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O caminhar da produção e publicação científica: alguns percalços encontrados

Ao afirmar que “ser cientista é uma questão de mentalidade que deve ser buscada e aprimorada por aqueles que têm fascínio pelo desconhecido, mas se manifestam com as fantasias” (VOLPATO, 2017VOLPATO, G. L. Ciência além da visibilidade: ciência, formação de cientistas e boas práticas. Botucatu: Best Writing, 2007., p. 13), o autor Gilson Volpato traz à tona para essa discussão o repensar do caminho de um pesquisador ao elaborar as suas produções científicas em seus variados gêneros. Algumas questões afloram nesse contexto e envolvem a elaboração dos mais variados textos − aqui, especificamente, o artigo científico. A conceituação do texto acadêmico vai além de uma escrita tratada em sua estrutura formal e textual, pelo fato de envolver a necessidade de um raciocínio lógico, a aplicação de método e técnica, a valorização do conteúdo, assim como o domínio da organização textual.

Pode-se afirmar que a escrita científica é o texto dos fatos, pois seu principal propósito não é a eloquência literária, há necessidade de que haja adequação entre: o tipo de texto escolhido, os objetivos que se pretende alcançar, o objeto a ser abordado, o tema a ser desenvolvido e a metodologia escolhida. O discurso científico nasce para comunicação e apresentação de resultados da investigação e fenômenos no uso de técnicas que buscam identificar e solucionar problemas, com base em discursos anteriores ou dados empíricos.

Um aspecto fundamental é a qualidade em sua elaboração, por envolver o estilo de cada autor, assim como os requisitos básicos de textualidade no uso correto de citações. Sobre esse assunto, Barthes (2004)BARTHES, R. O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 2004. enfatizou que toda leitura é a prática da escrita e é sempre uma citação a cada leitura realizada. Nas ponderações de Mello (2017)MELLO, A. R. Sobrevivendo na ciência: um pequeno manual para a jornada do cientista. Belo Horizonte: Marco Aurelio Ribeiro de Mello, 2017., ao citar, não só se creditam ideias descobertas como também fica claro que essa postura está relacionada à honestidade, enquanto cientista, de se apoderar das ideias dos outros e creditá-las de forma adequada. Ainda segundo o autor, o descuido em se reproduzir ideias de um determinado autor pode muitas vezes deturpar o que realmente foi escrito.

Entre as qualidades no uso das citações, está a capacidade de articulação de forma criativa das ideias apresentadas, de maneira que quem escreve possa ser percebido como autor que influencia e suscita apreciações de diversas ordens. Essa capacidade é percebida pelas condições de articular entre si os autores citados, seja em forma de discordâncias, contraposições de ideias, seja em forma de concepções, visões de mundo ou mesmo de comparações ou assentimentos aos mesmos pensamentos ou teorias. É importante então enfatizar que nenhum texto surge do nada, pois ninguém escreve no vazio, todo texto nasce de outros textos. Escrever, portanto, é a habilidade de aliar a criticidade à prática de inserir outros discursos, outros textos, naquele que se propõe escrever apropriando-se, mediante a leitura, de ideias e recursos de expressão.

Outras qualidades que precisam ser evidenciadas para se evitarem os percalços em sua elaboração e consequentemente nas publicações voltam-se à estrutura textual clara com relação às informações, uso de subtítulos que antecipem a informação, seleção vocabular com alternativas mais precisas e formais, bem como o uso eficiente de conectores e pontuação adequada que estabeleçam a progressão textual, facilitando o acompanhamento do leitor.

Se um dos percalços está relacionado às diferentes formas de se fazerem citações, outro percalço quanto à publicação científica envolve alguns desafios diante das fronteiras resistentes ao diálogo internacional. Volpato (2017, p. 29)VOLPATO, G. L. Ciência além da visibilidade: ciência, formação de cientistas e boas práticas. Botucatu: Best Writing, 2007. reforça esse pensamento ao afirmar que “as conclusões científicas podem ser avaliadas ou criticadas por pessoas de várias nacionalidades”. Nesse diapasão, Rosa e Chachamovich (2003, p. 254)ROSA, A. M.; CHACHAMOVICH, J. O que faz a excelência de uma revista científica. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, v. 25, n. 2, p. 253-6, maio/ago. 2003. reforçam que a função da revista científica é não só comunicar os resultados à comunidade como também indicar os critérios avaliativos, consolidar áreas e subáreas de conhecimento, garantindo, assim, a prioridade autoral e a memória científica.

Por ser uma revista que objetiva contribuir com o desenvolvimento científico e a visibilidade dos artigos publicados ao longo de sua existência, Interações - Revista Internacional de Desenvolvimento Local vem, ao longo de 20 anos, refletindo sobre temáticas voltadas ao Desenvolvimento Local e suas interfaces temáticas.

A diversidade de abordagens dos temas relacionados ao Desenvolvimento Local demonstra a grande potencialidade dessa nova perspectiva social em que as comunidades tomam suas relações internas (culturais, organizacionais, produtivas, econômicas) como seu próprio objeto de aprimoramento.

Este número 2, do volume 21, de 2020, traz em seu bojo três temáticas relevantes para estudos do desenvolvimento, em diferentes interfaces: políticas públicas; identidade e representações sociais; desenvolvimento regional.

Com relação às políticas e gestões públicas, o volume traz artigos que discutem o espaço de mulheres rurais; os megaeventos; o empreendedorismo étnico; as relações sociais e de trabalho entre avicultores integrados e frigoríficos na mesorregião do sul de Santa Catarina, Brasil; o mapeamento de políticas públicas na Colônia de Pescadores em Porto Jatobá, Abreu e Lima, em Pernambuco, PE, no período de 2010 a 2014; o programa Bolsa Família; e, por último, as implicações da tecnologia educacional para as gestões públicas voltadas às escolas públicas de Ensino Médio.

O leitor encontrará esses assuntos nos seguintes artigos: “Mulheres rurais e o protagonismo no desenvolvimento rural: um estudo no município de Vitorino, Paraná”; “Perception of public managers on the sustainability of sports mega-events: the case of the 2014 World Cup in Brazil”; “Empreendedorismo étnico e autoemprego em um olhar para as comunidades de imigrantes”; “Trajetória das relações de trabalho entre avicultores integrados e frigoríficos no sul do Brasil (1970-2016)”; “Pesca artesanal: reflexões sobre políticas públicas na Colônia de Pescadores Z-33 em Porto Jatobá, Pernambuco”; “Padrões alimentares e (in)segurança alimentar e nutricional no Programa Bolsa Família”; e, finalmente, “Programa Jovem de Futuro: uma tecnologia educacional do terceiro setor”.

Sobre identidade e representações, o volume nos brinda com artigos que tratam dos preparativos e das festividades de casamento de descendentes de imigrantes alemães na metade do século XX, no Rio Grande do Sul, assim como as crenças de moradores da zona sul da cidade do Rio de Janeiro acerca dos moradores do subúrbio e dos cariocas. Tratam sobre essa temática os artigos: “Preparativos e festividades do casamento de descendentes de imigrantes alemães na metade do século XX, no Rio Grande do Sul” e “Identidade e representações sociais de moradores da zona sul da cidade do Rio de Janeiro acerca deles mesmos, dos moradores do subúrbio e dos cariocas”.

O desenvolvimento regional apresenta artigos que discutem o potencial energético solar brasileiro, enfatizando o quanto a cooperação entre Brasil e Alemanha pode promover resultados importantes para o desenvolvimento da energia solar no país; a análise da produção de publicação nacional acerca da participação de universidades no processo de desenvolvimento regional, de 2008 a 2016, para analisar em quais óticas a contribuição universitária para o desenvolvimento regional vem sendo estudada; a produtividade da cana-de-açúcar com foco nos estados de Goiás e Mato Grosso do Sul; os modelos de intervenção com foco na captação do efeito dos instrumentos do Prêmio para Escoamento de Produto (PEP) e do Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (PEPRO) sobre os preços do milho no Estado de Mato Grosso, principal produtor desse grão; e o desenvolvimento de uma metodologia participativa que articula o uso dos princípios da cartografia social na representação territorial dos assentamos rurais.

Sobre essa temática, o número nos convida à leitura dos artigos: “Aproveitamento fotovoltaico, análise comparativa entre Brasil e Alemanha”; “Desenvolvimento regional e a contribuição universitária: uma análise das publicações nacionais e internacionais de 2008 a 2016”; “Produtividade da cana-de-açúcar em Mato Grosso do Sul e Goiás: uma análise a partir da Visão Baseada em Recursos”; “Análise de intervenção de PEP e PEPRO sobre os preços do milho no estado de Mato Grosso, de 2009 a 2016”; e “The power of maps and participatory approaches: the use of social cartography in the territorial representation of rural settlements”.

A diversidade temática das abordagens nos artigos tem uma relação direta com o Desenvolvimento Local e com as Linhas de Pesquisa do nosso Programa de Mestrado e Doutorado. O nosso agradecimento especial neste número 2 vai para a nossa equipe editorial, que não tem medido esforços para a publicação dos números da Interações, assim como para os nossos avaliadores do Comitê Editorial e os avaliadores ad hoc que nos têm atendido prontamente quando são convidados a serem pareceristas.

Referências

  • BARTHES, R. O rumor da língua São Paulo: Brasiliense, 2004.
  • MELLO, A. R. Sobrevivendo na ciência: um pequeno manual para a jornada do cientista. Belo Horizonte: Marco Aurelio Ribeiro de Mello, 2017.
  • ROSA, A. M.; CHACHAMOVICH, J. O que faz a excelência de uma revista científica. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, v. 25, n. 2, p. 253-6, maio/ago. 2003.
  • VOLPATO, G. L. Ciência além da visibilidade: ciência, formação de cientistas e boas práticas. Botucatu: Best Writing, 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020
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