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Efeitos da segmentação regional nos salários dos trabalhadores do Nordeste e Sudeste do Brasil

Effects of regional segmentation on wages of workers in Northeast and Southeastern Brazil

Efectos de la segmentación regional en los salarios de los trabajadores del Nordeste y Sureste de Brasil

Resumo:

O objetivo deste estudo é analisar os efeitos das macrorregiões brasileiras, nordeste e sudeste, sobre os rendimentos dos trabalhadores, a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2005 e 2015. Os resultados mostram que, no Sudeste, os trabalhadores são mais escolarizados, brancos e mulheres, e as diferenças mais marcantes referem-se à cor da pele e ao nível de formalização. Os retornos salariais advindos da escolaridade, do sexo feminino, da cor da pele branca e de moradores da região urbana são menores para os trabalhadores do Nordeste. A abordagem contrafactual confirma a diferença salarial desfavorável ao Nordeste, decorrente dos atributos individuais e dos postos de trabalho, e dos atributos regionais, da dinâmica própria da localidade. Houve redução da diferença salarial entre as regiões no período, favorecida pela queda significativa do efeito das dotações, mas os fatores regionais aumentaram a sua contribuição para o diferencial salarial, superando os atributos produtivos, sendo essenciais na explicação da desigualdade salarial entre as regiões brasileiras. Esses resultados reforçam a centralidade das especificidades locais nas temáticas salariais no país.

Palavras-chave:
diferenças salariais; efeito regional; segmentação geográfica

Abstract:

The aim of this study is to analyze the effects of Brazilian macro-regions, Northeast and Southeast, on workers’ incomes, from the microdata of the PNADC of 2005 and 2015. The results show that, in the Southeast, workers are more educated, white and female, and the most marked differences refer to skin color and level of formalization. The wage returns arising from schooling, female, white skin color and residents of the urban region are lower for workers in the Northeast. The counterfactual approach confirms the unfavorable wage gap to the Northeast, resulting from individual attributes and jobs, and regional attributes, from the dynamics of the locality. There was a reduction in the wage gap between the regions in the period, favored by the significant decrease in the effect of appropriations but regional factors increased their contribution to the wage differential, surpassing the productive attributes, being essentials in explaining the wage inequality between Brazilian regions. These results reinforce the centrality of local specificities in wage issues in the country.

Keywords:
wage differences; regional effect; geographic segmentation

Resumen:

El objetivo de este estudio es analizar los efectos de las macrorregiones brasileñas, Nordeste y Sudeste, sobre los ingresos de los trabajadores, a partir de los microdatos del PNADC de 2005 y 2015. Los resultados muestran que, en el Sureste, los trabajadores son más educados, blancos y femeninos, y las diferencias más marcadas se refieren al color de la piel y al nivel de formalización. Los rendimientos salariales derivados de la escolaridad, del sexo femenino, del color de la piel blanca y de los residentes de la región urbana son más bajos para los trabajadores en el Noreste. El enfoque contrafáctico confirma la brecha salarial desfavorable hacia el Noreste, resultante de los atributos individuales y los empleos, y de los atributos regionales, de la dinámica de la propia localidad. Hubo una reducción en la brecha salarial entre las regiones en el período, favorecida por la disminución significativa en el efecto de las apropiaciones, pero los factores regionales aumentaron su contribución al diferencial salarial, superando los atributos productivos, siendo esencial para explicar la desigualdad salarial entre las regiones brasileñas. Estos resultados refuerzan la centralidad de las especificidades locales en las cuestiones salariales en el país.

Palabras clave:
diferencias salariales; efecto regional; segmentación geográfica

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é um país marcado pelos contrastes regionais, seja no âmbito natural, seja no âmbito cultural, social ou econômico. No contexto econômico brasileiro, não é recente a existência de disparidades na capacidade produtiva, no mercado de trabalho e na distribuição da renda e dos rendimentos, que continuam sendo fatos persistentes no país, apesar da maior integração e mobilidade da mão de obra nacional.

Reconhecem-se as diferenças econômico-sociais e de desenvolvimento local existentes no Brasil, particularmente as do Nordeste e Sudeste, duas das regiões do país mais populosas (cerca de 70% da população brasileira em 2005 e 2015) e díspares economicamente, marcadas por constituírem grande parcela do mercado de trabalho brasileiro. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2015), a população economicamente ativa no Nordeste representava 57,46% da população em idade ativa igual ou superior a 14 anos, e, no Sudeste, 64,04%. Além disso, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Microdados reponderados da PNAD. Rio de Janeiro: IBGE, 2016.), com base no PIB a preços correntes de 2014, das contas regionais, cinco dos dez estados mais pobres do país pertencem ao Nordeste, enquanto os três estados mais ricos do Brasil pertencem ao Sudeste.

Na perspectiva do mercado de trabalho, evidências científicas notificadas por Ribeiro e Neder (2006)RIBEIRO, Rosana; NEDER, Henrique. Desigualdade dos rendimentos do trabalho: estudo comparativo para as regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. Revista Análise Econômica, Porto Alegre, v. 24, n. 45, p. 265–85, mar. 2006. confirmaram a existência de desigualdade de rendimentos do trabalho para o Nordeste e Sudeste do Brasil dos anos de 1995 e 2003. Para Fontes (2006)FONTES, Gustavo G. Atributos urbanos e diferenciais regionais de salário no Brasil, 1991 e 2000. 2006. 104 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte., a diferença salarial existente entre indivíduos com características pessoais e produtivas similares tende a ser atribuída à sua inserção em regiões do país com diferentes níveis de desenvolvimento. Nessa mesma linha, Menezes, Carrera-Fernandez e Dedecca (2005)MENEZES FILHO, Wilson.; CARRERA-FERNANDEZ, José; DEDECCA, Cláudio. Diferenciações regionais de rendimentos do trabalho: uma análise das regiões metropolitanas. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 271–96, abr./jun.2005. e Melo (2009)MELO, Luzia Maria Cavalcante. Determinantes dos diferenciais de rendimentos do trabalho: uma abordagem hierárquica para os Estados brasileiros. Revista Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, [s.l.], v. 3, n. 1, p. 68–84, 2009. evidenciaram as características locais nos rendimentos dos trabalhadores entre os estados brasileiros e entre as Regiões Metropolitanas de São Paulo e Salvador. Freitas (2008)FREITAS, Urandi Roberto Paiva. Diferenciais de rendimentos do trabalho entre as regiões metropolitanas de Salvador e de Porto Alegre: uma avaliação empírica baseada nos procedimentos de Heckman e de Oaxaca. 2008. 84 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. o fez para a Região Metropolitana de Salvador (RMS) e a de Porto Alegre (RMPA), e Staduto e Maldaner (2010)STADUTO, Jefferson Andronio Ramundo; MALDANER, Iandra de Souza. Dispersão do rendimento do trabalho entre as regiões metropolitana e não metropolitana do Estado do Paraná. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 451–76, dez. 2010. encontraram a importância do efeito do retorno regional para a Região Metropolitana e não Metropolitana de Curitiba. Guimarães e Silva (2015)GUIMARÃES, Carla R. F. F.; SILVA, Joaquim R. Diferenciais de salário no setor turístico do nordeste do Brasil: uma análise comparativa com as regiões brasileiras. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 46, n. 2, p. 173–91, abr./jun., 2015., Silva (2015)SILVA, Vitor Hugo M. C. Ensaios sobre desigualdade e diferenciais de rendimentos do trabalho no Brasil. 2015. Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, 2015. e Mantovani, Shikida e Gomes (2022)MANTOVANI, Gabriela G.; SHIKIDA, Pery. F. A.; GOMES, Magno R. Diferenças salariais e o impacto da segmentação regional: um estudo para os trabalhadores na cultura de cana-de-açúcar no período de 2012 e 2019. Revista de Economia e Sociologia Rural, [s.l.], v. 60, n. 1, p. 1–24, 2022., mais recentemente, colaboraram empiricamente com a temática e realçaram os impactos da segmentação geográfica nos salários dos trabalhadores no Brasil.

Na literatura teórica, há explicações para o diferencial salarial brasileiro, seja pela desigualdade de capital humano, seja pela discriminação salarial e pela segmentação do mercado de trabalho baseada na localização espacial em que o indivíduo está inserido. De posse da literatura prévia teórica e empírica, esta pesquisa testa a hipótese da segmentação regional nos salários dos trabalhadores no Brasil. Para isso, utiliza os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que foi descontinuada em 2016, mas que oferece dados comparáveis entre os anos de 2005 e 2015.

Diante disso, este trabalho visa analisar empiricamente a desigualdade salarial decorrente da segmentação regional no Nordeste e Sudeste do Brasil, em 2005 e 2015. A metodologia adotada incorpora a análise descritiva da população ocupada no Nordeste e Sudeste do Brasil e a determinação salarial, que mensura os fatores que influenciam os salários dos trabalhadores nas duas regiões estudadas. A decomposição salarial contrafactual de Oaxaca-Blinder é, em seguida, efetuada para distinguir a parcela da diferença salarial causada pelas características individuais do trabalhador e/ou do posto de trabalho e outra parcela decorrente da macrorregião em que o trabalhador está ocupado. Esta última refere-se, especificamente, ao efeito da segmentação regional nos salários dos trabalhadores das regiões Nordeste e Sudeste.

Este artigo está organizado em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda aborda as teorias econômicas das diferenças salariais e as evidências empíricas das desigualdades regionais e salariais existentes no Brasil. A terceira refere-se à base de dados e à metodologia utilizada, e na quarta é desenvolvida a interpretação dos resultados. Ao final, estão expostas as considerações finais.

2 DESIGUALDADES SALARIAIS E A ABORDAGEM REGIONAL: UMA REVISÃO DA LITERATURA

A teoria econômica das desigualdades salariais dispõe sobre o capital humano e defende que o crescimento dos rendimentos do trabalhador se deve ao seu esforço em melhorar suas capacidades técnicas, conhecimentos e produtividade (MINCER, 1958MINCER, Jacob. Investment in human capital and personal income distribution. Journal of Political Economy, Chicago, v. 66, n. 4, p. 281–302, 1958.; SCHULTZ, 1961SCHULTZ, T., W. Investment in human capital. American Economic Review, v. 51, n., p. 1–17, mar. 1961.; BECKER, 1975BECKER, Gary. S. Human capital: a theoretical and empirical analysis with special reference to education. 2 ed. New York: National Bureau of Economic Research, 1975.). Por outro lado, de acordo com a teoria da discriminação econômica, haverá discriminação do mercado de trabalho se mantidas as características produtivas dos trabalhadores idênticas, e os indivíduos forem tratados diferentemente em razão dos grupos demográficos a que pertencem, sejam de gênero, sejam de raça, idioma, condição econômica e social ou religião (EHRENBERG; SMITH, 2000EHRENBERG, Ronald G.; SMITH, Robert S. A moderna economia do trabalho. 5. ed. São Paulo: Makron Books, 2000.).

Outra abordagem teórica relevante é a da segmentação do mercado de trabalho. Esta admite que pode haver barreiras à mobilidade, e estas não são reflexos apenas de níveis de educação e habilidades do trabalhador, mas também pelas características pessoais que determinam o tipo de mercado em que serão alocados (DOERINGER; PIORE, 1970DOERINGER, Peter; PIORE, Michael. Internal labor markets and manpower analysis. Lexington, Mass: Heat, 1970.), pelas características da demanda de mão de obra, pela estruturas produtivas e de mercado em que a empresa está inserida, pela existência de diferentes classes sociais e pelo dualismo tecnológico originado do sistema capitalista (LIMA, 1980LIMA, Ricardo. Mercado de trabalho: o capital humano e a teoria da segmentação. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 217–72, abr. 1980.). O desenvolvimento desigual da estrutura industrial e o processo histórico de desenvolvimento desigual também são fatores determinantes das diferenças salariais (CAMARGO; SERRANO, 1983CAMARGO, José Márcio; SERRANO, Franklin. Os dois mercados: homens e mulheres na indústria brasileira. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 37, n. 4, p. 445–48, out./dez. 1983.).

No Brasil, os componentes históricos das desigualdades regionais, particularmente no Nordeste e Sudeste, tem sua gênese na formação econômica produtiva e de mão de obra distinta das regiões do país, desfavorável à região Nordeste. À medida que o desenvolvimento industrial se sucedia à prosperidade cafeeira, acentuava-se a tendência de concentração regional da renda, do emprego e dos rendimentos do trabalho no Sudeste (MENEZES-FILHO; CARREIRA-FERNANDEZ; DEDECCA, 2006MEZENES-FILHO, Naércio; MARCONDES, Renato L.; PAZELLO, Elaine T.; SCORZAFAVE, Luiz G. Instituições e diferenças de renda entre os estados brasileiros: uma análise histórica. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 34., 2006, Salvador. Anais [...]. Salvador: ANPEC, 2006.; FURTADO, 2007FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.; ARAÚJO; LIMA, 2010ARAÚJO, Tarciso P.; LIMA, Roberto A. Aspectos estruturais do mercado de trabalho em contexto recente da economia brasileira: contraponto Nordeste-Sudeste. In: MORETTO, Amilton (Org.). Economia, desenvolvimento regional e mercado de trabalho do Brasil. Fortaleza: Instituto de Desenvolvimento do Trabalho; Banco do Nordeste do Brasil, 2010.).

Ao lado das desigualdades históricas das economias regionais, as características evidentes no mercado de trabalho brasileiro são a existência de dispersão salarial e as suas especificidades locais. Na década de 1980, Savedoff (1990)SAVEDOFF, William D. Os diferenciais regionais de salários no Brasil: segmentação versus dinamismo da demanda. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 521-56, dez. 1990. afirmou que o custo de vida e a composição da força de trabalho explicavam apenas parte da variação dos rendimentos regionais, pois a persistência da desigualdade se devia à existência de segmentação regional e às externalidades de cada região. Coelho e Corseuil (2002)COELHO, Alexandro Mori; CORSEUIL, Carlos Henrique. Diferenciais salariais no Brasil: um breve panorama. Rio de Janeiro: IPEA, ago. 2002. apontaram que regiões mais prósperas, níveis educacionais mais elevados e trabalhadores sindicalizados tendem a receber maiores salários, e Menezes e Azzoni (2006)MENEZES, Tatiane A.; AZZONI, Carlos R. Convergência de salários entre as regiões metropolitanas brasileiras: custo de vida e aspectos de demanda e oferta de trabalho. Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v. 36, n. 3, p. 449–70, dez. 2006., com dados da PNAD de 1981 a 2003, concluíram que, mesmo controlando fatores de capital humano, há interferência das questões regionais nos salários.

O estudo de Melo (2009)MELO, Luzia Maria Cavalcante. Determinantes dos diferenciais de rendimentos do trabalho: uma abordagem hierárquica para os Estados brasileiros. Revista Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, [s.l.], v. 3, n. 1, p. 68–84, 2009. para as unidades da Federação, com dados da PNAD de 2006, afirma que tanto as características individuais quanto as características do local em que o trabalhador está inserido têm efeitos sobre as diferenças de rendimentos dos trabalhadores. Fontes (2006)FONTES, Gustavo G. Atributos urbanos e diferenciais regionais de salário no Brasil, 1991 e 2000. 2006. 104 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte., por sua vez, verificou que indivíduos com características pessoais e produtivas similares tendem a apresentar desigualdade salarial significativa se alocadas em municípios com diferentes níveis de desenvolvimento, refletindo as vantagens e desvantagens da localidade. As regiões brasileiras mais desenvolvidas atraem mais investimentos produtivos por apresentarem melhores atributos locacionais, reforçando a concentração espacial, maior qualidade da mão de obra e maiores salários. Os resultados, com base nos dados do censo demográfico para os anos de 1991 e 2000, mostraram que os salários nos municípios paulistas são, em média, superiores aos das demais regiões do país, exceto o Distrito Federal, e os salários nos municípios nordestinos são os mais baixos dentre os municípios brasileiros.

Na dimensão das regiões metropolitanas, Menezes, Carrera-Fernandez e Dedecca (2005)MENEZES FILHO, Wilson.; CARRERA-FERNANDEZ, José; DEDECCA, Cláudio. Diferenciações regionais de rendimentos do trabalho: uma análise das regiões metropolitanas. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 271–96, abr./jun.2005., a partir dos dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), confirmaram que os trabalhadores da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) auferem maiores remunerações em relação aos da RM de Salvador, seja do ponto de vista dos atributos produtivos, por possuírem relativamente mais atributos valorizados pelo mercado, seja do ponto de vista dos atributos locais do espaço econômico, devido à maior concentração econômica e aglomeração de atividades econômicas naquela região. Freitas (2008)FREITAS, Urandi Roberto Paiva. Diferenciais de rendimentos do trabalho entre as regiões metropolitanas de Salvador e de Porto Alegre: uma avaliação empírica baseada nos procedimentos de Heckman e de Oaxaca. 2008. 84 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. analisou o diferencial de rendimentos do trabalho e o efeito da regionalização entre a Região Metropolitana de Salvador (RMS) e a de Porto Alegre (RMPA), com dados da PED de 2006. O efeito da regionalização superou, em todas as categorias de análise, o efeito dos atributos produtivos, favoráveis a Porto Alegre, sendo predominante para explicar os diferenciais salariais entre ambas as Regiões Metropolitanas.

Staduto e Maldaner (2010)STADUTO, Jefferson Andronio Ramundo; MALDANER, Iandra de Souza. Dispersão do rendimento do trabalho entre as regiões metropolitana e não metropolitana do Estado do Paraná. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 451–76, dez. 2010. verificaram a dispersão regional dos rendimentos do trabalho principal na área urbana da Região Metropolitana de Curitiba e na Região Não Metropolitana do Estado do Paraná, para o ano de 2005, e concluíram que os trabalhadores da Região Metropolitana têm rendimentos médios do trabalho principal mais elevados. As características produtivas dos trabalhadores foram responsáveis por 34,5% da dispersão entre as duas regiões, e o efeito retorno regional relacionado com o mercado de trabalho local contribuiu com 65,5% da dispersão salarial. O efeito regional revela a importância da estrutura de mercado local, pois envolve variáveis de difícil mensuração, como cultura organizacional das empresas, densidade sindical, dentre outros.

Ponte e Machado (2011)PONTE, Jully Nascimento; MACHADO, Danielle Carusi. Os diferenciais de salário no Brasil: 1998 e 2008. [s.l.]: CEDE, jul. 2011. identificaram a segmentação geográfica no Brasil, pela análise dos diferenciais de salários dos ocupados após o controle pelas características pessoais e do trabalho dos indivíduos, a partir dos dados da PNAD nas maiores metrópoles brasileiras, entre 1998 e 2008. Características do trabalhador, do emprego e o custo de vida explicam os diferenciais, mas apenas em parte, sendo que os principais aspectos são o perfil regional e de desenvolvimento.

Do ponto de vista das macrorregiões brasileiras, Ribeiro e Neder (2006)RIBEIRO, Rosana; NEDER, Henrique. Desigualdade dos rendimentos do trabalho: estudo comparativo para as regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. Revista Análise Econômica, Porto Alegre, v. 24, n. 45, p. 265–85, mar. 2006. estudaram a desigualdade de rendimentos do trabalho para o Nordeste e Sudeste do Brasil nos anos de 1995 e 2003, com os dados da PNAD. Encontraram que as variáveis que mais explicaram o diferencial de rendimentos do trabalho foram anos de estudos, posição na ocupação, idade e gênero, e que, ao se comparar algumas macrorregiões, como Nordeste e Sudeste, essa desigualdade se agrava. Saboia e Kubrusly (2008)SABOIA, João; KUBRUSLY, Lucia. Diferenciais regionais e setoriais na indústria brasileira. Economia Aplicada, Ribeirão Preto, v. 12, n. 1, p. 125–49, jan./mar. 2008., com informações da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2005, constataram uma grande concentração regional do emprego, sendo mais da metade alocada na região Sudeste. A remuneração média é mais baixa no Nordeste e mais alta no Sudeste, e, além disso, os trabalhadores no Sudeste participam mais em ocupações técnicas e científicas do que os do Nordeste.

Fontes, Simões e Oliveira (2006)FONTES, Gustavo G.; SIMÕES, Rodrigo F.; OLIVEIRA, Ana Maria Hermeto C. Diferenciais regionais de salário no Brasil, 1991 e 2000: uma aplicação dos modelos hierárquicos. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 34., 2006, Salvador. Anais [...]. Salvador: ANPEC, Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia, 2006. identificaram a importância da dotação de capital humano, da filiação setorial dos trabalhadores e a escala urbana na determinação dos salários das cidades médias e regiões metropolitanas brasileiras, para os anos censitários de 1991 e 2000. Há persistência de disparidades no rendimento médio do trabalho de indivíduos com similares características pessoais observáveis, porém residentes em centros urbanos inseridos nas diferentes regiões brasileiras.

Pinho Neto, Barreto e Feijó (2012)PINHO NETO, Valdemar Rodrigues; BARRETO, Flavio Ataliba Flexa Daltro; FEIJÓ, Janaína Rodrigues. Mudanças no mercado de trabalho e o papel da educação da queda da desigualdade salarial nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 40., 2012, Porto de Galinhas. Anais [...]. Porto de Galinhas: ANPEC, 2012. constataram, por meio dos dados da PNAD, que houve queda da desigualdade de rendimento em 2001 e 2008 nas macrorregiões Nordeste e Sudeste, e o principal responsável por mais de 40% desse desempenho foi o fator educacional. Por meio da decomposição de rendimento, os resultados mostram que em ambas as regiões brasileiras analisadas há imperfeições no mercado de trabalho, porém não se mostraram com grande relevância na explicação da desigualdade dos rendimentos.

Silva (2015)SILVA, Vitor Hugo M. C. Ensaios sobre desigualdade e diferenciais de rendimentos do trabalho no Brasil. 2015. Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, 2015. aplicou o método de decomposição com base em regressões RIF, para calcular as diferenças ao longo das distribuições de salários das regiões Nordeste e Sudeste. As diferenças em termos de características individuais explicam em grande medida o diferencial de rendimentos entre as regiões analisadas, assim como os fatores institucionais relacionados à formalização e às diferenças na estrutura salarial entre as regiões. Guimarães e Silva (2015)GUIMARÃES, Carla R. F. F.; SILVA, Joaquim R. Diferenciais de salário no setor turístico do nordeste do Brasil: uma análise comparativa com as regiões brasileiras. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 46, n. 2, p. 173–91, abr./jun., 2015., pela decomposição de Oaxaca-Blinder, afirmaram a segmentação geográfica para os rendimentos dos trabalhadores do setor turístico do Nordeste versus outras regiões do Brasil, pois o fato de o trabalhador desse setor pertencer ao Nordeste é o principal responsável pelo seu hiato salarial. A segmentação regional foi confirmada, mais recentemente, por Mantovani, Shikida e Gomes (2022)MANTOVANI, Gabriela G.; SHIKIDA, Pery. F. A.; GOMES, Magno R. Diferenças salariais e o impacto da segmentação regional: um estudo para os trabalhadores na cultura de cana-de-açúcar no período de 2012 e 2019. Revista de Economia e Sociologia Rural, [s.l.], v. 60, n. 1, p. 1–24, 2022. como a grande responsável pelas desigualdades salariais dos trabalhadores da cultura de cana-de-açúcar, nas regiões Norte-Nordeste e Centro-Sul do Brasil, em 2012 e 2019. O uso dos dados da PNAD Contínua e as decomposições salariais autorizaram essas evidências.

Esses estudos empíricos já realizados permitem perceber a desigualdade salarial regional brasileira e que, além das características individuais das pessoas, as características do local em que o trabalhador está inserido também influenciam o rendimento. Esta pesquisa pretendeu contribuir para a compreensão desses fatos, com os dados mais recentes da PNAD que permitem comparações com 2005, além de identificar a magnitude do fator regional como causa das desigualdades salariais brasileiras, especialmente entre o Nordeste e Sudeste do país.

BASE DE DADOS E METODOLOGIA

3.1 Base de dados e definição das variáveis

Neste trabalho, foram utilizados os microdados da PNAD de 2005 e 2015. A PNAD foi descontinuada em 2016. Para o ano de 2005, a amostra nordestina utilizada é de 18.812.404 pessoas; a do Sudeste, de 34.574.544 pessoas; e do Brasil, 76.713.564 pessoas ocupadas. Para o ano de 2015, a amostra nordestina utilizada é de 21.146.621 pessoas; a do Sudeste, 39.271.608 pessoas; e do Brasil, 88.370.557 pessoas ocupadas, com idade igual ou superior a 14 anos, que tiveram remuneração no trabalho principal.

Foram retirados da amostra os indivíduos considerados como indígenas, amarelos e não declarados, por apresentarem baixa representatividade, e os trabalhadores na produção para o próprio consumo e o trabalhador na construção para o próprio uso, não remunerado ou sem declaração. O salário de 2005 foi corrigido com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado de 1º de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2015.

3.2 Decomposição contrafactual salarial

Inicialmente, estimou-se a equação salarial para o Brasil, Nordeste e Sudeste, para ambos os anos, cujas variáveis estão descritas na equação exposta a seguir:

(1) Ln ( W hi ) = β 0 + C H i β + C i n a t i ε + S e t i θ + O c u p i γ + X i δ + u i

Sendo Ln (Whi) o logaritmo do salário-hora dos trabalhadores; CHi, as variáveis que compõem o capital humano, anos de estudo e experiência (diferença entre a idade do trabalhador e a idade em que começou a trabalhar); Cinati, as variáveis inatas de cada indivíduo, dummies para gênero (Mulher e Homem) e cor (Brancos e Não Brancos − pretos e pardos); Seti, as variáveis dummies para os setores de atividade: Indústria, Comércio, Serviços e Agrícola; Ocupi as dummies para as ocupações de cada indivíduo: Dirigentes, Profissionais das Ciências e das Artes (PCAs), Técnicos e Operacionais; e o vetor Xi, formado pelas variáveis dummies referentes à formalidade (trabalho formal = empregado com carteira, militar, funcionário público estatutário, trabalhador doméstico com carteira e os indivíduos que se declararam empregadores ou ocupados por conta própria que contribuem para o instituto de previdência; e trabalho informal = outros empregados sem carteira, empregados sem declaração de carteira, trabalhador doméstico sem carteira, trabalhador doméstico sem declaração de carteira e indivíduos que se declararam empregadores ou ocupados por conta própria que não contribuem para o instituto de previdência) e à região de moradia (Região Urbana e Região Rural).

Para o cálculo das diferenças salariais existentes, utilizou-se o método de decomposição salarial desenvolvido por Oaxaca (1973)OAXACA, Ronald. Male-Female wage differentials in urban labor markets. International Economic Review, [s.l.], v. 14, n. 3, p.693–709, out. 1973. e Blinder (1973)BLINDER, Alan. S. Wage discrimination: reduced form and structural estimates. The Journal of Human Resources, Madison, v. 8, n. 4, p. 436–55, 1973.. A partir de uma equação minceriana, os autores constroem a seguinte decomposição:

(2) ( Y ¯ S Y ¯ N ) = β j S ( X ¯ j S X ¯ j N ) p a r t e e x p l i c a d a + ( β 0 S β 0 N ) + X ¯ j N ( β j S β j N ) p a r t e n ã o e x p l i c a d a

Sendo a parte explicada referente às características produtivas e a parte não explicada à proxy da segmentação geográfica entre as macrorregiões Nordeste e Sudeste, ou seja, fatores associados às especificidades locais.

A escolha aleatória das variáveis a serem omitidas dos conjuntos de variáveis categóricas utilizadas nas equações de determinação salarial favorece o problema de identificação, isto é, a invariância da constante. Desta forma, utilizou-se o processo de normalização de Yun (2003)YUN, M. A Simple Solution to the Identification Problem in Detailed Wage Decompositions. Economic Inquiry, v. 43, n.4, p. 766-72, 2005..

4 FATORES REGIONAIS E DIFERENÇAS SALARIAIS NO NORDESTE E SUDESTE DO BRASIL: RESULTADOS E INTERPRETAÇÃO

4.1 Análise descritiva da população ocupada − Brasil, Nordeste e Sudeste

Os resultados obtidos na Tabela 1 referem-se às características da população ocupada para as regiões Nordeste e Sudeste. Os dados do Brasil são mensurados para melhor elucidação. Para ambos os anos, a idade média e a experiência dos trabalhadores ocupados do Sudeste são superiores às do Nordeste e à média nacional. Os ocupados no Nordeste têm menores anos de estudo, apesar do aumento significativo na média dos anos de estudo da população ocupada.

Tabela 1
Estatística descritiva da população ocupada do Brasil, Nordeste e Sudeste, 2005–2015

No Sudeste, os brancos são predominantes, enquanto no Nordeste a maioria dos ocupados são não brancos, com aumento dos ocupados não brancos no mercado de trabalho nas duas regiões. A maior parte dos trabalhadores ocupados são homens, com mais elevada participação feminina no mercado de trabalho do Sudeste e aumento da participação das mulheres ocupadas nos recortes regionais analisados. Há um declínio no número médio de filhos nas regiões, porém mais elevado no Nordeste, e, nele, a participação dos chefes de família é superior aos da região, em ambos os anos.

Apesar do aumento de formalização no período, no Nordeste a maioria dos trabalhadores ocupados é classificada como informais, e no Sudeste a maior parcela é de trabalhadores formais. No que se refere ao salário médio mensal, a diferença entre as macrorregiões é alarmante e verifica-se aumento dessa diferença de salários no período: o salário do Sudeste passou de 47,60% superior ao do Nordeste para 74,09%. O salário-hora também apresenta discrepância significativa e superior no Sudeste do país.

De acordo com a Tabela 2, os brancos recebem melhor remuneração do seu trabalho comparados com os não brancos (preto e pardo). Independentemente da etnia do trabalhador ocupado, aqueles inseridos na macrorregião Nordeste recebem menos que os inseridos no Sudeste, apesar de essa diferença salarial ser menos acentuada entre os pardos. É evidente a superioridade do salário-hora dos homens em relação ao das mulheres, apesar de essa diferença ser menos pronunciada no Nordeste e do aumento dessa diferença no período, sinalizando a persistência das diferenças de ganhos entre gêneros.

Tabela 2
Salário-hora real médio dos trabalhadores ocupados por etnia e gênero no Brasil, Nordeste e Sudeste, 2005–2015

Em ambos os anos, os setores de comércio e serviços absorvem cerca de 60% dos trabalhadores nas regiões pesquisadas (Gráfico 1). Há uma redução da participação dos trabalhadores no setor agrícola e na indústria da transformação, e um aumento no setor da indústria da construção civil e de serviços.

Gráfico 1
Participação (%) dos trabalhadores ocupados por setor econômico no Brasil, Nordeste e Sudeste, 2005–2015

O setor de serviços tem maior remuneração por hora (Tabela 3); entretanto, o percentual de ocupados do Nordeste, neste setor econômico, é inferior ao do Sudeste. O Nordeste dispõe da participação de trabalhadores no setor agrícola superior à do Sudeste, porém é o setor com menor remuneração.

Tabela 3
Salário-hora real médio dos trabalhadores ocupados por setor econômico no Brasil, Nordeste e Sudeste, 2005–2015

A participação dos dirigentes, profissionais das ciências e das artes, técnicos de nível médio e trabalhadores de serviços no Sudeste é superior à do Nordeste (Gráfico 2). Já os trabalhadores do comércio e operacionais têm maior participação no Nordeste. Há um aumento da participação dos profissionais das ciências e das artes e dos trabalhadores de serviços administrativos, e redução da participação dos dirigentes, técnicos de nível médio e trabalhadores operacionais nos recortes regionais analisados.

Gráfico 2
Participação (%) dos trabalhadores ocupados por grupos ocupacionais no Brasil, Nordeste e Sudeste, 2005–2015

Os melhores salários-hora são pagos aos dirigentes, profissionais das ciências e das artes e técnicos de nível médio, muito embora tenham as menores participações de trabalhadores, ainda mais baixas no Nordeste (Tabela 4).

Tabela 4
Salário-hora real médio dos trabalhadores por ocupação, no Brasil, Nordeste e Sudeste, 2005–2015

4.2 Determinantes dos salários no Nordeste e Sudeste do Brasil

Os resultados das equações de rendimentos estimadas para o Nordeste e Sudeste do Brasil, em 2005 e 2015, estão expostos na Tabela 5. Os valores dos coeficientes das equações de salários são interpretados como o ganho percentual do salário-hora do indivíduo ao acrescentar uma unidade da variável contínua referida como anos de estudo e experiência, ou por pertencer a uma categoria em análise, como cor, gênero, área censitária, forma de inserção, setor econômico e grupo ocupacional. Testes econométricos confirmam a robustez do modelo.

Tabela 5
Equações de salários para o Nordeste e Sudeste, 2005–2015

Em 2005, a cada ano adicional de estudo, o salário-hora aumenta 6,90% no Nordeste e 7,53% no Sudeste. Em 2015, há um declínio nesse acréscimo percentual, indicando que, apesar de muito próximas, a remuneração por um ano adicional de estudo no Nordeste ainda é inferior ao Sudeste. Em 2005, para cada ano adicional de experiência, o salário-hora aumenta 2,54% no Nordeste e 3,30% no Sudeste. Já em 2015, ocorre uma redução nesse acréscimo salarial: o salário-hora no Nordeste aumenta em 2,27%, sendo superior ao aumento no Sudeste (2,24%). Em ambos os anos, a variável experiência ao quadrado das duas localidades está condizente com a teoria econômica, pois o sinal negativo indica que o ganho percentual tem retornos decrescentes. Em suma, há um indicativo de que a influência do capital humano sobre os retornos salariais se reduziu entre 2005 e 2015.

No ano de 2005, no Nordeste, as mulheres recebem 25,26% a menos que os homens, e, no Sudeste, 23,20%. Em 2015, constata-se uma redução desta desigualdade, pois, no Nordeste, as mulheres recebem 24,82% a menos que os homens, e, no Sudeste, 22,80%, mas a desigualdade é persistente e superior na macrorregião nordestina. Quanto à etnia, em 2005, no Nordeste, os salários-hora dos brancos é 8,69% superior aos dos não brancos, e, no Sudeste, é 16,02%. Em 2015, esse diferencial de rendimentos por etnia apresenta declínio no Sudeste (11,96%), enquanto no Nordeste esse diferencial aponta um aumento. Deste modo, indo ao encontro dos achados de Campante, Crespo e Leite (2004), as diferenças salariais por etnia no Sudeste são superiores às do Nordeste, e os autores salientam a importância da observação macrorregional, se o assunto é discriminação racial no país.

Em relação à forma de inserção no mercado de trabalho, os indivíduos formais ganham maior recompensa salarial nas duas localidades analisadas. Em 2005, no Nordeste, os formais recebem 57,10% a mais que os informais; no Sudeste, os formais recebem 27,42% a mais que os informais. Em 2015, há redução dessa diferença salarial: no Nordeste, os formais recebem 38,49% a mais que os informais; no Sudeste, 15,41%. Ou seja, apesar da redução, as diferenças salariais entre os formais e informais no Nordeste são maiores do que entre os trabalhadores do Sudeste.

A diferença salarial entre os setores econômicos é maior no Nordeste do que no Sudeste. Para o ano de 2005, verifica-se que, no Nordeste, os trabalhadores da indústria recebem 18,74%; os do comércio, 25,92%; e os dos serviços, 34,05% a mais que o setor agrícola. No Sudeste, os salários-hora dos trabalhadores da indústria é 20,97% superior ao do setor agrícola, enquanto do comércio é 12,03% e do setor de serviços 20,97% maior. Em 2015, ocorre um aumento do diferencial de salários entre os setores econômicos no Nordeste, e declínio no Sudeste.

Os resultados das ocupações apontam significativa diferença salarial. Em 2005, no Nordeste, os dirigentes e os profissionais das ciências e das artes recebem mais do que o dobro do salário-hora dos operacionais (129,27% e 107,81%, respectivamente), e o salário-hora dos técnicos de nível médio é 51,54% maior que o dos operacionais. No Sudeste, os dirigentes têm um salário-hora 98,86% superior ao dos trabalhadores operacionais, o dos profissionais das ciências e das artes é mais que o dobro (102,05%), e os técnicos de nível médio, 46,29%. Para o ano de 2015, há redução nas diferenças salariais entre os grupos ocupacionais nas regiões analisadas, mas as diferenças salariais entre os grupos ocupacionais no Nordeste são superiores ao Sudeste.

Além disso, no Nordeste e Sudeste, o salário-hora dos trabalhadores da região urbana é, respectivamente, 11,00% e 16,00% superior ao dos trabalhadores da região rural. Em 2015, estas diferenças entre os salários dos trabalhadores urbanos e rurais sinalizaram aumento. A diferença do salário-hora entre os trabalhadores urbanos e rurais é maior no Sudeste (21,64%) do que no Nordeste (16,82%). Ou seja, na região Sudeste, há maior diferença de remuneração entre os trabalhadores rurais e urbanos do que na região Nordeste.

4.3 Decomposição das diferenças salariais regionais e o efeito regional

A decomposição salarial apresenta as diferenças salariais dos trabalhadores em duas partes: a parte explicada mostra o impacto percentual do salário dos trabalhadores nordestinos (grupo em desvantagem) caso apresentassem características selecionadas neste estudo idênticas às dos trabalhadores da região Sudeste (grupo em vantagem). A parte não explicada está relacionada ao efeito da região em que o trabalhador está inserido nos salários dos trabalhadores (existência de uma segmentação regional).

A Tabela 6 apresenta os resultados da decomposição salarial entre os trabalhadores da macrorregião Nordeste e Sudeste, em 2005 e 2015. Em 2005, a diferença salarial total entre os trabalhadores do Nordeste (grupo em desvantagem) e o Sudeste atinge 96,58%. E, no ano de 2015, há redução deste diferencial, isto é, para igualar o salário-hora do trabalhador do Nordeste ao do Sudeste, o salário-hora do trabalhador nordestino deve ser acrescido em 76,28%.

Tabela 6
Decomposição de Oaxaca-Blinder para diferença de rendimentos salariais entre as macrorregiões Nordeste e Sudeste, em 2005 e 2015

Em 2005, da diferença total de salários, 50,80% são explicados pelas características produtivas e não produtivas dos trabalhadores e outras relacionadas aos postos de trabalho, e 49,20%, pelo efeito regional. Em 2015, a diferença salarial captada pela parte explicada corresponde a 40,13%, e a parte não explicada, 59,87%; ou seja, houve redução da parte explicada (favorecida principalmente pelos aspectos produtivos) e pequeno aumento da segmentação regional na explicação das diferenças salariais no período, que superou os outros fatores estudados na explicação do diferencial salarial entre as macrorregiões retratadas.

Considerando-se que os trabalhadores residentes no Nordeste do país tivessem as mesmas características dos trabalhadores da região Sudeste (aspectos produtivos, cor da pele, gênero, forma de inserção, ocupação, setor e área censitária), os salários dos trabalhadores nordestinos aumentariam 40,97% em 2005 e 25,54% em 2015. Este efeito advém, principalmente, dos fatores produtivos mais favoráveis na região Sudeste. Na ausência da segmentação regional, os salários dos trabalhadores do Nordeste observariam um impacto positivo de 39,45% em 2005 e 40,41% em 2015, sendo que esta diferença é explicada pelos perfis das regiões nas quais o trabalhador está ocupado (Gráfico 3).

Gráfico 3
Impacto percentual da segmentação geográfica entre Nordeste e Sudeste nos salários, 2005 e 2015

Os resultados obtidos confirmam o previsto pela teoria da segmentação regional e se assemelham à grande parte da literatura relacionada ao tema. Regiões mais prósperas, com maior nível educacional e melhores atributos locacionais, apresentam salários superiores comparados com regiões menos desenvolvidas. Ademais, os fatores locais associados à estrutura de mercado local, à cultura organizacional das empresas e outros, citados pelos pesquisadores, podem superar as características do trabalhador e explicar as disparidades macrorregionais salariais.

5 CONCLUSÕES

Este trabalho investigou a fonte regional das desigualdades de salários entre as macrorregiões Nordeste e Sudeste do Brasil nos anos de 2005 e 2015. De modo geral, o trabalhador do Sudeste é mais escolarizado e urbano, branco, mulher, em relação ao Nordeste, com diferenças mais marcantes em relação à cor da pele branca e à forma de inserção formal no mercado de trabalho. Apesar da melhoria salarial nas duas regiões no período, os trabalhadores do Nordeste recebem rendimentos inferiores. O setor de serviços e as ocupações relacionadas aos dirigentes, PCAs e técnicos de nível médio são os que apresentam melhor remuneração, porém a participação dos trabalhadores do Nordeste nessas ocupações é menor do que no Sudeste.

De maneira geral, em ambas as regiões, houve redução dos retornos salariais decorrentes do capital humano, do gênero, da forma de inserção no mercado de trabalho, das ocupações, exceto a área censitária. Os setores econômicos e a cor da pele no Sudeste também reduziram seus retornos salariais, enquanto, no Nordeste, os retornos salariais dessas mesmas variáveis aumentaram.

A decomposição salarial contrafactual confirmou que os trabalhadores da região Sudeste recebem maiores salários comparados com os da região Nordeste, seja decorrente das dotações individuais, por possuírem relativamente mais atributos valorizados pelo mercado, seja pelos atributos regionais. Desta forma, os resultados desta pesquisa são consistentes com a teoria da segmentação, já que apenas as características individuais e dos postos de trabalho não foram suficientes para explicar as diferenças de rendimentos entre as regiões.

Ainda, de 2005 para 2015, houve redução da diferença total salarial entre os trabalhadores do Nordeste e do Sudeste. As características produtivas, não produtivas e dos postos de trabalho reduziram suas participações na explicação da dispersão salarial entre as regiões, enquanto os fatores locais aumentaram sua contribuição para tal explicação. Os diferenciais de salários existentes no Brasil são, em grande parte, consequências da organização econômica regional e perfis de desenvolvimento local, pelos quais a dinâmica própria da localidade tem fator preponderante nas desigualdades de rendimentos dos trabalhadores.

Portanto, assim como apontado por outros autores, as características da localidade têm efeitos sobre os diferenciais de salários existentes; regiões mais desenvolvidas, por apresentarem maiores vantagens regionais, atraem maiores investimentos, maior qualidade de mão de obra e salários mais elevados. Isso é observado entre as regiões Nordeste e Sudeste, em que, no ano recente da pesquisa, o efeito da segmentação regional superou o efeito dos atributos produtivos, sendo predominante para explicação do diferencial salarial entre as regiões.

Enfim, este estudo reforça a centralidade dos aspectos regionais e sua evolução no mercado de trabalho brasileiro, a partir dos dados mais recentes e comparáveis com a PNAD, referente a meados dos anos 2000, e permite subsidiar as execuções de ações para a redução das desigualdades econômicas salariais e regionais no país.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2021
  • Revisado
    13 Fev 2022
  • Aceito
    07 Mar 2022
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