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Novas formas de fazer turismo: desde a prática às políticas públicas na construção do Plano de Turismo Criativo do Recife (Pernambuco-Brasil)

New ways of doing tourism: from practice to public policies in the construction of the Recife Creative Tourism Plan (Pernambuco-Brazil)

Nuevas formas de hacer turismo: de la práctica a las políticas públicas en la construcción del Plan de Turismo Creativo de Recife (Pernambuco-Brasil)

Resumo:

O crescente número de turistas vem destacando a atividade turística como uma das áreas de maior ascensão nos últimos tempos. A busca por experiências, atrativos e novos elementos nos destinos tem levado os atores envolvidos a discutir como produzir novas ofertas e garantr o desenvolvimento local. É nesse contexto que o turismo criativo surge como elemento para o desenvolvimento de novas formas de produção e consumo. A disseminação do turismo criativo levou a Prefeitura da cidade do Recife (Pernambuco-Brasil) à construção do Plano de Turismo Criativo, sendo a terceira cidade do país a trabalhar no segmento. Dessa forma, o presente trabalho se deu com o objetivo de descrever quais as estratégias utilizadas para o desenvolvimento do plano. Foi adotada como metodologia uma abordagem qualitativa e natureza descritiva, empregando em sua operacionalização a pesquisa bibliográfica, documental e de campo, que contou com o acompanhamento de todas as etapas da confecção do plano. Como resultado, é possível destacar os esforços dos gestores públicos e do grupo de trabalho em tornar o processo horizontal, com a participação de vários setores, os produtos criativos utilizados, o uso da criatividade e da cocriação como elementos-chave e a criação de uma instância responsável pelo monitoramento e pela revisão das ações do plano.

Palavras-chave:
criatividade; turismo criativo; Plano de Turismo Criativo do Recife-PE

Abstract:

The growing number of tourists has highlighted the tourist activity as one of the areas of greatest growth in recent times. The search for experiences, atractions, and new elements in destinations has led the actors involved to discuss how to produce new ofers and ensure local development. It is in this context that creative tourism emergesas an element for the development of new forms of production and consumption. The spread of creative tourism led the city of Recife (Pernambuco-Brasil) to the construction of the Creative Tourism Plan, being the third city in the country to work in the segment. Thus, this paper was constructed to define the practices used to develop the plan. The methodology adopted was a qualitative approach, with descriptive nature, using in its operation bibliographical, documental, descriptive research, and with field participation, which included monitoring of all stages of the plan preparation. As a result, it is possible to highlight the efforts of public managers and the working group to make the process horizontal, with the participation of various sectors, the creative products used, the use of creativity and co-creation as key elements, and the creation of a body responsible for monitoring and reviewing the plan’s actions.

Keywords:
creativity; creative tourism; Recife-PE’s Creative Tourism Plan

Resumen:

El creciente número de turistas ha puesto de relieve la actividad turística como una de las áreas de mayor crecimiento en los últimos tempos. La búsqueda de experiencias, atractivos y nuevos elementos en los destinos ha llevado los actores involucrados a discutir cómo producir nuevas ofertas y asegurar el desarrollo local. Es en este contexto que el turismo creativo surge como un elemento para el desarrollo de nuevas formas de producción y consumo. La difusión del turismo creativo llevó a la ciudad de Recife (Pernambuco-Brasil) a construir el Plan de Turismo Creativo, siendo la tercera ciudad del país en trabajar en el segmento. Así, se llevó a cabo este trabajo con el fin de describir qué estrategias se utilizaron para desarrollar el plan. Se adoptó como metodología un enfoque cualitativo y descriptivo, empleando la investigación bibliográfica, documental y de campo en su operacionalización, que incluyó el seguimiento de todas las etapas de elaboración del Plan. Como resultado, es posible destacar el esfuerzo de los gestores públicos y del grupo de trabajo para horizontalizar el proceso con la participación de diversos sectores, los productos creativos utilizados, el uso de la creatividad y la cocreación como elementos clave y la creación de instancia responsable de monitorear y revisar las acciones del plan.

Palabras clave:
creatividad, turismo creativo; Plan de Turismo Creativo deRecife-PE

1 INTRODUÇÃO

Dados da Organização Mundial do Turismo (OMT) mostram que, em 2017, mais de 500 milhões de turistas internacionais buscaram por experiências únicas em formas de produtos e serviços culturais. Logo, a atmosfera cultural dos destinos é constantemente comercializada e consumida por viajantes que buscam cada vez mais vivenciar os locais que visitam, por meio de atividades autênticas que levam em consideração elementos tangíveis e intangíveis e o seu envolvimento/participação (RICHARDS, 2018bRICHARDS, Greg. Heritage and tourism: creating synergies between local and mobile citizens. [s.l.]: [s.n.], 2018b. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329357701_Heritage_and_tourism_creating_synergies_between_local_and_mobile_citizens. Acesso em: 5 jun. 2021.
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; UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT [UNCTAD], 2010UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT [UNCTAD]. Creative Economy report 2010. Creative Economy – a feasible development option. Washington DC: UNCTAD, 2010.).

Tal relação entre cultura e turismo vem sendo observada por meio de diversos estudos, que destacam como essa ligação tem estimulado novas formas de produzir e consumir, aliandosea temáticas como sustentabilidade e desenvolvimento e atrelando-se a discussões recentes, como as de cidades criativas, indústrias criativas, economia criativa e, não menos importante, turismo criativo (RICHARDS; MARQUES, 2012RICHARDS, Greg; MARQUES, Lenia.Exploring creative tourism: editors introduction. Journal of Tourism Consumption and Practices, Tilburg, v. 4, n. 2, p. 1–11, 2012.; NEWBIGIN, 2010NEWBIGIN, John. A economia criativa:um guia introdutório. London: British Council, 2010.; RICHARDS; RAYMOND, 2000RICHARDS, Greg; RAYMOND, Crispin. Creative tourism. Atilas News, Tilburg: Tilburg University, v. 23, p. 16–20, 2000.; LANDRY, 2000LANDRY, Charles. The creative city: a toolkit for urban innovators. London: Routiledge, 2000.).

Assim, com a constante demanda de turistas/consumidores cada vez mais informados e ávidos por novas tendências e experiências, passou-se a exigir dos destinos produtos inovadores e ofertas autênticas. O reconhecimento desse turista contemporâneo, do consumo cultural e das novas formas de produção colocou estudiosos, gestores e atores envolvidos para formular novas políticas, produtos, serviços e “reinventar os destinos turísticos” (CAYEMAN, 2014CAYEMAN, Charline.A importância do turismo criativo para a sustentabilidade da atividade turística nas grandes cidades–o exemplo de Barcelona para o estudo de caso de Lisboa. 2014. 134f. Dissertação (Mestrado em Turismo) – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2014.).

Em consequência das inúmeras discussões que envolvem a criatividade como ferramenta do desenvolvimento e das mudanças no campo do turismo, o termo “turismo criativo” ganhou força, embasado por Richards e Raymond (2000)RICHARDS, Greg; RAYMOND, Crispin. Creative tourism. Atilas News, Tilburg: Tilburg University, v. 23, p. 16–20, 2000., como sendo composto por atividades que proporcionam o envolvimento dos indivíduos por meio de produtos e serviços que busquem a cocriação como elemento-chave da experiência turística.

A partir disso, diversas localidades passaram a investr na implementação do turismo criativo, formulando políticas, planos, modelos de negócios, abrangendo novas cadeias produtivas, proporcionando valor agregado com o uso da criatividade e do turismo (FERREIRA, 2013FERREIRA, Ana Maria. O turismo como fator de regeneração e desenvolvimento de meios urbanos e rurais: do turismo cultural ao turismo criativo. In: COSTA, Carlos; BRANDÃO, Filipa; COSTA, Rui; BREDA, Zélia (Eds.). Turismo nos países lusófonos: conhecimentos, estratégia e territórios. Lisboa: Escolar Editora, 2013. p.85-99.). No Brasil, as discussões sobre turismo criativo têm ganhado força entre os inúmeros atores envolvidos na atividade, além da forte tendência à criatividade em outras áreas.

É nesse contexto que a cidade do Recife (Pernambuco-Brasil), reconhecida pela forte presença da cultura em suas mais diversas linguagens, eventos festivos de grande visibilidade (carnaval), aporte tecnológico, potencial criativo e uma variedade de atrativos, desenvolveu o Plano de Turismo Criativo do Recife, que foi lançado no ano de 2018. A partir disso, surgiu o seguinte problema de pesquisa: quais as estratégias utilizadas pelos gestores públicos do Recife para o desenvolvimento do Plano de Turismo Criativo?

Sendo assim, objetiva-se, neste trabalho, analisar as estratégias utilizadas para construção do plano, entendendo o turismo criativo como um viés da atividade ainda pouco explorado na prática no país, descrevendo as ações resultantes disso, assim como os impactos trazidos ao destino.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 A ascensão do turismo criativo

A relevância do turismo criativo é reconhecida atualmente por diversos estudiosos da área e admitida como fator intrinsecamente ligado à economia, às indústrias e às cidades criativas (MARQUES; BORBA, 2017MARQUES, Lenia; BORBA, Carla. Co-creating the city: digital technology and creative tourism. Tourism Management Perspectives, [s.l.], v. 24, n. 1, p. 86–93, 2017.; ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT [OECD], 2014ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT [OECD]. Tourism and the creative economy. Paris: OECD Studies on Tourism/OECD Publishing, 2014.). Assim como em outros setores, foi percebido que abordagens criativas tinham a capacidade de desenvolver estratégias inovadoras para a resolução de problemas no âmbito do turismo. Como foi observado por Messineo (2012, p. 41)MESSINEO, Eliana.Tourist creative processes and experiences in the European cultural itinerary ‘The Phoenicians’ route. Journal of Tourism Consumption and Practice, University of Plymouth, v. 4, n. 2, p. 41-54, 2012., “a criatividade tornou-se sinônimo de novos modelos de produção e consumo, e de novos valores e elementos que contribuem para o crescimento turístico de uma localidade”, além de permitir“que algumas regiões enfrentem problemas que o próprio turismo contemporâneo pode causar”.

Richards (2014)RICHARDS, Greg. Creativity and tourism in the city. Current Issues in Tourism, London, v. 17, n. 2, p. 119–44,2014. reitera essa informação ao descrever que problemas de reprodução e mercantilização em série podem encontrar uma solução com o uso da criatividade. Esse problema passou a ser percebido, principalmente, no campo cultural, em queo consumo por produtos e serviços foi ampliado e transformado.

Os motivos para esse crescimento são muitos, um dos principais têm sido a mudança do perfil do indivíduo viajante, que tem buscado tanto o seu desenvolvimento pessoal como vivenciar novas experiências. Além disso, o entendimento de “cultura” pelosturistas passou a levar em consideração tanto elementos tangíveis como intangíveis (RICHARDS, 2018bRICHARDS, Greg. Heritage and tourism: creating synergies between local and mobile citizens. [s.l.]: [s.n.], 2018b. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329357701_Heritage_and_tourism_creating_synergies_between_local_and_mobile_citizens. Acesso em: 5 jun. 2021.
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).

Por outro lado, no que diz respeito à gestão dos destinos, a cultura foi comumente utilizada para demarcar e diferenciar locais em fator da competitividade e demanda turística. Consequentemente, em determinado momento, devido ao uso massificado da cultura, as estratégias dos destinos passaram a se tornar semelhantes, conduzindo a um estado de pouca distinção entre os lugares, engessamento e reprodução em série da cultura (RICHARDS, 2011RICHARDS, Greg. Cultural tourism trends in Europe: a context for the development of Cultural Routes. In: KHOVANOVA-RUBICONDO, Kseniya (Edit.). Impact of European Cultural Routes on SMEs’ innovation and competitiveness. Strasbourg: Council of Europe Publishing, 2011. p. 21–39.).

Portanto, nesse contexto, o desenvolvimento cultural já não era suficiente para destacar e diferenciar destinos, o que, com a ascensão da criatividade em outras áreas, levou à incorporação desta no turismo, agregando novos elementos “através do desenvolvimento de novos produtos ou experiências; de novas formas de consumo ou novos espaços turísticos” (RICHARDS; WILSON, 2007, p.15RICHARDS, Greg; WILSON, Julie. Tourism, creativity and development. London: Routiledge, 2007.).

Dessa forma, turistas e gestores dos destinos passaram a entender que a cultura não se tratava mais só de equipamentos tradicionais, como museus, teatros, centros culturais, mas que compreendia cada vez mais o cotidiano, as identidades e a cultura popular das comunidades, havendo o que muitos autores consideram como a evolução do turismo cultural (RICHARDS; MARQUES, 2012RICHARDS, Greg; MARQUES, Lenia.Exploring creative tourism: editors introduction. Journal of Tourism Consumption and Practices, Tilburg, v. 4, n. 2, p. 1–11, 2012.; RICHARDS, 2011RICHARDS, Greg. Cultural tourism trends in Europe: a context for the development of Cultural Routes. In: KHOVANOVA-RUBICONDO, Kseniya (Edit.). Impact of European Cultural Routes on SMEs’ innovation and competitiveness. Strasbourg: Council of Europe Publishing, 2011. p. 21–39.; 2018bRICHARDS, Greg. Heritage and tourism: creating synergies between local and mobile citizens. [s.l.]: [s.n.], 2018b. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329357701_Heritage_and_tourism_creating_synergies_between_local_and_mobile_citizens. Acesso em: 5 jun. 2021.
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).

Essa evolução veio com a chegada do turismo criativo, o qual advém do turismo cultural, porém promove um envolvimento maior do turista no destino, mantendo as atividades tradicionais como tambémproporcionando novas experiências singulares em queturista e autóctone trocam de papéis (RICHARDS; MARQUES, 2012RICHARDS, Greg; MARQUES, Lenia.Exploring creative tourism: editors introduction. Journal of Tourism Consumption and Practices, Tilburg, v. 4, n. 2, p. 1–11, 2012.). A primeira aparição do conceito foi feita por Richards e Raymond (2000)RICHARDS, Greg; RAYMOND, Crispin. Creative tourism. Atilas News, Tilburg: Tilburg University, v. 23, p. 16–20, 2000., que, ao apontarem o quanto as estratégias dos destinos estavam ficando engessadas, propuseram formas criativas de se desenvolver a produção artesanal por meiodo turismo, em um projeto europeu chamado EUROTEX (RICHARDS, 2018aRICHARDS, Greg. Panorama of creative tourism around the world. [s.l.]: [s.n.], 2018a. p. 1–8. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329530470_Panorama_of_Creative_Tourism_Around_the_World_Panorama_do_turismo_criativo_no_mundo. Acesso em: 21 jun. 2021.
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).

Desde então, o turismo criativo vem sendo estudado e defendido, por diversos autores, como uma nova modalidade da atividade; segundo Richards e Marques (2012)RICHARDS, Greg; MARQUES, Lenia.Exploring creative tourism: editors introduction. Journal of Tourism Consumption and Practices, Tilburg, v. 4, n. 2, p. 1–11, 2012., um fator que contribuiu para a aceitação da ideia foi o de queesta se encaixava em um série de agendas políticas que já estavam usando da criatividade em outros campos.

Com o avanço do debate, as definições de turismo criativo foram evoluindo e ampliaram a variedade de atividades abrangidas, mantendo-se em comum algumas características que se fazem presentes em todas as definições, tais quais experiências autênticas, desenvolvimento criativo, envolvimento e participação do turista e a cocriação como fator fundamental entre visitantes, população e cultura local.

Vale salientar que o turismo criativo não traz consigo algo extraordinariamente novo, a participação e experiências no âmbito do turismo já existam, a grande diferença é que esses elementos tornaram-se cada vez mais a motivação de viagem dos turistas.

Posto isto, o turismo criativo chega aos olhos de todos como uma prática que promove um maior acesso à cultura, a partir do momento que as atividades passaram a ser ligadas ao dia a dia dos destinos, com novos produtos e serviços que levam em consideração singularidades das comunidades locais e desenvolvem a criatividade na produção de experiências que podem ser em diferentes graus (RICHARDS; MARQUES, 2012RICHARDS, Greg; MARQUES, Lenia.Exploring creative tourism: editors introduction. Journal of Tourism Consumption and Practices, Tilburg, v. 4, n. 2, p. 1–11, 2012.).

Diante disso, o turismo criativo pode acontecer como um meio de envolver os turistas na vida criativa do destino, de usar os recursos existentes, fortalecer a identidade e distinção, como uma forma de autoexpressão, autorrealização e educação, fonte de “atmosfera” para lugares, para recriar e reviver o lugar (RICHARDS; MARQUES, 2012, p. 4RICHARDS, Greg; MARQUES, Lenia.Exploring creative tourism: editors introduction. Journal of Tourism Consumption and Practices, Tilburg, v. 4, n. 2, p. 1–11, 2012.).

Dessa forma, os benefícios que o segmento do turismo criativo traz com a imersão de turistas no cotidiano das comunidades locais são fontes de desenvolvimento local. Cada vez mais, nos destinos, o envolvimento entre turista-morador torna as experiências ricas em valor agregado, podendo regenerar a imagem do destino, dar novos sentidos à cultura, impulsionar o turismo, sendo, também, tido como fator de desenvolvimento local (CAYEMAN, 2014CAYEMAN, Charline.A importância do turismo criativo para a sustentabilidade da atividade turística nas grandes cidades–o exemplo de Barcelona para o estudo de caso de Lisboa. 2014. 134f. Dissertação (Mestrado em Turismo) – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2014.).

Conforme explica Veiga (2005)VEIGA, José Eli. Desenvolvimento sustentável – desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005., desenvolvimento local se trata da melhoria na qualidade de vida da população, incluindo o crescimento econômico, mas indo além disto. Ao explicar a diferença existente entre crescimento econômico e desenvolvimento local, Meguis et al. (2015, p. 102)MEGUIS, Thiliane; FARIAS, Kassia; VIANA, Pablo, HAMOY, Juliana. Do desenvolvimento global ao desenvolvimento local: novas perspectivas do desenvolvimento do turismo. Revista de Turismo Contemporâneo – RTC, Natal, v. 3, n. 1, p.98-120, jan./jun. 2015. afirmam que “o desenvolvimento ultrapassa os anseios da acumulação do capital, destacando a necessidade de alcançar também o bem estar social, enquanto que o crescimento enfatiza somente o progresso e inovação”.

Para que a população local não fique à margem do desenvolvimento ou abandonada pelas políticas públicas e pelas empresas privadas que desenvolvem a atividade turística, é necessário o estabelecimento de uma relação de parceria, “por isso é imprescindível a participação social para um desenvolvimento sustentável do turismo (e em outras atividades econômicas), que estimule a distribuição de renda de forma organizada” (MEGUIS et al., p. 100); assim, o desenvolvimento do turismo local, como um processo gerador de mudanças, é visto pelo autor como um novo paradigma capaz de “produzir oportunidades de trabalho e renda com o intuito de contribuir para a redução das desigualdades regionais e sociais nas mais diversas localidades do país” (MEGUIS et al., p. 116-17).

O turismo criativo, desenvolvido com a participação da comunidade local, tem forte potencial para gerar empregos, renda e desenvolvimento das comunidades, por meio da criação de produtos e serviços para o consumo dos turistas, de forma justa, gerando receita, de maneiraque não fique nas mãos de grandes operadoras (RAYMOND, 2007RAYMOND, Crispin. Creative tourism New Zealand: the practical challenges of developing creative tourism. In: RICHARDS, Greg; WILSON, Julie (Coord.). Tourism, creativity and development. London: Routiledge, 2007. p. 145-57.; UNESCO, 2006ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA [UNESCO]. Towards sustainable strategies for creative tourism, discussion report of the planning meeting for 2008 International Conference on Creative Tourism. Santa Fe, New Mexico, USA, 25-27 out. 2006.). Isso corrobora as observações de Ruschmann (2010, p. 29)RUSCHMANN, Doris Van Meene. Turismo e planejamento sustentável: a proteção do meioambiente. 16. ed. Campinas: Papirus, 2010. de que a população local tem o direito de favorecer-se de todos os benefícios do turismo, independentemente do seu grau de desenvolvimento.

Precisamente, desde a sua primeira aparição, o turismo criativo vem evoluindo conforme vem sendo implantado nas agendas políticas, nos estudos, debates e na prática da atividade. Richards e Wilson (2007)RICHARDS, Greg; WILSON, Julie. Tourism, creativity and development. London: Routiledge, 2007. explicam ainda que existem três formas específicas de desenvolvimento criativo relacionadas com o turismo nas cidades: lugares criativos, eventos criativos e o turismo criativo. Cada uma destas envolve fatores interligados e que trabalham as experiências de formas diferentes. A modernidade, sem dúvidas, impulsionou o desenvolvimento do turismo criativo, que respondeu muito bem às mudanças, transformando-se para um modelo de “turismo relacional” ou “turismo criativo 4.0” (RICHARDS, 2018aRICHARDS, Greg. Panorama of creative tourism around the world. [s.l.]: [s.n.], 2018a. p. 1–8. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329530470_Panorama_of_Creative_Tourism_Around_the_World_Panorama_do_turismo_criativo_no_mundo. Acesso em: 21 jun. 2021.
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).

Desse modo, o turismo criativo cresceu e se diversificou em todo o mundo.No Brasil, não seria diferente, chegando ao âmbito das políticas públicas o Porto Alegre Criativa - Plano Municipal de Economia Criativa (2014) e o Plano de Turismo Criativo de Brasília (2016-2019). Após alguns anos, a cidade do Recife, PE, tornou-se a terceiracidade do país e a primeira da Região Nordeste a lançar um plano de turismo criativo.

3 METODOLOGIA

O presente trabalho caracteriza-se como pesquisa descritiva de abordagem qualitativa, tendo adotado como procedimentos metodológicos a pesquisa bibliográfica, documental e nos principais estudos sobre turismo criativo no Brasil e no exterior. Foi utilizada ainda a pesquisa de campo, por meio da técnica da observação participante, a fim de entender melhor as relações entre o turista, os produtos do turismo criativo, e identificar as ações utilizadas em modelos cooperativos de políticas públicas de cultura e turismo (criativos e de governo).

Como meio de obtenção dos dados, um dos pesquisadores deste artigo participou do Grupo de Trabalho responsável pela criação do documento, o Plano de Turismo Criativo do Recife, participando das reuniões, dos eventos, do lançamento e, em 2019, na implementação das ações e na análise de conteúdo categorial para elaboração dos resultados.

A pergunta-chave para orientar as discussões e ideias durante esse processo foi: “Como o Recife pode se tornar um destino de referência em turismo criativo?”. Foram utilizadas técnicas de ideação para a captação de informações dos atores sociais, as quais foram catalogadas e hierarquizadas de forma a contemplar os vários setores envolvidos no plano.

Visando à identificação e ao conhecimento prévio das etapas que encaminharam o plano, foram realizados encontros responsáveis pela identificação das atividades necessárias para execuçãode cada etapa, pelo levantamento e pela identificação dos setores criativos da cidade, como tantas outras atividades descritas no Quadro 1.

Quadro 1
Encontros do GT de Turismo Criativo do Recife – junho a dezembro/2018

Após realizados os encontros relacionados à construção do plano, um dos autores deste artigo também participou de visitas técnicas e realizou atividades de monitoria no dia do lançamento do plano, que ocorreu em dezembro de 2018.

4 RESULTADOS

4.1 A cocriação do Plano de Turismo Criativo do Recife, PE

Recife, capital pernambucana, é reconhecido como um local propício a negócios, sendo considerado o maior parque tecnológico do Brasil, com o Porto Digital, criado no ano de 2000, localizado no bairro do Recife (conhecido popularmente como Recife Antigo, pois se trata de um dos bairros históricos do município), contemplando cerca de 300 empresase instituições dos setores de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), Economia Criativa (EC) e Tecnologias para Cidades. Além disso, são mais de 9.000 profissionais e uma movimentação financeira que, em 2017, faturou aproximadamente R$1,7 bilhão.

A presença da cultura em diversas linguagens (dança, música, artesanato, entre outros) é uma das características da cidade, que atraiu 2 milhões2 2 https://g1.globo.com/pe/pernambuco/carnaval/2020/noticia/2020/02/26/carnaval-do-recife-registra-publico-de-2-milhoes-de-pessoas-e-bate-recorde-diz-prefeitura.ghtml de pessoas nas festividades do carnaval do ano de 2020. Além do carnaval, são destaque os museus, parques, pontes, praças, casarios e edificios que são considerados patrimônios. Não obstante, o artesanato, a gastronomia, a religiosidade, as feiras livres e os mercados municipais, os ritmos culturais do maracatu, do caboclinho, do forró, da ciranda, do coco de roda, do brega e tantas outras manifestações tornam a cidade um arcabouço para a cultura.

Logo, com uma economia baseada em exportações/negócios, tecnologia, cultura e, nos últimos anos, a criatividade, em pouco tempo, o turismo, que desponta como atividade econômica crescente, passou a ser um aliado como estratégia de desenvolvimento local da cidade.

Envolvendo uma série de projetos e tendo forte influência das atividades do Porto Digital, o bairro do Recife Antigo passou por diversas transformações socioespaciais, sendo considerado um cluster criativo (MARQUES; BORBA, 2017MARQUES, Lenia; BORBA, Carla. Co-creating the city: digital technology and creative tourism. Tourism Management Perspectives, [s.l.], v. 24, n. 1, p. 86–93, 2017.). A economia criativa tem crescido e impactado cada vez mais as atividades e os projetos, sendo uma ferramenta utilizada por investidores e pelo poder público na cidade. Tudo isso, além de todo o contexto trazido anteriormente, trouxe à tona o turismo criativo para a cidade. A partir de então, começou-se a pensar em novas formas de se produzir o turismo:

Impulsionada por esse cenário favorável, a Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer do Recife resolveu levantar a bandeira do turismo criativo, uma nova maneira de fazer acontecer as experiências turísticas, com foco na inovação de processos e produtos, na integração de organismos inteligentes da cidade e no desenvolvimento das pessoas e do território. Através do turismo criativo, é possível desenhar contornos audaciosos e capazes de tornar a cidade um lugar mais vibrante e que proporcione um ambiente favorável ao empreendedorismo. (RECIFE, 2018, p. 14RECIFE (Cidade). Plano de Turismo Criativo (2019-2021). Recife, PE: PCR, 2018.).

A Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer do Recife, por meio de diversas ações, passou a integrar cada vez mais o turista no universo cultural e tecnológico da cidade. São exemplos disso os projetos: Recife Antigo de Coração; Viva Recife; Prêmio Recife Gerando Conhecimento; Ciclofaixa de Turismo e Lazer; e Recife Sagrado. Esses projetos foram se transformando, e, conforme a demanda por novas experiências, emergiram novos produtos e serviços turísticos e criativos, como o Festival REC’n’Play, o Espetáculo Boi Voador, o Recife Urbana Arte (R.U.A.) e experiências sensoriais 3D na praia de Boa Viagem.

Vale salientar que a iniciativa privada também teve um papel fundamental, desenvolvendo produtos inovadores, como bike tours e experiências de degustação em cervejarias, nas comunidades da Ilha de Deus e Bomba do Hemetério, sendo esses utilizados como exemplos para a implantação do turismo criativo.

Compreendendo cada vez mais os benefícios dessa nova modalidade e observando os casos de Porto Alegre e Brasília, o poder público deu início à construção do plano que durou cerca de seis meses e realizou onze encontros dos quais estavam reunidos representantes do poder público, privado, sistema S, setores criativos, sociedade civil e academia. Vale ressaltar a importância da Rede Nacional de Experiências e Turismo Criativo (RECRIA), na contribuição para o plano e na idealização do turismo criativo no Recife. Criada em 2017, a RECRIA surgiu por meiode profissionais da área do turismo e afins, que enxergaram, na Bomba do Hemetério e na Ilha de Deus, oportunidades de desenvolvimento local, com o potencial cultural e criativo.

À vista disso, com o objetivo de diversificar a oferta turística, desenvolver o território, fortalecer a imagem do Recife como cidade criativa, gerar empregos e renda, envolver cada vez mais o cidadão recifense, o turista e empreendedores, além de promover como fator essencial a cocriação, a hospitalidade, o encanto e a diversão, foram dados os primeiros passos(RECIFE, 2018RECIFE (Cidade). Plano de Turismo Criativo (2019-2021). Recife, PE: PCR, 2018.;RICHARDS, 2018aRICHARDS, Greg. Panorama of creative tourism around the world. [s.l.]: [s.n.], 2018a. p. 1–8. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329530470_Panorama_of_Creative_Tourism_Around_the_World_Panorama_do_turismo_criativo_no_mundo. Acesso em: 21 jun. 2021.
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; RICHARDS; MARQUES, 2012RICHARDS, Greg; MARQUES, Lenia.Exploring creative tourism: editors introduction. Journal of Tourism Consumption and Practices, Tilburg, v. 4, n. 2, p. 1–11, 2012.; FERREIRA, 2013FERREIRA, Ana Maria. O turismo como fator de regeneração e desenvolvimento de meios urbanos e rurais: do turismo cultural ao turismo criativo. In: COSTA, Carlos; BRANDÃO, Filipa; COSTA, Rui; BREDA, Zélia (Eds.). Turismo nos países lusófonos: conhecimentos, estratégia e territórios. Lisboa: Escolar Editora, 2013. p.85-99.). O plano destaca 7 passos até a sua publicação, inicialmente, com a formalização do grupo de trabalho (GT), que tinha representantes de várias áreas; em seguida, foram mapeados os principais setores criativos na cidade, os quais foram reunidos nos seguintes grupos: design e moda (47), grafte (23), artes plásticas (29), artesanato (31), cultura popular (10), música (53), teatro, dança e circo (13), festas e produção cultural (23), artes visuais (71), literatura e poesia (13), tecnologia (20), gastronomia (47), serviços turísticos do trade e of-trade (30) (RECIFE, 2018, p. 22RECIFE (Cidade). Plano de Turismo Criativo (2019-2021). Recife, PE: PCR, 2018.).

Identificados os grupos, é possível considerar a presença de indústrias culturais e criativas na cidade. Com base nisso, foram realizados,nas etapas posteriores, seminários, oficinas ideativas com esses grupos, consultas à sociedade e estudos do cenário atual do turismo da época no Brasil.

O plano passou por inúmeros debates e revisões, e, após sistematizarem-se os resultados, alinhados pelo GT responsável, foram construídos os eixos de atuação (Quadro 2), de forma que cada um destes trata de forma holística os aspectos do turismo criativo. Em seguida, os objetivos estratégicos direcionam as ações, que, de maneira mais concreta, descrevem quais as atividades necessárias para o ordenamento do turismo criativo, separadas conforme Quadro 2.

Quadro 2
Eixos norteadores, objetivos estratégicos e ações do Plano de Turismo Criativo do Recife

Pode-se observar que as ações apresentadas no Plano de Turismo Criativo do Recife fornecem subsídios para os resultados de mais de um eixo norteador, destacando a natureza transversal do documento. Logo, posteriormente à construção dos itens descritos acima, a primeira versão do plano foi colocada para validação da sociedade e dos demais envolvidos, sendo discutidos possíveis ajustes, e, em dezembro de 2018, aconteceu o último passo, o lançamento do plano, no Seminário Internacional de Turismo Criativo, promovido pela Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer do Recife, Empresa de Turismo de Pernambuco (EMPETUR) e pelo Sebrae-PE.

Dessa maneira, durante a construção do plano, o turismo criativo foi entendido de duas formas: a primeira é como segmento de mercado, que passou a ser a motivação da viagem dos indivíduos; a segunda é como processo criativo, aliado à execução de produtos e serviços, sejam eles de qualquer natureza (RECIFE, 2018RECIFE (Cidade). Plano de Turismo Criativo (2019-2021). Recife, PE: PCR, 2018.). Entretanto, independentemente do viés dado ao turismo criativo, é de consenso, no documento, que este é capaz de trazer inúmeros benefícios ao destino.

Para tanto, juntamente aos eixos norteadores e objetivos, deu-se início às ações ao fomento de produtos e serviços criativos, que corroboram a economia, as indústrias'e as cidades criativas (OECD, 2014ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT [OECD]. Tourism and the creative economy. Paris: OECD Studies on Tourism/OECD Publishing, 2014.). Os produtos e as atividades descritos a seguir envolvem métodos de cocriação, proporcionando experiências imersivas à cultura dos locais.

4.2 Os produtos do turismo criativo do Recife, PE

O primeiro produto criativo destacado é proveniente do bairro localizado na zona norte do Recife, chamado de Bomba do Hemetério. O bairro é tido como um polo cultural, devido à tradição dos festejos carnavalescos, às agremiações e atividades, que dão um aspecto singular ao lugar,o qual, antes da implementação do plano, já se constituía como um importante atrativo turístico.

O local oferece atrativos, roteiros e oficinas, adicionando o visitante ao cotidiano local (RICHARDS, 2018aRICHARDS, Greg. Panorama of creative tourism around the world. [s.l.]: [s.n.], 2018a. p. 1–8. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329530470_Panorama_of_Creative_Tourism_Around_the_World_Panorama_do_turismo_criativo_no_mundo. Acesso em: 21 jun. 2021.
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). Repleto de simbologias, história e tradição, a Bomba do Hemetério proporciona aos turistas vivências dos ritmos culturais do maracatu, do caboclinho, de sambas, troças, bois, reisados, afoxés e ursos. É possível experienciar cada um desses ritmos em oficinas de percussão e confecção, participando de desfiles ou tocando instrumentos musicais.

Outro produto vem da comunidade da Ilha de Deus, localizada no bairro da Imbiribeira.A ilha é cercada de manguezais banhados pelos rios recifenses, sendo possível conhecer a dinâmica singular em que vivem os moradores. Ela tem sua economia baseada na pesca e venda dos insumos obtidos do mangue, como camarões, caranguejos, siris e sururus; a partir disso, os moradores desenvolvem o comércio dos insumos, pratos gastronômicos, artesanato e turismo. O turismo surgiu na ilha por meioda Organização Não Governamental (ONG) Centro Saber Viver, que articulou a iniciativa do turismo criativo junto a agentes privados, como a RECRIA e o poder público do Recife.

Na Ilha de Deus, é possível adentrar ao dia a dia de pescadores, marisqueiras, artesãos e comerciantes. São oferecidas vivências por meio da ONG Saber Viver e de guias de turismo, como tours a pé na ilha, passeios de catamarã, plantar árvores ou se envolver com a culinária da chef Negralinda. Não obstante, é possível fazer voluntariado junto a ONG e, ainda, intercâmbio.

O turismo desenvolvido nas comunidades da Bomba do Hemetério e Ilha de Deus foi, inicialmente, o primeiros a adentrar no Plano de Turismo Criativo, tendo participação ativa das comunidades locais, passando por qualificações, a fim de estruturar e fortalecer a prática da atividade turística (RICHARDS; WILSON, 2007RICHARDS, Greg; WILSON, Julie. Tourism, creativity and development. London: Routiledge, 2007.).

Outro produto também incorporado ao Plano de Turismo Criativo é a La Ursa Tours, que começou a partir da iniciativa de alguns amigos apaixonados por passeios de bicicleta, história e cultura. São oferecidos roteiros que usam bicicletas compartilhadas para mostrar a cidade doRecife de uma forma diferente.

Além disso, foi também criado o roteiro “Recife dos Carnavais”, que promove um passeio por diversos locais, referenciando a cultura, a história e as excentricidades que simbolizam a identidade do recifense e do pernambucano. O turista ainda pode participar de declamações de poesias e canções de nomes como Naná Vasconcelos, Chico Science, Ascenso Ferreira, além de confecção de adereços e performances de frevo.

Ainda mais, os museus Cais do Sertão e Paço do Frevo têm buscado se reinventar e ofertar novas atividades, em consonância com o turismo criativo (RICHARDS, 2011RICHARDS, Greg. Cultural tourism trends in Europe: a context for the development of Cultural Routes. In: KHOVANOVA-RUBICONDO, Kseniya (Edit.). Impact of European Cultural Routes on SMEs’ innovation and competitiveness. Strasbourg: Council of Europe Publishing, 2011. p. 21–39.; 2018aRICHARDS, Greg. Panorama of creative tourism around the world. [s.l.]: [s.n.], 2018a. p. 1–8. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329530470_Panorama_of_Creative_Tourism_Around_the_World_Panorama_do_turismo_criativo_no_mundo. Acesso em: 21 jun. 2021.
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), como é o exemplo da “Imbalança: Os Sons do Matolão”, uma exposição no museu Cais do Sertão que reúne diversos instrumentos musicais ligados à cultura nordestina, sendo possível o visitante tocar cada um e fazer suas próprias melodias, experimentando ao mesmo tempo que aprende sobre a importância e o significado de cada peça exposta. Já no museu Paço do Frevo existe a vivência de dança “Vamos Cair no Passo”, repleta de interações proporcionadas aos visitantes, que,por meio do improviso, aprendem a dançar frevo ensinados pelos passistas.

A Secretaria de Turismo e Lazer do Recife, por meio do site Visit Recife (https://visit.recife. br/turismocriativo), disponibiliza todas as informações sobre o turismo criativo. É possível, ainda, baixar o plano e obter os dados técnicos dos atrativos e demais produtos e serviços ofertados.

Outras iniciativas e ações que merecem destaque são o Hackatur, evento que reuniu diversos segmentos da atividade turística local, para propor soluções criativas e ideias inovadoras para a cidade, como o Viva Recife 365 Dias, um projeto em e-book que tem como objetivo apresentar experiências para cada dia do ano. Por meio do material, que alia cultura, natureza, história, tradição e criatividade, são apresentadas atividades de todos os tipos, diversificando a oferta turística, promovendo atrativos e diminuindo a sazonalidade.

Para mais, foi ofertada a execução de um curso gratuito de qualificação em turismo criativo na modalidade EAD, com duas edições - a última contou com 1.311 alunos inscritos. Além disso, também foram realizadoseventos como o Seminário Internacional de Turismo Criativo, em 2018; a Mostra de Turismo Criativo,em 2019; e o II Seminário Internacional de Turismo Criativo, em 2020, que foi realizado em formato virtual, devido à crise sanitária da covid-19.

No que diz respeito à continuidade do plano de turismo criativo, também é papel da instância criada no plano seguir com o planejamento para um novo documento, cobrando dos envolvidos a participação e sucessão das iniciativas. Mesmo com a mudança de gestão, a Secretaria de Turismo e Lazer continua trabalhando para o desenvolvimento da atividade, tanto as ações anteriores continuam em execução, como estão sendo realizadas novas atividades, a exemplo da distribuição de placas criativasde sinalização em rotas turísticas importantes.

Por fim, uma das metas que teve êxito no plano e também merece destaque é o ingresso da cidade do Recife na Creative Tourism Network, sendo a segunda cidade brasileira a se juntar à rede. A Capital da Criatividade, como agora é chamada a cidade do Recife, concorre ainda ao titulo de Cidade Criativa da Unesco, na categoria Música. Diante de todo esse contexto, o plano vem apresentando impactos positivos, visto que a cidade tem sido reconhecida por entidades internacionais e, recentemente, foi integrada a um projeto do Ministério do Turismo, com o objetivo de transformá-la em um Destino Turístico Inteligente (DTI), unindo tecnologia e criatividade, o que, diferentemente de outros lugares, afora na cidade, com a presença do Porto Digital.

Logo, pode-se considerar que o turismo criativo passou a agregar mais valor aos atrativos da cidade, captando uma demanda de pessoas que buscam práticas que as insiram em atividades do cotidiano local. O turismo criativo no Recife apresenta uma evolução, as vivências proporcionadas pelos produtos e serviços destacados envolvem cada vez mais o turista e a população local, desenvolvendo uma relação de troca de experiências e cocriação, resultando em crescimento territorial, regenerando espaços e modelos de consumo cultural em defasagem e promovendo uma nova imagem ao destino e ao seu desenvolvimento local (RICHARDS, 2018aRICHARDS, Greg. Panorama of creative tourism around the world. [s.l.]: [s.n.], 2018a. p. 1–8. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/329530470_Panorama_of_Creative_Tourism_Around_the_World_Panorama_do_turismo_criativo_no_mundo. Acesso em: 21 jun. 2021.
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).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O turismo criativo tem se revelado uma tendência, surgindo no início do século XXI, amplamente difundido por diversos países, em agendas políticas, estudos e debates. Embora haja críticas ao uso da criatividade, das indústrias, da economia e do próprio turismo criativo, esses campos têm alcançado uma aceitação. No caso do turismo criativo, essa nova prática emergiu como uma ferramenta capaz de reinventar destinos em fases de declínio, com problemas sérios decorrentes do uso desenfreado dos recursos, e até desenvolver aqueles que ainda estão em fase de crescimento.

À vista disso, comunidades como as da Bomba do Hemetério e Ilha de Deus, noRecife, podem, com o desenvolvimento do turismo (mesmo que criativo), tornar a criatividade uma prática para o desenvolvimento local.

Em relação ao Plano de Turismo Criativo do Recife, merece observação a repetção dos termos “diferenciada” e “criativo/a” como maneira de executar as ações do plano.É importante levantar a questão de que o uso exacerbado da criatividade corre o risco de generalizá-la, levando a considerar que tudo é criativo e, ao mesmo tempo, nada se torna criativo. Entretanto, esses problemas podem ser evitados à medida que o Plano de Turismo Criativo do Recife prevê a formulação e criação de novos produtos e serviços, dinamizando a oferta, sem pressionar pontos específicos.

Outra questão relevante é a criação da Instância de Governança Municipal (Fórum) para o turismo criativo, que visa agregar mais representantes para monitorar os processos e resultados das ações, sendo de fulcral importância. Ainda mais, é papel da instância promover debates e discussões que levem em consideração a problemática sobre a longevidade da criatividade.

É importante ressaltar que a sinergia entre aspectos culturais, econômicos e sociais se torna fundamental para o desenvolvimento do destino, assim como a formulação de políticas públicas e trabalho conjunto da iniciativa privada, da sociedade civil e de demais interessados, seja para o turismo, seja para qualquer outra área.

Posto isso, a tecnologia passa a ser uma forte aliada no desenvolvimento territorial; no caso do Recife, esse fator fica mais explícito com a presença do Porto Digital, que toma um papel fundamental tanto no suporte das indústrias e classe criativas como no desenvolvimento de novas experiências e transformações espaciais.

Além disso, em um contexto de crise sanitária dada pela pandemia do coronavírus, mas que é prevista a retomada das atividades turísticas, modelos como o do turismo criativo podem ser uma ferramenta de atração para indivíduos que querem viver novas práticas em um momento pós-pandemia.

Sendo assim, o Plano de Turismo Criativo do Recife se revela como uma política pública e prática que trouxe impactos positivos ao destino, mas que deve ser observada com cuidado, pois pode vir a ser prejudicial, desde os métodos para sua construção,em que sepode destacar a horizontalidade e pluralidade, até a execução de ações.

Por essa razão, torna-se imprescindível prosseguir o trabalho feito pela instância municipal, dando continuidade às ações do plano. Por fim, o presente estudo pode demonstrar-se importante para outras pesquisas, uma vez que o plano de turismo criativo do Recife é um documento recente e não existem ainda tantos estudos acerca dos métodos utilizados na sua construção, nem análises sobre os seus impactos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2021
  • Revisado
    07 Mar 2022
  • Aceito
    01 Abr 2022
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