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Modelização de agroecossistemas como ferramenta de comunicação em ambientes de montanha no Brasil e na Argentina

Modelization of agroecosystems as a communication tool in mountain environments in Brazil and Argentina

Modelización de agroecosistemas como herramienta de comunicación en ambientes de montaña en Brasil y Argentina

Resumo

O presente artigo avalia metodologia de modelização como instrumento comunicativo para trabalhar de forma sistêmica a percepção de agricultores familiares sobre as potencialidades e fragilidades, ecológica e produtiva, de seus agroecossistemas, fundamentado na análise de sistemas de produção de base agroecológica e convencional desenvolvidos em ambientes de montanha. Parte-se de caracterização geral do contexto ambiental e produtivo local para, em seguida, com base em levantamento participativo com famílias agricultoras, estabelecer a modelização de quatro agroecossistemas, sendo dois no Brasil e dois na Argentina. A modelização possibilitou analisar o contexto socioprodutivo das famílias agricultoras em ambientes montanos nos dois países, a partir dos fluxos econômicos e ecológicos em seus agroecossistemas, identificando oportunidades e restrições, em suas unidades de produção, para a inserção de práticas agroecológicas associadas às estratégias de reprodução econômica, construídas historicamente no contexto sociocultural local, tendo por base análise das relações entre as variáveis determinantes para as decisões estratégicas adotadas. A metodologia de análise de agroecossistemas representa instrumento importante para diálogos, pesquisas e ações para o desenvolvimento rural sustentável de regiões de montanha e contribui com subsídios para políticas públicas, bem como para a elaboração e implantação de projetos sociais e ambientais com foco na agroecologia e agricultura familiar.

Palavras-chave
enfoque sistêmico; sustentabilidade; sistemas de produção

Abstract

The present article assesses modeling methodology, as a communicative tool to systematically work on the perception of family farmers about the ecological and productive potentialities and weaknesses of their agroecosystems, based on the analysis of production systems with an agroecological and conventional basis developed in mountain environments It starts with a general characterization of the local environmental and productive context, and then, based on a participatory survey with farming families, establish the modeling of four agroecosystems, with two in Brazil and two in Argentina. Modeling made it possible to analyze the socio-productive context of farming families in montane environments in both countries, from the economic and ecological flows in their agroecosystems, identifying opportunities and restrictions, in their production units, for the insertion of agroecological practices associated with strategies of economic reproduction, historically constructed in the local sociocultural context, having as a base the analysis of the relationship between the determining variables for the adopted strategical decisions. The agroecosystems analysis methodology represents an important instrument for dialogues, researches, and actions for the sustainable rural development of mountain regions, and contributes with subsidies for public policies, as well as the elaboration and implementation of social and environmental projects with a focus on family farming and agroecology.

Keywords
systemic focus; sustainability; production systems

Resumen

Este artículo evalúa la metodología de modelización, como herramienta comunicativa para trabajar de manera sistemática la percepción de agricultores familiares sobre las potencialidades y debilidades ecológicas y productivas de sus agroecosistemas, a partir del análisis de sistemas de producción con base agroecológica y convencional desarrollados en ambientes de montaña. Se parte de una caracterización general del contexto ambiental y productivo local, para luego, a partir de una encuesta participativa con familias campesinas, establecer la modelización de cuatro agroecosistemas, dos en Brasil y dos em Argentina. La modelización permitió analizar el contexto socioproductivo de las familias campesinas en ambientes montañosos en ambos países, a partir de los flujos económicos y ecológicos en sus agroecosistemas, identificando oportunidades y restricciones, en sus unidades de producción para la inserción de prácticas agroecológicas asociadas a estrategias de reproducción económica, históricamente construido en el contexto sociocultural local, a partir de un análisis de las relaciones entre las variables determinantes de las decisiones estratégicas adoptadas. La metodología de análisis de agroecosistemas representa una importante herramienta de diálogo, investigación y acciones para el desarrollo rural sostenible de las regiones montañosas, y contribuye con subsidios para políticas públicas, así como para la elaboración e implementación de proyectos socioambientales enfocados en agroecología y agricultura familiar.

Palabras clave
enfoque sistémico; sustentabilidad; sistemas de producción

1 INTRODUÇÃO

Instrumentos que descrevam experiências de base agroecológica podem fornecer indicativos tecnológicos para ações produtivas de base sustentável, em diversos ambientes. Para tanto, elaborar modelos representa instrumento metodológico importante para o entendimento da complexidade de um objeto ao produzirem uma representação simplificada de suas propriedades. Constitui-se em importante ferramenta para uma melhor visualização do complexo informacional envolvido na gestão econômica e técnica de unidades de produção.

De acordo com Petersen et al. (2017)PETERSEN, P.; SILVEIRA, L. M.; FERNANDES, G. B.; ALMEIDA, S. G. Método de análise econômico-ecológica de agroecossistemas. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2017. 246 p., a modelização de agroecossistemas possibilita passar de um rol de informações genéricas e dispersas sobre estes, para uma estrutura conceitual em que as informações são condensadas e ordenadas de forma coerente. Como são, por natureza, parciais e simplificadores, modelos devem ser permanentemente aprimorados e com base na verificação de novos aspectos acerca da estrutura, do funcionamento e da evolução dos agroecossistemas, o que coaduna com a avaliação de processos de transição agroecológica.

Agroecossistemas são compostos por propriedades biofísicas e socioeconômicas, nas quais são encontrados os atores ativos responsáveis pelas suas composições. O ambiente determina a presença de cada componente, no tempo e espaço, arranjados de forma a processar inputs (insumos), utilizados em um espaço produtivo, e produzir outputs (produtos). O agroecossistema é definido por Altieri (2002)ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. São Paulo: Expressão Popular; AS-PTA, 2002. 400 p. como uma unidade ecológica principal, a qual contém componentes abióticos e bióticos interdependentes e interativos, por intermédio dos quais se processam os ciclos de nutrientes e fluxo de energia.

A ocupação agrícola, em qualquer ambiente, impacta a dinâmica ecológica local, principalmente em espaços montanos, com suas inerentes fragilidades, em que a gestão ambiental se impõe como necessidade mais efetiva. Assim, para a promoção de processos de desenvolvimento sustentável em ambientes de montanha, é necessário um olhar sistêmico que perceba tanto a atividade agrícola articulada com outras não agrícolas como as pessoas que as promovem e o modelo que escolhem para isso (AUN; ASSIS, 2020AUN, N. J.; ASSIS, R. L. Redes rurais e agricultura orgânica: estratégia para o desenvolvimento territorial endógeno em ambientes de montanha. Boletín de Estudios Geográficos, Mendoza, v. 113, p. 91–109, 2020. Disponível em: http://revistas.uncu.edu.ar/ojs3/index.php/beg/article/view/3864/2800. Acesso em: 14 set. 2020.
http://revistas.uncu.edu.ar/ojs3/index.p...
).

O presente trabalho buscou avaliar a metodologia de modelização de agroecossistemas como instrumento comunicativo para trabalhar de forma sistêmica a percepção de agricultores familiares montanos sobre as potencialidades e fragilidades, ecológica e produtiva, de seus agroecossistemas, e assim apoiar a promoção de processos de transição agroecológica em ambientes de montanha. Isso foi realizado junto a sistemas de produção montanos, de base agroecológica e convencional, no Brasil e na Argentina.

2 METODOLOGIA

Inicialmente, para melhor embasar a análise comparada das realidades estudadas e do potencial das estratégias de economia familiar sistematizadas, buscou-se estabelecer uma caracterização geral do contexto ambiental e produtivo local a partir de revisão bibliográfica.

Em seguida, para a modelização de agroecossistemas, utilizou-se o método “Análise Sistêmica de Agroecossistemas” (PETERSEN et al., 2017PETERSEN, P.; SILVEIRA, L. M.; FERNANDES, G. B.; ALMEIDA, S. G. Método de análise econômico-ecológica de agroecossistemas. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2017. 246 p.), o qual parte do levantamento participativo com famílias agricultoras pré-selecionadas e atores-chave de organizações no território onde as famílias estavam inseridas. O método busca construir conhecimentos em etapas sucessivas de levantamento e análise de informações e dados, sobre o funcionamento econômico e ecológico dos agroecossistemas analisados. Parte-se do geral ao específico, para que diferentes variáveis sejam identificadas, qualificadas, quantificadas e analisadas.

Utilizaram-se diagramas de fluxos para registro e ordenamento de informações e dados levantados em campo com os membros de cada núcleo social de gestão de agroecossistema (NSGA), para facilitar a comunicação entre técnicos e agricultores sobre o complexo de informações envolvido na organização dos agroecossistemas e suas relações com o exterior.

O método foi aplicado em quatro NSGA em ambientes de montanha, dois no município de Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro (Brasil), e dois no município de Alpa Corral, na província de Córdoba (Argentina). A coleta de dados ocorreu no período de 13/11/2017 a 18/11/2017, na Argentina; e no período de 24/07/2018 a 27/07/2018, no Brasil.

Para cada NSGA, foi realizada a identificação dos fluxos econômico e ecológico, conforme proposto por Petersen et al. (2017)PETERSEN, P.; SILVEIRA, L. M.; FERNANDES, G. B.; ALMEIDA, S. G. Método de análise econômico-ecológica de agroecossistemas. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2017. 246 p., e à forma como eles se estruturavam e se integravam na realidade empírica analisada, utilizando-se, para isso, uma representação espacial dos agroecossistemas, construída de forma participativa com as famílias agricultoras, de forma a situá-las em relação aos processos de apropriação, circulação, transformação, consumo e excreção dos bens econômicos e ecológicos, com o auxílio de modelos que descrevessem os fluxos metabólicos dos agroecossistemas. E, no momento das visitas aos agroecossistemas, as análises realizadas foram debatidas e quantificadas em conjunto com os membros dos NSGA, para que elementos-chave citados por Petersen et al. (2017)PETERSEN, P.; SILVEIRA, L. M.; FERNANDES, G. B.; ALMEIDA, S. G. Método de análise econômico-ecológica de agroecossistemas. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2017. 246 p. pudessem ser analisados, os quais foram: relações sociais estabelecidas entre NSGA e comunidade na organização do trabalho; beneficiamento e comercialização, no acesso a bens da natureza e novos conhecimentos; gestão coletiva e mobilização de poupanças comunitárias por meio de reciprocidade; e incidência de políticas públicas na estrutura e no funcionamento dos agroecossistemas.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 O contexto dos ambientes de montanha analisados

Os ambientes de montanha de Nova Friburgo (Brasil)

O município de Nova Friburgo localiza-se na Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, no contexto da Serra dos Órgãos, trecho mais alto da Serra do Mar, cadeia de montanhas que se estende na faixa próxima ao litoral desde o sul do Brasil até o sudeste, no território fluminense. Nova Friburgo apresenta altitudes de 180 a 2.366 metros, sendo esta no Pico Maior, que faz parte do conjunto de montanhas denominadas Três Picos e constitui o ponto culminante da Serra do Mar. O município caracteriza-se por uma agricultura predominantemente familiar, conduzida em pequenas unidades de produção. As condições dos ambientes de montanha locais possibilitou o desenvolvimento de unidades de produção hortaliças durante todo ano. Isso se faz possível em função das características que o clima local, tropical de altitude, proporciona a esses ambientes (NETTO; ASSIS; AQUINO, 2016NETTO, A. L.; ASSIS, R. L.; AQUINO, A. M. Análise de políticas públicas do plano de manejo do Parque Estadual dos Três Picos: estudo de caso em sua zona de amortecimento em Campo do Coelho, Nova Friburgo (RJ). Revista Brasileira de Agroecologia, Porto Alegre, v. 11, 2016, p. 216–25.).

O relevo local sempre dificultou deslocamentos e restringiu as áreas de produção a porções mais planas e de meia encosta. Não por acaso, verifica-se hoje que a região agrícola de Nova Friburgo está no contexto de ambientes de montanha com alto grau de conservação da Mata Atlântica e em que a agrobiodiversidade é uma característica consolidada e contribui para uma maior eficiência da atividade agrícola. Porém, essa característica ocorre no contexto de unidades de se caracterizam, predominantemente, pela constante movimentação de solo e intensa utilização de agroquímicos (GRISEL; ASSIS, 2020GRISEL, P. N.; ASSIS, R. L. Condicionantes agroeconômicos para adoção de práticas sustentáveis em ambientes de montanha em Nova Friburgo (RJ). Nativa, Sinop, v. 8, n. 5, p. 687-97, 2020. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/nativa/article/view/10012. Acessoem: 13 jan. 2021.
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).

Os ambientes de montanha de Alpa Corral (Argentina)

O município produção que de Alpa Corral, cuja sede está a 900 metros de altitude, situa-se no distrito de San Bartolomé, no departamento de Río Cuarto, na parte sul da província de Córdoba, na região central da Argentina. A região caracteriza-se por ambientes de montanha das Serras Cordobesas. Alpa Corral é reconhecida por paisagem de rios com praias de areias claras e águas cristalinas e ambiente montanhoso de prados, florestas nativas e formações rochosas (MUNICIPALIDAD DE ALPA CORRAL, 2019MUNICIPALIDAD DE ALPA CORRAL. Alpa Corral – el lugar de tu aventura, 2019. Disponível em: http://alpacorral.gov.ar/turismo/. Acesso em: 14 jul. 2020.
http://alpacorral.gov.ar/turismo/...
). A altitude condiciona o clima subtropical de altitude que, em conjunto com as características geomorfológicas e litológicas, determinam o tipo de vegetação natural local, porém não devem ser subestimadas as modificações fisionômicas e estruturais na paisagem determinadas por fatores antrópicos (SUÁREZ; VISCHI, 1997SUÁREZ, S.; VISCHI, N. Caracterización fisonómico-estructural de vegetación serrana (Alpa Corral-Córdoba-Argentina). Multequina, Mendoza, v. 6, 1997, p. 21–32. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/428/42800604.pdf. Acesso em: 18 jun. 2020.
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). A região caracteriza-se historicamente pela presença de pequenos pecuaristas com características camponesas, dedicados à criação de bovinos e ovinos. Verifica-se também na região a produção de mel, flores, morango, framboesa, doces e ervas aromáticas e medicinais, vendidos localmente, principalmente para turistas.

3.2 A prática do método

Agroecossistema convencional em Alpa Corral, Argentina – NSGA 1

Em unidade de produção com cerca de 500 ha, em Alpa Corral, visitou-se família composta por homem e mulher de 40 anos e filha com menos de 18 anos, que não participava da produção. O casal não se percebia como agricultores, e sim como produtores de gado, na perspectiva da figura do gaúcho do Pampa Latino-Americano, sujeito cunhado na lida com o gado, que, nas diversas tarefas que a envolvem, constrói seu ofício (FERRARO, 2018FERRARO, E. H. Ser ou não ser gaúcho? A perspectiva do sujeito campeiro contemporâneo no Pampa Latinoamericano. 2018. 288 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/191704/PASO0465-T.pdf?sequence=−1&isAllowed=y. Acesso em: 26 nov. 2021.
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/ha...
).

Com relação às observações acerca das dinâmicas sociais produtivas, identificou-se que ocorria a contratação de pessoas externas à unidade de produção para realização de serviços específicos, especialmente recuperação de cercas, plantios, colheitas e outras atividades que demandavam o uso de maquinário. Verificou-se que a unidade de produção era de propriedade da mãe do marido, que, apesar de ter três irmãos, residia no local com sua família, de forma exclusiva, e o gerenciava com sua esposa, o que demandava reservar parte do lucro para a mãe dele, visando ao pagamento do aluguel da terra.

Verificou-se que a esposa tinha origem urbana e que sua participação nas atividades produtivas estava restrita ao quintal de casa, com horta e pomar; ela também desenvolvia atividade fora da unidade de produção, como professora de Matemática em escola na área urbana de Alpa Corral. Por sua vez, o marido, que era formado em Agronomia, dava continuidade ao vínculo familiar, com a produção pecuária local, que remontava a 1850.

Inicialmente vinculada à ovinocultura em pastagens naturais, a partir de 1950, a unidade de produção passou a ter a bovinocultura de corte como atividade principal, iniciando o plantio de pastagens artificiais e produção forrageira com cultivos de milho (Zea mays) no período de primavera-verão e aveia (Avena sativa) no outono-inverno. Nessa época, iniciaram também pequena produção voltada para o mercado de trigo (Triticum sp.) no outono-inverno. A partir de 1996, ampliaram a produção de grãos com o cultivo de 40 ha de soja (Glycine max) na primaveraverão, mantendo o cultivo de trigo (Triticum sp.) no outono-inverno.

Na área que utilizavam para a produção animal (120 ha), em 2008, incluíram o cultivo de alfafa (Medicago sativa) e, em 2014, o cultivo de sorgo (Sorghum bicolor). Assim, a gestão produtiva de forragens passou a ter o cultivo de alfafa (Medicago sativa) e aveia (Avena sativa) no período de outono-inverno, em sequência cultural que na primavera-verão incluía áreas em pousio ou o cultivo de sorgo (Sorghum bicolor) e milho (Zea mays).

Tinham hábito de manter sementes próprias e intercambiar esses materiais com vizinhos, normalmente a partir de relações de compra e venda. Porém, devido à necessidade de utilizar tratamento químico no solo em 2015, quando tiveram dificuldades com a gestão produtiva, em razão de chuvas intensas e concentradas, perderam a maior parte dessa base genética. Passaram, então, a utilizar sementes do comércio local, incluindo materiais de soja transgênica.

A baixa diversidade do sistema restringia as possibilidades de mercado, vinculando as possibilidades de retorno econômico à venda de gado bovino, soja (Glycine max) e trigo (Triticum sp.), bem como a receitas financeiras com o arrendamento de parte da área para outros produtores de soja (Glycine max). Além disso, o NSGA1 tinha grande dependência de serviços contratados e insumos externos, como combustível, adubos minerais, herbicidas, sementes, medicamentos e suplementos nutricionais para o gado. Por outro lado, mantinha relação com produtores vizinhos, no processo de compra e venda de animais: bezerros, touros, vacas e animais para abate, porém eles relataram que consideravam utopia conseguir desenvolver com sucesso trabalhos coletivos. A Figura 1 ilustra a linha do tempo do NSGA1, a qual indica que a introdução de inovações, como o cultivo de alfafa (Medicago sativa) (2008), a divisão das áreas de pastagem em piquetes (2011) e o cultivo de sorgo (Sorghum bicolor) (2014), foi importante para melhorar o índice de produtividade da unidade de produção. Por fim, verificou-se que questões externas relativas ao quadro político argentino comprometeram a estabilidade econômica do NSGA1, que, apesar de ter seus fluxos em sua maioria concentrados no território, apresentava grande dependência de fatores externos (Figura 2).

Figura 1
Linha do tempo do NSGA1 – período de 2004 a 2017

Figura 2
Diagrama de fluxo do NSGA1

A aquisição de sementes e animais ocorria com base em sistema de contrato, em que parte da renda da produção era destinada a pagar os fornecedores. Até o ano de 2015, fabricavam doces, mas abandonaram essa prática por não terem uma produção constante e diversificada de frutas. Indicaram ter interesse em reverter esse quadro como forma de obterem maior estabilidade econômica, incluindo no agroecossistema a produção de hortaliças, galinhas, coelhos, fruteiras e outras iniciativas de produção adequadas e identificadas com os ambientes de montanha locais. Porém, relataram dificuldade para introduzir inovações produtivas, ressaltando como empecilho a tradição local vinculada à pecuária de corte, atrelada à relação de dependência com aquisição de sementes e animais por sistema de contrato. E, além disso, percebeu-se que o avanço de relações de produção concentradas, com desequilíbrio de forças a favor de grandes corporações vinculadas à expansão de grandes áreas de cultivos de soja e milho transgênicos no Pampa argentino (ERNESTO; VERÓN, 2017ERNESTO, I. M.; VERÓN, J. Políticas públicas para el sector agropecuario argentino y sus consecuencias sobre la conservación de la Pampa. In: WIZNIEWSKY, C. R. F.; FOLETO E. M. (Ed.). Olhares sobre o Pampa: um território em disputa. Porto Alegre: Evangraf, 2017. p. 24–45. Disponível em: https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/538/2019/01/Livro-Pronto-Olhares-sobre-o-pampa-2.pdf. Acesso em: 10 out. 2021.
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), constituía grande dificuldade para o NSGA1, posto que não se diferenciava a ponto de se desvincular do modelo de integração comercial agroexportador predominante na região.

Agroecossistema agroecológico em Alpa Corral, Argentina – NSGA 2

Visitou-se uma segunda unidade de produção no contexto dos ambientes de montanha de Alpa Corral, que nesse caso apresentava experiência com agricultura orgânica, conduzida desde 2010, por um casal sem filhos, em uma chácara agroecológica, com perfil neorrural que, assim como descrevem Orria e Luise (2017)ORRIA, B.; LUISE, V. Innovation in rural development: “neorural” farmers branding local quality of food and territory. Italian Journal of Planning Practice, Roma, v. 7, n. 1, 2017, p. 125–53. Disponível em: http://www.ijpp.it/index.php/it/article/view/71 Acesso em: 10 out. 2021.
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, de forma diferenciada, articulava valores, práticas produtivas, relações com o mercado, desde uma maior qualidade dos alimentos associada a recursos culturais e ambientais locais. Isso em 34 ha, sendo 13 ha com área produtiva conduzida com a mão de obra do casal, que contratava serviços externos apenas para manutenção de veículo de transporte e equipamentos agrícolas.

Assim como no primeiro núcleo analisado, no NSGA2, a esposa também era professora de Matemática, só que em escola na área rural de Alpa Corral. Além disso, também contribuía para o agroecossistema predominantemente como responsável pelas atividades referentes à horta (hortaliças e plantas aromáticas), fabricação de doces e envasamento de mel. A tomada de decisões e gerenciamento da unidade produtiva era compartilhada por ela e o marido. Como ele era técnico em Agroecologia, tinha a função de coordenação das diretrizes agroecológicas, que incluíam o manejo fitossanitário preventivo.

O marido tinha dedicação exclusiva à unidade de produção, atuando predominantemente na atividade de bovinocultura de corte e fruticultura. Para isso, além de pastagens artificiais, mantinha produção de forragens com o cultivo de aveia (Avena sativa) no período de outonoinverno e de milho (Zea mays) e sorgo (Sorghum bicolor) na primavera-verão. As sementes de milho (Zea mays) utilizadas eram colhidas na unidade de produção a partir da seleção de plantas mais adaptadas, enquanto as sementes de aveia (Avena sativa) e de sorgo (Sorghum bicolor) eram adquiridas no comércio local, insumos estes que, juntamente ao combustível e a produtos veterinários, representavam as principais demandas externas.

Em 2002, com o apoio de empréstimo familiar para adquirir a unidade de produção e iniciar a implantação e o manejo do agroecossistema, começaram as atividades produtivas com apicultura e, no ano seguinte, com olericultura e bovinocultura. Encontraram grande diversidade de espécies para a pastagem de abelhas, com destaque para espécie local de algaroba (Prosopis chilensis), também utilizada para alimentação animal. Em 2004, abriram um poço com 60 m de profundidade, que proporcionou disponibilidade regular de água para os animais, mas não para os cultivos vegetais, em razão de ela ser salobra. E, em 2005, comercializaram os primeiros animais para abate e iniciaram cultivo de fruteiras: pêssego (Prunus persica), maçã (Malus domestica), seriguela (Spondias purpúrea), pera (Pyrus communis), marmelo (Cydonia oblonga), figo (Ficus carica) e morango (Fragaria sp.). Em 2006, integraram-se a grupo de agricultores que se reunia mensalmente para troca de saberes, com integrantes da parte sul da província de Córdoba, sendo cinco com unidades produtivas em ambientes de montanha da região. Contavam, nesse processo coletivo, com o apoio da Universidad Nacional de Río Cuarto (UNRC) e do Instituto Nacional de Tecnologia da Argentina (INTA), no contexto do programa Cambio Rural (CR), que possibilitou a aquisição de trator e implementos.

O empréstimo familiar que possibilitou a implantação do agroecossistema foi pago no ano de 2009, enquanto, no ano de 2012, iniciaram a produção de doces para venda no mercado local, e o marido assumiu a coordenação do grupo de agricultores agroecológicos citado anteriormente. No mesmo ano, compraram mais animais, visando aumentar e melhorar a qualidade do rebanho. Em 2015, começaram a vender produtos em uma feira, em Alpa Corral: ervas aromáticas para chás medicinais cultivadas e nativas, mel, frutas, doces e excedentes da produção de hortaliças. Esta estratégia apoiou-se, desde então, na grande diversidade na unidade de produção de espécies nativas associadas a conhecimentos locais de uso medicinal. Os chás produzidos a partir dessas ervas eram considerados típicos e associados à identidade social dos ambientes de montanha de Alpa Corral. Representavam produto agroalimentar típico com características bioculturais, que costumavam ser mencionadas no âmbito turístico e eram frequentemente buscadas pelos visitantes dessa localidade. Os produtos comercializados, apesar de não passarem por processo formal de avaliação da conformidade da produção orgânica, eram vendidos com marca própria e identificados como agroecológicos; nesse caso, a garantia era assegurada pela relação direta do NSGA2 com os consumidores.

Continuaram a participar ativamente do grupo de agricultores agroecológicos, mas o coletivo decidiu, em 2017, desvincular-se do programa Cambio Rural, devido às mudanças na condução deste no contexto da agenda neoliberal do governo nacional. Na Figura 3, referente à linha do tempo, e na Figura 4, referente aos fluxos observados no NSGA2, é possível verificar a preocupação, desde o início, com a busca pela sustentabilidade do agroecossistema, típica do perfil neorrural (ORRIA; LUISE, 2017ORRIA, B.; LUISE, V. Innovation in rural development: “neorural” farmers branding local quality of food and territory. Italian Journal of Planning Practice, Roma, v. 7, n. 1, 2017, p. 125–53. Disponível em: http://www.ijpp.it/index.php/it/article/view/71 Acesso em: 10 out. 2021.
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) identificado. Assim, diferentemente do NSGA anterior, este conseguia estabelecer estratégias produtivas e de relação com os mercados que o distanciavam do modelo de integração comercial agroexportador predominante na região (ERNESTO; VERÓN, 2017ERNESTO, I. M.; VERÓN, J. Políticas públicas para el sector agropecuario argentino y sus consecuencias sobre la conservación de la Pampa. In: WIZNIEWSKY, C. R. F.; FOLETO E. M. (Ed.). Olhares sobre o Pampa: um território em disputa. Porto Alegre: Evangraf, 2017. p. 24–45. Disponível em: https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/538/2019/01/Livro-Pronto-Olhares-sobre-o-pampa-2.pdf. Acesso em: 10 out. 2021.
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).

Figura 3
Linha do Tempo do NSGA2 – período de 2002 a 2017

Figura 4
Diagrama de fluxos de NSGA2

Destacam-se duas estratégias gerais: uma referente à preocupação constante de busca por inovações adequadas à realidade local, apoiada pela troca de saberes com outros produtores, no grupo de agricultores agroecológicos, com o apoio de instituições com atuação no território: UNRC e INTA; outra referente ao estabelecimento de um agroecossistema baseado na produção diversificada e integrada, em que, por exemplo, o esterco bovino, proveniente da criação dos animais, fosse utilizado na produção vegetal, que, com sua diversidade, favorecia a apicultura, a qual, por sua vez, aumentava a polinização e assim contribuía para a produção frutícola. Percebe-se ainda que a busca pela sustentabilidade no NSGA2 era também fortalecida por outras estratégias mais específicas como cadeia curta de comercialização (feira local), agregação de valor (doces) e produtos identificados com os ambientes de montanha locais (ervas medicinais). Essa busca, por sua vez, tinha como pontos fracos a demanda por insumos externos: sementes, combustível e produtos veterinários.

Agroecossistema convencional em Nova Friburgo, Brasil – NSGA 3

O NSGA3 administrava unidade de produção no município de Nova Friburgo, RJ, com 3,5 ha, sendo 2,5 ha utilizados para atividade produtiva do agroecossistema, totalmente dedicada à olericultura. O núcleo era composto pela família responsável pela unidade de produção e as famílias de dois empregados com registro em carteira de trabalho, caracterizando-a como um espaço onde propriedade e trabalho estavam intimamente ligados à família, típico de uma exploração agrícola familiar (SAVOLDI; CUNHA, 2010SAVOLDI, A.; CUNHA, L. A. Uma abordagem sobre a agricultura familiar, Pronaf e a modernização da agricultura no Sudoeste do Paraná na década de 1970. Revista Geografar, Curitiba, v. 5, n. 1, p. 25–45, 2010. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/geografar/article/view/17780. Acesso em: 10 out. 2021.
https://revistas.ufpr.br/geografar/artic...
), forma social de produção predominante nos ambientes de montanha de Nova Friburgo (GRISEL; ASSIS, 2020GRISEL, P. N.; ASSIS, R. L. Condicionantes agroeconômicos para adoção de práticas sustentáveis em ambientes de montanha em Nova Friburgo (RJ). Nativa, Sinop, v. 8, n. 5, p. 687-97, 2020. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/nativa/article/view/10012. Acessoem: 13 jan. 2021.
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).

O marido, técnico agrícola, e a esposa, bióloga, com mestrado em Agricultura Orgânica, juntamente aos dois filhos, com mais de 18 anos, e a uma filha, com 14 anos, compunham a família responsável pelo NSGA3. O casal tinha origem rural: ele, em fazenda de gado de leiteiro, na região da Zona da Mata, no estado de Minas Gerais; e ela, em unidade de produção de hortaliças junto à colônia japonesa, em região periurbana da cidade do Rio de Janeiro. No ano de 2000, após 10 anos morando no Japão, onde se capitalizaram trabalhando em indústria de componentes de informática, adquiriram a propriedade e iniciaram a implantação do agroecossistema, que incluiu a construção de uma estufa para produção de mudas de hortaliças, em 2003. O casal dedicava-se exclusivamente ao sistema de produção, enquanto os filhos auxiliavam no período de férias escolares e fins de semana.

Até o ano de 2004, a renda do NSGA3 foi oriunda, principalmente, da intermediação da comercialização de cogumelos produzidos fora da unidade de produção, quando então, seguindo percurso predominante na região de uso intensivo do solo e de insumos sintéticos, para garantir a produtividade (GRISEL; ASSIS, 2020GRISEL, P. N.; ASSIS, R. L. Condicionantes agroeconômicos para adoção de práticas sustentáveis em ambientes de montanha em Nova Friburgo (RJ). Nativa, Sinop, v. 8, n. 5, p. 687-97, 2020. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/nativa/article/view/10012. Acessoem: 13 jan. 2021.
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), começaram a cultivar alface (Lactuca sativa), couve-flor (Brassica oleracea var. botrytis) e tomate (Solanum lycopersicum) para comercialização, por meio de intermediários. Com resultado econômico insatisfatório, essa estratégia perdurou de forma exclusiva até 2005, ano em que passaram a produzir também abobrinha italiana (Cucurbita pepo var, cylindrica), aspargo (Asparagus officinalis), batata-doce (Ipomoea batatas), berinjela japonesa (Solanum melongena), beterraba (Beta vulgaris), ervilha (Pisum sativum), horenso (Spinacia oleracea), nirá (Allium tuberosum) e tomate (Solanum lycopersicum), para venda direta a consumidores aos sábados, em feira na cidade de Nova Friburgo. A maior diversidade produtiva foi ampliada em 2007, quando passaram a utilizar somente cadeias curtas de comercialização, incluindo então o cultivo de brócolos americano (Brassica oleracea var. italica), komatsuná (Brassica rapa var. perviridis), nabo-japonês (Raphanus sativus var. acanthiformis), pepino japonês (Cucumis sativus) e chinguensai (Brassica pekinensis var. chinguensai), visando atender à demanda de vendas, duas vezes por semana, para restaurantes de culinária japonesa na cidade do Rio Janeiro. Para atender à demanda, em especial dos restaurantes, complementavam o mix de produtos, junto a agricultores vizinhos, com cogumelos, cebolinha (Allium schoenoprasum), salsa crespa (Petroselinum crispum), repolho (Brassica oleracea var, capitata) e couve-flor (Brassica oleracea var. botrytis), que então pararam de produzir. Nessa época, para maior autonomia no transporte das mercadorias, com recursos próprios, adquiriram um caminhão usado.

No ano de 2010, iniciaram o plantio de tomate (Solanum lycopersicum) no sistema Tomatec® (Tomate em Cultivo Sustentável), desenvolvido pelo Centro Nacional de Pesquisa de Solos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Solos), com o objetivo de produzirtomate de mesa por meio de boas práticas agrícolas (FERREIRA, 2013FERREIRA, M. S. Efeito do ensacamento na qualidade do fruto do tomate sob manejo orgânico e convencional. 2013, 33 f. Dissertação (Mestrado em Agricultura Orgânica) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.). Porém, a produção foi perdida, assim como as demais que vinham cultivando, devido à tragédia ambiental decorrente de fortes chuvas em janeiro de 2011, na Região Serrana Fluminense, com Nova Friburgo sendo o município mais afetado5 5 De acordo com Freitas et al. (2012), em 12 de janeiro de 2012, fortes chuvas que acometeram a Região Serrana Fluminense determinaram o que foi considerado como pior desastre ambiental da história brasileira. Na ocasião, ocorreram inundações e deslizamentos em áreas rurais e urbanas, com registro de 918 óbitos, 8.795 desabrigados e 22.604 desalojados (FREITAS et al., 2012). . Na ocasião o NSGA3 foi fortemente atingido, com queda de barreiras, soterramento e inundação das principais áreas de cultivo, ficando oito meses sem condições de produção.

Essa tragédia ampliou a percepção do casal responsável pelo NSGA3 acerca das especificidades da atividade agrícola em ambientes de montanha, indicando a necessidade de ajustarem suas práticas para terem uma produção sustentável. A retomada ocorreu, então, com a elaboração de estratégias produtivas, adequadas ao processo paulatino de reabilitação das áreas de cultivo, com destaque para práticas relacionadas ao manejo da agricultura orgânica, como o uso de adubação verde, no manejo do solo, e caldas caseiras e agentes de biocontrole, de forma complementar, no manejo fitossanitário. Porém, apesar do desejo de caminharem para uma base produtiva totalmente orgânica, entendiam esse objetivo como inviável para eles, em função de estarem em contexto produtivo local de uso intensivo de agroquímicos, por parte de seus vizinhos, que não lhes permitia estabelecer áreas de refúgio para produção orgânica.

Destaca-se ainda a intensificação da busca por estratégias de comercialização vinculadas a cadeias curtas e de produtos diferenciados, de forma que retomaram a comercialização em restaurantes e loja de produtos típicos da culinária chinesa e japonesa, duas vezes por semana, na cidade do Rio de Janeiro. Os itens em questão, produzidos na própria propriedade, eram abóbora japonesa (Cucurbita máxima var. cabotia), bucha verde (Luffa aegyptiaca), cabaça chinesa (Lagenaria siceraria), cebolinha (Allium schoenoprasum), couve-rábano (Brassica Oleracea var. gongylodes), horenso (Spinacia oleracea), mostarda chinesa (Brassica juncea), nigauri (Mormodica charantia), nirá (Allium tuberosum), chinguensai (Brassica pekinensis var. chinguensai) e pak choi (Brassica pekinensis var. pak choi). E, mantendo a estratégia anterior de complementar a oferta com mercadorias de produtores vizinhos, comercializavam também nabo-japonês (Raphanus sativus var. acanthioformis), pepino japonês (Cucumis sativus), repolho (Brassica oleracea var, capitata) e salsa crespa (Petroselinum crispum), como forma de proporcionar maior rentabilidade a essa estratégia de comercialização.

Ainda, em 2011, a esposa iniciou curso de mestrado em Agricultura Orgânica e a prestação de serviços junto à Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro (EMATER-Rio) na elaboração de projetos que visaram à reposição de perdas de infraestrutura produtiva decorrentes da tragédia ambiental, por parte de outros produtores, com recursos emergenciais não reembolsáveis do Programa de Desenvolvimento Rural Sustentável em Microbacias Hidrográficas do Estado do Rio de Janeiro (Rio Rural). Projeto desse tipo foi também elaborado para o NSGA3, que possibilitou que, em 2011, conseguissem repor perdas com equipamentos de irrigação, sementes, ferramentas e implementos agrícolas. Além disso, conseguiram aprovar junto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) um projeto de fomento com recursos não reembolsáveis para empreendedores, visando à implantação de agroindústria para a produção de brotos de soja (Glycine max), com foco no mercado de culinária japonesa e chinesa.

No ano de 2012, a esposa encerrou o trabalho junto a EMATER-Rio e o NSGA3 iniciou produção de cebolinha (Allium schoenoprasum), ervilha (Pisum sativum), espinafre (Spinacia oleracea) e tomate (Solanum lycopersicum), para atender os mercados institucionais do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). No mesmo ano, efetivaram a construção da agroindústria e retomaram a produção de tomate com o sistema Tomatec®. No caso, participando de grupo de produtores com a mesma estratégia produtiva, voltado para a comercialização junto à rede de supermercados na cidade do Rio de Janeiro, com selo específico, emitido pela EMBRAPA Solos, atestando para o consumidor a ausência de resíduos de agrotóxicos no produto comercializado. Para o transporte de tomate, era contratado frete coletivo pelo grupo em questão.

O sistema Tomatec® utiliza o ensacamento das pencas de tomate com saco de papel, para evitar a ocorrência de broca nos frutos (FERREIRA, 2013FERREIRA, M. S. Efeito do ensacamento na qualidade do fruto do tomate sob manejo orgânico e convencional. 2013, 33 f. Dissertação (Mestrado em Agricultura Orgânica) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.). Como a época mais adequada para o plantio de tomate na região é o período de primavera-verão, quando as chuvas são intensas, optaram por construir com recursos próprios, nesse ano, três estufas abertas, e cinco no ano seguinte (três dessas com recursos viabilizados pela EMBRAPA Solos), deforma a evitar o impacto das gotas de chuva sobre os sacos, preservando-os até a colheita dos frutos.

Em 2013, trocaram de caminhão, adquirindo um veículo novo, com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), e a esposa concluiu o curso de mestrado, com a dissertação: “Efeito do ensacamento na qualidade do fruto do tomate sob manejo orgânico e convencional”. Ela foi contratada pelas Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro (CEASA-RJ) para atuar na execução do PAA em Nova Friburgo e região. Na sequência, em 2014, assumiu a presidência da associação comunitária local e, em 2015, com a revitalização do mercado do produtor da CEASA-RJ em Nova Friburgo, o NSGA3 passou a vender no local excedentes de produção de cebolinha (Allium schoenoprasum), ervilha (Pisum sativum), espinafre (Spinacia oleracea) e tomate (Solanum lycopersicum).

Em 2016, a esposa teve seu vínculo empregatício encerrado e assumiu as atividades da agroindústria que, não tendo se viabilizado na proposta inicial de produção de brotos de soja (Glycine max), foi redirecionada para a produção de molho de tomate (Solanum lycopersicum) e diferentes conservas de hortaliças, com marca própria.

No ano de 2017, com recursos não reembolsáveis do Programa Rio Rural, adquiriram um microtrator e, com recursos próprios, construíram uma segunda estufa para produção de mudas, mais cinco estufas para produção de tomate e, considerando a dificuldade de manter a estabilidade da frequência de produção voltada para a culinária chinesa e japonesa, uma estufa para produção de parte dessas hortaliças, em sistema de hidroponia. Nesse mesmo ano, passaram a comercializar produtos em eventos locais e reiniciaram as vendas em feira na cidade de Nova Friburgo e, no ano seguinte, em outra, na sede do distrito do NSGA3, ocasião em que o mandato da esposa na presidência da associação comunitária local se encerrou.

A produção de mudas de tomate era terceirizada, enquanto as mudas das demais hortaliças eram produzidas na unidade de produção, utilizando substrato comercial adquirido no mercado local. Neste, compravam também a maior parte do combustível, sementes de hortaliças tradicionais, adubos e agrotóxicos utilizados no manejo fitossanitário em geral, enquanto produtos biológicos utilizados nesse manejo, de forma complementar, eram adquiridos fora do território, fato que ocorria também com as sementes de hortaliças típicas da culinária chinesa e japonesa e pequena parte do combustível utilizado.

Havia esforço constante do NSGA3 em divulgar sua marca e produtos por meio do contato direto com consumidores em feiras e eventos, bem como em agregar valor e aproveitar ao máximo a produção com processamento, além de maximizar processos de comercialização, transporte e processamento com a complementação de produtos de agricultores vizinhos, ou mesmo fora do território, como no caso de grupo de produtores de tomate no sistema Tomatec®, para manter a produção de molho de tomate durante todo o ano. A Figura 5 apresenta a linha do tempo com toda a trajetória do NSGA3. Verifica-se a constante introdução de inovações que apoiassem caminhada distinta do quadro de vulnerabilidade econômica e social predominante na região, indicado por Grisel e Assis (2020)GRISEL, P. N.; ASSIS, R. L. Condicionantes agroeconômicos para adoção de práticas sustentáveis em ambientes de montanha em Nova Friburgo (RJ). Nativa, Sinop, v. 8, n. 5, p. 687-97, 2020. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/nativa/article/view/10012. Acessoem: 13 jan. 2021.
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. Assim, intuitivamente, da mesma forma que alternativa proposta por esses autores, sempre buscaram estabelecer, de forma holística e sistêmica, agroecossistemas que aliassem produtividade convergente com estabilidade e resiliência a partir da diversificação de estratégias de comercialização no território e fora dele, especialmente em cadeias curtas, conforme registrado no diagrama de fluxos (Figura 6), com intensa atuação coletiva da família como um todo.

Figura 5
Linha do Tempo do NSGA3 – período de 2000 a 2017

Figura 6
Diagrama de fluxos de NSGA3

Havia ainda forte interação com parceiros externos nas estratégias de comercialização e na articulação comunitária, fundamental para viabilizar demandas por políticas públicas. Porém, apesar desse esforço, verifica-se, ainda no diagrama de fluxos (Figura 6), a dependência do NSGA3 por insumos e serviços externos e uma integração das atividades produtivas no agroecossistema, restrita ao processamento de alimentos, em grande medida em função do contexto socioprodutivo do entorno do agroecossistema, que limitava a adoção de práticas agroecológicas, em especial as que demandavam maior complexidade do que Gliessmann (2009) define como transição agroecológica6 6 De forma didática para o entendimento da transição agroecológica, Gliessmann (2009) estabelece três etapas internas ao sistema de produção: racionalização do uso de agroquímicos; substituição do uso de agroquímicos; e manejo da agrobiodiversidade e redesenho do agroecossistema e, deforma complementar, estabelece uma quarta etapa, essa externa à unidade de produção, que trata de um conjunto de condições que devem ser viabilizadas pela sociedade e pelo Estado, para que a transição seja o caminho para uma nova forma de se fazer agricultura. , como a não contaminação de solo e água por agroquímicos sintéticos e o manejo da agrobiodiversidade, o qual, no caso, apresentava-se como inviável em face da proximidade dos agroecossistemas das unidades de produção vizinhas.

Agroecossistema orgânico em Nova Friburgo, Brasil – NSGA 4

O último agroecossistema visitado foi o do NSGA4, que era administrado e conduzido por um homem solteiro de 41 anos, em unidade de produção de 19 ha no município de Nova Friburgo, RJ, com selo da agricultura orgânica e atividade produtiva integralmente voltada à produção de hortaliças em 1,0 ha. A unidade de produção foi adquirida por um médico, no ano de 2006, para atender a pedido de sua mãe, que tinha grande desejo de “lidar com a terra”. Porém, com o falecimento desta em 2007, foi seu pai, ao se aposentar, neste mesmo ano, que assumiu a unidade de produção, adotando, desde então, o manejo da agricultura orgânica e associando-se à Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO), como forma de ter o selo de garantia da conformidade de sua produção orgânica. Com a adoção pela ABIO, a partir de 2009, dos sistemas participativos de garantia (SPGs) como forma de avaliação e garantia da conformidade da produção orgânica de seus associados, o NSGA4 passou a integrar o núcleo de Nova Friburgo do SPG-ABIO.

No processo de normatização legal da agricultura orgânica no Brasil, os SPGs foram incluídos como uma das formas possíveis de avaliação e garantia da conformidade da produção orgânica, no âmbito do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SisOrg). Baseado na confiança, todo o grupo assume a responsabilidade, junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e à sociedade, pelas atividades produtivas de seus membros. Pressupõe articulação em rede e controle social, que aproximam e fortalecem as relações entre os atores envolvidos.

Quando de sua aquisição, a área, que era constituída por pastagem, passou a ser cultivada com hortaliças e algumas linhas de plantios de limão-taiti (Citrus aurantifolia) e figo (Ficus carica). Ainda, nesse momento inicial, foi realizado investimento em infraestrutura, com a construção de estufa para a produção de mudas, galpão para armazenamento de insumos e ferramentas e galpão para limpeza e preparo de mercadorias para comercialização.

Em 2014, com diagnóstico de problema de saúde queo impediu de continuar conduzindo a atividade agrícola, o então responsável pelo NSGA4 convidou o sobrinho, formado em Agronomia no ano de 2003, e com origem rural, assim como a esposa do NSGA3, em unidade de produção de hortaliças em colônia japonesa, em localidade periurbana, na cidade do Rio de Janeiro, para assumir o agroecossistema. Para tanto, foi estabelecido um contrato de comodato com o primo, sem pagamento de aluguel. Feito isso, o novo responsável pelo NSGA4 manteve o direcionamento para a produção orgânica de hortaliças e o vínculo com a ABIO.

A condução da atividade produtiva era toda feita pelo responsável pelo NSGA4, com a ajuda, uma vez por semana, de um colaborador, pago por dia de trabalho, e de uma tia que auxiliava na colheita, às sextas-feiras, e na comercialização em feira, aos sábados, na cidade de Nova Friburgo, que representava o principal canal de comercialização utilizado. De forma complementar, vendia também parte de sua produção por meio de entregas em domicílio às segundas-feiras, com serviço de transporte terceirizado.

Em 2015, a condição de pouca disponibilidade de mão de obra para conduzir o agroecossistema foi determinante para que decidisse eliminar os cultivos de limão-taiti (Citrus aurantifolia) e figo (Ficus carica), que apresentavam baixa aceitação comercial nos canais de venda que utilizava. E, já no ano de 2018, o responsável pelo NSGA4 assumiu a função de facilitador do núcleo de Nova Friburgo do SPG-ABIO. A Figura 7 ilustra a linha do tempo e a Figura 8 apresenta o diagrama de fluxos do NSGA4, em que é possível verificar que a maioria dos fluxos desse núcleo estava concentrada no território, incluindo toda a comercialização voltada para cadeias curtas de comercialização.

Figura 7
Linha do tempo do NSGA4

Todos os insumos tinham seu uso regulamentado para a agricultura orgânica, o que incluía substrato, adquirido em lojas situadas no território, utilizado para a produção de mudas, a qual era toda realizada na unidade de produção. Todas as sementes e o combustível eram adquiridos no território, enquanto outros insumos demandados para a adubação dos cultivos e manejo fitossanitário eram adquiridos parte no território e parte fora deste. Não obstante, o NSGA4, apesar de grande clareza da importância dos processos agroecológicos por parte do seu responsável, apresentava limitante a sua sustentabilidade, em decorrência de dependência de fluxos de insumos e serviços externos à unidade de produção. Fato, em grande parte, devido à baixa disponibilidade de mão de obra, que dificultava o desenvolvimento de uma agricultura orgânica em total parceria com a natureza, mantendo ou alterando pouco as condições de equilíbrio entre os organismos participantes do processo produtivo, com ênfase no uso de recursos internos da unidade de produção, em especial para a reciclagem de nutrientes (ASSIS; ROMEIRO, 2002ASSIS, R. L.; ROMEIRO, A. R. Agroecologia e agricultura orgânica: controvérsias e tendências. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, v. 6, p. 67–80, 2002. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/made/article/view/22129. Acesso em: 10 out. 2021.
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).

Figura 8
Diagrama de fluxos (NSGA4)

Apesar de o responsável pelo NSGA4 possuir Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP), não havia até então utilizado recursos oriundos desse programa do governo federal. Por sua vez, do governo estadual, havia recebido recursos do Programa Rio Rural para aquisição de material destinado à construção de estufa para produção de hortaliças em cultivo protegido e de outro galpão para preparo pós-colheita das hortaliças, bem como sementes e equipamentos para montagem de sistema de irrigação por gotejamento. Na ocasião da visita, todo este material havia sido adquirido recentemente, mas ainda não tinha sido utilizado.

3.3 Análise da aplicação do método

A ligação dos agricultores com os espaços em que vivem permite que estabeleçam estratégias de resistência às mudanças dos componentes temporais e espaciais, favorecendo a (re)construção de paisagens correspondentes aos mecanismos socioculturais adquiridos, de forma a desenvolver agroecossistemas sustentáveis desde a adoção de inovações agroecológicas, de forma que insumos e serviços externos às unidades de produção sejam substituídos por processos naturais, como a reciclagem de nutrientes e o controle biológico (ALTIERI; NICHOLLS, 2012ALTIERI, M.; NICHOLLS, C. I. Agroecología: única esperanza para la soberania alimentaria y la resiliencia socioecologica. Agroecología, Murcia, v. 7, n. 2, p. 65–83, 2012. Disponível em: https://revistas.um.es/agroecologia/article/view/182861/152301. Acesso em: 10 nov. 2021.
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).

Nessa perspectiva, foram identificadas oportunidades e restrições nos NSGA para a inserção de práticas agroecológicas em suas unidades de produção, associadas às estratégias de reprodução econômica, construídas historicamente no contexto sociocultural local, tendo por base análise das relações entre as variáveis determinantes das decisões estratégicas adotadas pelos NSGA.

A modelização dos agroecossistemas, conforme proposto por Petersen (2017)PETERSEN, P.; SILVEIRA, L. M.; FERNANDES, G. B.; ALMEIDA, S. G. Método de análise econômico-ecológica de agroecossistemas. Rio de Janeiro: AS-PTA, 2017. 246 p., possibilitou, de forma sistêmica, a obtenção e análise de informações e dados sobre o contexto socioprodutivo, em especial dos fluxos econômicos e ecológicos, dos NSGA estudados, de maneira a identificar fatores favoráveis e desfavoráveis à agricultura familiar em ambientes de montanha, os quais, conforme destacam Aun e Assis (2020)AUN, N. J.; ASSIS, R. L. Redes rurais e agricultura orgânica: estratégia para o desenvolvimento territorial endógeno em ambientes de montanha. Boletín de Estudios Geográficos, Mendoza, v. 113, p. 91–109, 2020. Disponível em: http://revistas.uncu.edu.ar/ojs3/index.php/beg/article/view/3864/2800. Acesso em: 14 set. 2020.
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, em função de suas especificidades geográficas, caracterizam-se como locais para o desenvolvimento de uma agricultura apoiada em práticas agroecológicas de forma articulada com outras atividades econômicas, com destaque para o turismo, em suas diferentes modalidades (rural e de aventura, por exemplo). Porém, os mesmos autores, ao fazerem esses destaques para as potencialidades dos ambientes de montanha, reforçam a importância de um olhar diferenciado para esses espaços, ao destacarem que são mais suscetíveis a desastres ambientais, notadamente quando ocupados desordenadamente.

Assim, foram identificadas, nos ambientes de montanha analisados, oportunidades e restrições para que os NSGAs avançassem na inserção de práticas agroecológicas em seus agroecossistemas. Nos quatro casos analisados, ocorria aquisição externa de insumos e serviços, o que limitava a sustentabilidade dos sistemas. Porém, verificou-se que, no NSGA2, isso ocorria em menor grau, devido à forte integração das atividades produtivas, vegetal e animal no agroecossistema, podendo-se afirmar que, dos quatro casos analisados, foi o que apresentou uma base agroecológica mais consistente. No NSGA3, apesar da vontade e do esforço do casal gestor em avançar nesse sentido, o contexto socioprodutivo do entorno do agroecossistema limitava esse processo. Por sua vez, o NSGA4, mesmo com o selo orgânico, tinha forte dependência externa de insumos, posto que a limitação de mão de obra era forte empecilho e dificultava a diversificação de atividades. Fato também observado no NSGA1. Destaca-se, ainda, que, à exceção deste, os casos estudados tinham a sustentabilidade econômica favorecida ao priorizarem cadeias curtas de comercialização, destacando-se a diversidade de estratégias nesse sentido por parte do NSGA3, contando, para isso, com a participação de toda a família. De forma complementar a essa estratégia, o NSGA2 e o NSGA3 favoreciam ainda mais sua sustentabilidade ao agregarem valor à parte de sua produção com o processamento e uso de estratégias relacionadas aos ambientes de montanha locais: o NSGA2, com ervas medicinais vinculadas às montanhas de Alpa Corral, e o NSGA3, com participação em eventos que associavam sua produção aos espaços montanos de Nova Friburgo.

A agricultura em ambientes de montanha com base em práticas com a lógica industrial de simplificação de fatores sempre se apresentou como algo complexo, tanto pela produção em escala e o que ela representa, como, por exemplo, pelas demandas de deslocamento de insumos e produtos e dificuldades de mecanização. Porém, esses espaços sempre foram objeto de ocupação pelas sociedades humanas, motivadas pela proximidade de recursos naturais, ou pelo isolamento e proteção, que sempre desenvolveram a prática agrícola nesses locais. Por sua vez, na atualidade, o destaque para a importância da sustentabilidade para as práticas produtivas afeta como os ambientes de montanha são utilizados, incluindo a forma como os agricultores organizam suas unidades produtivas, inserem-se nos mercados e se relacionam entre eles e com outros atores (AUN; ASSIS, 2020AUN, N. J.; ASSIS, R. L. Redes rurais e agricultura orgânica: estratégia para o desenvolvimento territorial endógeno em ambientes de montanha. Boletín de Estudios Geográficos, Mendoza, v. 113, p. 91–109, 2020. Disponível em: http://revistas.uncu.edu.ar/ojs3/index.php/beg/article/view/3864/2800. Acesso em: 14 set. 2020.
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).

Nos quatro casos estudados, a prioridade era para relações sociais e econômicas no território local, e os gestores locais tinham formação profissional vinculada à agricultura, mas isso não foi determinante para a complexidade dos agroecossistemas, representada pela maior quantidade de fluxos nos diagramas. Por outro lado, a maior participação da mulher coincidiu com os sistemas mais diversos e complexos (NSGA2 e NSGA3), da mesma forma como observado por Almeida (2014)ALMEIDA, L. H. M. Quintal agroecológico: uma abordagem para a disseminação de práticas agrícolas amigáveis em unidades familiares na Região Serrana Fluminense. 2014. 32 f. Dissertação (Mestrado em Agricultura Orgânica) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2014. e Cerqueira et al. (2018)CERQUEIRA, H.S.; ASSIS, R. L.; ALMEIDA, L H.; GUERRA. J. G. M.; AQUINO, A. M. Estratégias agroecológicas para a segurança alimentar em ambientes de montanha em Teresópolis–RJ (Brasil). Nativa, Sinop v. 6, n. 6, p. 654–659, 2018. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/nativa/article/view/6787. Acesso em: 30 nov. 2018.
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, indicando aspecto importante a ser trabalhado em propostas agroecológicas. Por fim, o agroecossistema NSGA1 apresentou limitação à sustentabilidade do sistema, associada à dependência de contrato de serviços, somado à baixa interação com outros produtores e órgãos públicos que apoiassem a produção e fomentassem inovações agroecológicas, conforme observado nos demais NSGA estudados e por outros autores (CANAVESI; BIANCHINI; SILVA, 2017CANAVESI, F. C.; BIANCHINI, V.; SILVA, H. B.C. Inovação na agricultura familiar no contexto da extensão rural e da transição agroecológica. In: SANBUICHI, R. H. R.; MOURA, I. F.; MATTOS, L. M.; ÁVILA, M. L.; SPÍNOLA, P. A. C.; SILVA, A. P. M. (Ed.). A política nacional de agroecologia e produção orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento sustentável. Brasília: IPEA, 2017, p. 383–401. Disponível em: http://www.agroecologia.gov.br/sites/default/files/publicacoes/Politica-nacional_WEB.PDF. Acesso em: 26 nov. 2021.
http://www.agroecologia.gov.br/sites/def...
; MENDES; ASSIS, 2019MENDES, R. B.; ASSIS, R. L. Estratégias de políticas públicas para o fortalecimento da agricultura familiar: estudo de caso em Cocais, no município de Barão dos Cocais-MG. Agricultura Familiar, Belém, v. 13, n. 1, 2019, p. 62–82. Disponível em: https://periodicos.ufpa.br/index.php/agriculturafamiliar/article/view/7353. Acesso em: 18 maio 2020.
https://periodicos.ufpa.br/index.php/agr...
; SOUSA; CHARÃO-MARQUES; KATO, 2017SOUSA, D. N.; CHARÃO-MARQUES, F.; KATO, H. C. A. Novo Programa, novos atores: inovação e agroecologia na agricultura familiar do Tocantins. Extensão Rural, Santa Maria, v. 24, n. 3, p. 44–62, 2017. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/extensaorural/article/view/27765/pdf. Acesso em: 26 nov. 2021.
https://periodicos.ufsm.br/extensaorural...
; VILAVICENCIO; SOARES, 2019VILLAVICENCIO, G. D., SOARES, R. O. Práticas de inovações agroecológicas: análise da agricultura familiar no Oeste do Paraná/Brasil. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 15, n. 5, 2019, p. 44–56. Disponível em: https://www.rbgdr.net/revista/index.php/rbgdr/article/view/5030/818. Acesso em: 26 nov. 2021.
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).

4 CONCLUSÃO

A dinâmica do uso dos ambientes de montanha pela agricultura não é tão somente condicionada pela adequabilidade ou não das práticas utilizadas, mas principalmente pelos que a desenvolvem nesses locais e pelas estratégias que utilizam. Nesse sentido, a metodologia de análise de agroecossistemas representa instrumento importante para diálogos, pesquisas e ações que tenham como objetivo analisar essas estratégias e apoiar propostas adequadas à promoção do desenvolvimento sustentável em regiões de montanha, somado a possíveis contribuições para políticas públicas, bem como elaboração e implantação de projetos socioambientais com foco na inserção de práticas agroecológicas em sistemas de produção familiares. Isso tendo em vista que a utilização de modelos para a representação esquemática da estrutura e do funcionamento dos sistemas de produção e seus agroecossistemas facilita a visualização de diferentes informações envolvidas no processo produtivo, como aquisição de insumos, diversidade produtiva, comercialização e a participação efetiva da mulher e dos jovens na gestão social do processo de desenvolvimento.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro para a realização da pesquisa.

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    De acordo com Freitas et al. (2012)FREITAS, C. M.; CARVALHO, M. L.; XIMENES, E. F.; ARRAES, E. F.; GOMES, J. O. Vulnerabilidade socioambiental, redução de riscos de desastres e construção da resiliência: lições do terremoto no Haiti e das chuvas fortes na Região Serrana, Brasil. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v 17, n. 6, 2012, p. 1577-86. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csc/vl7n6/vl7n6a21.pdf. Acesso em: 19 nov. 2020.
    https://www.scielo.br/pdf/csc/vl7n6/vl7n...
    , em 12 de janeiro de 2012, fortes chuvas que acometeram a Região Serrana Fluminense determinaram o que foi considerado como pior desastre ambiental da história brasileira. Na ocasião, ocorreram inundações e deslizamentos em áreas rurais e urbanas, com registro de 918 óbitos, 8.795 desabrigados e 22.604 desalojados (FREITAS et al., 2012FREITAS, C. M.; CARVALHO, M. L.; XIMENES, E. F.; ARRAES, E. F.; GOMES, J. O. Vulnerabilidade socioambiental, redução de riscos de desastres e construção da resiliência: lições do terremoto no Haiti e das chuvas fortes na Região Serrana, Brasil. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v 17, n. 6, 2012, p. 1577-86. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csc/vl7n6/vl7n6a21.pdf. Acesso em: 19 nov. 2020.
    https://www.scielo.br/pdf/csc/vl7n6/vl7n...
    ).
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    De forma didática para o entendimento da transição agroecológica, Gliessmann (2009) estabelece três etapas internas ao sistema de produção: racionalização do uso de agroquímicos; substituição do uso de agroquímicos; e manejo da agrobiodiversidade e redesenho do agroecossistema e, deforma complementar, estabelece uma quarta etapa, essa externa à unidade de produção, que trata de um conjunto de condições que devem ser viabilizadas pela sociedade e pelo Estado, para que a transição seja o caminho para uma nova forma de se fazer agricultura.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2021
  • Revisado
    23 Set 2022
  • Aceito
    23 Nov 2022
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