O papel das políticas públicas no Brasil: reflexões necessárias

A assunção das políticas públicas tem exigido, de forma mundial, o investimento em estudos e pesquisas que possam subsidiar não só a formulação e implementação como a avaliação das políticas implantadas em sua gestão.

Nos EUA, este estudo surgiu na área acadêmica, sem o estabelecimento de relações com as bases teóricas sobre o papel do Estado.

No Brasil, ao final da década de 1990 do século passado, ele se evidenciou a partir de debates sobre a forma de funcionamento das instituições estatais e dos impactos surgidos das relações governamentais, das burocracias e das implementações de políticas públicas.

As definições sobre políticas públicas nos levam ao pensamento de Lynn (1980), como um conjunto de ações governamentais que produzem efeitos específicos, comungando com o pensamento de Peters (1998), que vê nas ações do governo a soma das atividades que agem, delegam e influenciam a vida do cidadão. De forma mais simplista, Dye (1984) apresenta uma síntese da política pública como aquilo que o governo escolhe fazer ou não fazer.

É interessante estabelecer que Lowi (1964, 1972) apresentou a tipologia mais conhecida sobre política pública a partir de uma máxima: a política pública faz a política. De acordo com Souza (2006), Lowi, com esta máxima, deixa claro que cada tipologia de política pública encontra ou apoio ou rejeição em arenas diferenciadas de disputa.

Para Lowi (1964, 1976), nas palavras de Souza (2006), quatro são os formatos assumidos pela política pública: i) políticas distributivas que se voltam às decisões tomadas pelo governo; ii) políticas regulatórias, visíveis ao público por envolver burocracia, políticos e grupos de interesse; iii) políticas redistributivas, que, ao atingir um maior número de pessoas, acabam por impor perdas concretas para determinados grupos sociais e ganhos incertos e futuros para outros. De acordo com o autor, estas são as políticas sociais universais, o sistema tributário, o sistema previdenciário, que trazem, muitas vezes, um encaminhamento difícil.

Nas palavras de Souza (2006), alguns elementos podem ser considerados principais sobre política pública, nesta discussão: i) a distinção entre o que o governo pretende fazer e o que realmente faz; ii) o envolvimento de diversos atores e níveis decisórios materializados nas ações governamentais; iii) a abrangência das políticas públicas não se limitando a leis e regras; iv) ainda que tenha impactos no curto prazo, pode ser considerada de longo prazo.

A nossa reflexão é de que, cada vez mais, é necessária a formação de atores governamentais e não governamentais com vontade de contribuir para a análise das políticas, seja por meio de alternativas, seja por meio de participações de detentores de saberes substantivos, em cada setor político.

Outro aspecto que merece a nossa atenção é a nova tendência mundial de gestão, seja ela pública ou privada, de agilidade e resultados positivos voltados aos interesses da coletividade, com eficiência, melhoria na qualidade e responsabilidade de um serviço prestado.

Por fim, chamamos atenção sobre esta temática voltar-se à importância dos estudos de políticas públicas e do papel fundamental das universidades e revistas científicas de divulgarem as diferentes propostas de intervenção estatal, além de como as instituições que não participam do jogo político podem indicar alternativas viáveis para a gestão da coisa pública.

É com este olhar que a Interações − Revista Internacional de Desenvolvimento Local, da UCDB, convida todos para a leitura dos artigos publicados nesta edição, volume 22, número 2, de 2021:

1. Pantanal ameaçado: a construção de represas e a insignificância da energia hídrica produzida, de Silvia Cristina Santana Zanatta e Josemar de Campos Maciel.

2. Apontamentos sobre o Desenvolvimento Humano Municipal no estado de Mato Grosso do Sul, de Adriano Renzi, Jandir Ferrera de Lima e Carlos Alberto Piacenti.

3. Políticas públicas de emprego e renda no Paraná e sua efetividade, de Fernanda Almeida da Silva Rosa, Silvio Roberto Stéfano, Luiz Fernando Lara e Márcio Luiz Bernardim.

4. O que dizem as políticas públicas da agricultura familiar sobre inclusão produtiva? Uma análise sob a abordagem da narrativa governamental, de Diego Neves de Sousa.

5. Relação entre os equipamentos e políticas culturais dos municípios de Minas Gerais e a captação de recursos via Lei Estadual de Incentivo à Cultura, de Lusvânio Carlos Teixeira, Wescley Silva Xavier, Evandro Rodrigues de Faria e Márcio Teixeira Bravim.

6. Controle social na saúde complementar em um município brasileiro do noroeste gaúcho: entre a gestão social e a gestão estratégica, de Juliana da Fonseca Capssa Lima Sausen, Vanilson Viana Cardoso, Daniel Knebel Baggio e Airton Adelar Mueller.

7. Gastando mais e produzindo menos: uma análise dos Tribunais Regionais Federais, de Michel Constantino, Dany Rafael Fonseca Mendes e Daniel Silva Boson.

8. O gasto social do governo de Mato Grosso do Sul (2013-2017), de Francis Régis Gonçalves Mendes Barbosa e Jandir Ferrera de Lima.

9. Efeitos do crédito para o desenvolvimento econômico das regiões geográficas imediatas de Mato Grosso do Sul, de Lucas Mikael e Adriano Figueiredo.

10. Identificação de clusters industriais: um estudo quantitativo no estado de Santa Catarina, de Sérgio Begnini e Carlos Eduardo Carvalho.

11. Experiências de captação de recursos e a interface com o marketing social: estudo de caso no Núcleo Social de Diadema, de Alexandre Luzzi Las-Casas, Ruy Teske, Susana Costa Silva e Belmiro N. João.

12. O cooperativismo e o desenvolvimento local: um estudo da Cooperativa de Crédito Sicredi União MS/TO – Comitê Ação Social, de Heitor Romero Marques e Jéssica Ojeda da Costa.

13. Interação espacial entre os investimentos no PRONAF e o Índice de Desenvolvimento Rural nos municípios do Nordeste, de Geizibel Lopes Rodrigues e Diego Firmino Costa da Silva.

14. O cotidiano em territórios quilombolas de Mato Grosso do Sul, Brasil: do isolamento às múltiplas (re)existências, de Dyego de Oliveira Arruda, Milton Augusto Pasquotto Mariani, Gabriel Luis Pereira Nolasco e Dayana de Oliveira Arruda.

15. Limites e desafios das organizações de catadores: uma análise da ASMARE, de Romário Rocha Sousa, Rafael Diogo Pereira e Daniel Calbino.

16. Impacto ambiental do turismo de pesca: aplicação da Lei da Cota Zero no Rio Araguaia, em Goiás, de Raquel Nominato Araújo, Klaus de Oliveira Abdala e Gabriel da Silva Medina.

17. Análise do perfil de catadores de materiais recicláveis do município de Laranjeiras do Sul, Paraná, de Grasieli de Fátima Rode, Janete Stoffel e Gabriela Silva Moura.

18. Análise da relação entre as transferências do FPM e do ICMS e o Índice de Desenvolvimento Municipal Sustentável dos municípios de Santa Catarina, de Andréia Casagrande Begnini e Taiz Viviane dos Santos.

19. Interdependências e trade-offs entre os objetivos do desenvolvimento sustentável: avaliação de municípios brasileiros pelas três dimensões da sustentabilidade, de Ronaldo Ferreira da Silva, Leonardo de Lima Moura, Luiz Octávio Gavião, André Teixeira Pontes, Gilson Alves Brito Lima e Edison Dausacker Bidone.

20. Interculturalidade e infância indígena no contexto urbano: concepções de um grupo de professoras da educação infantil, de Fernando Schlindwein Santino, Klinger Teodoro Ciríaco e José Henrique Prado.

21. A saúde na região ribeirinha de Aquidauana, MS: conhecendo o perfil dos usuários acamados, de seus cuidadores e o acesso aos serviços de fisioterapia, de Arthur de Almeida Medeiros, Micheli Silva Alves e Wilson de Souza Franco.

22. Economia e criminalidade: uma avaliação dos custos da violência para o município de Governador Valadares, MG, de Hilton Manoel Dias Ribeiro e Oline Silva Freitas.

O alinhamento da diversidade temática das abordagens nos artigos publicados, neste número 2/2021, tem uma relação direta com o Desenvolvimento Local e com as linhas de pesquisa do nosso Programa de Mestrado e Doutorado. O nosso agradecimento especial para a nossa equipe editorial, que, nestes tempos de pandemia, de perdas irreparáveis, de trabalho remoto, não tem medido esforços para a publicação dos números da Interações. O nosso agradecimento também especial aos nossos avaliadores do Comitê Editorial e aos nossos avaliadores ad hoc, pelo pronto atendimento e pela qualidade de suas avaliações.

Arlinda Cantero Dorsa

Editora-chefe da Interações

Referências

• DYE, Thomas D. Understanding Public policy Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1984.
• LOWI, Theodore J. Four systems of policy, politics, and choice. Public Administration Review, [Stor], v. 32, n. 4, p. 298-310, 1972.
• LOWI, Theodore J. American business, public policy, case-studies, and political theory. World Politics, Cambridge, v. 16, n. 4, p. 677-715, 1964.
• LYNN, L. E. Designing public policy: a casebook on the role of policy analysis. Santa Monica: Goodyear., 1980.
• PETERS, B. G. Review: understanding governance: policy Networks, governance, reflexivity and accountability by R. W. Rhodes. Public Administration, [s.l.], v. 76, p. 408-509, 1998.
• SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16, p. 20-45, 2006.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Set 2021
• Data do Fascículo
  Apr-Jun 2021