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Uma avaliação do Programa Bolsa Família

The Bolsa Família Program evaluation

Une evaluation du Programme Bolsa Família

Una evaluación del Programa Bolsa Familia

Resumo:

A ONU estipulou objetivos e metas de desenvolvimento para os seus estados membros. O Brasil se comprometeu com essas metas, entre elas o combate à pobreza e à fome. Em 2004, o país criou o Programa Bolsa Família (PBF), um programa de transferência de renda direta aos beneficiários. Este artigo avalia o PBF através do índice Gini, índice Theil e do IDH dos estados brasileiros, retratando o sucesso do PBF, que possibilitou, de 1990 a 2013, mais de 20 milhões de pessoas saírem da situação de pobreza no Brasil.

Palavras-chave:
pobreza; programa bolsa família; objetivos do desenvolvimento sustentável

Abstract:

The UN has set development goals and targets for its member states. Brazil has committed itself to these goals, including the fight against poverty and hunger. In 2004, the country created the Bolsa Família Program (PBF), a direct income transfer program for beneficiaries. This article evaluates the PBF through the Gini Index, Theil Index and the HDI of the Brazilian states, portraying the success of the PBF, which allowed, from 1990 to 2013, more than 20 million people to leave the poverty situation in Brazil.

Keywords:
poverty; family bag program; sustainable development goals

Résumé:

L’ONU a fixé des objectifs et des cibles de développement pour ses États membres. Le Brésil s’est engagé à atteindre ces objectifs, y compris la lutte contre la pauvreté et la faim. En 2004, le pays a créé le Programme Bolsa Família (PBF), un programme de transfert direct de revenus pour les bénéficiaires. Cet article évalue le PBF à travers l’indice de Gini, Theil Index et l’IDH des États brésiliens, décrivant le succès du PBF, qui a permis, de 1990 à 2013, plus de 20 millions de personnes de quitter la pauvreté au Brésil.

Mots-clés:
pauvreté; programme de subventions familiales; objectifs de développement durable

Resumen:

La ONU estableció objetivos y metas de desarrollo para sus estados miembros. Brasil se comprometió con esas metas, entre ellas el combate a la pobreza y el hambre. En 2004 el país creó el Programa Bolsa Familia (PBF), un programa de transferencia de renta directa a los beneficiarios. Este artículo evalúa el PBF a través del índice Gini, índice Theil y del IDH de los estados brasileños, retratando el éxito del PBF, que posibilitó, de 1990 a 2013, más de 20 millones de personas salir de la situación de pobreza en Brasil.

Palabras clave:
pobreza; programa de becas familiares; objetivos del desarrollo sostenible

1 INTRODUÇÃO

A população mundial aumentou 12,94% em uma década, saindo de 6,436 bilhões em 2004 para 7,2269 bilhões em 2014. Em contrapartida, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial apresentou uma evolução de 80,42%, aumentado de US$ 43.771 trilhões em 2004 para US$78.972 trilhões em 2014, com uma evolução da renda per capita em 2004 de US$ 6.626,84 para US$ 10.922,32 em 2014, o que representa um acréscimo de 64,82%, conforme dados do Banco Mundial3 3 World Bank Open Data - free and open access to global development data: https://data.worldbank.org/country/BR?locale=pt , ou seja, o mundo cresceu economicamente, produzindo e distribuindo riquezas. No Brasil, essa evolução ocorreu com um aumento 267% do PIB, passando de US$ 669.336 bilhões em 2004, para US$ 1.796 trilhões em 2016. A Renda per capita brasileira em 2004 foi de US$ 3.300 e em 2014 de US$ 12.020, ou seja, em 10 anos houve um acréscimo de 264%, entretanto, houve uma redução em 2016 para US$ 8.840. A população total do país passou de 184.738.458 habitantes em 2004 para 207.652.865 habitantes em 2016 (WORLD BANK, 2017WORLD BANK. Atlas of Sustainable Development Goals 2017: From World Development Indicators. Washington, 2017. Disponível em: <https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/26306>. Acesso em: 9 jul. 2017.
https://openknowledge.worldbank.org/hand...
).

Diante desse cenário, este artigo pretende analisar como se deu a distribuição de renda no Brasil a partir da implantação da política pública de transferência de renda por meio do Programa Bolsa Família no período de 2004 a 2014, na perspectiva das metas da Organização das Nações Unidas (ONU) para erradicação da pobreza, como forma de contribuir para o desenvolvimento sustentável no Brasil. Para isso, a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e análise quantitativa de dados secundários.

2 ONU E OS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A ONU é uma organização internacional, criada em 1945, pela Carta das Nações Unidas, elaborada pelos representantes dos 50 países presentes na Conferência sobre Organização Internacional.

A ONU criou em sua estrutura, na década de 1960, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para tratar das questões de desenvolvimento, com a percepção da importância dos conhecimentos e habilidades das pessoas para o processo de desenvolvimento.

A missão do PNUD é trabalhar para erradicar a pobreza e proteger o planeta, ajudando os países a desenvolverem políticas, habilidades, parcerias e instituições fortes que possam sustentar o seu progresso. Nos Relatórios do PNUD, são abordadas as noções de desenvolvimento humano e sustentável. Em setembro de 2000, a Declaração do Milênio, pactuada pelos 189 Estados-membros da Assembleia Geral das Nações Unidas, estabeleceu as grandes metas a serem perseguidas para a promoção do desenvolvimento humano até 2015 (DINIZ; DINIZ, 2009DINIZ, Marcelo Bentes; DINIZ, Marcos Monteiro. Um indicador comparativo de pobreza multidimensional a partir dos objetivos do desenvolvimento do milênio. Economia Aplicada, Ribeirão Preto, SP, v. 13, n. 3, p. 399-423, jul./set. 2009.). Na Declaração do Milênio das Nações Unidas (2000)______. Declaração do Milénio. 2000. Disponível em: <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/library/odm/declaracao-do-milenio.html>. Acesso em: 12 jul. 2017.
http://www.br.undp.org/content/brazil/pt...
, os Chefes de Estados e de Governo reafirmaram as bases indispensáveis de um mundo mais pacífico, mais próspero, mais justo, e determinaram valores fundamentais e essenciais para as relações internacionais no século XXI: liberdade, igualdade, solidariedade, tolerância, respeito pela natureza, responsabilidade comum. Com vista à tradução desses valores em ações, foi identificado um conjunto de objetivos-chave, de especial importância, os oito Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM): 1 - Acabar com a fome e a miséria; 2- Educação básica de qualidade para todos; 3- Igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4 - Reduzir a mortalidade infantil; 5 - Melhorar a saúde das gestantes; 6 - Combater a AIDS, a malária e outras doenças; 7 - Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8 - Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.

As metas propostas para o ODM 1 - Acabar com a Fome e a Miséria:

  1. Reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior a um dólar PPC por dia;

  2. Reduzir a um quarto, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior a 1 dólar PPC por dia;

  3. Alcançar o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos, incluindo mulheres e jovens;

  4. Reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população que sofre de fome;

  5. Erradicar a fome entre 1990 e 2015;

As metas dos ODM são monitoradas por indicadores que representam em números as múltiplas dimensões do desenvolvimento de cada país. Por meio desses indicadores, pode-se verificar que o mundo alcançou a meta de redução da pobreza extrema à metade do nível registrado em 1990, cinco anos antes do estipulado, segundo o Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio de 2013, entretanto ainda há uma parcela da população mundial considerada extremamente pobre.

O Brasil foi um dos países que mais contribuíram para o alcance global de redução da pobreza extrema e da fome a menos de um sétimo do nível de 1990, passando de 25,5% para 3,5% em 2012. Além do alcance das metas dos ODM, o Brasil também contribuiu com a criação de tecnologias sociais que passaram a ser referência, a exemplo do Programa Bolsa Família (PBF), programa de transferência condicionada de renda direta ao beneficiário. O sucesso do PBF propiciou o lançamento do Plano Brasil sem Miséria em 2011, com a integração de diferentes políticas de proteção social, com ampliação do escopo e abrangência de atuação.

2.1 Dos objetivos do milênio aos objetivos do desenvolvimento sustentável

Após mais de três anos de discussão, em um processo aberto, inclusivo e transparente, foi aprovado na Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em setembro de 2015, um documento denominado de “Transformando Nosso Mundo: designado de Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, que, embora de natureza global e universalmente aplicável, dialoga com as políticas e ações nos âmbitos regional e local, pois trata de uma agenda mundial, que conta com 17 objetivos, 169 metas e cerca de 300 indicadores propostos para monitoramento das metas, definidas como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável -ODS (ALVES, 2015ALVES, José Eustáquio Diniz. Os 70 anos da ONU e a agenda global para o segundo quindênio (2015-2030) do século XXI. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 587-98, set./dez. 2015.).

Alves (2015)ALVES, José Eustáquio Diniz. Os 70 anos da ONU e a agenda global para o segundo quindênio (2015-2030) do século XXI. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 587-98, set./dez. 2015. ainda destaca que a definição dos objetivos, metas e indicadores dos ODS ocorreu com ampla e democrática participação de várias instituições, organizações da sociedade civil e especialistas, ao contrário dos ODM. Os ODS aprovados foram elaborados com base nos ODM para complementação do trabalho deste último, além da inserção de novos desafios para a construção do desenvolvimento sustentável, integrando as três dimensões: a econômica, a social e a ambiental. A Agenda 2030 está pautada nas pessoas, no planeta e na prosperidade.

Os ODM foram divididos em oito objetivos e 18 metas específicas para serem alcançados até 2015, já os ODS em 17 objetivos e 169 metas para serem alcançado entre 2015 e 2030 São os ODS: 1 - Erradicação da pobreza; 2 - Fome zero; 3 - Boa saúde e bem-estar; 4 - Educação de qualidade; 5 - Igualdade de gênero; 6 - Água limpa e saneamento; 7 - Energia acessível e limpa; 8 - Emprego digno e crescimento econômico; 9 - Indústria inovação e infraestrutura; 10 - Redução das desigualdades; 11 - Cidades e comunidades sustentáveis; 12 - Consumo e produção responsáveis; 13 - Combate as alterações climáticas; 14 - Visa debaixo d’água; 15 - Vida sobre a terra; 16 - Paz justiça e instituições fortes; 17 - Parcerias em prol das metas.

A ONU formalizou o compromisso mundial por meio de um pacto global para o desenvolvimento sustentável do planeta, e, entre as prioridades, está a erradicação da pobreza em todas as suas formas; são metas propostas para o ODS 1 - Erradicação da pobreza4 4 Traduzido do inglês pelo Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio) e revisado pela Coordenadoria-Geral de Desenvolvimento Sustentável (CGDES) do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Última edição em 11 de fevereiro de 2016. Disponível em: <https://sustainabledevelopment.un.org>. :

  1. até 2030, erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares, atualmente medida como pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 por dia;

  2. até 2030, reduzir, pelo menos à metade, a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais;

  3. implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social apropriados, para todos, incluindo pisos, e, até 2030, alcance da cobertura substancial dos pobres e vulneráveis;

  4. até 2030, gararantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, possuam direitos iguais a recursos econômicos, bem como acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra e a outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanças;

  5. até 2030, construir para a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade, e redução da exposição e vulnerabilidade destes a eventos extremos relacionados com o clima e outros choques e desastres econômicos, sociais e ambientais.

Acabar com a pobreza continua sendo um dos maiores desafios da humanidade, apesar do número de pessoas que vivem em extrema pobreza ter reduzido, conforme mostram os dados do Banco Mundial, cuja meta é reduzir a pobreza extrema para 3% ou menos, globalmente, até 2030: Taxa de incumprimento da pobreza em US $ 1,90 por dia (PPP 2011) (% da população)5 5 É a porcentagem da população com menos de US $ 1,90 por dia aos preços internacionais de 2011. em 1990 foi 34,82% (1.840 bilhões de pessoas) e em 2013 representou 10,67% (766 milhões de pessoas) no mundo. “Segundo o Relatório dos ODM de 2013, elaborado pela ONU, o mundo já alcançou, cinco anos antes do estipulado, a meta de redução da pobreza extrema à metade do nível registrado em 1990” (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA [IPEA], 2014INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: Relatório Nacional de Acompanhamento. 2014. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/140523_relatorioodm.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2017.
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). No Brasil, 31 milhões de pessoas em 1990 viviam em extrema pobreza. O porcentual da população com menos de US $ 1,90 por dia em 2004 foi de 11,04% (20 milhões de pessoas). Já em 2014 foi de 3,66% (7.474.200 pessoas). O compromisso é acabar com a pobreza em todas as formas e dimensões até 2030.

O Relatório de Acompanhamento dos ODM apresentou os resultados do Brasil, no período 1990-2012, para o alcance global da meta do ODM 1: (i) reduziu a pobreza extrema a menos de um sétimo do nível de 1990: de 25,5% para 3,5% em 2012; (ii) o hiato (intensidade da pobreza) no Brasil caiu de 11% para 1,9%, ou seja, de US$ PPC 4,17 para US$ PPC 0,73 mensais. O Brasil alcançou tanto a meta internacional quanto a nacional. Outro indicador a ser verificado é o índice de Gini, que caiu de 0,612 em 1990 para 0,526 em 2012 (IPEA, 2014INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: Relatório Nacional de Acompanhamento. 2014. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/140523_relatorioodm.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2017.
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). A implementação de programas de proteção social, de assistência e seguro social, de acesso ao mercado de trabalho e aumento de oportunidades para as pessoas pobres e vulneráveis ainda são essenciais para a erradicação da pobreza no Brasil.

3 POBREZA VERSUS DESENVOLVIMENTO

No Brasil, os valores de renda são adotados para definição de pobreza e acesso às políticas de proteção social, de acordo com art. 18 da Lei no 10.836BRASIL. Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Brasília, DF, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.836.htm>.
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, de 9 de janeiro de 2004, que criou o Programa Bolsa Família. As famílias em situação de pobreza e extrema pobreza são caracterizadas pela renda familiar mensal per capita de até R$ 100,00 e R$ 50,00, respectivamente. Essa Lei foi alterada pelo Decreto n. 8.794, de 29 de junho de 2016, que define as famílias em situação de pobreza e extrema pobreza aquelas com renda familiar mensal per capita de até R$ 170,00 (cento e setenta reais) e de R$ 85,00 (oitenta e cinco reais), respectivamente. No Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2013ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório sobre os Objectivos de Desenvolvimento de Milénio. 2013. Disponível em: <https://www.unric.org/html/portuguese/mdg/MDG-PT-2013.pdf>. Acesso em: 12 jul. 2017
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), foi adotado o critério da pobreza pela renda por serem muito próximas as taxas definidas pelas linhas nacional e internacional de pobreza extrema, considerando em pobreza extrema a pessoa que vive com menos de US$ PPC 1,25 por dia.

Diniz e Diniz (2009)DINIZ, Marcelo Bentes; DINIZ, Marcos Monteiro. Um indicador comparativo de pobreza multidimensional a partir dos objetivos do desenvolvimento do milênio. Economia Aplicada, Ribeirão Preto, SP, v. 13, n. 3, p. 399-423, jul./set. 2009. consideram em seu estudo as diferentes definições de pobreza existentes. As diferentes dimensões e definições da pobreza determinam diferentes formas e métodos de se medir a quantidade de pobreza e o seu grau de intensidade para que possam expressá-la.

Uma das abordagens que amplia o entendimento da pobreza, além da limitação da renda, e inclui em sua definição outras dimensões é a abordagem de Sen (2003), em que a pobreza é vista como “privação de capacidades básicas em vez de meramente como baixo nível de renda, que é o critério tradicional de identificação da pobreza”.

Sen (2003) explica que uma melhor educação básica e serviços de saúde elevam diretamente a qualidade de vida, aumentando o potencial da pessoa de auferir renda e livrar-se da pobreza medida pela renda. Ele ressalta que é importante para as políticas de combate à pobreza não focar somente na redução da pobreza pela renda, mas também, buscar a expansão das capacidades humanas básicas, pois estas tendem a andar junto com a expansão das produtividades e do poder de auferir renda.

Assim, o “desenvolvimento como liberdade” é alcançado a partir das capacidades básicas que as pessoas possuem e da sua liberdade para escolher o que e como quer viver sua qualidade de vida. A partir dessa abordagem, a privação de liberdade de escolha do indivíduo pela restrição de suas capacidades básicas pode ser entendida como pobreza numa perspectiva multidimensional. Portanto a pobreza representa obstáculo ao desenvolvimento do indivíduo e, consequentemente, da sociedade de que faz parte. Quanto maior os números e índices da pobreza, maiores serão os desafios para se alcançar o desenvolvimento humano e sustentável preconizados pela ONU.

3.1 Do desenvolvimento humano ao sustentável

Segundo a abordagem de Sen (2003), o desenvolvimento como liberdade, ou desenvolvimento das capacidades humanas, ou desenvolvimento humano, expande a noção de pobreza, bem como, a própria noção de desenvolvimento que não fica dependente apenas da dimensão econômica de geração de renda, passa a ser um dos meios do desenvolvimento e não como seu fim. Nessa perspectiva, pobreza e desenvolvimento são faces contrárias da mesma moeda, nas quais ações de combate à pobreza irão impactar direta ou indiretamente no desenvolvimento. Vale ressaltar que o conceito de desenvolvimento sustentável no Relatório Brundtland, resultado do trabalho da Comissão Mundial da Organização das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, é o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades” (ZANIRATO; ROTONDARO, 2016ZANIRATO, Sílvia Helena; ROTONDARO, Tatiana. Consumo, um dos dilemas da sustentabilidade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 30, n. 88, p. 77-92, set./dez. 2016.).

Jannuzzi (2012)JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e aplicações. Campinas, SP: Alínea, 2012. apresenta o desenvolvimento humano como um “processo dinâmico e permanente de ampliação das oportunidades dos indivíduos para a conquista de níveis de bem-estar”, segundo concepção do PNUD.

O termo ecodesenvolvimento como sinônimo de desenvolvimento sustentável foi utilizado por Sachs (2002)SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. que formulou os critérios de sustentabilidade para se alcançar o ecodesenvolvimento: social, cultural, ecológico, ambiental, territorial, econômico, política nacional e política internacional. Os critérios de sustentabilidade social são o “alcance de um patamar razoável de homogeneidade social; distribuição de renda justa; emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida decente; igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais”. Sachs e Sen ampliaram as discussões sobre desenvolvimento para além do socioeconômico e ambiental, o tripé da sustentabilidade, levando a antropia para todas as dimensões do desenvolvimento.

Lenzi (2010)LENZI, Cristiano Luís. Democracia, justiça e cultura política da sustentabilidade. 2010. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Etica/7_lenzi.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2017.
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citou o conceito de sustentabilidade do Relatório Brundtland e o relaciona ao conceito de democracia, justiça distributiva e necessidades humanas básicas. “Desenvolvimento deveria ser entendido, então, como um processo de mudança social que busca satisfazer as necessidades humanas”.

O nexo entre sustentabilidade e justiça não é meramente contingente, mas engendra uma relação teórica e normativa em termos de princípio. Se nós aceitamos que os seres humanos possuem necessidades básicas que precisam ser satisfeitas, que a satisfação dessas necessidades deveria ser objeto do princípio de justiça e, ainda que, certos recursos fornecidos pela natureza são fundamentais para que esse processo possa se realizar, então constataremos que uma sustentabilidade mínima é um requisito pré-condicional para que a idéia de justiça social, como satisfação de necessidades humanas, faça sentido. Não podemos mais alimentar o pressuposto que vê a natureza como fonte gratuita e inesgotável de recursos que pode ser explorada, indefinidamente, sem que precisemos observar seus limites e fragilidades. Por isso, o Relatório Brutland nos propõe uma concepção de sustentabilidade mínima de modo a garantir a proteção de processos ambientais, que são essenciais para a satisfação de necessidades humanas básicas (LENZI, 2010LENZI, Cristiano Luís. Democracia, justiça e cultura política da sustentabilidade. 2010. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Etica/7_lenzi.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2017.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
, p. 5).

4 O COMBATE À POBREZA POR MEIO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

No âmbito do sistema de proteção social, os programas de transferência de renda a indivíduos ou a famílias, mas que também associam outras medidas compensatórias situadas principalmente no campo das políticas de educação, saúde e trabalho, são “elementos estruturantes fundamentais para permitir o rompimento do ciclo vicioso que aprisiona grande parte da população brasileira nas amarras da reprodução da pobreza”, segundo Scheeffer e Johnson (2008)SCHEEFFER, Fernando; JOHNSON, Guillermo Alfredo. As diretrizes do Programa Bolsa-Família: uma análise crítica. Revista Avaliação de Políticas Pública, Fortaleza, v. 2, n. 2, p. 7-17, jul./dez. 2008..

O Programa Bolsa Família (PBF) foi instituído pela Lei n. 10.836BRASIL. Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Brasília, DF, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.836.htm>.
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, de 9 de janeiro de 2004 e regulamentado pelo Decreto n. 5.209BRASIL. Decreto n. 5.209, de 17 de setembro de 2004. Regulamenta a Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família, e dá outras providências. Brasília, DF, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5209.htm>.
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, de 17 de setembro de 2004, é uma política de transferência de renda direta destinada às famílias em vulnerabilidade social, é fruto da unificação dos programas de renda mínima: Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás, Bolsa-Escola e o Cartão Alimentação. A identificação das famílias com perfil para participar do programa é feita através do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. As condicionalidades do PBF são nas áreas de saúde, educação e assistência social: calendário vacinal; o crescimento e desenvolvimento de crianças menores de sete anos; exame pré-natal para gestantes e o acompanhamento de nutrizes em atividades de educação em saúde e nutrição; frequência escolar mínima de 85% da carga horária mensal para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos de idade; frequência escolar mínima de 75% da carga horária mensal para adolescentes de 16 e 17 anos; frequência mínima de 85% da carga horária relativa aos serviços socioeducativos e de convivência do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil para crianças e adolescentes menores de 16 anos (OLIVEIRA et al., 2013OLIVEIRA, Simone Mendes et al. Condicionalidades e proteção social no programa bolsa família. Revista Desenvolvimento Social, Montes Claros, MG, v. 1, n. 9, p. 15-23, 2013.).

O Programa Bolsa Família faz parte da estratégia para combater a fome e a pobreza, promover a segurança alimentar e nutricional e o acesso aos serviços públicos e estimular o desenvolvimento socioeconômico do país, atuando em três dimensões essenciais: alívio imediato da pobreza por meio de transferência direta de renda às famílias; exercício dos direitos sociais básicos nos setores de educação, saúde e assistência social, através do cumprimento das condicionalidades; e, capacitação das famílias através de programas complementares de alfabetização, de geração de emprego e renda, entre outros (ALMEIDA; SILVA, 2016ALMEIDA, Marlon Luiz; SILVA, José Luís Gomes. Os programas de transferência de renda no brasil e sua relação com a melhoria da qualidade de vida da população pobre e extremamente pobre: um estudo sobre o Bolsa Família. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, SP, v. 12, n. 3, p. 60-80, set./dez. 2016.).

O PBF desde a sua criação sofreu algumas mudanças na legislação como atualizações nos valores da renda de transferências, ampliação do público e alterações de procedimentos e gestão buscando melhores resultados. O PBF é reconhecido nacional e internacionalmente como um programa de sucesso ao combate à pobreza, permitindo ao Brasil superar as metas do ODM 1 antes de 2015, fazendo parte de uma política pública de intervenção direta, por abranger o conceito de pobreza pela renda e transferir renda diretamente àquelas famílias em situação de pobreza e extrema pobreza e por incluir condicionantes nas dimensões de qualidade de vida: educação, saúde e assistência social.

Nessa perspectiva, o PBF atende os preceitos do desenvolvimento humano, incluindo no escopo do programa dimensões que atendem as necessidades básicas da população em condição de vulnerabilidade socioeconômica. O programa integra ações de diferentes instituições públicas nas áreas de saúde, educação e assistência social para trabalhar a multidimensionalidade da pobreza.

5 RESULTADOS E ANÁLISE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM CONSONÂNCIA COM OS ODS

Considerando o ODM 1, acabar com a fome e a miséria até 2015, e o ODS 1, meta de erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares 2015 a 2030, considerando, ainda, o conceito de pobreza multidimensional e o conceito de desenvolvimento humano, este estudo pretendeu analisar a evolução das taxas de pobreza e desigualdade no período de 2004 a 2014 por meio dos levantamentos dos índices de IDH, Gini e Theil para a avaliação do Programa Bolsa Família nos estados brasileiros. Os dados foram obtidos nas bases do IPEADATA do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) e do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (Atlas Brasil)6 6 Atlas Brasil - é uma plataforma de consulta ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) criada em 2012 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro que adaptaram a metodologia do IDH Global para calcular o IDH Municipal (IDHM) dos 5.565 municípios brasileiros a partir das informações dos três últimos Censos Demográficos do IBGE - 1991, 2000 e 2010. .

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 1990, para avaliar o nível de desenvolvimento humano. O IDH foi construído a partir da síntese de diversos indicadores referente às dimensões da renda, educação e saúde, dessa forma incluindo, além da ênfase econômica, outros critérios de aferição que retratam a qualidade de vida. Devido aos indicadores que o constituem terem diferentes unidades de medidas, o IDH é calculado como média das medidas transformadas em adimensionais, com intervalo entre 0 e 1, em que o IDH inferior a 0,550 é classificado de Baixo Desenvolvimento Humano, Médio entre 0,550 e 0,699, Alto entre 0,700 e 0,799 e Muito Alto acima de 0,800 (JANNUZZI, 2012JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e aplicações. Campinas, SP: Alínea, 2012.).

Medeiros (2012)MEDEIROS, Marcelo. Medidas de desigualdade e pobreza. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012. apresentou entre os índices para a medida da desigualdade e pobreza, o coeficiente de Gini e o índice de Theil, que sintetizam a informação da desigualdade de renda em um único valor, variando apenas quando ocorrerem variações na desigualdade relativa. O coeficiente de Gini igual a 0 significa que não há qualquer desigualdade na população; igual a 1 significa desigualdade máxima, com toda a riqueza apropriada por um único indivíduo da população, sua sensibilidade aumenta ou diminui conforme o valor dos rendimentos e a distância das pessoas envolvidas no processo de distribuição de rendimentos. Já o índice de Theil mede desigualdade relativa, sintetiza a distância relativa dos pontos da distribuição real em relação a uma distribuição perfeitamente igualitária, medida de entropia generalizada associada ao grau de desagregação e desconcentração de uma distribuição, pode variar entre zero (igualdade perfeita) e infinito. Se toda a renda está concentrada em um único indivíduo, o grau de entropia dessa distribuição é baixo; se a renda é bem distribuída, há pouca agregação em torno de um indivíduo e, portanto, o grau de entropia é alto.

Com base na Tabela 1, observa-se a redução no número de pessoas em domicílios com renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza e de extrema pobreza no Brasil, no período de 1990 a 2014, bem como, uma redução na desigualdade de renda. De 1990 a 2004, houve uma mobilidade das pessoas em extrema pobreza para a condição de pobreza, o percentual de pessoas na população total com renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza em 2004 apresenta uma redução em função do aumento da população total do Brasil, mas, em números absolutos, houve um aumento nos números de pessoas pobres.

Tabela 1
Pobreza e desigualdade de renda no Brasil

De 2004 a 2014, ocorreu uma redução considerável no numero de pessoas e no percentual da população com renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza e extrema pobreza, reflexo da implantação das políticas públicas de combate á fome e a miséria, entre elas o Programa Bolsa Família que transfere renda diretamente aos beneficiários.

De acordo com a Tabela 2, em 1991 vinte e quatro estados brasileiros apresentavam IDH inferior a 0,550, representando baixo desenvolvimento humano, e cinco estados classificados como médio desenvolvimento humano. Em 2000, o Distrito Federal e São Paulo apresentaram alto IDH, doze estados com médio IDH, e treze com baixo IDH, sendo Alagoas o menor IDH (0,471) no período. No ano de 2010, o estado de Alagoas evoluiu de baixo para médio IDH (0,663) e o Distrito Federal foi o único a apresentar IDH muito alto (0,824), doze estados apresentaram alto IDH e quatorze com médio IDH. Os três estados brasileiros com menor IDHM em 2000 e 2010 foram Alagoas, Maranhão e Piauí, destacando o estado de Alagoas pela maior desigualdade de renda, conforme os índices Gini e Theil-L em 2000, mas que, em 2014, houve uma evolução e não se apresentou entre os dez estados com maior desigualdade de renda.

Tabela 2
Índice de desenvolvimento e desigualdade de renda por Estado

Além da evolução do IDH, a concentração de renda nesse mesmo período apresentou uma redução conforme índice Theil, com limites de 0,82 a 0,56 em 2000 e de 0,8 a 0,42 em 2010. No período de 2010 a 2014, a concentração de renda no Brasil diminuiu, representando uma redução no grau de entropia na distribuição de renda, de acordo com índices Theil de 0,638 a 0,331.

O índice Gini, no período de 1991 a 2010, apresentou pouquíssima redução na desigualdade da renda no Brasil, em 2014 o índice variou entre 0,582 no Distrito Federal e 0,421 em Santa Catarina. O Distrito Federal apresenta-se com o maior IDH em 2010 (0,824) e segundo em maior desigualdade de renda que, apesar da redução dos índices de desigualdade em 2014, ficou como o mais elevado, com índices Theil (0,638) e Gini (0,582).

O maior impacto na evolução do IDH no Brasil ocorreu de 2000 a 2010, período em que as políticas públicas foram implantadas com foco no combate à pobreza de acordo com os ODM. O PBF faz parte de uma política pública de transferência de renda para distribuição de renda às pessoas extremamente mais pobres, representando um aumento nos rendimentos das pessoas abaixo da mediana da distribuição, provocando uma redução no valor do coeficiente Gini. Porém não representa uma distribuição mais igualitária de renda entre ricos e pobres.

No Brasil existe uma diferença regional de estrutura de renda, acesso a serviços públicos, educação, saúde, entre outros aspectos relacionados à definição da pobreza, que retratam realidades distintas cujas políticas de combate à pobreza precisam abordar para que os impactos dessas políticas reflitam de forma a reduzir as desigualdades regionais e erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas e em todos os lugares do Brasil.

Analisando as tabelas 2 e 3, verifica-se que dos quatro estados com menor IDH em 2010, Alagoas, Maranhão, Pará e Piauí, o Maranhão e o Pará estão entre os dez estados com maior estimativa de famílias pobres com perfil para o PBF, de acordo com o CENSO 2010 do IBGE. Os três estados com maior quantidade de pessoas vivendo em condições de pobreza e extrema pobreza em 2010 são Bahia, São Paulo e Minas Gerais.

Tabela 3
Famílias beneficiárias e valores repassados pelo Programa Bolsa Família

A Bahia apresentou o maior repasse do PBF no período de 2004−2010 (R$ 8.520.112.023,00) e de 2004-2014 (R$ 20.306.278.364,00), sendo o sexto pior IDH em 2010 e estando entre os dez com pior desigualdade de renda; apesar de o PBF ser um programa de transferência direta de renda para o beneficiário, esta transferência na Bahia não foi suficiente para uma redução significativa na desigualdade de renda com índice Gini em 0,62 e índice Theil em 0,73, considerando que foi o estado que recebeu o maior aporte de recursos do PBF.

O estado de São Paulo foi o segundo maior IDH (0,783) do período e a menor variação do IDH entre 2000 a 2010 (12%), terceiro maior valor de repasse do PBF no período de 2004−2010 (R$ 5.406.437.111,00) e com a menor cobertura do PBF (71%).

O estado de Minas Gerais foi o nono maior IDH (0,731) em 2010, segundo maior valor de repasse do PBF no período de 2004−2010 (R$ 5.756.922.408,00) com 95% de cobertura do PBF, foi o terceiro maior repasse de 2004-2014 no total de R$ 12.995.159.170,00.

Entre os dez estados que receberam a maior quantidade de recursos do PBF no acumulado de 2004 a 2016 estão: Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, Paraíba, Piauí. Destes, Maranhão, Piauí, Parnaíba, Bahia, Pará e Pernambuco estão entre os dez IDH mais baixos em 2000 e em 2010. Entre os dez maiores índices de desigualdade de renda. em 2010. com Gini elevado estão: Maranhão, Pernambuco, Bahia e Pará; e, índice Theil-L: Maranhão, Pernambuco, Bahia e Piauí. São os estados entre os dez com maior número de pessoas em condição de extrema pobreza e pobreza conforme perfil do PBF e com maior número de famílias beneficiárias em 2010: Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro, Maranhão, Pará, Rio Grande do Sul e Paraná.

O destaque feito para São Paulo e Rio de Janeiro é devido ao total de recursos destinados pelo PBF para estes estados, no período de 2004 a 2014, R$ 13.123.855.300,00 e R$ 7.752.098.943,00, respectivamente, ter sido elevado, e estes estados não estarem entre os dez com piores índices. Verificando os dados, observa-se que São Paulo e Rio de Janeiro constam entre os maiores IDHM do Brasil em 2000 e 2010, menores índices de desigualdade de renda até 2010 e apresentando aumento da desigualdade e concentração da renda em 2014, além de não atingirem 100% da cobertura de pessoas com perfil para o Programa.

Vale ressaltar o estado de Roraima que, em 2010, apresentava a menor quantidade de pessoas no perfil do PBF (41.944) que recebeu o menor valor total de repasse nos períodos de 2004 a 2010 e de 2004 a 2014, e que apresentou um aumento do IDH de 0,459 em 1991 para 0,707 em 2010, saindo de Baixo para Alto desenvolvimento humano e reduzindo a desigualdade e concentração da renda conforme retratado pelos índices Gini de 0,502 e Theil de 0,486 em 2014.

Os dados analisados demonstram resultados positivos do PBF em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, porém esses resultados refletem de forma diferente em cada estado, bem como se verifica um aporte de recursos e cobertura do programa diferenciado entre os estados. Considerando que a meta é erradicar a pobreza em todas as suas formas e lugares até 2030, que a pobreza tem uma natureza multifacetada e que o Brasil possui uma grande diversidade regional com diferentes vulnerabilidades sociais no meio rural e urbano, então a proposta de combate à pobreza deveria abordar o multidimensionamento da vulnerabilidade social de cada grupo populacional para ampliar a sua efetividade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Programa Bolsa Família ajudou o Brasil a cumprir com a meta de redução da pobreza em todos os estados, a transferência de renda diretamente para os beneficiários colaborou para a redução da desigualdade de renda, e as condicionantes acompanhadas pelo PBF permitiram a evolução do índice de desenvolvimento humano. Os resultados são positivos e animadores, mas, ainda, têm muito a melhorar para se alcançar a meta de erradicação da pobreza até 2030, conforme ODS1.

O programa ainda não conseguiu a adesão de toda a população que vive em condição de pobreza e extrema pobreza, e apesar do sistema de gestão que acompanha e fiscaliza a destinação dos recursos ter evoluído e usar tecnologia e transparência, o PBF ainda é alvo de fraudes e desvios de recursos. O Brasil é um país com dimensões continentais, com uma diversidade geográfica e cultural muito grande que amplia as desigualdades regionais, e o PBF vem como uma iniciativa que, integrada com outras de igual importância, podem contribuir para a redução dessas desigualdades de renda, saúde, educação, de condição de vida e oportunidades.

Por ser um programa socioeconômico, o Programa Bolsa Família contribui para o desenvolvimento humano ao permitir que as pessoas que o acessam possam reaver sua capacidade de liberdade de escolha, mínima que seja. Porém só o PBF não é suficiente, nem sustentável, para garantir o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões; para isso, as políticas públicas de inserção ao mercado de trabalho para geração de emprego e renda e as políticas de inclusão social e garantias dos direitos precisam ser transversais e integradas a este.

São inegáveis os avanços no combate à pobreza que possibilitaram tirar no período de 1990 a 2013 mais de 20 milhões de pessoas da situação de pobreza no Brasil, saindo de um índice de pobreza de 11,04 em 2004 para atingir 4,87 em 2013 e 3,66 em 2014, de acordo com dados do Banco Mundial. Mas essas pessoas ainda estão vulneráveis à pobreza, necessitando de políticas de proteção social e de acesso a bens físicos e financeiros. Os ODS servem de balizadores para a elaboração dessas políticas por retratarem as preocupações globais com aplicação local e permearem por todas as dimensões do desenvolvimento humano e sustentável.

Assim, para futuros estudos, propõe-se uma análise do retorno social do investimento com o Programa Bolsa Família dentro dos estados, o impacto do programa na redução das desigualdades regionais e o impacto nas condições de vida dos beneficiários do Programa.

  • 3
    World Bank Open Data - free and open access to global development data: https://data.worldbank.org/country/BR?locale=pt
  • 4
    Traduzido do inglês pelo Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio) e revisado pela Coordenadoria-Geral de Desenvolvimento Sustentável (CGDES) do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Última edição em 11 de fevereiro de 2016. Disponível em: <https://sustainabledevelopment.un.org>.
  • 5
    É a porcentagem da população com menos de US $ 1,90 por dia aos preços internacionais de 2011.
  • 6
    Atlas Brasil - é uma plataforma de consulta ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) criada em 2012 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro que adaptaram a metodologia do IDH Global para calcular o IDH Municipal (IDHM) dos 5.565 municípios brasileiros a partir das informações dos três últimos Censos Demográficos do IBGE - 1991, 2000 e 2010.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2017
  • Revisado
    23 Abr 2018
  • Aceito
    23 Abr 2018
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