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Ácidos graxos polinsaturados no sangue de gestantes suplementadas com ômega-3 e óleo de linhaça dourada

Polyunsaturated fatty acids in the blood of pregnant women who have consumed omega-3 supplements and golden flaxseed oil

Les acides gras poly-insaturés dans le sang des femmes enceintes complétées avec oméga-3 et de l’huile de graines de lin d’or

Ácidos grasos poliinsaturados en la sangre de mujeres embarazadas suplementadas con omega-3 y el aceite de linaza de oro

Resumo:

O objetivo deste estudo foi avaliar os níveis séricos de docosahexaenóico (DHA) e eicosapentaenoico (EPA) no sangue de gestantes que receberam suplementação de ômega 3 através da ingestão de cápsulas ou óleo de linhaça. Comparando os grupos, houve maior nível para o óleo de linhaça para os conteúdos de AA e DHA, indicando que a suplementação favoreceu a rota metabólica da formação e dos intermediários eicosanoides.

Palavras-chave:
Linum usitatissimun; eicosanoides; metabolismo

Abstract:

The objective of this study was to evaluate serum levels of docosahexaenoic (DHA) and eicosapentaenoic (EPA) in the blood of pregnant women who received omega 3 supplementation through ingestion of capsules or linseed oil. Comparing the groups, there was a higher level for flax oil for AA and DHA contents, indicating that supplementation favored the metabolic pathway of both eicosanoid intermediates formation.

Keywords:
Linum usitatissimun; eicosanoids; metabolism

Résumé:

L’objectif de cette étude était d’évaluer les taux sériques de docosahexaénoïque (DHA) et l’eicosapentaénoïque (EPA) dans le sang des femmes enceintes qui ont reçu des suppléments d’apport en oméga-3 à capsules ou l’huile de lin. En comparaison entre les groupes était plus haut niveau à l’huile de lin pour l’AA et de teneur en DHA, ce qui indique que la supplémentation a favorisé la formation de l’une des voies métaboliques intermédiaires de eicosanoïdes.

Mots-clés:
Linum usitatissimun; eicosanoïdes; métabolisme

Resumen:

El objetivo de este estudio fue evaluar los niveles séricos de docosahexaenoico (DHA) y eicosapentaenoico (EPA) en la sangre de mujeres embarazadas que recibieron suplementación de la ingesta de ácidos grasos omega-3 a través de cápsulas o aceite de linaza. La comparación entre los grupos fue mayor nivel para el aceite de linaza para el AA y el contenido de DHA, lo que indica que la suplementación favoreció la formación de vía metabólica de eicosanoides intermedios.

Palabras clave:
Linum usitatissimun; eicosanoides; el metabolismo

1 INTRODUÇÃO

A tendência nutricional da atualidade preconiza uma alimentação saudável, composta por alimentos ricos em fibras e reduzido conteúdo de gordura, esta deve ser preferencialmente composta por ácidos graxos (AG) de cadeia média a longa, em especial, para o período gestacional, pois a dieta materna, antes da concepção, é de grande importância, já que ela determina o tipo de ácido graxo que se acumulará no tecido fetal. O transporte dos ácido graxos essenciais (AGE) é realizado através da placenta, os quais são depositados no cérebro e retina do concepto. Além disso, ocorre um acúmulo simultâneo nas glândulas mamárias durante essa fase (CAMPOS et al., 2013CAMPOS, A. B. F.; PEREIRA, R. A.; QUEIROZ, J.; SAUNDERS, C. Ingestão de energia e de nutrientes e baixo peso ao nascer: estudo de coorte com gestantes adolescentes. Revista de Nutrição, Campinas, SP, v. 26, n. 5, p. 551-61, set./out. 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-52732013000500006.
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.

O período gestacional condiciona a necessidades nutricionais aumentadas, pois tem relação com a saúde da mãe e do recém-nascido (RN). Além das recomendações de ganho de peso, as gestantes devem consumir alimentos em variedade e quantidade específicas para atingir as necessidades energéticas e nutricionais (INNIS, 2008INNIS, S. M. Dietary omega 3 fatty acids and the developing brain. Brain Research, v. 27, n. 1237, p. 35-43, out. 2008.).

Os ácidos graxos definidos como AGE não são sintetizados pelo organismo e obtidos através da dieta. Inseridos nesse grupo estão os ácidos nomeados como linoleico (LA 18:2 n-6) e α-linolênico (ALA 18:3 n-3), os quais possibilitam síntese aos demais AG e suas famílias, como os ácidos araquidônico (AA, C20:4 n-6), eicosapentaenóico (EPA, C20:5 n-3) e docosahexaenóico (DHA, C22:6 n-3) (BLOOMINGDALE et al., 2010BLOOMINGDALE, A. et al. A qualitative study of fish consumption during pregnancy. The American Journal of Clinical Nutrition, v. 92, n. 5, p. 1234-40, nov. 2010. doi: 10.3945/ajcn.2010.30070
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; ARANCETA; PÉREZ-RODRIGO, 2012ARANCETA, J.; PÉREZ-RODRIGO, C. Recommended dietary reference in takes, nutritional goals and dietary guidelines for fat and fatty acids: a systematic review. British Journal of Nutrition, v. 107, Suplemento 2, p. S8-S22, jun. 2012. doi: 10.1017/S0007114512001444
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).

Outra classificação está relacionada ao tamanho e o número de instauração da cadeia carbônica, assim os ácidos graxos polinsaturados (AGPI) têm cadeia longa caracterizada pela localização da insaturação a partir do terminal metil, o que define a nomenclatura ômega (ω ou n), os representantes são as famílias n3, n6 e n9, representadas pelos ácidos linolênico, linoleico e oleico, respectivamente. Os ácidos graxos poli-insaturados apresentam as insaturações separadas por um carbono metilênico (CH2) (PERINI et al., 2010PERINI, J. A. L. et al. Omega-3 and omega-6 polyunsaturated fattyn acids: metabolism in mammalsand immune response. Revista de Nutrição, Campinas, SP, v. 23, n. 6, p. 1075-86, nov./dez. 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-52732010000600013
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). Nessa perspectiva, surgiram os alimentos funcionais, ricos em AGPI associados com a incorporação de melhores hábitos alimentares.

E, dentre os alimentos que apresentam em sua composição nutrientes e compostos bioativos devido ao alto teor de lipídeos insaturados, está a linhaça (Linum usitatissimun), fonte de n-3, fibras e lignanas, podendo ser consumida na forma de farinha ou óleo.

A alimentação humana corretamente balanceada deve atender a uma relação ótima entre n-6 e n-3 de 4:1, porém o ritmo de vida atual, muitas vezes, não permite uma alimentação rica e bem combinada, baseada em alimentos criteriosamente selecionados (SHERRY; OLIVER; MARRIAGE, 2015SHERRY, C. L.; OLIVER, J. S.; MARRIAGE, B. J. Docosahexaenoic acid supplementation in lactating women increases breast milk and plasma docosahexaenoic acid concentrations and alters infant omega 6:3 fatty acid. Prostaglandins Leukot Essent Fatty Acids, v. 95, p. 63-9, abr. 2015. https://doi.org/10.1016/j.plefa.2015.01.005
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).

Outras relações dietéticas de AGPI n-6/n-3 devem estar na faixa entre 3:1 a 5:1, embora as dietas ocidentais apresentem elevados teor de AGPI n6, e a relação entre eles de 10 a 25:1 podem comprometer sua utilização e biodisponibilidade (HEATON et al., 2013HEATON, A. E. et al. Does docosahexaenoic acid supplementation in term infants enhance neuro cognitive functioning in infancy? Frontiers in Human Neuroscience, v. 7, artigo 774, p. 1-12, nov. 2013. https://doi.org/10.3389/fnhum.2013.00774
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). No Brasil, devido ao elevado consumo de feijão e arroz, e limitado de peixes, a recomendação para a ingestão de AGPI n-3 é maior.

Entre os AGE, o ácido docosahexaenóico (DHA; C22:6 n3), por seu papel essencial no funcionamento normal da célula cerebral, do sistema nervoso central e sistema visual, especialmente dos recém-nascidos, assume grande importância dietética e fisiológica. Também identificado como ácidos graxos polinsaturados de cadeia longa atua no organismo para as funções de aprendizagem, cognição e memória.

O depósito de DHA na retina e no córtex cerebral do feto ocorre principalmente no último trimestre de gestação e nos primeiros seis meses de vida extra-uterina, podendo se estender até os dois primeiros anos de vida (KARR; ALEXANDER; WINNINGHAM, 2011KARR, J. E.; ALEXANDER, J. E.; WINNINGHAM, R. G. Omega-3 polyunsaturated fatty acids and cognition through out the life span: a review. Nutritional Neuroscience, v. 14, n. 5, p. 216-25, set. 2011. doi: 10.1179/1476830511Y.0000000012
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). Caso receba uma alimentação com aporte adequado de AGE, a mãe poderá oferecer ao feto a quantidade necessária para um bom desenvolvimento do sistema nervoso e visual. Ademais, a própria gestação caracteriza-se por período em que geralmente há a deficiência desses elementos, devendo a gestante ingeri-los em sua dieta para satisfazer não só as necessidades do concepto como também as suas (JIMENEZ et al., 2015JIMENEZ, Y. E.; MANGANI, C.; ASHORN, P.; HARRIS, W. S.; MALETA, K.; DEWEY, K. G. Breast milk from women living near Lake Malawi is high in docosahexaenoic acid and arachidonic acid. Prostaglandins Leukotrienes and Essential Fatty Acids, n. 95, p. 71-8, abr. 2015. doi: 10.1016/j.plefa.2014.12.002
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; TORRES; TRUGO, 2009TORRES, A. G.; TRUGO, N. M. F. Evidence of inadequate docosahexaenoic acid status in Brazilian pregnant and lactating women. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 43, n. 2, p. 359-68, abr. 2009. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102009000200018.
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).

A necessidade de incrementar AGE na alimentação de gestantes deve-se principalmente ao consumo inadequado de alimentos fontes desses nutrientes na dieta; como suplementos alimentares, estão os óleos de peixes e/ou derivados. No entanto um dos fatores limitante é o alto custo dessas substâncias, inviabilizando a utilização por gestantes pertencentes a classes econômica menos favorecida (OLIVEIRA et al., 2015OLIVEIRA, F. B.; MIRANDA, A. S.; VIANA JÚNIOR, N. M.; SANTANA, R. F. Qualidade microbiológica de farinhas de linhaça dourada e marrom. UNOPAR Científica, Ciências Biológicas e da Saúde, Londrina, PR, v. 17, n. 3, p. 173-80, jul. 2015.; BOKOR et al., 2010BOKOR, S. et al. Single nucleotide polymorphisms in the FADS gene cluster are associated with delta-5 and delta-6 desaturase activities estimated by serum fatty acid ratios. Journal of Lipid Research, v. 51, n. 8, p. 2325-33, ago. 2010. doi: 10.1194/jlr.M006205
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). Surge assim a necessidade de estudar alimentos ricos em AGE, citando o óleo de linhaça dourada (Linum usitatissimun L.), que tem baixo custo e pode ser acessível a todas as classes sociais

2 MATERIAIS E MÉTODOS

Este é um estudo clínico randomizado, realizado em um hospital universitário no município de Campo Grande, no período entre janeiro/2012 a novembro/2013 autorizado pelo CEP/UFMS, protocolo n. 2057. Participaram deste estudo 34 gestantes de feto único, com idade entre 18 anos a 30 anos, que estavam no início do terceiro trimestre de gestação (26ª semana gestacional), sem histórico de abortos ou partos prematuros de outros filhos e uso de drogas ilícitas e lícitas, após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram excluídas pacientes que não concluíram o acompanhamento no ambulatório de ginecologia e obstetrícia do referido Hospital Universitário (HU) ou que não finalizaram todas as etapas de ingestão das diferentes formas de oferta do n- 3.

As gestantes foram selecionadas através de sorteio aleatório em três grupos: Grupo controle = composto por gestantes que não receberam nenhum suplemento alimentar; Grupo ômega = composto por gestantes que receberam duas cápsulas de n-3 contendo 180 mg de DHA e 270 mg de EPA por cápsulas gelatinosas ao dia; e o Grupo linhaça = composto por gestantes, que receberam, diariamente, duas colheres de sopa (30g) de óleo de linhaça dourada, duas vezes ao dia, junto com as principais refeições, até um mês após o nascimento do RN. As dosagens estabelecidas de ingestão entre as capsulas e óleo se equivalem em quantidade de dos princípios ativos DHA e EPA.

A coleta de amostra de sangue venoso materno no volume de 1mL foi realizada antes do consumo e até um mês. As amostras foram encaminhadas para análises de quantificação e determinação da composição dos constituintes lipídicos circulantes.

Nos laboratórios do Departamento de Tecnologia de Alimentos e Saúde Pública do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), as amostras de sangue foram transesterificadas de acordo com procedimento método de Lepage-Roy, em seguida pasteurizadas e centrifugadas e redução de 0,1mL de sangue e acrescidas da mistura 2mL benzeno-metanol (1:4) sob agitação, com posterior adição de 0,2 mL de cloreto de acetila. Submetido então em banho de água a 100°C por 60 minutos, e ao resfriamento, adicionado 5mL de carbonato de potássio a 6% sob agitação e centrifugado a 3.500 rpm por 10 minutos. O sobrenadante foi seco em nitrogênio e ressuspenso a 300µL de diclorometano, contendo 100 ng/µL de C23:0, como padrão interno.

No Departamento de Química do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas (CCET), o material foi cromatografado por CG (Shimadzu, modelo GC-2010) com detector de ionização de chama, injetor “Split/Splitless” e coluna capilar de sílica fundida com fase estacionária de polietilenoglicol (Carbowax 20M, 30 m x 0,25 mm, Quadrex), para determinações dos ácidos graxos DHA e EPA. As condições cromatográficas para injeção foram estabelecidas num gradiente de aquecimento de escalonado entre 80°, 120° e 240°C, até a temperatura de detecção em 250°C num fluxo de 1mL/min. e volume da injeção 1µL.

A identificação dos ácidos graxos foram realizadas por comparação com os tempos de retenção dos padrões de ésteres metílicos (SUPELCO, F.A.M.E. mixC12:0 a C24:0, Sigma-Aldrich), quantificando-os através da normalização de área e expressando os resultados em percentual de área de cada ácido graxo em relação à área total destes e aplicado um fator FID de 0,956.

Os dados quantitativos referentes aos conteúdos de LA, ALA, AA, EPA e DHA foram submetidos ao teste ANOVA de uma via, seguido pelo pós-teste de Tukey. A avaliação da correlação linear entre a concentração desses ácidos graxos tanto em conjunto como em cada grupo em separado, foi realizada por meio do teste de correlação linear de Pearson e do teste de regressão linear. A análise estatística foi realizada utilizando-se o software SPSS, versão 20.0, considerando um nível de significância de 5%.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A avaliação dos níveis de ácidos graxos em amostras de sangue materno nos períodos antes e após a suplementação revela que houve diferenças entre os conteúdos totais de cada grupo, e também quando comparados entre si. Observando os grupos definidos como controle, ômega e linhaça, é possível afirmar que a análise cromatográfica dos conteúdos específicos e seus teores de ácidos graxos sofreram modulação metabólica direta de acordo com o tipo de fonte oferecida (Quadro 1).

Quadro 1
Conteúdo de ácidos graxos em gramas por 100 mL nas amostras de sangue de 34 gestantes, com idade entre 18 a 30 anos, dos grupos controle, ômega e linhaça nos períodos anterior e após a intervenção

Atentando para as diferenças individuais encontradas nas amostras de sangue, o grupo controle não apresentou variação quanto ao conteúdo do ácido oleico (18:1 n-9) precursores orgânico para o AA, mantendo-se quase invariável com valores detectáveis de 26,42 ±0,7 antes e 26,83 ±1,84, o mesmo foi observado para os conteúdos de EPA; embora tenha havido um aumento dos níveis de 0,00 para 0,18 ±0,12, este não chegou à importância quantitativa, o que sugere uma sinalização à manutenção da via metabólica e não mostra qualquer variação mesmo havendo aumento das demandas e da necessidade fisiológica na gestação. Os demais conteúdos de AA, LA, ALA e DHA apresentaram queda, o que indica a dificuldade de síntese devida à baixa disponibilidade de percursores.

Em relação ao grupo ômega, foi observada uma queda dos níveis do ácido oleico e do LA, houve a manutenção dos níveis do AA e aumento dos percussores da série n-3. Essa condição pressupõe que o excesso de fonte ômega ajuda a estimular a via n-3, no entanto a constância do nível de AA pode ocasionar um entendimento fisiológico para a produção de eicosanoides e de complexos de pró-inflamatórios que vão interferir diretamente no complexo imunológico.

Enquanto o grupo linhaça apresentou resultados mais homogêneos para a maioria dos níveis dos ácidos graxos avaliados, houve ainda uma queda no teor do ácido oleico e colaborando para um aumento subsequente de todos os percursores tanto da série n-3 como n-6. Efetivamente a suplementação favoreceu a rota metabólica esperada para a formação tanto dos intermediários eicosanoides como também para os produtos finais EPA e DHA.

Ao comparar os grupos entre si, é clara a diferença encontrada entre os grupos de estudo na pós-suplementação. O conteúdo de AA foi maior no grupo controle, o que pôde propiciar a maior produção constituintes celulares pró-inflamatórios; contudo, mantendo os valores de EPA e DHA em igualdade, tanto antes como após o tratamento, conforme apresentado na figura 1.

Figura 1
Gráfico apresentando os resultados referentes à diferença na concentração dos ácidos graxos AA (C20:4n-6), EPA (C20:5n-)3 e DHA (C22:6n-)3, antes e após o tratamento no sangue das mães avaliadas neste estudo.

Cada coluna representa a média e a barra o erro padrão da média. Letras diferentes nas colunas de cada ácido graxo representam diferença significativa entre os grupos experimentais no pós-teste de Tukey.

O elevado conteúdo do AA (C20:4 n-6) tem relação com a rota de formação e síntese dos percursores lipídicos no organismo e, mesmo que os ácidos graxos da série n-9 (endógeno) e n-6 (exógena) sigam rotas metabólicas independentes para formação de componentes da membrana e eicosanoides, todos compartilham de intermediários comuns que precisam estar em equilíbrio quantitativo e qualitativo.

Embora o ácido oleico (C18:1 n-9) seja produzido pela introdução de uma dupla ligação no meio da molécula do ácido esteárico entre os carbonos 9 e 10, seu limite de síntese reside na inserção de duplas ligações em direção à extremidade da carboxila, e não em direção à extremidade do grupo metila, característica essa que o difere dos ácidos linoleico e linolênico considerados essenciais. Dentre os seus metabolitos de formação está o EPA um intermediário da rota n-6 que também pode ser formado diretamente do LA, servindo como modulador para o equilíbrio da série n-6 (PERINI et al., 2010PERINI, J. A. L. et al. Omega-3 and omega-6 polyunsaturated fattyn acids: metabolism in mammalsand immune response. Revista de Nutrição, Campinas, SP, v. 23, n. 6, p. 1075-86, nov./dez. 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-52732010000600013
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).

Assim, a sugestão seria a de que o LA teve preferência na produção AA, uma vez que o eicosatrienoico já deveria estar em quantidades suficientes a partir da rota do n-9. E, mesmo sem haver evidências científicas suficientes para estabelecer a Recomendação Média Estimada (EAR), estipula-se que 10% da ingestão de energia devem ser de ácidos graxos, e que a relação n-6/n-3 em 5:1 fornece uma ótima razão tecidual do AA e EPA, garantida pela ingestão diária de alimentos fontes de ácidos graxos n-6 e n-3 (SIMOPUOLOS et al., 2002SIMOPOULOS, A. P. Omega-3 fatty acids in inflammatory and autoimmune diseases. Journal of the American College of Nutrition, v. 21, n. 6, p. 495-505, dez. 2002.).

Metabolicamente não existe interconversão entre as séries n-9, n-6 e n3-, contudo ocorre competição enzimática pelo sítio ativo da enzima, a n-6-dessaturase, que prefere como o α-inolênico, ácido linoleico, ácido oleico, segundo a ordem da disponibilidade. Por este motivo, a razão entre a ingestão diária de alimentos fontes de ácidos graxos n-6 e n-3 assume grande importância na nutrição humana, resultando em várias recomendações que têm sido estabelecidas por autores e órgãos de saúde, em diferentes países (MARTIN et al., 2006MARTIN, C. A. Trans polynsaturated fatty acid contents in Brazilian refined soybean oil. Analytical Sciences, v. 22, n. 4, p. 631-3, abr. 2006.).

Sob ação das dessaturases o ácido linoleico (n-6) é convertido a AA e o ácido alfa-linolênico (n-3) a EPA. O AA é o precursor das prostaglandinas E2 (PGE2), leucotrienos B4 (LTB4), importantes componentes pró-inflamatórios, e ainda da tromboxana A2 (TXA2), um potente vasoconstritor e agregador plaquetário; enquanto o ácido eicosapentaenóico é convertido em prostaglandinas E3 (PGE3), leucotrieno B5 (LTB5) e a tromboxana A3 (TXA3), com ações potencialmente anti-inflamatórias e antitrombóticas (LOTTENBERG, 2009LOTTENBERG, A. M. P. Importância da gordura alimentar na prevenção e no controle de distúrbios metabólicos e da doença cardiovascular. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, São Paulo, v. 53, n. 5, p. 595-607, jul. 2009.).

Outros exemplos de transformações é a conversão do ácido esteárico (18:0) em ácido oleico (18:1n-9) ou ácido palmítico (16:0) em palmitoleico (16:1n-7), respectivamente sob a ação de dessaturases (CALDER, 2012CALDER, P. C. Mechanism so faction of (n-3) fatty acids. The Journal of Nutrition, v. 142, n. 3, p. 592S-9S, mar. 2012.).

Indiscutivelmente a dieta interfere no processo de síntese dos ácidos graxos, assim como a razão entre os ácidos graxos das famílias n-6 e n-3. Ao analisar as informações sobre a ingestão alimentar, as gestantes deste estudo relataram a frequência alimentar de frutas e verduras, carne (bovina, ovina, aves e outras), peixe, alimentos fontes de carboidratos, leites e derivados. No grupo linhaça, foi observado um baixo consumo de peixes, apenas (20%), embora igual ao grupo ômega, a razão entre a ingestão de n6 e n3, também estava inadequada comprometendo o equilíbrio entre os ácidos graxos, sendo o n6 superior. Esse fato também pode ter favorecido o aumento do AA neste grupo além da presença de outros ácidos graxos que preferencialmente seguem a rota do n-9.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até o momento, não estão totalmente elucidados todos os benefícios dos ácidos graxos essenciais e seus metabólitos. Todavia, sabe-se que sua deficiência durante a gestação pode comprometer o desenvolvimento fetal do recém-nascido. Dessa forma, sugere-se implementar estratégias de educação nutricional direcionadas a gestantes e nutrizes, que devem ser estimuladas a consumir alimentos ricos em ácidos graxos monoinsaturados e poli-insaturados, especialmente os da série n-3. Sendo assim, a utilização do óleo de linhaça pode ser uma alternativa viável, por ser de baixo custo e de fácil acesso, podendo contribuir com a aquisição de valores nutricionais próximos do esperado.

Agradecimentos

A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), Fundação de Suporte para o Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado do Mato Grosso do Sul (FUNDECT).

REFERÊNCIAS

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    » https://doi.org/10.1017/S0007114512001444
  • BLOOMINGDALE, A. et al. A qualitative study of fish consumption during pregnancy. The American Journal of Clinical Nutrition, v. 92, n. 5, p. 1234-40, nov. 2010. doi: 10.3945/ajcn.2010.30070
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2017
  • Revisado
    25 Jul 2017
  • Aceito
    25 Jul 2017
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