprises locales dans les arrangements productifs (APL), pour analyser la performance des activités de coopération ou des hiérarchies. Il a été réalisé une étude exploratoire sur les théories des réseaux et des asymétries de pouvoir, et après cela, une observation empirique des grappes de chaussures Birigui, la Franca et Jau. Il était possible d'observer les formes de gouvernance dans chaque APL, la taxonomie de Storper et Harrison (1991). Le travail a contribué à l'aide du type de réseau avec une comparaison entre les groupes de Birigui, la Franca et Jau.

Les Systèmes Productifs Localisés; La structure de gouvernance; Chaussures


Este estudio tuvo como objetivo evaluar las formas de gobierno entre las empresas que operan en Arreglos Productivos Locales (APL), para analizar el desempeño de actividades de cooperación o las jerarquías. Esta investigación se basó en un estudio exploratorio sobre las teorías de las redes y las asimetrías de poder, y después de eso, una observación empírica de los clusters de calzado Birigui, Franca y Jau. Fue posible observar las formas de gobierno en cada una taxonomía de APL con el apoyo de Storper y Harrison (1991). El trabajo aportado por la mezcla del tipo de red con una comparación entre los grupos de Birigui, Franca y Jau.

Arreglo Productivo Local; Estructura de gobernanza; Calzados


ARTIGOS

Estruturas de governança em Arranjos Produtivos Locais

Forms of governance in Local Productive Arrangemens

Las structures de gouvernance en les Systemes Productifs Localises

Las estructura de gobernanza en los Arreglos Productivos Locales

Timóteo Ramos Queiroz

Doutorando em Engenharia de Produção (DEP/UFSCar). Pesquisador do CEPEAGRO - Centro de Estudos e Pesquisas em Administração e Agronegócios. Professor de UNESP/Tupã, SP, Brasil. Email: timoteo@tupa.unesp.br

RESUMO

Este estudo teve como objetivo avaliar as formas de governança entre empresas em Arranjos Produtivos Locais (APL), para analisar o desempenho das atividades de cooperação ou hierarquias. Foi feito um estudo exploratório nas teorias sobre as redes e assimetrias de poder e, depois disso, uma observação empírica dos APLs de calçados de Birigui, Franca e Jaú. Foi possível constatar as formas de governança em cada APL, pela taxonomia de Storper e Harrison (1991). O trabalho contribuiu utilizando a tipologia de rede com uma análise entre os APLs de Birigui, Franca e Jaú.

Palavras-chaves: Arranjo Produtivo Local. Estrutura de governança. Calçados.

ABSTRACT

This study aimed to evaluate the forms of governance among enterprise presents in Local Productive Arrangements (APL), so analyzing the performance of cooperation activities or hierarchies. This research was based on an exploratory study in the background theories about networks and asymmetries of power, and after that, a empirical observation of APLs footwear from Birigui, Franca and Jaú. It was possible to evidence the forms of governance in each APL supported by taxonomy from Storper and Harrison (1991). The paper contributed mixing the network typology with a cross sectional analysis from Birigui, Franca and Jaú.

Key words: Local Productive Arrangements. Governance Structure. Footwear.

RÉSUMÉ

Cette étude visait à évaluer les formes de gouvernance entre les entreprises locales dans les arrangements productifs (APL), pour analyser la performance des activités de coopération ou des hiérarchies. Il a été réalisé une étude exploratoire sur les théories des réseaux et des asymétries de pouvoir, et après cela, une observation empirique des grappes de chaussures Birigui, la Franca et Jau. Il était possible d'observer les formes de gouvernance dans chaque APL, la taxonomie de Storper et Harrison (1991). Le travail a contribué à l'aide du type de réseau avec une comparaison entre les groupes de Birigui, la Franca et Jau.

Mots-clés: Les Systèmes Productifs Localisés. La structure de gouvernance. Chaussures.

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo evaluar las formas de gobierno entre las empresas que operan en Arreglos Productivos Locales (APL), para analizar el desempeño de actividades de cooperación o las jerarquías. Esta investigación se basó en un estudio exploratorio sobre las teorías de las redes y las asimetrías de poder, y después de eso, una observación empírica de los clusters de calzado Birigui, Franca y Jau. Fue posible observar las formas de gobierno en cada una taxonomía de APL con el apoyo de Storper y Harrison (1991). El trabajo aportado por la mezcla del tipo de red con una comparación entre los grupos de Birigui, Franca y Jau.

Palabras clave: Arreglo Productivo Local. Estructura de gobernanza. Calzados.

Introdução

A divisão do trabalho em uma organização tem sido classificada como de vital importância para a maior eficiência e produtividade, lançando mão das economias de escala.1 1 Economias de escala são geradas quando há redução dos custos médios de longo prazo à medida que aumenta a quantidade produzida, e podem ser geradas por meio da especialização do trabalho, da indivisibilidade técnica, de economias de reinício, do aprendizado etc. (LOOTTY; SZAPIRO, 2002). Hoje, as organizações que ampliaram suas especificidades de atuação nos mercados buscam, em complemento às suas especificidades, uma forma de cooperarem entre si, embora mantenham certo grau de competição2 2 Tsai (2002) e Levy, Loebbecke e Powell (2003) classificam coopetition (ou co-opetition) como uma ação simultânea de cooperação para superar desafios em comum, sem que para isto os parceiros deixem de manter seu grau de competitividade de market share, inovações tecnológicas ou reconhecimento de marca. . Para Erber (2008), dessa ação de ajuda recíproca, podem surgir diversas formas organizacionais, dentre as quais se enquadra o Arranjo Produtivo Local (APL).

O entendimento acerca do tema APLs assume escopos distintos, de acordo com a linha teórica defendida. O escopo deste artigo abarca a mesma definição de APL tratada por Erber (2008), como sendo conglomerados de agentes vinculados entre si, de uma determinada região, que tenham um objetivo econômico em comum, estes que podem ser agentes com fins econômicos (compra e venda de mercadorias, desenvolvimento tecnológico conjunto, compartilhamento de canais de distribuição etc.), sociais (laços sanguíneos, de amizade, de crença ou culturais, entre outros) e políticos (relações de poder, assimetrias de informações ou financeiras etc.).

Em complemento à definição de APLs, Carvalho (2005) afirma que essa união de agentes é essencial para uma maior competitividade e, ainda, pode ser capaz de consolidar externalidades positivas na região em que estão fixados os agentes participantes.

Uma das formas dos agentes produtivos se estruturarem no contexto de um APL é por meio de hierarquia, em que algumas organizações influenciam outras, podendo até ditar regras e comportamentos. A estruturação hierárquica surge em diversos níveis e tem diversos fatores para seu surgimento e mudança, consolidando diferentes formas de governança e articulações entre tais agentes (STORPER; HARRISON, 1991).

Nessa óptica, este trabalho tem como objetivo principal analisar as estruturas de governança dos Arranjos Produtivos Locais de Jaú, Birigui e Franca, conciliando a visão da ciência política, defendida por Storper e Harrison (1991), com a da ciência econômica e social, abordada por Suzigan, Garcia e Furtado (2007) e Erber (2008). Vale destacar que a partir do entendimento prévio dos autores acerca dos estudos realizados sob a óptica econômica e social é que se partiu para um levantamento empírico nos APLs acima citados, como forma de ampliar a análise de APL, também para a visão da ciência política.

Os APLs de Jaú, Birigui e Franca foram os escolhidos para serem trabalhados devido a um fator importante de comparação: todos os elos estão envolvidos com a produção e/ou assessoria à produção de calçados, variando apenas em relação ao mercado-alvo (calçados femininos, infantis, masculino respectivamente); e todos os aglomerados produtivos estão situados no Estado de São Paulo, o que permite a redução dos impactos das variáveis como cultura, geografia, políticas públicas etc., embora não as elimine completamente.

Objetiva-se neste trabalho analisar as estruturas de governança dos Arranjos Produtivos Locais de Jaú, Birigui e Franca sob a taxonomia política defendida por Storper e Harrison (1991), tendo-se como base as análises de sistemas produtivos e redes sociais, desenvolvidas por Amato Neto (2000), Suzigan, Garcia e Furtado (2007) e Erber (2008). De modo específico, pretende-se, a partir da classificação generalista da ciência política, criar interações com o objeto de estudo APL, frequentemente analisado sob o foco econômico e social.

Para tal, com o conhecimento adquirido em estudos prévios, pôde-se aprofundar mais nas análises dos APLs de Jaú, de Birigui e de Franca, que são singulares por estarem situados no Estado de São Paulo, por produzirem quase os mesmos produtos, e ainda assim, apresentarem distinções e grandes especificidades. Dar-se-á um maior foco para o APL de Franca, pelo fato de este arranjo local sofrer com uma predominância do poder da governança das grandes empresas e por haver indicações de assimetrias (de poder e de informações, prioritariamente).

O artigo encontra-se estruturado da seguinte maneira: na seção 2, trabalha-se de maneira pormenorizada os métodos de pesquisa desenvolvidos no trabalho; a seção 3 (Fundamentação teórica) apresenta o arcabouço teórico levantado a respeito dos temas que circunscrevem o tema APL e as características das estruturas de governança; os resultados e interpretações do estudo são apresentados na seção 4, e por fim, a seção 5 (Conclusões) é constituída de um fechamento dos objetivos propostos, reforçando as principais constatações dos resultados e discussões.

1 Metodologia

Para o desenvolvimento inicial deste trabalho foi elaborada uma pesquisa exploratória, buscando-se dados bibliográficos para uma melhor visão e entendimento do estudo. Salienta-se a importância do levantamento bibliográfico realizado acerca dos estudos de APLs de Jaú, Birigui e Franca, como os de Amato Neto (2000), Suzigan, Garcia e Furtado (2007) e Erber (2008), para o entendimento prévio das estruturas de governança presentes nesses APLs. Sem esses estudos, a compreensão dos objetos analisados seriam definitivamente mais trabalhosa.

Foi também utilizado o método de classificação de APL, elaborado por Storper e Harrison (1991), que permitiu assim, uma visualização mais fácil a respeito das estruturas de governança, especificamente, tipos de hierarquias. Para essas classificações, utilizou-se dos pontos chaves de estruturas de APL mostrados por Suzigan, Garcia e Furtado (2007): a) tamanho físico do APL (número de participantes, distribuição geográfica e o porte das empresas); b) a atividade econômica local em si; c) organização da produção (se as empresas são por demais integradas verticalmente ou não, se existe um forte contato entre as empresas desta cadeia produtiva ou alguma forma de relação); d) o mercado da atividade econômica local (se as empresas são subordinadas a grandes redes varejistas); e) se há discrepância de capacitações tecnológicas e ativos estratégicos que podem tornar mais assimétrico a relação entre as organizações; f) presença de instituições representativas locais; e g) contexto social, cultural e político.

A classificação proposta ao estudo foi elaborada posteriormente ao levantamento teórico e testada por meio de constatação empírica. Essa constatação, realizada por meio de pesquisa in loco nos APLs de Jaú, Birigui e Franca, teve como instrumento um questionário semiestruturado, aplicado junto a representantes de empresas industriais e instituições de apoio aos APLs.

Yin (2005) aponta como uma alternativa para análises a "síntese de casos cruzados". Essa forma de análise leva em consideração a análise de casos múltiplos, essencialmente importante para o propósito deste estudo. Uma das possibilidades é criar quadros de dados e análises dos casos, de forma a permitir uma análise comparativa (cruzada, transversal).

2 Relacionando as estruturas de governança e os APLs

2.1 APL e suas características

Baseando-se na definição de Erber (2008), Arranjos Produtivos Locais (APLs) são 'aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais que têm foco em um conjunto específico de atividades econômicas e que apresentam vínculos entre si'. Essas aglomerações, segundo Schmitz (1995 apud GALDÁMEZ; CARPINETTI; GEROLAMO, 2009), podem trazer benefícios por meio da eficiência coletiva. Essa eficiência coletiva pode ocorrer, por exemplo, na realização de programas de treinamento para funcionários ou eventos (feiras, congressos) (GALDÁMEZ; CARPINETTI; GEROLAMO, 2009).

Segundo Lopes e Baldi (2005), os arranjos produtivos locais formam-se em quatro etapas. Primeiramente, deve haver o anseio de se atuar de maneira coletiva; após isso, deve ocorrer a escolha dos parceiros, etapa essa na qual a confiança é imprescindível; posteriormente, há a necessidade de se discutir a estrutura do arranjo; e por último, há a compreensão da dinâmica de funcionamento do APL. Entretanto essas etapas não precisam obedecer necessariamente a essa mesma ordem. As etapas descritas podem ser observadas na Figura 1.


De todas as variáveis envolvidas na formação, atuação e evolução dos APLs, com certeza a confiança e a cooperação são as que mais se destacam. E com relação aos elos, deve-se destacar que, segundo Lopes e Baldi (2005), os arranjos diferenciam-se quanto ao grau de interdependência, e essa relação ocorre de maneira paulatina.

Para Williamson (1985 apud VILPOUX; OLIVEIRA, 2010), o entrelaçamento nas relações entre os agentes e destes para com as instituições localizados em um APL surge para tentar reduzir o custo de transação3 3 Na concepção de Williamson (1996), uma relação é pautada em atributos de: incerteza, frequência e especificidade de ativos. A combinação dessas forças é o que condiciona a existência dos custos de transação. dos agentes envolvidos, somado à intenção de diminuir potenciais burocracias ao se comercializar num mercado spot. Nesse tipo de mercado, as transações se resolvem em um único instante, não há obrigatoriedade de compra futura, sendo assim, esporádico, apresentando altos riscos de incerteza (AZEVEDO, 2008).

Vale destacar que o mercado spot, assim como o mercado híbrido (de contratos) e a hierarquia (forma de integração vertical) são mecanismos apropriados para regular uma determinada transação, com a finalidade de reduzir os custos de transação, mecanismos esses denominados "estruturas de governança" (WILLIAMSON, 1985).

Assim, para Vilpoux e Oliveira (2010), os arranjos produtivos são um híbrido entre o mecanismo de integração vertical (baixo custo de transação) e o mercado da 'mão invisível' (mercado spot) de Smith (1988). A mesma conclusão acerca de outros formatos de arranjos em redes (networks) já havia sido obtida por Powell (1990)4 4 Em uma leitura superficial dos argumentos expostos aqui, poder-se-ia concluir que Powell (1990) e Williamson (1996) sejam convergentes em seus argumentos. Em verdade, Powell faz uma crítica direta ao que Williamson definiu como um continuum entre as formas puras de mercado ou integração vertical (hierarquia). Não cabe, no entanto, maiores aprofundamentos destes conceitos, uma vez que o objeto de estudo em questão são as formas de governança presentes nos APLs e ambas as visões serão úteis às análises. .

Entendendo o que são APLs, é possível partir para a ideia de surgimento de hierarquias (assimetrias de poder) entre as organizações desses APLs. Essa assimetria de poder de uma empresa para outra ocorre por diversos motivos, tais como monopolização de determinado ativo chave e posição estratégica na cadeia produtiva (GARCIA; MOTTA; AMATO NETO, 2004). Essa hierarquia, segundo a taxonomia de Storper e Harrison (1991), pode ser classificada em diversos níveis, exemplificados no Quadro 1.


Em relação à classificação apontada no Quadro 1 por Storper e Harrison (1991), fica claro que se trata de parametrização estanque que pode não obedecer ao mesmo padrão que se observa nos estudos empíricos. Assim, as análises de empresas que operam em formatos de redes podem apresentar características de mais de uma categoria apresentada.

Essas diferenças hierárquicas podem ou não auxiliar na formação de uma governança nos APLs, segundo Suzigan, Garcia e Furtado (2007). Esses autores utilizam o conceito de que governança só se aplica quando agentes locais tentam aproximar mais as relações entre os participantes do APL em si, almejando assim, uma eficiência coletiva.

Já a respeito da governança em si, tem-se que a coordenação pode ser feita por agentes públicos ou privados. Destaca-se, para agentes públicos, as ações que visam ao desenvolvimento local, por meio de centros de formação profissional e apoio técnico. Já os agentes privados, geralmente atuam como desenvolvedores do produto, aumentando o nível de competitividade e promovendo as empresas em conjunto (SUZIGAN; GARCIA; FURTADO, 2007).

Felipe (2008 apud VILPOUX; OLIVEIRA, 2010) afirma que as instituições informais também são importantes para regular e moldar comportamentos individuais, já que as instituições informais podem se abster do mecanismo legal. Tais instituições se utilizam principalmente de afastamento ou exclusão de indivíduos que fogem dos tabus e normas estipuladas para determinado círculo social.

Essas normas informais, segundo Fukuyama (1996 apud VILPOUX; OLIVEIRA, 2010), auxiliam no processo de cooperação entre as pessoas, fazendo com que aumente a confiança entre eles. O autor chama essas normas de capital social. Lin et al. (2001 apud VILPOUX; OLIVEIRA, 2010) defendem que esse capital social propicia diversas vantagens como: a) maior compartilhamento de informações, diminuindo assim a diferença desse ativo importante nas relações futuras entre membros desse círculo social; b) custos de transação mais baixos, devido à confiança entre os integrantes; e c) estabilidade organizacional.

Marteleto e Silva (2004) apontam que é difícil mensurar o capital social e seus benefícios, mas que esse capital pode trazer desenvolvimento, promover a diminuição da pobreza e bem-estar. Existe a dificuldade de se entender que não existe um indivíduo detentor do capital social, e sim, a sociedade detentora deste capital, e que a comunidade também é uma unidade tomadora de decisões.

Mas também Marteleto e Silva (2004) ressaltam que nem todo capital social é benéfico para uma sociedade. O capital social pode, por exemplo, trazer exclusão de alguns membros que tentem se inserir nesse círculo social, ou prejudicar membros com ideologias que diferem da ideologia estabelecida como padrão ou das normas padrões.

No caso em que há falta de coordenação e o surgimento de níveis de hierarquias assimétricos, Amato Neto (2009) afirma que pode acontecer de haver subjugação de algumas empresas por outras nesses APLs, podendo assim surgir o que ele chama de empresas passivas, que são empresas que não aproveitam toda a potencialidade do mercado e das externalidades positivas locais.

Galdámez, Carpinetti e Gerolamo (2009) afirmam que a coordenação de um agente de governança e a cooperação dos agentes locais é importante para se traçar um programa de desenvolvimento econômico e social do APL, fazendo assim, um gerenciamento local. Este programa de desenvolvimento é essencial para conduzir o APL em uma via de competitividade. Segundo Villela e Pinto (2009), o agente da governança tem de ser capaz de conciliar interesses, que eventualmente não são semelhantes entre todos os agentes do APL, tomando decisões conjuntas, visando assim, ao crescimento sustentável.

3 Resultados e discussões

Iniciando as análises pelo APL de Franca, que produz sapatos masculinos de couro, percebe-se que existe o surgimento de grandes organizações que produzem tudo o que necessitam. Amato Neto (2000) afirma que sapatos masculinos não necessitam de uma flexibilidade muito alta para adaptar seu design com a moda, e por isso, essas empresas conseguem se utilizar de economia de escala. Segundo o método de classificação de Storper e Harrison (1991), o APL de Franca se encaixaria no 'Core-ring, with lead firm', que se baseia em poucas empresas dominando o setor. Tal formato é comprovado empiricamente com a presença de empresas líderes, geralmente detentoras de notoriedade de marca, que dominam alguma etapa do processo (marca, tecnologia, distribuição e/ou capital).

Ainda sobre o APL de Franca, Amato Neto (2009) afirma que os pontos fracos prioritários são: baixa interação horizontal entre as empresas; predominância de grandes empresas sobre as pequenas e médias; baixa coordenação de agentes nesse APL se comparado com os APLs de Jaú ou o de Birigui.

Segundo Suzigan, Garcia e Furtado (2007), essa baixa coordenação tem explicações por diversos fatores: a) instituições públicas ineficientes para o apoio das pequenas e médias empresas; b) fornecedores de insumos importantes para a produção dos sapatos exercem sua influência e seu poder de mercado para quebrar iniciativas coletivas de compras em larga escala (economia de escala); c) empresas quase totalmente integradas verticalmente; d) grandes empresas exportadoras são subordinadas pelas grandes redes varejistas internacionais; e e) problemas culturais de falta de confiança entre os integrantes.

Indo mais profundamente no ponto de 'Grandes empresas exportadoras são subordinadas pelas grandes redes varejistas internacionais', Garcia, Motta e Amato Neto (2004) apontam que esses grandes varejos detêm a posição chave de ser o meio termo entre produtor-consumidor. Graças à posição estratégica na cadeia, eles conseguem manipular as informações que chegam aos produtores.

Essa alta concentração de 'poder' nas mãos de empresas grandes em detrimento das menores, provoca, segundo Amato Neto (2009), o surgimento de empresas passivas, ou seja, que não aproveitam totalmente os benefícios que poderiam ser conseguidos se essas empresas trabalhassem com um poder mais simétrico.

O Quadro 2 tem como objetivo mostrar, de forma sucinta, o que foi concluído pelo levantamento realizado na construção deste trabalho.


No extremo oposto de Franca, tem-se o APL de Jaú, que produz sapatos femininos. Segundo Amato Neto (2000), esses sapatos, pelo fato de estarem sempre mudando em decorrência de adaptações às estações do ano e das tendências de moda, necessitam de insumos diferentes, de maquinários diferentes, e grandes empresas não suportariam mudar toda sua estrutura a cada estação. Esses fatores, então, contribuíram para o surgimento de uma hierarquia classificada como All-ring-no core, que seria, muitas empresas em níveis hierárquicos iguais.

Essa simetria hierárquica – ou pelo menos ausência de uma assimetria muito acentuada – pode ser explicada por uma forte coordenação realizada pelas diversas instituições, como medidas realizadas pela Prefeitura Municipal de Birigui, Sebrae ou instituições voltadas exclusivamente para esse setor (AMATO NETO, 2009), a exemplo do Sindicalçados.

Ainda no APL de Jaú, um fator determinante para a prosperidade econômica dessas organizações é a confiança entre as empresas. Essa confiança dá-se por necessidade de velocidade nas compras e vendas, e a burocracia de fazer contratos poderia atrasar o mercado. Além desse motivo, Storper e Harrison (1991) afirmam que, nas organizações que fazem negociações há muito tempo e que possuem culturas semelhantes, podem surgir laços de confiança.

Já o APL de Birigui, produtor de calçados infantis, seria um meio termo. Sendo os sapatos infantis mais estáveis que os femininos, ocorre o surgimento de organizações líderes que tentam uma economia de escala. Mas pelo fato de este produto não ser totalmente estável, essas empresas, mesmo consolidadas, necessitam de ajuda de empresas menores. Caracteriza-se assim este APL, utilizando-se do método classificativo de Storper e Harrison (1991), como Core-ring, with coordination firm.

Segundo Amato Neto (2009), apesar de Birigui possuir uma forte coordenação por meio de sindicatos, existe uma falta de apoio público para o desenvolvimento e consolidação no mercado deste APL, isso resulta em mão de obra não qualificada e em baixa inovação do design do produto. Destacam-se as ações promovidas pelo Sinbi e Centro de Treinamento "Avak Bedouian" de Birigui, ligado ao SENAI e dedicado à capacitação profissional e desenvolvimento tecnológico do setor calçadista infantil.

Em um estudo pormenorizado realizado no APL de Birigui, Trapp e Queiroz (2010) concluíram que, em microarranjos presentes no APL, observou-se a presença de um agente central coordenador das tarefas dos demais agentes envolvidos. Agente esse que se apresenta como uma empresa de maior porte e elevada produtividade, o que, de certa forma, colaborou para o incremento de seu poder de influência dentro da rede, caracterizando-a como Core-ring, with coordination firm. O arranjo analisado também demonstrou uma maior divisão do trabalho e integração do processo produtivo, corroborando consequentemente com a capacidade de especialização das tarefas de cada um.

Considerações finais

Em decorrência das pesquisas realizadas e do confronte teórico-empírico proporcionado pelos estudos, foi possível compreender o funcionamento das estruturas de governança no contexto dos Arranjos Produtivos Locais de Jaú, Birigui e Franca, além dos fatores que levam ao surgimento dessas estruturas.

A opção por iniciar os estudos comparativos pelo APL de Franca parece ter sido acertada, uma vez que sua condição polarizada em uma configuração assimétrica possibilita melhores condições de comparações com os demais polos. Franca apresenta uma governança imposta pelos agentes de maior força de mercado, com relação não orgânica e com grande presença de hierarquia, que, nesse caso, deve ser classificada como uma rede core-ring, with lead firm, seguindo a taxonomia de Storper e Harrison (1991).

A diferença de poder entre os agentes é elevada, e a hierarquia fica evidente. A empresa dominante não depende das outras empresas – poderia fazer os processos internamente, embora possam ser mais dispendiosos –, tendo assim total poder para ditar regras e comportamento. Tal condição assimétrica, além de uma estrutura de governança nitidamente mais cristalizada e menos propensa a mudanças rápidas foram, também, apontadas por Amato Neto (2009). Não se pode concluir, no entanto, que tal estrutura apresente menor eficiência em relação às demais, o que pode ser concluído é que foi a forma de adaptação mais adequada para as condições exógenas aos agentes (empresas industriais) que compõem esse APL.

Já os APLs de Jaú e Birigui são mais semelhantes nos aspectos políticos (de poder) presentes nesses polos, embora não se possa afirmar que não ocorram assimetrias. O fato é que tais assimetrias são consideravelmente menores que no APL de Franca.

O estudo empírico do município de Birigui, realizado por Trapp e Queiroz (2010), esclareceu a importância dos laços sociais firmados entre os agentes do APL, levando à maior proximidade e à confiança entre eles, fatores que podem ser atribuídos ao pequeno porte da cidade e à frequência de interação dos agentes, principalmente aqueles que fazem parte da governança e estão diretamente envolvidos com a organização e manutenção do APL.

As evidências levantadas por este estudo levam a classificação do APL de Birigui como um Core-ring, with coordination firm, devido às características de ser levemente assimétrico, contando com a presença de empresas que fazem o papel de líder, porém com uma relação mais equitativa que no caso de Franca.

No caso do APL de Jaú, especializado na produção de calçados femininos, a classificação mais adequada é All-ring-no core, ou seja, simétrica, contando com a presença de forte apoio para a governança por agentes como o Sebrae. Cabe um adendo nesta conclusão de que o comportamento oportunista e/ou o desejo de maior poder sobre os demais agentes possa ocorrer, embora as condições de respostas rápidas a um mercado bastante volátil como o de calçados femininos evite tais ações.

Propõe-se para estudos futuros além da análise transversal, levando em consideração os três APLs, que também se faça uma análise longitudinal. Nesse caso, espera-se evidenciar fatos da formação histórica; pressões de mercados dados por concorrência ou inovações tecnológicas; e parâmetros organizacionais adotados pelas empresas industriais em respostas às pressões promovidas por cada um dos APLs.

Recebido em17/04/2011; revisado e aprovado em 28/11/2011; aceito em 30/01/2012

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  • 1
    Economias de escala são geradas quando há redução dos custos médios de longo prazo à medida que aumenta a quantidade produzida, e podem ser geradas por meio da especialização do trabalho, da indivisibilidade técnica, de economias de reinício, do aprendizado etc. (LOOTTY; SZAPIRO, 2002).
  • 2
    Tsai (2002) e Levy, Loebbecke e Powell (2003) classificam
    coopetition (ou
    co-opetition) como uma ação simultânea de cooperação para superar desafios em comum, sem que para isto os parceiros deixem de manter seu grau de competitividade de
    market share, inovações tecnológicas ou reconhecimento de marca.
  • 3
    Na concepção de Williamson (1996), uma relação é pautada em atributos de: incerteza, frequência e especificidade de ativos. A combinação dessas forças é o que condiciona a existência dos custos de transação.
  • 4
    Em uma leitura superficial dos argumentos expostos aqui, poder-se-ia concluir que Powell (1990) e Williamson (1996) sejam convergentes em seus argumentos. Em verdade, Powell faz uma crítica direta ao que Williamson definiu como um
    continuum entre as formas puras de mercado ou integração vertical (hierarquia). Não cabe, no entanto, maiores aprofundamentos destes conceitos, uma vez que o objeto de estudo em questão são as formas de governança presentes nos APLs e ambas as visões serão úteis às análises.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      17 Abr 2011
    • Aceito
      30 Jan 2012
    • Revisado
      28 Nov 2011
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