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A cultura como tema de interesse para a Teoria da Gestão Comparativa

Culture as an interesting topic to the Comparative Management Theory

La culture comme thème d'intérêt pour la Théorie de la Gestion Comparatif

La cultura como tema de interés para la Teoría de la Gestión Comparativa

Resumos

Este artigo foi desenvolvido com o objetivo de analisar quais características da teoria da gestão comparativa devem ser consideradas como mais coerentes para o estudo da cultura na administração. Propõe-se que os estudos sobre a cultura orientados pela teoria da gestão comparativa considerem o caráter teórico-abstrato e o caráter empírico dessa teoria, para que assim os construtos desenvolvidos teoricamente sejam enriquecidos por conhecimentos advindos de outras ciências e possíveis de serem testados empiricamente.

Administração; Cultura; Teoria da Gestão Comparativa


This article was developed with the aim of analyzing which characteristics of the comparative management theory must be considered as the most coherent in studies of culture in administration. It is proposed that studies about culture, which has the influence of the comparative management theory, should be conducted by the theoretical-abstract and by the empirical approaches of this theory. This allows that the constructs researched theoretically can be enriched by knowledge of other sciences and tested empirically.

Administration; Culture; Comparative Management Theory


Cet article a été développé avec l'objectif d'analyser quelles sont les caractéristiques de la théorie de la gestion comparatif doit être considérée comme plus coherente pour étudier la culture par l'administration. Il est proposé que les études sur la culture axée sur la théorie de la gestión comparatif considèrent l'approches théorique et abstraite et empirique de la théorie. Ainsi, les sujets étudiés peuvent être enrichies par les contributions des autres sciences et testé empiriquement.

Administration; Culture; Théorie de la Gestion Comparatif


Este artículo ha sido desarrollado con el objetivo de analizar qué características de la teoría de la gestión comparativa deben ser consideradas más coherentes para el estúdio de la cultura en la administración. Se propone que los estúdios sobre la cultura orientada por la teoría de la gestión comparativa consideren el carácter teóricoempírico de esta teoría, para que así los constructos desarrollados teoricamente se incremente por el conocimiento producido por otras ciências y suceptibles a testes empíricos.

Administración; Cultura; Teoria de la Gestíon Comparativa


ARTIGOS

A cultura como tema de interesse para a Teoria da Gestão Comparativa

Culture as an interesting topic to the Comparative Management Theory

La culture comme thème d'intérêt pour la Théorie de la Gestion Comparatif

La cultura como tema de interés para la Teoría de la Gestión Comparativa

Zandra Balbinot; Rafael Borim-de-Souza

Universidade Federal do Paraná (PPGADM/UFPR), Curitiba, PR, Brasil. (zbalbinot@hotmail.com) (rafaborim@yahoo.com)

RESUMO

Este artigo foi desenvolvido com o objetivo de analisar quais características da teoria da gestão comparativa devem ser consideradas como mais coerentes para o estudo da cultura na administração. Propõe-se que os estudos sobre a cultura orientados pela teoria da gestão comparativa considerem o caráter teórico-abstrato e o caráter empírico dessa teoria, para que assim os construtos desenvolvidos teoricamente sejam enriquecidos por conhecimentos advindos de outras ciências e possíveis de serem testados empiricamente.

Palavras-chave: Administração. Cultura. Teoria da Gestão Comparativa.

ABSTRACT

This article was developed with the aim of analyzing which characteristics of the comparative management theory must be considered as the most coherent in studies of culture in administration. It is proposed that studies about culture, which has the influence of the comparative management theory, should be conducted by the theoretical-abstract and by the empirical approaches of this theory. This allows that the constructs researched theoretically can be enriched by knowledge of other sciences and tested empirically.

Key words: Administration. Culture. Comparative Management Theory.

RÉSUMÉ

Cet article a été développé avec l'objectif d'analyser quelles sont les caractéristiques de la théorie de la gestion comparatif doit être considérée comme plus coherente pour étudier la culture par l'administration. Il est proposé que les études sur la culture axée sur la théorie de la gestión comparatif considèrent l'approches théorique et abstraite et empirique de la théorie. Ainsi, les sujets étudiés peuvent être enrichies par les contributions des autres sciences et testé empiriquement.

Mots-clés: Administration. Culture. Théorie de la Gestion Comparatif.

RESUMEN

Este artículo ha sido desarrollado con el objetivo de analizar qué características de la teoría de la gestión comparativa deben ser consideradas más coherentes para el estúdio de la cultura en la administración. Se propone que los estúdios sobre la cultura orientada por la teoría de la gestión comparativa consideren el carácter teóricoempírico de esta teoría, para que así los constructos desarrollados teoricamente se incremente por el conocimiento producido por otras ciências y suceptibles a testes empíricos.

Palabras clave: Administración. Cultura. Teoria de la Gestíon Comparativa.

Introdução

O estudo da administração, embora incipiente em algumas de suas áreas de pesquisa, tem conquistado abordagens mais relevantes em seus estudos, as quais, em síntese, acabam sendo segmentadas em duas vertentes principais, ou seja, as representadas pela pesquisa qualitativa e pela pesquisa quantitativa (CALÁS; SMIRCICH, 1999). Embora tal preocupação seja relevante, defende-se, por meio deste artigo, que mais interessante do que submeter fenômenos administrativos a uma roupagem de investigação específica é reconhecer a essência desse fenômeno em relação ao corpo teórico sobre o qual ele pretende ser estudado.

Não que os fenômenos amparados pela administração sejam exclusivamente qualitativos ou quantitativos, uma vez que grande parte acaba permitindo um diálogo coerente entre essas abordagens, o que não acontece muitas das vezes pela compreensão equivocada da teoria que se emprega para analisar um assunto de pesquisa em específico (EVERED; LOUIS, 1981). O que se pretende disseminar por meio deste artigo é a premissa de que, antes da preferência do pesquisador sobre uma abordagem metodológica específica, está a natureza do fenômeno pesquisado, a qual necessariamente precisa dialogar com posturas diferenciadas do corpo teórico que alicerçará as análises do estudo que será desenvolvido.

Essa preocupação se justifica pela constante necessidade de se lapidar as compreensões metodológicas sobre fenômenos novos amparados por poucas investigações empíricas e sobre fenômenos demasiadamente pesquisados por caminhos de pesquisa que já não conseguem responder plenamente aos problemas de pesquisa vivenciados no ambiente contemporâneo (ASTLEY, 1985; PATTON, 2002). Embora tal discussão seja interessante, cabe ressaltar que não está no escopo deste artigo o exercício de segmentar todos os fenômenos da administração em qualitativos e quantitativos no que concerne às possíveis teorias organizacionais que venham a orientar tais estudos.

O artigo em apresentação foca sua análise sobre dois assuntos principais: (1) a cultura como fenômeno de pesquisa para a administração; e (2) a teoria da gestão comparativa como lente de análise da cultura enquanto fenômeno de pesquisa para a administração. Pela articulação desses dois interesses principais, apresenta-se como objetivo principal deste artigo o de analisar quais características da teoria da gestão comparativa devem ser consideradas como mais coerentes para o estudo da cultura na administração.

A partir desse objetivo principal, outros dois objetivos secundários apresentam-se como necessários de serem alcançados: (1) identificar as abordagens conceituais e os principais aspectos ontológicos e epistemológicos da teoria da gestão comparativa; e (2) compreender quais as principais fragilidades inerentes ao estudo da cultura a partir da teoria da gestão comparativa.

O presente artigo tem como pano de fundo para suas discussões as considerações teóricas e empíricas vinculadas à internacionalização de empresas. Dentre as teorias e escolas que investigam tal tema, a teoria da gestão comparativa ganha notoriedade pela possibilidade ofertada, por meio de suas premissas, de relacionar em um mesmo nível de análise o pesquisador e o pesquisado, tarefa esta um tanto árdua de ser observada em grande parte dos estudos orientados por tal corpo teórico, principalmente quando assuntos mais correlatos a uma roupagem mais subjetivista assumem o foco da discussão, tal como a cultura (AJIFERUKE; BODDEWYN, 1970; NEGHANDI, 1975; SAID, 1978; CHILD; KIESER, 1981; PRASAD, 2003).

Child (1981) define a cultura como um conjunto de significados por meio do qual se separa um sistema social de suas respectivas ações humanas organizadas. A teoria da gestão comparativa, por sua vez, lida diretamente com semelhanças e divergências culturais e institucionais que importam a diferentes processos de gestão, pois tal teoria busca sempre analisar sistemas organizacionais de um ou diversos países (os outros) em relação aos sistemas organizacionais de uma nação padrão (metrópole) (SCHOLLHAMMER, 1969, 1973, 1975; WESTWOOD, 2001, 2004).

Este artigo contribui para a academia ao tentar propor um mainstream de pesquisas em administração que tenham por interesse relacionar cultura e teoria da gestão comparativa em um mesmo contexto de investigação. Com o intuito de atender o objetivo supramencionado e de responder à contribuição acima indicada, optou-se por organizar esta pesquisa com as seguintes discussões: o contexto de desenvolvimento da teoria da gestão comparativa, considerações pós-colonialistas a respeito da teoria da gestão comparativa, características relevantes sobre a teoria da gestão comparativa, as abordagens conceituais da teoria da gestão comparativa, a fragilidade da cultura enquanto tema de interesse para a teoria da gestão comparativa, os aspectos ontológicos e epistemológicos da teoria da gestão comparativa e a proposição de um possível caminho de pesquisa da cultura pela inter-relação entre a gestão comparativa, o construtivismo e o interpretativismo.

O contexto de desenvolvimento da teoria da gestão comparativa

Para Westwood (2004), os conhecimentos contemporâneos, bem como seus alicerces epistemológicos e metodológicos, no que diz respeito à teoria da gestão comparativa, têm suas raízes nas práticas colonialistas que foram realizadas, principalmente pelo continente europeu sobre todo o mundo. Assim como a relação entre colônia e metrópole se desenvolveu ao longo da história com a concessão de novas representatividades internacionais para os países existentes, cabe na atualidade a necessidade de analisar o relacionamento entre esses países por diferentes variáveis por meio de uma ótica interpretativa pós-colonialista.

A análise da teoria da gestão comparativa por uma perspectiva pós-colonialista procura desconsiderar as discussões que tratam do encontro do oeste europeu com o meio leste desse mesmo continente, ao conceder maior relevância para a expansão colonial da Europa em relação ao mundo como um todo (WESTWOOD, 2004). Os padrões europeus eram admitidos como as referências de análise para as outras culturas, bem por isso predominava o raciocínio de comparação entre os atos dos outros (as colônias) e os atos padrões (da metrópole), a fim de que, por tal assimilação, os outros pudessem ser mais facilmente socializados e gerenciados (SAID, 1978).

Dallmayr (1996) considera que Said (1978) ofertou ao meio acadêmico o desafio de se tentar analisar as outras culturas por práticas de pesquisa que não fossem apropriadoras de uma identidade social desconhecida, repressiva com ideias até então inéditas e manipuladoras em relação aos propósitos científicos e comerciais previamente estabelecidos. Mediante o questionamento das práticas metodológicas envoltas à teoria da gestão comparativa, Prasad (2003) categorizou a representatividade do Oeste (ou Europa, ou ainda, metrópole) em relação aos outros (as colônias) em três discursos distintos: o discurso orientalista, o discurso primitivista e o discurso tropicalista.

O discurso orientalista foi primeiramente construído com referências à cultura árabe. O discurso primitivista se relaciona mais com os estudos das tribos africanas. E, finalmente, o estudo tropicalista faz menção às tradições latino-americanas e caribenhas. Em cada um desses discursos, o outro é admitido como algo exótico ou ainda como um objeto de desejo, mas também pode ser reconhecido como um tipo de representação social errônea e negativa (PRASAD, 2003).

A negação do outro, ou a observação do outro como algo errado, se apresenta para a academia em duas estruturas analíticas dominantes. A primeira trata o outro como um perigo e como uma ameaça. A segunda trata o outro como algo que sofre de alguma patologia social. Em relação à primeira ótica de negação do outro, algumas estratégias são pesquisadas com o intuito de que as ameaças ofertadas por estes sejam amenizadas ou totalmente extintas. Cada uma das estratégias desenvolvidas toma como padrão de referência as soluções ofertadas pela cultura metropolitana. Sobre a segunda maneira de negação do outro, prevalece uma visão de incivilidade da colônia, ou seja, o outro é observado como algo decadente, bárbaro, despótico, corrupto, irracional, indolente e desprovido de qualquer orientação religiosa. Havia a pressuposição de que os outros necessitavam de um auxílio da metrópole quanto à construção moral, cívica e religiosa de uma sociedade que se fizesse semelhante aos padrões europeus (PRASAD, 1997).

Os discursos de alteridade são relacionais e propõem construtos binariamente opostos, uma vez que os outros são sempre admitidos como algo negativo, e a metrópole é continuamente considerada como algo positivo que ameniza o efeito gerado pelos outros(WESTWOOD, 2004). É possível perceber uma sutil tendência linguística que privilegia a mesmice e despreza as diferenças, tendência por meio da qual a Europa conquistou o direito de sobrepor seus valores, princípios e crenças sobre todo o mundo (OSEEN, 1997).

A manipulação europeia, embora manifestada no âmbito sociocultural, deixou resquícios ainda vividos pelas ex-colônias no que diz respeito ao patrimônio ecossistêmico devastado, à disseminação da pobreza generalizada de algumas regiões e à dominação de um discurso utilitarista e teleológico sobre diferentes formas de compreensão da realidade. Os outros, em síntese, não tentavam ser compreendidos pela metrópole, mas sim igualados a ela em uma relação de subordinação e inferioridade (PARRY, 1987).

Essa essencialização dos outros é observada por Thomas (1994) como uma prática de governar a cultura do colonizado. Esse sistema governamental não visava somente igualar os sistemas técnicos, administrativos e burocráticos da colônia em relação à metrópole, mas também, estabelecer um padrão científico de pesquisa dessas colônias o qual estivesse a serviço do projeto expansionista vislumbrado pelas metrópoles europeias (THOMAS, 1994). Apresentado o contexto histórico sobre o qual a teoria da gestão comparativa se desenvolveu, passa-se para algumas discussões sucintas desse corpo teórico, mas agora por uma abordagem póscolonialista.

Considerações pós-colonialistas a respeito da teoria da gestão comparativa

As pesquisas das ciências sociais sempre estiveram e sempre estarão orientadas por práticas que direcionam alguém ou algum grupo para a aquisição de maiores poderes sociais, o que não se faz diferente com os estudos sobre a teoria da gestão comparativa (WESTWOOD, 2004). A pesquisa enquanto prática de uma ciência social aplicada não pode ser admitida como uma atividade inocente, imparcial e neutra, haja vista que é sempre empreendida em relação a um objeto de estudo com o intuito de extrair informações específicas para a construção de um conhecimento sobre determinado problema social, seja individual ou coletivo.

Se observado o contexto geopolítico contemporâneo sobre o qual se alicerçam os sistemas de conhecimento institucionalizados, é possível afirmar, de acordo com Westwood (2004), que as pesquisas sobre a teoria da gestão comparativa podem ser organizadas em um projeto Euro-Americano direcionado para o restante do mundo, que possui por propósitos apreender, prever e controlar os sistemas de desenvolvimento econômico, tecnológico e produtivo. Os estudos vinculados à teoria da gestão comparativa são conduzidos por e para um centro Euro-Americano e visam fazer com que as práticas de gestão e de negócios dos outros (neste caso não mais colônias, mas países subordinados a este centro) sejam mais acessíveis e compreensíveis, a fim de que parcerias comerciais estratégicas possam ser construídas.

Para a construção de tal cenário, esse centro Euro-Americano utiliza as mesmas estratégias representacionais e discursivas empregadas em projetos de colonização orientados para tornar o mundo mais governável aos olhos das antigas metrópoles. Como consequência, a teoria da gestão comparativa tem sido estudada por categorias de análises reificadas (os "italianos", os "brasileiros", os "franceses"), que são frequentemente admitidas como variáveis de pesquisa essencialmente exploratórias (PUNNETT; SHENKAR, 1996).

Há uma presunção de que esses construtos podem capturar a essência do outro (dos subordinados ao centro Euro-Americano) ao conceder a ele uma voz parcial, que é transmitida ao meio por uma abordagem autoritária que analisa e considera a natureza de suas rotinas por uma fundamentação alheia a sua realidade. Essa prática ignora o particular, a contextualização do específico, as diferenciações de cada região e a proliferação de diferentes instâncias sociais. Tais métodos de pesquisa e de análise também renegam a valorização do "eu" do pesquisado (WESTWOOD, 2001).

Por consequência dessa lógica reificante, os sistemas de gestão dos países externos ao centro Euro-Americano não são qualificados apenas como parciais e autoritários, mas também como disfuncionais, irracionais, ineficientes, incompetentes, retrógrados e assim por diante (PRASAD, 2003). Harbison e Myers (1959) sugerem que, para ser eficiente, uma gestão deve se basear em princípios democráticos de liderança. Todavia perpetua-se a estratégia impositiva de relações internacionais, em que esse centro Euro-Americano deve orientar as transformações ocorrentes nos países em desenvolvimento, principalmente aquelas que se relacionam com a alteração das estruturas sociais, dos valores de padrões comportamentais de uma determinada sociedade (WESTWOOD, 2001, 2004).

Apresentada a realidade contemporânea sobre a qual se realizam as pesquisas sobre teoria de gestão comparativa, passase para argumentações que descrevam os principais aspectos e as características mais relevantes deste corpo teórico.

Algumas características relevantes sobre a teoria da gestão comparativa

Embora haja a tendência de as publicações relacionadas à teoria da gestão comparativa tratarem este tema como um sinônimo da gestão internacional, Schollhammer (1975) estabelece uma diferenciação objetiva: pesquisas em gestão internacional estão interessadas em compreender a gestão e as operações das empresas multinacionais, enquanto que os estudos sobre gestão comparativa se preocupam com as similaridades e as diferenças culturais e institucionais que se relacionam aos processos de gestão desempenhados em diferentes países.

Schollhammer (1975) acentua a diferenciação entre esses assuntos ao elencar alguns temas de pesquisa dominantes em cada um deles. Para os estudiosos da gestão internacional prevalecem os assuntos relacionados à interação entre as empresas multinacionais e órgãos governamentais dos países em que estão instaladas, ao nacionalismo econômico e seu respectivo efeito sobre as operações cotidianas das empresas multinacionais, ao crescimento e à expansão de empresas multinacionais que não são norte-americanas, bem como suas estratégias e abordagens gerenciais.

No que se refere à teoria da gestão comparativa, dois grandes temas se apresentam como mais relevantes: as causas e as consequências das diferenças culturais manifestadas no exercício de gestão em diferentes países, e as comparações com práticas gerenciais exercidas em nações que possuem uma orientação econômica que divergem do modelo capitalista norte-americano (SCHOLLHAMMER, 1975).

Esclarecida essa diferença inicial, cabe compreender o que a teoria da gestão comparativa pretende pesquisar. Jack e Westwood (2009) respondem ao considerar que tal teoria estuda os sistemas organizacionais de gestão, de produção e de realização de negócios em diferentes países, mas em relação a uma nação padrão, para que, por meio dessa comparação, as práticas gerenciais possam ser gradativamente incrementadas.

O principal objetivo da teoria da gestão comparativa, de acordo com Alton (1969), está em propor o desenvolvimento de um corpo de conhecimento que possa auxiliar a prever e explicar a eficiência das firmas em diferentes países. Os que estudam essa teoria fixam seus olhares no ambiente externo, uma vez que é por ele que a firma pode extrair elementos que contribuam de maneira peculiar para a eficiência geral da organização.

Schollhammer (1975) caracteriza a teoria da gestão comparativa como interdisciplinar, uma vez que aqueles que pesquisam os assuntos correlatos ao tema também conduzem estudos paralelos sobre outros tópicos que auxiliam a agregar maior profundidade aos achados da gestão comparativa. A interdisciplinaridade constatada por Scholhammer (1975) pode ser considerada como um fator desejável, pois a ampla quantidade de temas estudados junto com a teoria da gestão comparativa permite que a análise dos resultados coletados em campo seja feita por meio das contribuições advindas de várias fontes de conhecimento.

Apesar de considerar construtivo o ecletismo dos estudos direcionados a fundamentar a teoria da gestão comparativa, o próprio Schollhammer (1975) atesta que essa pluralidade permite que algumas deficiências críticas sejam perpetuadas junto aos pesquisadores da área. De acordo com o autor, a extrema miscigenação temática faz com que grande parte dos estudos sobre a teoria da gestão comparativa seja conduzida sem um coerente rigor metodológico, além do que propicia um ambiente científico que privilegia o desenvolvimento e a apresentação de pesquisas recorrentes, ou seja, repetitivas em relação a trabalhos anteriores, situação esta que impede a ascensão de contribuições inéditas para este corpo teórico.

A imprecisão metodológica de estudos inseridos ao escopo temático da teoria da gestão comparativa faz com que algumas variáveis de interesse a esse corpo teórico sejam trabalhadas por abordagens de pesquisa que não conseguem englobar o que esses assuntos específicos têm a oferecer quanto à amplitude das discussões que podem gerar e à extensão dos resultados que podem apresentar ao(s) pesquisador(es), tal como acontece com a cultura.

Com o intuito de evidenciar que as pesquisas sobre a teoria da gestão comparativa não seguem apenas uma linha de raciocínio e que também não devem obedecer a propostos generalistas, Schollhammer (1973) elaborou uma tipologia que classifica a teoria da gestão comparativa em suas diferentes potencialidades metodológicas.

A tipologia desenvolvida por Schollhammer (1973) sugere que, primeiramente, os estudos sobre a teoria da gestão comparativa podem ser divididos em duas segmentações principais: (1) a teórico-abstrata, que procura fundamentar a teoria da gestão comparativa pela construção de modelos teóricos, estruturas conceituais e tipologias específicas para o desenvolvimento e teste de hipóteses; (2) a empírica, que compreende esforços de pesquisa que buscam explicar, avaliar e acumular os dados coletados pelas pesquisas empíricas. Cada uma dessas segmentações é dividida em subcategorias.

Na perspectiva teórico-abstrata, prevalece uma distinção entre o conceituar e o sintetizar. A subcategoria conceituar busca desenvolver construtos teóricos que permitam mais facilidade na identificação, explicação e avaliação de fenômenos de pesquisa que interessam à teoria da gestão comparativa. A subcategoria sintetizar trata do esforço de integrar partes relevantes de conhecimentos existentes, de maneira que um quadro teórico mais amplo possa ser elaborado em favor do fenômeno que se pesquisa (SCHOLLHAMMER, 1973).

A perspectiva empírica é dividida em conformidade com o escopo de seus projetos, bem por isso eles podem ser classificados como unidimensionais, uma vez que priorizam um único assunto que se relaciona com uma diversidade de variáveis, e também como multidimensionais, quando focam vários assuntos relacionados a diversas variáveis de pesquisa. Independentemente de serem unidimensionais ou multidimensionais, os estudos da perspectiva empírica ainda podem ser classificados como descritivos, analítico-interpretativos e generalistasnormativos (SCHOLLHAMMER, 1973).

Os estudos descritivos intentam apresentar os fatos empíricos coletados em campo, sem uma devida preocupação de se realizar uma análise interpretativa destes, ou ainda, de compreender a relação de causa e efeito entre as variáveis estudadas. Os estudos analítico-interpretativos, por uma abordagem específica (dependente do pesquisador), priorizam a avaliação dos dados coletados ao longo da pesquisa empírica. E os estudos generalistas-normativos se utilizam de dados empíricos primários como meios de análise para a realização de generalizações a respeito da teoria da gestão comparativa, ou seja, buscam desenvolver assertivas normativas e prescritivas (SCHOLLHAMMER, 1973).

A tipologia apresentada por Schollhammer (1973) evidencia que a teoria da gestão comparativa, enquanto campo de estudo da administração, não compõe um corpo teórico possível de ser analisado apenas por uma lente do conhecimento. A riqueza da teoria da gestão comparativa ainda pode ser complementada por algumas abordagens conceituais principais, as quais são apresentadas em sequência.

As principais abordagens conceituais da teoria da gestão comparativa

A proliferação de diferentes abordagens conceituais e metodológicas para a compreensão da teoria da gestão comparativa faz com que seja oportuna a tarefa de revisar, analisar, avaliar e classificar cada uma das orientações existentes em relação a esse corpo teórico. Para tanto serão consideradas as seguintes abordagens: a abordagem socioeconômica (ou abordagem orientada para o desenvolvimento econômico), a abordagem ecológica (ou abordagem ambiental) e a abordagem comportamental (NEGHANDI, 1975; SCHOLLHAMMER, 1969).

A abordagem socioeconômica, ou abordagem orientada para o desenvolvimento econômico (NEGHANDI, 1975), tem como ponto de partida de suas análises o fato de que a gestão simboliza a característica mais crítica e relevante para que o desenvolvimento econômico de uma determinada região seja promovido. Por essa linha de raciocínio, o gestor se torna o elemento catalítico dos processos de industrialização, uma vez que ele age e reage em relação aos ambientes socioeconômicos com o intuito de promover alterações econômicas no sistema vigente. A gestão, por conseguinte, é considerada como um dos principais veículos de mudança, contudo permanece o reconhecimento de que ela é apenas uma das partes que integram todo um sistema socioeconômico em particular (SCHOLLHAMMER, 1969).

Tudo o que se relaciona ao desenvolvimento econômico, de acordo com Neghandi (1975), é muito amplo e subjetivo para que uma categorização de pesquisa mais objetiva possa ser elaborada. Isso faz com que a generalidade dessa abordagem não consiga elaborar hipóteses científicas possíveis de serem generalizadas para a construção de uma teoria mais fundamentada. Para o autor, essa abordagem apenas avança em estudos de cross-cultural management ao evidenciar a representatividade das práticas gerenciais para o desenvolvimento econômico.

A abordagem ecológica sobre a gestão comparativa busca isolar variáveis do ambiente externo, por meio das quais, similaridades e diferenças são atribuídas a diferentes contextos gerenciais em contextos nacionais diversos. O foco de negócio de uma firma é visto como um sistema ecológico, em que fatores externos possuem um impacto determinante sobre a eficiência da gestão, que, por sua vez, influencia o desempenho da firma, que, por fim, agrega eficiência econômica ao sistema. A ênfase na interação entre uma organização e seu ambiente permite que vários componentes ecológicos sejam identificados, dentre eles as características sociológicas, políticas e econômicas de uma região, todas elas assumidas como impeditivos potenciais para uma efetiva prática gerencial (SCHOLLHAMMER, 1969).

Neghandi (1975) prefere denominar a abordagem ecológica como abordagem ambiental. Suas considerações a respeito dessa perspectiva de compreensão analítica sobre a teoria da gestão comparativa pouco diferem das desenvolvidas por Schollhammer (1969), no entanto algumas críticas se fazem pertinentes de serem apresentadas. Para Neghandi (1975), em termos conceituais e operacionais, a abordagem ecológica (ou ambiental) não permite que progressos significativos sejam realizados em relação à gestão comparativa, uma vez que esta se desenvolve por meio de classificações de variáveis muito subjetivas, situação que impede uma comparação entre os diversos estudos realizados. Neghandi (1975) também afirma que a ênfase demasiada em fatores ambientais (ou seja, externos às fir-mas) leva à construção de uma racionalidade equivocada, a de que a empresa e os gestores são passivos em relação aos determinantes ambientais.

Os pesquisadores que utilizam a abordagem comportamental para tecer análises sobre a gestão comparativa priorizam comportamentos específicos de gestores que exercem suas funções em diferentes contextos culturais. Bem por isso, suas motivações para realizarem determinadas atitudes gerenciais e seus respectivos relacionamentos profissionais são levados em conta, uma vez que essas duas informações são relevantes para compreender como se dá a interação desse indivíduo para com a sociedade, de maneira que os objetivos da organização que representa sejam devidamente alcançados (SCHOLLHAMMER, 1969).

Neghandi (1975) comenta que dentre os assuntos relacionados à gestão comparativa pela perspectiva comportamental, três adquirem maior destaque: (1) a compreensão da identidade nacional de gestão para que, por meio do conhecimento do gestor, padrões de comportamentos organizacionais possam ser identificados; (2) atitudes e percepções dos gestores sobre atividades de gestão necessárias de serem desempenhadas na região pesquisada; e (3) as crenças, os valores e as hierarquias valorizadas nas diversas sociedades estudadas.

De todas as abordagens comentadas, a comportamental é a mais utilizada pelos pesquisadores da gestão comparativa, no entanto ela também possui suas fragilidades. A principal, em palavras de Neghandi (1975), está na tentativa de conectar conceitos como: cultura, atitudes, comportamentos e eficácia. Segundo ele, todos esses conceitos não participam de um consenso junto à academia, o que não é diferente dentre os estudiosos sobre a gestão comparativa. A tentativa de se esquivar de tais armadilhas fica na utilização da cultura como uma variável independente de pesquisa, todavia, pela análise das pesquisas orientadas por essa abordagem, percebe-se que a cultura assume mais uma posição de variável residual. A seção seguinte busca desenvolver algumas discussões sobre a fragilidade da cultura enquanto tema de interesse para a teoria da gestão comparativa.

A fragilidade da cultura enquanto tema de interesse à teoria da gestão comparativa

Ajiferuke e Boddewyn (1970), ao analisarem a literatura até então disponível sobre a gestão comparativa, encontraram que as explicações da abordagem comportamental para essa teoria recaem em quatro pilares explicativos principais: cultura, economia, psicologia e sociologia. Os debates relacionados à cultura, no entanto, são predominantes, mas também são imprecisos, uma vez que não se aprofundam sobre qual perspectiva conceitual alicerçam suas proposições, bem como optam por não comentar o nível de influência que acreditam ser participado pela cultura nas regiões pesquisadas. Tais deficiências fazem com que os estudos sobre gestão comparativa orientados por uma abordagem comportamental norteada por premissas da cultura sejam descredibilizados, simplesmente por isolarem o termo como uma variável independente (AJIFERUKE; BODDEWYN, 1970).

Kelley e Worthley (1981) complementam ao elencar duas dificuldades de se estudar a cultura em pesquisas fundamentadas pela teoria da gestão comparativa: a vaga noção do conceito e sua impraticabilidade metodológica. A cultura, de acordo com Child e Kieser (1981) pode ser definida por discussões amplas. As barreiras da coletividade social que busca e pede uma definição de cultura representam mais um problema de delimitação do que um limite para a concessão de conceitos coerentes, uma vez que diferenças culturais não existem apenas entre diferentes países, mas também entre comunidades localizadas em uma mesma região (CHILD; KIESER, 1981; OBERG, 1963). Quanto ao aspecto metodológico, os obstáculos mais aparentes estão na dificuldade de se conseguir dialogar com diferentes culturas sem a sobreposição de valores e, principalmente, na dificuldade de se conseguir abordar uma amostra representativa da cultura que se estuda (KELLEY; WORTHLEY, 1981).

Além dos problemas identificados por Ajiferuke e Boddewyn (1970), Child e Kieser (1981) e KelleyWorthley (1981), ao fazer um paralelo entre a teoria da gestão comparativa e os estudos de cross-culture management, Adler (1984) identificou alguns problemas que prejudicam o desenvolvimento de pesquisas que tentam relacionar essas duas temáticas. Os problemas encontrados foram: (1) definir coerentemente o que é cultura; (2) identificar até que ponto um fenômeno pesquisado é específico àquela cultura ou comum a todas as demais; (3) determinar como um pesquisador pode se despir de seus valores culturais para conduzir estudos em culturas diferentes; (4) identificar quais aspectos do estudo realizado são equivalentes e quais são diferentes em relação às diferentes culturas analisadas; e (5) prevenir que a pesquisa não fique tendenciosa ao controlar os contatos e interações entre pesquisador e cultura em investigação.

Child (1981), ao revisar os problemas associados à utilização da cultura em estudos comparativos, identificou cinco impeditivos mais relevantes para a condução mais aprimorada de pesquisas científicas: (1) a cultura não é definida de maneira clara; (2) as barreiras culturais não coincidem com as barreiras nacionais; (3) os fatores culturais são comumente tratados como variáveis exploratórias, sem a menção devida das origens históricas e sociais da sociedade em estudo; (4) não são realizados esforços coerentes que estejam interessados em especificar quais componentes de uma determinada cultura são mais relevantes de serem estudados para o bom desempenho das organizações localizadas na região investigada; (5) problemas conceituais e operacionais continuam a enfraquecer as pesquisas de gestão comparativa que se orientam por uma abordagem comportamental enraizada em discussões sobre a cultura.

Boyacigiller e Adler (1991) identificaram uma quantidade considerável de barreiras institucionais que não permitem um pleno esclarecimento da representatividade da cultura para as pesquisas de gestão comparativa, tais como: (1) os programas de doutorado falham ao treinar os pesquisadores para pesquisas internacionais; (2) a pesquisa internacional é sempre mais longa e exige um maior investimento financeiro; (3) os paradigmas dominantes de uma região tendem a privilegiar processos quantitativos ou qualitativos de pesquisa, sem permitir que ocorra um diálogo construtivo entre essas duas abordagens; (4) o processo de revisão e valorização dessas pesquisas é protecionista, ou seja, admite que a modalidade padrão de pesquisa de uma determinada localidade é a única alternativa que deve ser aceita como correta; e (5) o consequente desprezo a produções científicas internacionais, devido à realidade observada na afirmação anterior.

As barreiras identificadas por Boyacigiller e Adler (1991) se referem a um contexto norte-americano de pesquisa, no entanto elas indicam situações possíveis de serem encontradas em locais em que os processos de pesquisa sejam tão protecionistas quanto nos Estados Unidos, no caso, em relação à teoria da gestão comparativa. Redding (1994) aponta que a realidade europeia difere da norte-americana, uma vez que a Europa em si defende a existência de inúmeras perspectivas de pesquisa, as quais, por si mesmas, buscam combinações e interações com diferentes for-mas de pensamento. A pluralidade europeia talvez remeta ao poder empírico da cultura junto aos estudos da gestão comparativa, uma vez que uma realidade mercadológica em que diferentes nações se comunicam cotidianamente exige que padrões de comparação mais efetivos sejam construídos com maior eficiência.

Mediante as fragilidades apresentadas em relação à cultura enquanto tema de interesse para a teoria da gestão comparativa, apresentam-se algumas ponderações que possam auxiliar na realização de futuras pesquisas que tenham o intuito de trabalhar com esse assunto para a elaboração de futuras fundamentações teóricas. Para tanto serão tomadas como referências as contribuições de Child (1981) e Triandis (1992).

Para Child (1981) a cultura representa uma série de condições normativas e preferenciais de uma comunidade para uma determinada ação, logo não constitui a ação em si. A cultura compõe um sistema de significados por meio do qual, em âmbito conceitual, o sistema social é separado das ações organizadas dos seres humanos. Tal compreensão permite que variáveis não culturais possam influenciar tais ações organizadas, ou seja, eventos não culturais podem ser assumidos como parte da explicação de uma cultura. Triandis (1992) complementa ao argumentar que a proposta de Child (1981) apenas se faz possível caso uma análise rigorosa de operacionalização do conceito de cultura seja providenciada por quem pesquisa.

Uma atenção especial deve ser concedida a questões que influenciam o comportamento organizacional como um todo (TRIANDIS, 1992). Essa preocupação fará com que a cultura não seja observada como uma variável de pesquisa obscura. Child (1981) vai além ao afirmar que é necessário identificar as características culturais predominantes para que diferenças organizacionais possam ser mais bem explicadas e, também, para que as similaridades entre as distâncias culturais e os limites nacionais sejam mais bem compreendidos. Um alto nível de entendimento é necessário para que os processos de interferências culturais sobre os movimentos de uma determinada sociedade e a estabilidade de algumas tradições sejam identificadas na profundidade exigida pelo estudo em desenvolvimento (CHILD, 1981).

A transparência conquistada por meio de tais compreensões determinará como a organização será observada em relação aos processos de transferências culturais, logo, o desenvolvimento de um modelo específico sobre a cultura que ampara o contexto sobre o qual uma organização exerce suas atividades, pode contribuir para que as interações entre cultura e comportamento organizacional sejam analisadas em maior profundidade (TRIANDIS, 1992). Reconhecer o papel desempenhado pelas organizações e a capacidade cognitiva dos atores sociais inseridos em uma mesma cultura permite que os objetos de estudo sejam definidos em coerência com uma postura epistemológica dominante.

Não que os procedimentos de pesquisa devam estar submetidos a uma única vertente epistemológica, no entanto, para que outras epistemologias sejam trabalhadas, aquela que movimenta os processos científicos da realidade cultural observada deve ser plenamente compreendida. Como ressaltou Child (1981), o processo de modernização e industrialização é expresso por consequência das tradições que movimentam aquela cultura, bem por isso, embora sejam apresentados de diversas maneiras, acabam obedecendo a uma lógica pré-determinada e involuntária de acontecimento. Esta é orientada, de acordo com Triandis (1992), por normas e significados comuns a todos aqueles que vivenciam a cultura em investigação, os quais dependem dos antecedentes histórico-culturais relacionados a eventos que expuseram as necessidades sociais, as atitudes das lideranças governamentais e os valores morais privilegiados por aquela sociedade em específico.

As contribuições de Child (1981) e Triandis (1992) buscam, de acordo com Redding (1994), superar algumas deficiências nos estudos da cultura enquanto tema de interesse para a teoria da gestão comparativa. De acordo com esses autores, ainda não há uma definição clara de cultura, o que é reforçado pelos seguintes fatos: (a) ainda não é possível separar claramente variáveis psicológicas de variáveis culturais; (b) não é possível identificar o que é universal e o que é específico para uma ou poucas culturas; (c) não é possível dizer quando um caso é único ou é apenas um padrão recorrente de vários casos.

As considerações previamente expostas indicam que a cultura, enquanto tema de interesse para a teoria da gestão comparativa, requer uma roupagem de pesquisa que consi-ga investigar as especificidades do indivíduo, do grupo, da comunidade, dos hábitos e assim por diante. A cultura, portanto, para ser efetivamente pesquisada por meio de problemas de pesquisas vinculados à teoria da gestão comparativa, pede que abordagens mais aprofundadas sejam empregadas aos métodos de intervenção empíricos. Para tanto é necessário observar, junto ao corpo teórico que ampara a gestão comparativa, a existência de uma perspectiva ontológica e epistemológica que dê sustentação para investigações que tenham por interesse aprofundar-se na essência do fenômeno pesquisado.

Aspectos ontológicos e epistemológicos da teoria da gestão comparativa

Esta seção é apresentada com o intuito de desenvolver discussões que visem promover maior compreensão sobre como as metrópoles conseguiam forjar os conhecimentos e os métodos científicos dos colonizados, a fim de que os costumes metropolitanos começassem a prevalecer junto aos territórios colonos. Também cabe a este tópico discutir brevemente o contexto histórico e contemporâneo institucional e discursivo para a teoria da gestão comparativa. E, enfim, almeja-se discorrer sobre algumas fundamentações que orientem os pesquisadores sobre a teoria da gestão comparativa quanto a fundamentações ontológicas e epistemológicas mais ortodoxas às práticas dominantes de pesquisa.

Tal como foi demonstrado por Said (1978), as áreas que não estão localizadas no ocidente, mais especificamente no centro Euro-Americano, foram sistematicamente sujeitadas ao conhecimento científico e tecnológico ocidental, de maneira que as sociedades colonizadas foram examinadas, rotuladas, categorizadas, taxonomizadas e codificadas por métodos em que os outros (definição apresentada na primeira seção teórica deste artigo) acabaram sendo abstraídos de sua real essência e reconstruídos por um discurso metropolitano dominante.

Este foi o contexto sobre o qual todas as práticas de gestão foram desenvolvidas: desde a administração das colônias até a gestão internacional global dos dias contemporâneos. A ciência ocidental, por consequência, esteve intrinsicamente envolvida com tais práticas, uma vez que por ela foram elaboradas justificativas a respeito da negação do outro em favor da proliferação das práticas, dos modos de viver e dos conhecimentos das metrópoles (WESTWOOD, 2004).

Harding (1998) considera que importantes descobertas científicas oferecidas pela Europa ocorreram por meio da perpetuação das práticas colonialistas. A expansão europeia foi facilitada, senão plenamente permitida, pelos conhecimentos extraídos dos sistemas sociais alheios (das colônias). O mundo colonizado representava uma fonte de recursos para os europeus, não somente de materiais raros e de especiarias, mas principalmente o conhecimento de cada uma dessas colônias.

Pelo contexto expansionista do continente europeu, perpetuava-se a necessidade das metrópoles financiarem a unificação de um conhecimento científico que fosse detido por elas, para que assim elas dominassem as informações, os métodos, os resultados e as pesquisas. Harding (1998) assevera que, por esse caráter dominador, o conhecimento científico atual, regido pelo centro Euro-Americano, não pode ser admitido como um conhecimento universal e unificado, mas sim como um conhecimento desenvolvido em um determinado momento histórico, sob determinadas regras sociais e com características sistêmicas particulares (um conhecimento Euro-Americano).

A assunção colonialista, também vivenciada por alguns pesquisadores pós-colonialistas, de que existe apenas uma realidade, uma verdade sobre essa realidade e apenas uma ciência capaz de estudar tal verdade, já não consegue ser sustentada (DUPRE, 1993). A epistemologia pós-colonialista desafia a neutralidade científica e aponta para a necessidade de se valorizar interesses culturais distintos que gerem conhecimentos científicos diversos (HARDING, 1998).

Por essa ótica, de acordo com Jack e Westwood (2009), a ciência e a sociedade são vistas como fenômenos que se desenvolvem em paralelo. Existem, portanto, maneiras específicas de cada cultura expressar seus respectivos conhecimentos, os quais determinam as práticas epistemológicas dominantes em cada contexto pesquisado, que, por sua vez, auxiliam a identificar os contornos peculiares de cada cultura estudada.

Como bem argumentou Harding (1998), as culturas geram projetos científicos e tecnológicos que servem para os interesses das localidades que os amparam, em primeira instância. Nesse sentido, quando os outros, em pesquisas sobre a teoria da gestão comparativa, são observados em sua essência, deixase de lado uma visão de referência ao centro Euro-Americano e assume-se uma abordagem pluralista de observação da realidade.

Os primórdios da teoria da gestão comparativa a denunciam como um corpo teórico avesso ao pluralismo, uma vez que se fundamentava, principalmente, na tradição norte-americana de construção de teorias via abordagens dedutivas, teste de hipóteses e análises estatísticas (WESTWOOD, 2001). Por tal perspectiva, defendia-se que a organização era constituída por uma natureza objetivista e submetida a constantes descobertas e explorações imparciais. Esses propósitos científicos são questionados pela epistemologia pós-colonialista, uma vez que para ela a ciência moderna, em suas diversas formas de desenvolvimento e apresentação do conhecimento, é localmente construída, tal como qualquer sistema de crenças e valores.

No que concerne ao contexto institucional e discursivo, não há dúvidas de que a teoria da gestão comparativa tem algumas heranças nas estratégias representativas do colonialismo, raízes nos interesses dos negócios ocidentais (principalmente os que estão diretamente vinculados ao centro Euro-Americano) e um comprometimento com projetos de modernização, industrialização e desenvolvimento invasivos (KHANDWALLA, 1990; PRASAD, 2003).

Tais considerações apenas ressaltam o fato de que a teoria da gestão comparativa surgiu em um espaço discursivo em que o funcionalismo estrutural representava o paradigma dominante e sustentava a racionalidade para a construção de explicações que podiam ser generalizadas e aplicadas como regras universais. O espaço dos ditames funcionalistas ganharam mais espaço à medida que diferentes economias começaram a se industrializar e desenvolver, acontecimentos estes que deram vasão à uma historiografia teleológica sobre uma trajetória comum que deveria ser seguida pelas nações a fim de que sucessos econômicos pudessem ser alcançados (BOYACIGILLER; ADLER, 1991; PRASAD, 1997).

Algumas das implicações epistemológicas e ontológicas que circundam a teoria da gestão comparativa derivam desse contexto institucional. O desenvolvimento dos estudos sobre a teoria da gestão comparativa ocorreu em um contexto de disseminação do discurso colonialista sobre as práticas de expansão industrial do centro Euro-Americano, ou seja, se deu em um espaço caracteristicamente dominado por discursos ontológicos e epistemológicos pragmáticos.

No entanto a teoria da gestão comparativa já apresentava interesses metodológicos afins com a antropologia, uma vez que, desde seus primeiros estudos, denunciava, ainda que em segundo plano, um interesse de observar, explicar e descrever meios de apropriação dos outros, a fim de que os stakeholders dos países desenvolvidos pudessem ser plenamente beneficiados (WESTWOOD, 2004). Percebe-se que a antropologia sobre a qual os pesquisadores da teoria da gestão comparativa se debruçavam era uma antropologia inteiramente relacionada ao funcionalismo, ou seja, aos interesses de universalização dos resultados empíricos e da expansão de uma única postura epistemológica.

As pesquisas em teoria da gestão comparativa, em sua grande maioria, passaram a ser conduzidas por esta roupagem funcionalista, também admitida como uma postura dominante de compreensão da realidade. Como resposta a essa generalidade, alguns pesquisadores começaram a desenvolver seus estudos por caminhos mais ortodoxos, os quais, apesar de dizerem que promoviam diferenças metodológicas, ainda estavam enraizados nas tradições funcionalistas. Tal fato é evidenciado porque ainda persiste a presunção ocidental de singularidade, especialidade e veracidade da ciência Euro-Americana em comparação ao restante do mundo (WESTWOOD, 2004).

Parry (1987) comenta que as teorias das organizações, ou, como ele mesmo prefere denominar, as teorias de gestão, são escritas como se fossem algo já comprovadamente universal, o que não permanece com uma visão pós-colonialista da ciência, a qual busca rejeitar a hegemonia cultural do ocidente, bem como seus valores e formas "universais" de pensamento. A contestação pós-colonialista ganha força na medida em que se percebe a ausência de poucas análises aprofundadas sobre os temas relacionados à teoria da gestão comparativa, ou seja, o conhecimento nada mais é, para a literatura dominante, do que algo sistêmico e extraído dos padrões Euro-Americanos em direção às demais culturas analisadas (WESTWOOD, 2001).

Os estudos em profundidade, mais substanciados, com maiores detalhes, ou como o próprio Weswood (2001, 2004) classifica, os estudos culturais que amparam a teoria da gestão comparativa, são raros, o que faz com que tal corpo teórico seja um tanto frágil em suas assunções ontológicas e epistemológicas, porque tais posturas privilegiam uma ideologia dominante que despreza as especificidades dos contextos locais.

Uma consequência a essa realidade está na contínua perpetuação de uma herança epistemológica impregnada por métodos descontextualizados para com o fenômeno em estudo, os quais, em sua maioria, seguem suas rotinas de pesquisa por uma abordagem quantitativa. Essa orientação quantitativa faz com que as variáveis sejam reduzidas em quantidade e mais facilmente tratadas pelas teorias e hipóteses que regem o conhecimento ocidental (PUNNET; SHENKAR, 1996). Todavia outras fontes de conhecimento, tal como a antropologia, já alertavam desde o início dos estudos sobre a teoria da gestão comparativa os perigos de se descontextualizar um fenômeno por análises de decomposição deste via observação das partes por uma observação não coerente com a realidade na qual tal fenômeno se encontra (GEERTZ, 1973; ROSALDO, 1989).

A confiança depositada na epistemologia neopositivista e em seus respectivos métodos, os quais se preocupam intensamente com a quantificação, com a validação interna e com a decomposição do fenômeno, tem sido questionada por análises mais minuciosas (BOYACIGILLER; ADLER, 1991). De fato Redding (1994) assevera que os métodos quantitativos não permitem que a teoria da gestão comparativa se desenvolva efetivamente, uma vez que os procedimentos de pesquisa amparados por tal abordagem não são capazes de avaliar fenômenos não lineares, interativos e interdependentes, tal como a cultura.

Boyacigiller e Adler (1991) concordam sobre o fato de que o aspecto quantitativo da teoria da gestão comparativa tem permitido que ela seja assumida como um corpo de estudos ateórico, principalmente no que diz respeito à cultura, a qual é frequentemente classificada como uma variável residual post hoc e, consequentemente, tratada por uma orientação monolítica e estática. Os estudos sobre a teoria da gestão comparativa, por conseguinte, falham em analisar a cultura como um processo de interação (REDDING, 1994).

O contexto histórico, intelectual e institucional sobre o qual a teoria da gestão comparativa se desenvolveu permitiu a construção de uma trajetória, em particular, marcada por algumas implicações epistemológicas e preferências metodológicas que ainda estão presentes nesse campo de estudo. O funcionalismo continua sendo a epistemologia dominante, uma vez que propõe a universalização, a descontextualização e a essencialização das tendências e comportamentos apresentados pelos pesquisados. Essa constatação apenas ressalta a necessidade de que alterações epistemológicas ocorram, a fim de que a teoria da gestão comparativa comece a responder às críticas pós-colonialistas e, então, usufruir-se de métodos que extingam as tendências de negação do outro, ainda presentes em tais estudos (ADLER; GRAHAM, 1989).

Características da teoria da gestão comparativa para o estudo da cultura

Ao longo desta seção, serão retomados os principais tópicos que reforçam a cultura como tema difícil de ser pesquisado, alguns quesitos relacionados à teoria da gestão comparativa que devem ser delineados para o desenvolvimento de um estudo sobre a cultura e algumas características mais relevantes do que deve ser observado para a condução de investigações de diferentes culturas pela ótica da gestão comparativa.

As dificuldades de se estudar a cultura a partir da teoria da gestão comparativa, as quais foram apresentadas anteriormente, remontam ao desafio proposto por Said (1978) em relação à teoria da gestão comparativa, ou seja, o de tentar analisar as demais culturas por práticas de pesquisa que não se apropriem da identidade social do pesquisado, que não sejam repressivas com ideologias sociais desconhecidas e que não manipulem o contexto social sobre o qual a investigação será empreendida.

Para tanto, propõe-se que o outro (o pesquisado) não seja observado como algo exótico nem referenciado como um exemplo de negatividade social; antes, o outro tem de ser conhecido pelo pesquisador por meio de contatos gradativos e desprovidos de préjulgamentos e de sabedorias populares questionáveis (PRASAD, 2003). Questões sobre a negação do outro, tais como a potencialidade de gerarem ameaças sociais e à possível incivilidade a ser diagnosticada em comparação com a cultura do pesquisador, não podem estar presentes, uma vez que não há como inferir características negativas sobre algo que ainda é desconhecido (PRASAD, 1997).

Se não há como admitir que o outro constitui um exemplo positivo ou negativo de convivência social, a comparação binária que prevalece nos estudos sobre a gestão comparativa perde seu sentido, porque não se pode qualificar a cultura do pesquisador como positiva em relação a uma cultura que ainda será estudada. Por um exercício qualitativo de compreensão da cultura pela teoria da gestão comparativa, seria interessante que o outro fosse amenizado, todavia ele deve ser compreendido na plenitude de sua essência (WESTWOOD, 2004).

O outro deve ser valorizado pelo que é, pelo que aparenta, pelo que fala, e assim por diante, bem por isso o ato de transformá-lo em uma categoria de análise reificante empobrece o contexto e o método da pesquisa. Em outras palavras, a valorização do particular, a contextualização do específico e a ilustração das diferenças regionais contribuem para a compreensão da proliferação de diferentes movimentos sociais, tanto pela epistemologia dominante do pesquisado, quanto pela epistemologia dominante do pesquisador (HARDING, 1998).

O "eu" do pesquisado importa ao pesquisador na medida em que expressa para o contexto da pesquisa as peculiaridades organizacionais influenciadas direta e indiretamente pelos eventos culturais e não culturais que interferem na cultura da região investigada. Assim, a pré-qualificação de um sistema de gestão como primitivo não oferece respaldo para o desenvolvimento de um estudo de uma cultura específica. O julgamento premeditado sobre um método de gestão se iguala ao ato equivocado de caracterizar um indivíduo como não civilizado e uma sociedade como não desenvolvida, antes mesmo de serem estudados (WESTWOOD, 2001).

Pela impossibilidade de se caracterizar a(s) organização(ões) presentes em uma determinada cultura antes de pesquisá-las, alcança-se o principal intento da teoria da gestão comparativa que, de acordo com Schollhammer (1975), consiste em identificar e analisar as similaridades e as diferenças culturais e institucionais que se relacionam com os processos de gestão desempenhados pelas organizações em diferentes países. Em conformidade com tal objetivo, fica compreendido o motivo do cenário de maior interesse para a teoria da gestão comparativa ser aquele que está fora da organização, ou seja o ambiente externo, pois é nele que os elementos sociais interagem e determinam a intensidade do alcance de uma plena eficiência organizacional (WESTWOOD, 2001, 2004).

Se a delineação da cultura enquanto fenômeno de análise que interessa para a teoria da gestão comparativa permitiu a conquista de uma coerência com o principal objetivo desse corpo teórico, é necessário caracterizar o tipo da teoria da gestão comparativa que se busca, ou seja, quais as características que mais são relevantes, a fim de que os estudos da cultura orientados por preceitos dessa teoria sejam coerentemente desenvolvidos por uma abordagem epistemológica que dê sustentação a toda essa argumentação.

Em concordância com as categorizações de Schollhammer (1973), propõe-se que o caráter teórico-abstrato e o empírico da teoria da gestão comparativa sejam unidos em prol de uma fundamentação para os construtos desenvolvidos em âmbito teórico (o conceituar), enriquecidos por sínteses de outras escolas do conhecimento (o sintetizar) e testados por intervenções empíricas.

Cabe dizer, porém, que a cultura agrega uma natureza multidimensional aos estudos que desejam investigá-la, tal como exemplificam as dificuldades apresentadas no início desta seção teórica. Logo, ainda de acordo com Schollhammer (1973), assevera-se que as pesquisas sobre a teoria da gestão comparativa que investigam a cultura são multidimensionais, pois tratam simultaneamente de vários assuntos que exigem a análise de inúmeras variáveis para sua respectiva compreensão.

Dentre todas as abordagens conceituais previamente apresentadas, acredita-se que a mais inerente aos estudos da cultura para a teoria da gestão comparativa seja a comportamental, principalmente pelo problema indicado por Neghandi (1975), o de persistir, por parte dos pesquisadores comportamentalistas, a tarefa de conectar os conceitos de cultura, atitudes, comportamentos e eficácia.

A abordagem comportamental também se enquadra como a mais coerente para as pesquisas qualitativas que tentam relacionar cultura e teoria da gestão comparativa, por manifestar o interesse de se entender como comportamentos específicos dos gestores influenciam os contextos culturais sobre os quais eles atuam (SCHOLLHAMMER, 1969). Por fim, justifica-se que a abordagem comportamental seja a mais correlata aos estudos da teoria da gestão comparativa que se vinculem à cultura, por ter entre seus temas mais relevantes as crenças, os valores e as hierarquias valorizadas nas diversas sociedades estudadas (NEGHANDI, 1975; SCHOLLHAMMER, 1969).

As discussões desenvolvidas ao longo do artigo estão em coerência com a necessidade de se pesquisar a cultura (enquanto objeto de conhecimento) a partir da teoria da gestão comparativa (enquanto lente de observação deste mesmo objeto de conhecimento), por uma abordagem de compreensão da realidade que questione os paradigmas dominantes (positivismo e funcionalismo) e permita que vozes renegadas por pesquisas veiculadas por esse paradigma ganhem representatividade em vias ontológicas e epistemológicas alternativas. Em sequência, as considerações finais do artigo.

Algumas considerações e reflexões

As considerações que encerram este artigo serão organizadas em respostas conquistadas em favor dos objetivos secundários de pesquisa, do objetivo principal de estudo e da justificativa de realização desta investigação.

O primeiro objetivo secundário apresentado foi o de identificar as abordagens de estudo e conceituais bem como os principais aspectos ontológicos e epistemológicos da teoria da gestão comparativa.

De acordo com a literatura visitada, é possível compreender que a teoria da gestão comparativa constitui um corpo de conhecimento interdisciplinar segmentada em uma tipologia que a qualifica como teórico-abstrata e empírica. A corrente teórico-abstrata trata de reflexões que buscam conceituar e sintetizar conhecimentos, construtos e variáveis afins à teoria da gestão comparativa. A corrente empírica é subdividida em estudos unidimensionais e multidimensionais, ambos possíveis de serem categorizados como descritivos, analítico-interpretativos e generalistas-normativos (SCHOLLHAMMER, 1973).

As principais abordagens conceituais desse corpo teórico são a socioeconômica (orientada para o desenvolvimento econômico), a ecológica (ou ambiental) e a comportamental (NEGHANDI, 1975; SCHOLLHAMMER, 1969). Tais abordagens reforçam a necessidade de se desenvolverem estudos que questionem o paradigma funcionalista que predomina nas pesquisas sobre teoria da gestão comparativa, uma vez que investigações mais críticas elaboradas por conduções metodológicas diferenciadas poderiam ofertar ao meio acadêmico resultados teóricos e empíricos que viriam ao encontro com a necessidade de se compreender o pesquisado em sua verdadeira essência (BOYACIGILLER; ADLER, 1991; PRASAD, 1997).

Por meio do segundo objetivo secundário, intentou-se compreender quais as fragilidades inerentes ao estudo da cultura a partir da teoria da gestão comparativa. Por contribuições de Adler (1984), Child (1981), Child e Kieser (1981) e Kelley e Worthley (1981), ficaram evidenciados alguns pontos que dificultam a pesquisa da cultura em um contexto alicerçado por premissas advindas da teoria da gestão comparativa: a ausência de um conceito consensual; a dificuldade de operacionalizar metodologicamente um estudo sobre a cultura; as diferenças culturais existentes entre as regiões estudadas; a dificuldade de evitar a sobreposição dos valores do pesquisador sobre a realidade do pesquisado; a dificuldade de se conseguir uma amostra representativa para se desenvolver um estudo mais robusto sobre a cultura investigada; a necessidade de o pesquisador se despir de seus valores e preconceitos para entrar em contato com o pesquisado; o controle rígido entre os contatos estabelecidos entre pesquisador e pesquisado a fim de que a pesquisa não se torne tendenciosa; as diferenças entre as barreiras nacionais e as barreiras culturais; a não contextualização do fenômeno cultura; a não identificação das categorias mais relevantes de serem estudadas e assim por diante.

Os dois objetivos secundários supramencionados alicerçaram o objetivo principal desta pesquisa, ou seja, o de analisar quais características da teoria da gestão comparativa devem ser consideradas como coerentes para o estudo da cultura na administração.

Sendo assim propõe-se que os estudos sobre a cultura orientados pela teoria da gestão comparativa devam ser conduzidos tanto pelo caráter teórico-abstrato quanto pelo caráter empírico desse corpo teórico simultaneamente, para que assim os construtos desenvolvidos teoricamente sejam devidamente enriquecidos por conhecimentos advindos de outras ciências e possíveis de serem testados empiricamente. O fato de considerar as contribuições de outras ciências faz com que tais estudos sejam, de acordo com a segmentação empírica da teoria da gestão comparativa, naturalmente multidimensionais. A abordagem comportamental se mostrou como a mais coerente para pesquisas, preferencialmente qualitativas, que intentem relacionar em um mesmo contexto de investigação cultura e teoria da gestão comparativa.

É interessante ressaltar que tais argumentações pretendem ofertar aos estudos da administração que tratem simultaneamente da cultura e da gestão comparativa um possível caminho para o desenvolvimento de pesquisas, caminho este que não necessariamente precisa ser aceito como verdade absoluta pela comunidade acadêmica. Os autores desse artigo acreditam que novas abordagens podem ser desenvolvidas por meio de outras análises teóricas, bem por isso estão abertos a sugestões e críticas. Talvez o ponto crítico de toda análise esteja na questão ontológica e epistemológica de tais estudos, uma vez que essa escolha depende não somente do problema de pesquisa em pauta, mas também, e principalmente, da natureza do fenômeno pesquisado, das crenças do pesquisador em relação à realidade social e das aptidões metodológicas desse mesmo pesquisador para investigar a cultura a partir da teoria da gestão comparativa.

Recebido em 12/03/2012;

revisado e aprovado em 17/07/2012;

aceito em 20/10/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2013
  • Aceito
    20 Out 2012
  • Revisado
    17 Jul 2012
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