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A importância do estudo dos impactos sociais junto às comunidades locais dos territórios que integram o Corredor Rodoviário Bioceânico

The importance of the study of social impacts to the local communities of the territories that include the Biocean Road Traffic

La importancia del estudio de los impactos sociales junto a las comunidades locales de los territorios que integran el Corredor Rodoviario Biocénnico

Resumo

ste artigo visa apresentar a constituição do Grupo de Trabalho “Impactos Sociais” vinculado à Rede Universitária da Rota do Corredor Bioceânico Porto Murtinho - Portos do Norte, Chile. O objetivo da criação desse grupo é o desenvolvimento de um programa de pesquisa e extensão com a finalidade de investigar, diagnosticar as realidades locais, identificar situações de vulnerabilidade e risco sociais vivenciados pelas populações que residem ao longo do território do Corredor Bioceânico Brasil - Paraguai - Argentina e Chile, com a intenção de propor o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento dos problemas identificados, a fim de melhorar as condições de vida dessas comunidades. O GT estruturou-se em seis eixos de abordagem com formação de equipes distintas. O recorte geográfico de atuação dos pesquisadores brasileiros será o entorno do percurso que compreende Campo Grande e Porto Murtinho até o limite fronteiriço entre Brasil e Paraguai. A etapa inicial das pesquisas prevê a realização de um diagnóstico das comunidades locais atingidas pela construção do Corredor Bioceânico. Espera-se com o desenvolvimento dos trabalhos contribuir com as políticas públicas voltadas às temáticas de direitos humanos e processos de exclusão social.

Palavras-chave:
impactos sociais; território e comunidades locais; Corredor Bioceânico

Abstract

This article aims to present the constitution of the Work Group “Social Impacts” linked to the University Network of the Bioceanic Highroad Crossing Porto Murtinho - Portos do Norte, Chile. The purpose of the creation of this group is the development of a research-extension program to investigate, diagnose local realities, identify situations of social vulnerability and risk experienced by the populations residing along the territory of the Bioceanic Highroad Crossing Brazil - Paraguay - Argentina and Chile, with the intention of proposing the development of strategies to address the problems identified, in order to improve the living conditions of these communities. The WG was structured in six different approach shafts with formation of teams. The geographical coverage of Brazilian researchers will be the environment of the route that includes Campo Grande and Porto Murtinho to the border between Brazil and Paraguay. The initial stage of the research provides for a diagnosis of the local communities affected by the construction of the Bioceanic Corridor. It is expected that the work will contribute to public policies focused on human rights issues and processes of social exclusion.

Keywords:
social impacts; territory and local communities; Bioceanic Highroad Crossing

Resumen

Este artículo pretende presentar la constitución del Grupo de Trabajo “Impactos Sociais” vinculado a la Red Universitaria de la Ruta Bioceanica Puerto Murtinho - Puertos do Norte, Chile. El objetivo de la creación de este grupo es el desarrollo de un programa de investigación y extensión con la finalidad de investigar, diagnosticar las realidades locales, identificar situaciones de vulnerabilidad y riesgo social vivenciadas por las poblaciones que residen a lo largo del territorio del Corredor Bioceánico Brasil - Paraguay - Argentina y Chile, con la intención de proponer el desarrollo de estrategias de enfrentamiento de los problemas identificados, a fin de mejorar las condiciones de vida de esas comunidades. El GT se ha estructurado en seis ejes de enfoque con formación de equipos distintos. El recorte geográfico de actuación de los investigadores brasileños será el entorno del recorrido que comprende Campo Grande y Porto Murtinho hasta el límite fronterizo entre Brasil y Paraguay. La etapa inicial de las investigaciones prevé la realización de un diagnóstico de las comunidades locales afectadas por la construcción del Corredor Bioceánico. Se espera con el desarrollo de los trabajos contribuir con las políticas públicas orientadas a las temáticas de derechos humanos y procesos de exclusión social.

Palabras clave:
impactos sociales; territorio y comunidades locales; Corredor Bioceánico

1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem por finalidade apresentar a trajetória de constituição e desenvolvimento do Grupo de Trabalho “Impactos Sociais” vinculado à Rede Universitária da Rota do Corredor Bioceânico Porto Murtinho - Portos do Norte, Chile. O objetivo da criação do referido grupo é a realização de trabalhos de pesquisa e extensão com o intuito de investigar, diagnosticar as realidades locais, bem como identificar situações de vulnerabilidade e risco sociais vivenciados pelas populações que residem ao longo do território do Corredor Bioceânico Brasil - Paraguai - Argentina e Chile, com a intenção de propor o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento dos problemas identificados, a fim de melhorar as condições de vida dessas comunidades.

Atualmente, integram o GT “Impactos Sociais” pesquisadores das seguintes Universidades Brasileiras: Universidade Católica Dom Bosco (Programa de Mestrado e Doutorado em Psicologia, Programa de Mestrado e Doutorado em Educação, Programa de Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Local); Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (Programa de Mestrado Profissional em Educação); Instituto Federal de Mato Grosso do Sul e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Programa de Mestrado em Psicologia e Educação); e pesquisadores das Universidades Estrangeiras: Paraguai (Universidade Autonôma de Assunção); Argentina (Universidade Nacional de Salta, Universidade Católica de Salta e Universidade Nacional de Jujuy) e Chile (Universidade Católica do Norte do Chile e Universidade de Antofagasta).

Para a constituição dos trabalhos a equipe de pesquisadores organizou-se em torno de seis eixos: 1. Condições de vida de crianças, adolescentes e jovens das comunidades locais: riscos e vulnerabilidades sociais; 2. Espaços de participação do território e seus agentes locais; 3. Educação: perfil das escolas e de suas condições; 4. Rede Intersetorial para a promoção dos direitos humanos; 5. População Indígena da região e 6. Potencialidades Produtivas do Território: possibilidades de direitos.

Para tanto, discorrer-se-á a seguir sobre o processo de formação da Rede de pesquisa.

2 A CONSTITUIÇÃO DA REDE UNIVERSITÁRIA PARA O CORREDOR RODOVIÁRIO BIOCEÂNICO BRASIL - PARAGUAI - ARGENTINA E CHILE

O Corredor Bioceânico visa criar um corredor rodoviário que conectará os territórios de quatro países (Brasil, Paraguai, Argentina e Chile), com os objetivos de reduzir o tempo de deslocamento de cargas, melhorar a logística de transporte e elevar a competitividade das exportações para a Ásia, bem como fomentar o turismo, estimular a criação de novos fluxos de comércio regional e aprofundar a integração entre estes países. Para o desenvolvimento econômico do estado de Mato Grosso do Sul é estratégico uma saída para o Oceano Pacífico e por esse motivo vem apoiando a realização de ações concretas para a sua efetivação.

O Corredor criará importante conexão viária entre o Centro-Oeste brasileiro e o Pacífico, pois terá início em Mato Grosso do Sul (Brasil), na cidade de Porto Murtinho; cruzará o território paraguaio por Carmelo Peralta, Mariscal Estigarribia e Pozo Hondo; atravessará o território argentino passando pelas cidades de Misión La Paz, Tartagal, Jujuy e Salta, e, por fim, se instala no Chile, pelo Passo de Jama, até alcançar os portos de Antofagasta, Mejillones e Iquique.

Para o estado de Mato Grosso do Sul, o Corredor Rodoviário Bioceânico oportunizará ao agronegócio uma saída para o Pacífico, permitindo tanto o escoamento da produção quanto a importação direta de insumos com preços mais competitivos. Para o Chile, essa nova via incrementará o comércio com os países da região, consolidando os portos chilenos como importante plataforma logística e escoamento da produção regional. O Corredor também favorecerá novas possibilidades comerciais a Argentina, na medida em que cruzará seu território por meio das Províncias de Salta e Jujuy, viabilizando centros logísticos e atraindo investimentos e por último, no que diz respeito ao Paraguai, o Corredor também melhorará sua infraestrutura e integrará a região do Chaco ao resto do país, possibilitando-lhe enorme desenvolvimento socioeconômico.

O interesse das comunidades locais, em particular do Chaco e das cidades brasileiras próximas à fronteira com o Paraguai é que se intensifique prontamente o comércio, o turismo e as relações entre os países, de modo que o corredor possibilite a criação de novos empregos e a melhoria das condições de vida dessas populações.

Para a consolidação dessa proposta, em 21 de dezembro de 2015 os Presidentes do Brasil, Argentina, Chile e Paraguai aprovaram a Declaração de Assunção, por meio da qual foi criado um Grupo de Trabalho (GT) formado por esses países, com a finalidade de realizar estudos técnicos e empreender ações que viabilizem o Corredor Rodoviário Bioceânico Porto Murtinho - Portos do Norte do Chile. O referido GT é coordenado pelas Chancelarias dos quatro países e integrado pelo Ministério dos Transportes e outras instituições vinculadas ao comércio exterior e à logística.

No âmbito do Grupo de Trabalho formado pelos quatro países foi criada também uma Rede Universitária, que pudesse apoiar os trabalhos realizados pelo GT, a fim de subsidiar estudos e práticas que colaborem e apóiem o trabalho, possibilitando maior conhecimento das realidades locais de cada país participante.

Em 28 de julho de 2016, foi realizado o I Seminário do Corredor Biocêanico Rodoviário Brasil - Paraguai - Argentina - Chile - Rota Porto Murtinho - Porto Norte do Chile, realizado em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, reunindo representantes dos quatro países para discussão das principais questões envolvidas para a viabilização da Rota. Naquela ocasião, em um encontro paralelo reuniram-se universidades brasileiras e estrangeiras para assinatura de um termo de compromisso com o intuito de promover a atuação acadêmica ao longo do Corredor Rodoviário Bioceânico. Esse evento acadêmico foi realizado no campus da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e reuniu o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e representantes das diversas Instituições de Ensino Superior do Brasil, do Paraguai e da Argentina, ocasião em que foi constituída a Rede Universitária do Corredor Bioceânico, resultando na assinatura da “Carta de Campo Grande”, instrumento que formaliza o compromisso das universidades participantes.

Assim, os principais objetivos de trabalho da Rede Universitária são a realização de um inventário de pesquisas e publicações das Universidades integradas ao Corredor, a elaboração de uma base de dados centralizada e a formulação de projetos que objetivam promover o desenvolvimento social nesta região.

No período de 23 a 25 de outubro de 2017, foi realizada em Campo Grande, nos campi da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), o I Seminário da Rede Universitária da Rota de Integração Latino-Americana (Unirila), que contou com a participação das Universidades que integram o Corredor, além dos setores governamentais. Este Seminário promoveu debates e identificou em seu resultado três grandes eixos fundamentais para o desenvolvimento do trabalho acadêmico, que deram origem aos Grupos de Trabalho 1. Internacionalização e Mobilidade Acadêmica; 2. Impactos Sociais; 3. Desenvolvimento Local e Turístico.

Em 21 de dezembro de 2017, em reunião ordinária do Conselho de Mercado Comum e da Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados foi assinada a Declaração de Brasília do Corredor Rodoviário Centro Oeste do Brasil - Portos do Chile, pelos então presidentes da Argentina - Maurício Macri, do Brasil - Michel Temer, do Paraguai - Horácio Cartes, e do Chile - Heraldo Muñoz. Todos reiteraram o compromisso com o processo de integração regional, expresso pelo estímulo a uma melhor conexão entre seus países. O documento reafirma a participação e a importante contribuição das universidades locais e da sociedade civil para o processo de implementação do Corredor Bioceânico e assim apoiaram a constituição da Rede de Universidades.

Em face da formalização dessa proposta e, ainda, considerando as comunidades brasileiras que serão envolvidas nesse processo, faz-se necessário discorrermos conceitualmente sobre a fronteira.

3 COMPREENDENDO A FRONTEIRA BRASILEIRA EM MATO GROSSO DO SUL

Durante muito tempo o Brasil não pensava suas fronteiras a não ser sob a perspectiva da segurança nacional. Mais recentemente, as informações sobre fronteiras “secas”3 3 É uma fronteira, ou seja, divisa entre dois países, no qual não existe um rio, lago ou oceano separando, apenas uma delimitação simbólica. brasileiras têm sido constantemente mencionadas pela mídia, quase sempre sob um viés negativo.

As fronteiras brasileiras foram no passado palco de discussões com vista à demarcação de terras, mas são hoje tema de muitas discussões no que se refere às questões como: tráfico de drogas, armas e pessoas, conflitos vividos pelos povos indígenas e relações comerciais. Mais recentemente quanto aos novos fluxos migratórios latino-americanos, como é o caso dos venezuelanos.

O olhar para a fronteira nos remete, portanto, a um cotidiano ainda novo para o Brasil e com fértil campo de investigação sobre as questões que permeiam esses espaços. Fronteira é um conceito que envolve, principalmente, demarcações territoriais entre países que possuem culturas e legislações diferenciadas, porém não se reduz somente a questões geográficas, pois abrangem também aspectos humanos e sociais. Para Martins,

A fronteira é essencialmente o lugar da alteridade. É isso o que faz dela uma realidade singular. À primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões são diferentes entre si, como os índios de um lado e os civilizados de outro; como os grandes proprietários de terra, de um lado, e os camponeses pobres, de outro. Mas, o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente, a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro. Não só o desencontro e o conflito decorrentes das diferentes concepções de vida e visões de mundode cada um desses grupos humanos. O desencontro na fronteira é o desencontrode temporalidades históricas, pois cada um desses grupos está situado diversamente no tempo da História. (MARTINS, 1996MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira. Retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira. Tempo Social, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 25-70, maio 1996. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/86141/88825. Acesso em: 20 maio 2019.
http://www.revistas.usp.br/ts/article/vi...
, p. 27).

A discussão sobre fronteira vincula-se a noções mais amplas de território em que este é compreendido por meio das relações de poder estabelecidos pelos limites político-administrativos e pelas relações simbólicas de poder, construídas por meio das apropriações dos grupos em suas vivências e interações, visto que:

[...] a territorialidade, além de incorporar uma dimensão mais estritamente política, diz respeito também às relações econômicas e culturais, pois está intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar. (HAESBAERT, 2004HAESBAERT, R. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade. In: I SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE MÚLTIPLAS TERRITORIALIDADES, 1., Porto Alegre, 2004. Anais [...]. Porto Alegre: Programa de Pós-graduação em Geografia da UFRGS, 2004. Disponível em: http://www.uff.br/observatoriojovem/sites/default/files/documentos/CONFERENCE_Rogerio_HAESBAERT.pdf. Acesso em: 20 maio 2019.
http://www.uff.br/observatoriojovem/site...
, p. 3).

Discutir fronteira é ir além da divisão da separação de dois países, que abrange relações sociais distintas, pois estas se encontram permeadas por questões de cunho cultural, social e político. É importante ressaltar que pensar “fronteira” significa pensar identidade, mas também alteridade, que acontece nas relações travadas com o “eu” e o “outro”, observa-se, assim, que ambos constroem sua cultura, seus costumes e as formas de vida. Todavia, essas relações também se dão em espaços contraditórios.

No que se refere às identidades territoriais, essa relação de alteridade provoca nos sujeitos o sentimento de pertencimento ou não a um território, o que pode ser ocasionado em momentos de conflitos ou de consensos.

Nascimento (2013, p. 85)NASCIMENTO, Valdir Aragão do. Sobre a fronteira: alguns conceitos e aportes. In: Gustavo Villela Lima da Costa, Vanessa dos Santos Bodstein Bivar (Org.). As fronteiras em perspectiva interdisciplinar. Campo Grande: Ed. UFMS, 2013. afirma que “é sabido que a noção de fronteira é por si só uma questão intrincada, a problemática é dependente de uma classificação, ou uma definição, baseada em um recorte da realidade, pode ter sentidos diferentes, relacionados sempre com o grupo ideológico que a originou.”

Para Meneses e Rodrigues (2015, p. 60)MENESES, Antônio Vaz de; RODRIGUES, Francilene dos Santos. A construção de uma cultura de fronteira no espaço transfronteiriço do Brasil e da Guiana. Textos & Debates, Boa Vista, n. 27, v. 1, p. 53-66, jan./jun. 2015., a fronteira constitui um espaço de “realidades fronteiriças” por meio de um complexo geográfico, político, socioeconômico e cultural que se caracteriza, em parte, pela permeabilidade de um fluxo do legal e do ilegal, tanto de bens quanto de serviços e por construir culturas de fronteira. Esse aspecto é “pulsante nas relações humanas, com culturas e identidades que se entrelaçam e se sobrepõem, muitas vezes, aos limites nacionais” (GARDIN, 2008, p. 180). Dessa forma, para entender os processos da realidade social dos sujeitos que habitam uma região de fronteira, é imprescindível conhecer os contextos vivenciados no cotidiano, considerando que as fronteiras políticas são criações humanas, delimitadas e demarcadas por processos de ocupação militar, demográfica, econômica, política e cultural nos territórios nacionais, apresentando variados sentidos e significados construídos pelas populações que convivem em seu dia a dia com as travessias e os controles estatais (ALBUQUERQUE, 2010ALBUQUERQUE, José Lindomar. Conflito e integração nas fronteiras dos “brasiguaios”. Caderno CRH, Salvador, v. 23, n. 60, p. 579-90, 2010.).

A noção de fronteira “seca” permeia no imaginário brasileiro dois aspectos recorrentes, um voltado para um olhar negativo, que vê a fronteira como uma terra “sem lei”, servindo de corredor para o ingresso de drogas, armas e tráfico de pessoas, entre outros crimes. E outro, com um olhar positivo, que vê a fronteira como uma oportunidade de cooperação e estreitamento de laços, de relações comerciais e integração de diferentes culturas. Oliveira afirma que

[...] é na fronteira que se evidenciam as distinções e semelhanças entre as normas legais e os hábitos culturais de diferentes países. Lá se burlam com maior intensidade as regras sociais tidas como legítimas. (OLIVEIRA, 2008OLIVEIRA, Márcio Gimene de. A fronteira Brasil-Paraguai: principais fatores de tensão do período colonial até a atualidade. Orientadora: Marília Steinberger. Dissertação (Mestrado em Geografia), UNB, Brasília, 2008., p. 9).

Para a fronteira, os marginalizados direcionam atenções e esforços, no que tange ao direito de ir e vir. Ali estão anunciadas as tendências de transformação das “regras do jogo” das relações entre dois países. Também são construídas e reconstruídas novas rotas de entrada e saída de pessoas e mercadorias.

O Brasil possui fronteiras com 10 dos 12 países da América do Sul, isto é, Bolívia, Uruguai, Peru, Venezuela, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai, Argentina e Suriname. Somente Chile e Equador não possuem fronteira com o Brasil.

De acordo com o Censo Demográfico 2010 do IBGE (BRASIL, 2010), o Estado de Mato Grosso do Sul possuía 2.4 milhões de habitantes distribuídos em 79 (setenta e nove) municípios. A capital é Campo Grande e o Estado faz fronteira com a Bolívia e o Paraguai e mais cinco estados brasileiros (São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Paraná). Dos 79 (setenta e nove) municípios que constituem o Estado, 44 (quarenta e quatro) encontram-se na região da faixa de fronteira . É uma região também marcada pela forte presença dos povos indígenas, com 9 etnias. A população de Mato Grosso do Sul também é constituída por migrantes de outras regiões do Brasil que vieram em busca de novas oportunidades a partir de 1977, ano em que ocorreu a divisão do Estado de Mato Grosso para criar o Estado de Mato Grosso do Sul. As historiadoras Weingartner (1995)WEINGARTNER, Alisolete A. S. Movimento divisionista em Mato Grosso do Sul (1889-1930). Porto Alegre: Ed. Est, 1995. e Bittar (1999)BITTAR, Marisa. Sonho e realidade: vinte e um anos da divisão de Mato Grosso. Multitemas - Periódico das comunidades departamentais da UCDB, Campo Grande, n. 15, p. 93-124, out. 1999., ao narrarem a história de Mato Grosso do Sul e seu movimento divisionista, evidenciam em seus trabalhos que Mato Grosso do Sul apresenta uma característica peculiar, que a da “heterogeneidade cultural”.

A fronteira do Brasil com a Bolívia envolve uma grande extensão territorial, que se traduz em 3.423,2 km, dos quais 2.609,3 km são rios e canais, 63 km de lagoas e 750,9 km de linhas convencionais. Os Estados brasileiros que fazem fronteira com a Bolívia são o Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O Paraguai, por sua vez, faz fronteira com os estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul. Sua extensão fronteiriça corresponde a 1.365,4 km, dos quais 928,5 km são de rios e 436,9 km por divisor de águas (BRASIL, 2010).

Embora sua extensão fronteiriça seja menor do que com a da Bolívia, o Paraguai possui fronteira seca com os seguintes municípios sul-mato-grossenses: Antônio João, Aral Moreira, Bela Vista, Caracol, Coronel Sapucaia, Japorã, Mundo Novo, Paranhos, Ponta Porã, Porto Murtinho e Sete Quedas. Dentre esses municípios, Ponta Porã é o maior em número de habitantes.

Ao observar o número de municípios do estado de Mato Grosso do Sul que fazem fronteira com o Paraguai é possível perceber a sua dimensão territorial, ou seja, por volta de 1.300 km. Uma imensa faixa territorial que abarca modos de vida e diferentes culturas de grande influência e impactos nos dois países.

A cidade de Porto Murtinho estrategicamente localizada na fronteira com a cidade de Carmelo Peralta, no Paraguai, apresenta toda a potencialidade para abarcar o Corredor, sendo ponto de saída do Brasil e ponto estratégico para as relações comerciais que envolvem esse percurso.

O município de Porto Murtinho foi criado em 1911 e emancipado em 13 de junho de 1912. Com mais de 100 anos, o município se destaca por ter sido palco de uma série de acontecimentos marcantes na história do nosso país, como a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870). Destaca-se, também, por ser considerado um dos municípios mais importantes para o desenvolvimento de Mato Grosso do Sul, pois, devido ao porto de exportações, passou por ciclos econômicos importantes que à época impulsionaram a economia do Estado.

Nesse município residem três povos indígenas distintos, isto é, os Kadiwéu, os Kinikinau e os Terena. Entende-se por povos tradicionais o disposto no Art. 3º, II, do Decreto 6040, de 7 de fevereiro de 2007:

I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto n. 6040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em: 20 maio 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
, p. 1).

De acordo com o Censo Indígena de 2010, há um total de 1.370 indígenas em Porto Murtinho distribuídos em 5 aldeias com predominância da etnia Kadiwéu. As 3 etnias vivem na Reserva Indígena Kadiwéu, um conjunto de terras que possui aproximadamente uma área de 538.536 hectares, demarcada no final dos anos 1980. Distribuem-se em cinco aldeias: Barro Preto, Bodoquena, Campina, Tomázia e São João.

Os Kadiwéu começaram a fixar-se definitivamente à margem esquerda do rio Paraguai no começo do século XIX, quando iniciaram o convívio pacífico com os brancos, que só se consolidou um século depois, com a cessação total da vida guerreira e a acomodação, que ainda se processa, aos meios de luta pela subsistência aprovados pelos dominadores brancos. Hoje, embora vestidos como os vizinhos neobrasileiros, pastoreando o gado, caçando e curtindo couros com os mesmos métodos destes, conservam ainda muitas das características do povo senhorial, os celebres Índios Cavaleiros que dominaram quase todas as tribos chaquenhas, submetendo muitas delas à servidão. (RIBEIRO, 1980RIBEIRO, Darcy. Kadiwéu: ensaios etnológicos sobre o saber, o azar e a beleza. Petrópolis: Vozes, 1980., p. 62).

A aldeia São João é ocupada, majoritariamente, por indígenas Terena e Kinikinau, povos falantes de línguas filiadas à família linguística Aruak ou Maipure.

De acordo com Maciel (2009)MACIEL, Léia Teixeira Lacerda. Corpos, culturas e alteridade em fronteiras: educação escolar e prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis e da Aids entre indígenas da Reserva Kadiwéu, Mato Grosso do Sul - Brasil. 2009. Orientadora: Maria Cecília Cortez Christiano de Souza. 224 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, 2009., os Kadiwéu são conhecidos historicamente como caçadores, coletores e ligados à pecuária, além da excelência na produção de cerâmicas pelas mulheres. Os Terena e os Kinikinau são, também, ceramistas e tradicionalmente agricultores. Estes últimos chegaram à Reserva no início da década de 1940, depois de verem suas terras tradicionais - numa região localizada entre Miranda e Corumbá - tomadas à força por fazendeiros, no início do século XX. Desde essa época os Kadiwéu encontram-se sedentarizados na região que hoje ocupam.

Um dos aspectos estudados por Silva (2004)SILVA, Giovani José da. A construção física, social e simbólica da reserva indígena Kadiwéu (1899-1984): memória, identidade e história. Orientador: Gilson Rodolfo Martins. 2004. 114 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, 2004. sobre a constituição do território Kadiwéu diz respeito à presença constante de pecuaristas não indígenas desde 1959 que provocou inúmeros conflitos até a demarcação definitiva em 1980. A luta pelo uso e controle do território, narrada pelos Kadiwéu nos estudos de Siqueira Jr. é descrita em cinco fases:

As representações Kadiwéu sobre seu território, apreendidas através de seu discurso, revelam a perenidade e a recorrência da questão do uso e controle do espaço territorial. Esse conjunto de depoimentos corresponde a cinco fases: um primeiro período onde as caçadas, hábitos alimentares e viagens são destacadas, que se referem a uma etapa histórica anterior à sua sedentarização; um segundo período que se refere ao fato de terem ganho o território do imperador D. Pedro II pela sua participação na Guerra contra o Paraguai; um terceiro período, marcado pela ocupação e defesa desse mesmo território; um quarto período, caracterizado pela inserção do SPI, e depois a FUNAI, e suas interferências na forma dos Kadiwéu se relacionarem com o espaço e o ambiente; e um último momento, que apresenta as perspectivas atuais e futuras desse grupo na reorientação de sua relação com o território. (SIQUEIRA JR., 1993SIQUEIRA JR., Jaime G. Esse campo custou o sangue dos nossos avós: a construção do tempo e espaço Kadiwéu. Orientador: Dominique Tilkin Gallois. 1993. 290 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1993., p. 198).

Essas representações do território foram posteriormente estudadas por Silva (2004)SILVA, Giovani José da. A construção física, social e simbólica da reserva indígena Kadiwéu (1899-1984): memória, identidade e história. Orientador: Gilson Rodolfo Martins. 2004. 114 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, 2004. que identificou nas narrativas de anciões Kadiwéu coletados por antropólogos e viajantes que conviveram com eles ao longo do século XX uma recorrência de “reivindicação de identidade territorial e de afirmação étnica, uma clara necessidade do estabelecimento da especificidade de seu patrimônio cultural e a ênfase em símbolos de diferenciação” (SILVA, 2004SILVA, Giovani José da. A construção física, social e simbólica da reserva indígena Kadiwéu (1899-1984): memória, identidade e história. Orientador: Gilson Rodolfo Martins. 2004. 114 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, 2004., p. 90).

As discussões sobre território devem nortear o Grupo de Trabalho que investigará o impacto do Corredor Rodoviário Bioceânico na população indígena, pois em consonância com Silva entendemos que:

De todos os aspectos da organização social e cultural dos Kadiwéu, escolhidos como sinais diacríticos na história de sua relação interétnica para a construção de sua identidade, o uso do território se constitui num dos elementos mais importantes. Ele é o resultado de uma situação de expansão da sociedade nacional sobre as áreas originais e sucessivamente ocupadas pelos índios. As lutas do tempo presente não são mais as lutas dos tempos de antigamente, mas reeditam a guerra para uma sociedade de guerreiros. (SILVA, 2004SILVA, Giovani José da. A construção física, social e simbólica da reserva indígena Kadiwéu (1899-1984): memória, identidade e história. Orientador: Gilson Rodolfo Martins. 2004. 114 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, 2004., p. 117).

Essas desigualdades também estão presentes na sociedade envolvente, pois no contexto fronteiriço entre as cidades de Porto Murtinho e Carmelo Peralta é possível perceber grandes problemas sociais, sejam eles expressos na violência urbana, na falta de acesso a bens e serviços, nos baixos salários, na falta de emprego e oportunidades, entre outras questões.

Para Spink (2006, p. 09)SPINK, Mary Jane; SPINK, Peter (Org.). Práticas cotidianas e a naturalização da desigualdade: uma semana de notícias nos jornais. São Paulo: Cortez, 2006. “[...] o problema da desigualdade emerge, primeiro, nos limites das diferenças econômicas que estamos dispostos a aceitar e considerar coletivamente como toleráveis”. Portanto, para falar de desigualdade social, é necessário antes de tudo compreender como se dá a construção social na sociedade atual e quais seus fundamentos.

Nesse sentido, é possível afirmar que não há como discutir desigualdade social hoje sem compreendermos a questão do trabalho e suas relações sociais que são determinantes para definir o lugar de cada um na sociedade moderna, ou seja, “[...] o significado do trabalho no processo de constituição do indivíduo social e na produção da vida material, nos marcos da sociedade capitalista” (IAMAMOTO, 2001IAMAMOTO, Marilda Villela. Trabalho e indivíduo social: um estudo sobre a condição operária na agroindustria canavieira paulista. São Paulo: Cortez, 2001., p. 31).

Desse modo, investigar a desigualdade social nos leva a ancorar nossas reflexões sobre a totalidade do ser social e suas relações sociais produtivas que nos remete às suas dimensões de totalidade, ontologia e historicidade. Assim, Iamamoto (2001)IAMAMOTO, Marilda Villela. Trabalho e indivíduo social: um estudo sobre a condição operária na agroindustria canavieira paulista. São Paulo: Cortez, 2001. nos coloca que o ponto de partida é a produção material, todo indivíduo social é um produto histórico. Constitui-se como fruto de condições e relações sociais particulares e, ao mesmo tempo, criador da sociedade. Para tanto, a discussão do conjunto das expressões das desigualdades existentes na sociedade é compreendida e expressa na questão social.

Para Paulo Netto (1992)PAULO NETTO, José. Marxismo Impenitente: contribuição à história das ideias marxistas. São Paulo: Cortez , 2004., a questão social se expressa em suas refrações e, por outro lado, nos sujeitos históricos que geram embates na defesa de seus direitos. Esse aspecto também é retratado como o resultado da produção das relações sociais inscritas em determinado tempo histórico, ou seja, a totalidade concreta expressa nas condições de vida, de cultura e de produção de riqueza de uma determinada população.

Pelo exposto, a questão social é mais do que as expressões da miséria, da pobreza e da exclusão, apresentando em seu bojo a banalização humana que atesta a radicalidade da alienação (IAMAMOTO, 2007IAMAMOTO, Marilda Villela. Trabalho e indivíduo social: um estudo sobre a condição operária na agroindustria canavieira paulista. São Paulo: Cortez, 2001.).

É imprescindível olhar para a questão social, notadamente desses povos, que em muitas vezes foge a visibilidade da sociedade altamente individualizada. É preciso compreender as problemáticas emergentes que já deveriam ter sido superadas e, no entanto, persistem ainda hoje.

Dessa forma, há que se compreender a noção de igualdade e de diferença em uma visão dialética conforme destaca Candau (2007)CANDAU, Vera Maria Ferrão. A configuração de uma educação em direitos humanos. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy; DIAS, Adelaide Alves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; FEITOSA, Maria Luíza Pereira de Alencar Mayer; ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares (Org.). Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora universitária, 2007, p. 399-412. ao considerar que “hoje em dia, não se pode falar em igualdade sem incluir a questão da diversidade, nem se pode abordar a questão da diferença dissociada da afirmação da igualdade” (CANDAU, 2007CANDAU, Vera Maria Ferrão. A configuração de uma educação em direitos humanos. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy; DIAS, Adelaide Alves; FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra; FEITOSA, Maria Luíza Pereira de Alencar Mayer; ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares (Org.). Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora universitária, 2007, p. 399-412., p. 400).

Diante do exposto e reconhecendo o desenvolvimento que o Corredor Bioceânico promoverá em várias áreas, faz-se necessário estudar para conhecer a questão social dos indivíduos que fazem parte desta realidade, com a preocupação de identificar as vulnerabilidades e riscos sociais, com o objetivo de minimizá-las, especialmente na região do município de Porto Murtinho.

4 A PROPOSTA DO GRUPO DE TRABALHO “IMPACTOS SOCIAIS” DA REDE UNIVERSITÁRIA

A partir do I Seminário da Rede Universitária, ocorrido em Campo Grande, foi formado o Grupo de Pesquisadores do GT “Impactos Sociais”, com vistas ao desenvolvimento de pesquisas e ações, a fim de compreender melhor as questões sociais. As Instituições de Ensino Superior que constituem o grupo de trabalho “Impactos Sociais” são:

  • Universidades Brasileiras (Universidade Católica Dom Bosco [UCDB], Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul [UEMS], Instituto Federal de Mato Grosso do Sul [IFMS] e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul [UFMS]).

  • Universidades Estrangeiras - Paraguai (Universidad Autonôma de Asunción); Argentina (Universidad Nacional de Salta); Chile (Universidad Católica do Norte do Chile).

Em suas reuniões de trabalho os pesquisadores vinculados ao GT “Impactos Sociais”, mostraram-se preocupados com as condições de vida e trabalho das populações que habitam as pequenas cidades que se encontram ao longo desta rota, pois estas revelam altos índices de pobreza, vulnerabilidades e risco sociais, principalmente no que tange às populações que se encontram no Brasil e no Paraguai.

A partir dessa configuração social uma das hipóteses concebidas pelo grupo é a de que quando o Corredor Bioceânico se encontrar em pleno funcionamento esses aspectos sociais podem se acirrar. Desse modo, o grupo apresentou como proposta inicial de trabalho a elaboração de um diagnóstico sobre as reais condições e os possíveis impactos sociais das populações que habitam o Corredor Bioceânico.

Para a constituição dos trabalhos e a elaboração de um diagnóstico a equipe de pesquisadores organizou-se em torno de seis eixos:

  1. Condições de vida de crianças, adolescentes e jovens das comunidades locais: riscos e vulnerabilidades sociais - Tem como objetivo conhecer as condições de vida e os riscos e vulnerabilidades sociais à que estão expostas crianças e adolescentes.

  2. Espaços de participação do território e seus agentes locais - Os espaços poderão ser institucionalizados ou não, estes podem ser fóruns, conselhos, colegiados, agremiações, comitês, coletivos, associações, assembleias, movimentos sociais ou redes que sejam reconhecidos pelos atores locais e governamentais como espaços abertos ao debate, à participação e à realização de ações conjuntas para a melhoria da realidade local.

  3. Educação: perfil das escolas e de suas condições - Conhecer as escolas do território, suas necessidades e seus desafios.

  4. Rede Intersetorial para a promoção dos direitos humanos - Tem o potencial de desenvolver estratégias e buscar uma abordagem integrada do desenvolvimento do território.Parte importante da rede intersetorial é formada pela rede de proteção social, ou seja, por instituições, atores e equipamentos que podem atuar de forma direta ou indireta no dia-a-dia para garantir os direitos humanos em áreas como a assistência social, crianças e adolescentes, direito à cidade, etc. É o caso das Unidades Básicas de Saúde (UBS), Conselho Tutelar, Centros da Criança e do Adolescente (CCA), do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), organizações comunitárias, entre outros.

  5. População Indígena da região - Importante conhecer quem é a população indígena pertencente ao território da Rota Bioceânica. Seus costumes, tradições e principalmente o seu risco social e vulnerabilidades diversas.

  6. Potencialidades Produtivas do Território - possibilidades de direitos - Compreender as principais fontes de potencialidades produtivas das populações que estão situadas no território da Rede Bioceânica.

Para o planejamento das ações o GT realizou reuniões por videoconferência, reunindo os pesquisadores dos quatro países e estes concordaram que o Corredor Bioceânico deve se converter em um vetor de desenvolvimento socioeconômico, para estimular as capacidades regionais, o fomento a empreendimentos produtivos locais, a prestação de diversos serviços que venham beneficiar as comunidades locais e aos agentes econômicos dos quatro países. Para lograr tal objetivo, é necessário potencializar maior articulação entre os governos e os distintos atores locais, fomentando um trabalho colaborativo e cooperativo, com o propósito de incentivar a criação de novos empregos e promover a elevação dos fluxos de comércio e integração entre as nações.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta do GT pauta-se no trabalho de forma articulada em uma rede de caráter interinstitucional de pesquisadores que incidirá na análise das condições de vida das crianças, adolescentes e jovens das comunidades locais, assim como os riscos e vulnerabilidades sociais a que estão expostos, bem como no conhecimento dos espaços de participação do território e seus agentes locais a fim de caracterizar os espaços de participação, institucionalizados ou não, como Fóruns, Conselhos, Colegiados, Agremiações, Comitês, Coletivos, Associações, Assembleias, Movimentos Sociais ou redes, que sejam reconhecidos pelos atores locais e governamentais.

Pretende, ainda, descrever e analisar o perfil das escolas e seus fluxos de comunicação e espaços que fomentam processos democráticos (escola/família - escola/comunidade - escola e outras instâncias educativas); no que diz respeito aos direitos humanos busca-se compreender o trabalho articulado dos atores sociais (pessoas e instituições) e políticas públicas para a promoção dos direitos humanos. Quanto aos aspectos relativos a promoção dos direitos humanos a Rede de Pesquisa mapeará a articulação da rede intersetorial (poder público local, iniciativa privada e sociedade civil organizada), através dos órgãos e instâncias municipais - Unidades Básicas de Saúde, Centros de Referência da Assistência Social, Organizações Comunitárias.

No que se refere à população indígena da região a pesquisa analisará os costumes, tradições, vulnerabilidades e riscos sociais vividos. Quanto ao potencial produtivo pretende-se compreender as principais fontes produtivas das populações do território e possíveis articulações com o desenvolvimento local.

Espera-se que o desenvolvimento desta proposta possa colaborar na mudança da realidade local, uma vez que tem por objetivos realizar um diagnóstico e empreender medidas inclusivas e preventivas que contarão com o apoio e o envolvimento de instituições locais, regionais e internacionais.

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    É uma fronteira, ou seja, divisa entre dois países, no qual não existe um rio, lago ou oceano separando, apenas uma delimitação simbólica.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2019
  • Revisado
    04 Maio 2019
  • Aceito
    08 Jun 2019
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