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Controle social e pandemia: uma análise a partir da Ouvidoria SUS do Rio Grande do Sul

Social control and pandemic: an analysis from the SUS Ombudsman in Rio Grande do Sul

Control social y pandemia: una análisis de la Defensorio del Pueblo del SUS en Rio Grande do Sul

Resumo

No Brasil, a pandemia da covid-19 revelou uma crise de coordenação de forte dimensão federativa no âmbito político-institucional. Todo esse contexto trouxe diversos desafios para o funcionamento habitual do controle social, notadamente marcado por reuniões ampliadas, visitas in loco, conferências e outras atividades presenciais. Assim, o presente artigo tem por objetivo verificar se a pandemia da covid-19 afetou o controle social, a partir de um estudo comparativo do acesso dos usuários à Ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS), nos anos de 2019 e 2020. Para tanto, foram analisados dados secundários coletados junto ao Portal Business Intelligence (BI) – Informações de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, versão Gestão Estadual. Para o tratamento dos dados, buscou-se identificar nos indicadores a adequação aos critérios contidos na matriz elaborada pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos em Gestão e Políticas Públicas, Desenvolvimento, Comunicação e Cidadania (GPDeC) da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), categoria de controle social e seus critérios de análise. Como resultados, verificou-se uma queda de 5,12% no quantitativo total de manifestações realizadas no ano de 2020. Ainda, no mesmo ano, houve um expressivo aumento no número de manifestações pendentes e com prazo de respostas vencido e uma crescente abordagem das temáticas relativas à Vigilância em Saúde.

Palavras-chave
controle social; ouvidoria; pandemia; política pública de saúde

Abstract

In Brazil, the COVID-19 pandemic revealed a coordination crisis with a strong federative dimension in the political-institutional sphere. This whole context brought several challenges to the usual functioning of social control, notably marked by extended meetings, on-site visits, conferences, and other face-to-face activities. Thus, this article aims to verify whether the COVID-19 pandemic affected social control based on a comparative study of users access to the Brazilian National Health System (SUS) Ombudsman in 2019 and 2020. For this purpose, secondary data was collected from the Business Intelligence Portal (Bl)- Health Information of the State of Rio Grande do Sul, State Management version. To treat the data, we sought to identify in the indicators the adequacy to the criteria contained in the matrix elaborated by the Interdisciplinary Group of Studies in Management and Public Policies, Development, Communication and Citizenship (GPDeC) of the Regional University of Northwestern Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), social control category and its analysis criteria. As a result, there was a decrease of 5.12% in the total number of events held in 2020. Still, in the same year, there was a significant increase in the number of events pending and with a deadline for responses and a growing approach to the themes concerning Health Surveillance.

Keywords
social control; ombudsman; pandemic; public health policy

Resumen

En Brasil, la pandemia de COVID-19 reveló una crisis de coordinación con una fuerte dimensión federativa en el ámbito político-institucional. Todo este contexto trajo varios desafíos al funcionamiento habitual del control social, marcado notablemente por reuniones ampliadas, visitas in situ, conferencias y otras actividades presenciales. Así, este artículo tiene como objetivo verificar si la pandemia COVID-19 afectó el control social, a partir de un estudio comparativo del acceso de los usuarios a la Defensoría del Pueblo del Sistema Único de Salud (SUS) en los años de 2019 y 2020. Para ello, se recogen datos secundarios del Portal Business Intelligence (BI) – Información de Salud del Estado do Rio Grande do Sul, versión de Gestión del Estado. Para el tratamiento de los datos se buscó Identificar en los Indicadores la adecuación de los criterios contenidos en la matriz elaborada por el Grupo Interdisciplinario de Estudios en Gestión y Políticas Públicas, Desarrollo, Comunicación y Ciudadanía (GPDeC) de la Universidad Regional del Noroeste del Estado de Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), categoría de control social y sus criterios de análisis. Como resultado, hubo una caída del 5,12% en la cantidad total de manifestaciones realizadas en 2020. Aun así, en el mismo año, hubo un aumento significativo en el número de manifestaciones pendientes con plazos de respuesta vencidos y un enfoque creciente de los temas relativos a la Vigilancia en Salud.

Palabras clave
control social; defensoría del pueblo; pandemia; política pública de salud

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, a pandemia da covid-19 revelou uma crise de coordenação de forte dimensão federativa no âmbito político-institucional. Compuseram esse cenário entraves de articulação intra e intergovernamental; indefinição e sobreposição de atribuições e funções; dificuldades de execução e integração de ações e serviços; protagonismo de alguns governos e omissão de outros; posturas de lideranças políticas que contrapõem o negacionismo científico às questões epidemiológicas ou que opõem a defesa da vida à defesa da economia; além de informações contraditórias sobre a doença (CAPONI, 2020CAPONI, S. Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 99, p. 209-23, 2020. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.013
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020....
; ALLEBRANDT et al., 2020ALLEBRANDT, S. L; CARLI, P. D.; NAUNDORF, B.; STASIAK, P. H. S.; BORCHARDT, L. Planejamento regional e pandemia: o modelo de distanciamento controlado do Rio Grande do Sul. DRd – Desenvolvimento Regional Em Debate, Concórdia, v. 10, p. 1403-28, 2020. Doi: https://doi.org/10.24302/drd.vl0i0.3317
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).

Tensões referentes à atuação do Estado em sua dimensão federativa são de natureza diversa – características do arranjo federativo, desigualdades socioespaciais etc. – e têm origem prévia ao surgimento da pandemia global. No entanto, o cenário pandémico foi responsável por agudizar e descortinar essas tensões (LIMA; PEREIRA; MACHADO, 2020LIMA, L. D.; PEREIRA, A. M. M.; MACHADO, C. V. Crise, condicionantes e desafios de coordenação do Estado federativo brasileiro no contexto da Covid-19. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 7, p. 1-6, jun. 2020. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00185220
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).

Todo esse contexto trouxe diversos desafios para o controle social. Perceber o Sistema Único de Saúde (SUS) como um instrumento que se origina da participação popular ese constitui em uma “herança e esforço coletivo do movimento sanitarista e movimentos sociais de redemocratização” (PIGATTO, 2020PIGATTO, F. Covid-19: por que a participação social é vital para as decisões na esfera pública? Conselho Nacional de Saúde, Brasília, DF, 2020. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1456-artigo-covid-19-por-que-a-participacao-social-e-vital-para-decisoes-na-esfera-publica-por-fernando-pigatto. Acesso em: 3 maio 2021.
http://conselho.saude.gov.br/ultimas-not...
) é fundamental para que se possa compreender as dificuldades que a pandemia de covid-19 impôs para o funcionamento habitual do controle social, notadamente marcado por reuniões ampliadas, visitas in loco, conferências e outras atividades presenciais.

A participação da sociedade na gestão da política pública e no controle social é uma das diretrizes do SUS. Esse formato determinou uma nova relação entre o Estado e a sociedade, pautada na perspectiva da gestão social e na relação democrática e dialógica entre gestores e cidadãos.

A instituição de instrumentos e espaços que possibilitem manifestações genuínas a partir da vivência dos usuários se constitui em requisito fundamental para a organização desse modelo. Nesse cenário, as ouvidorias do SUS, como instâncias de promoção e defesa de direitos, são instrumentos que se propõem a assegurar esse papel de valorização da cidadania e aperfeiçoamento da gestão pública.

Assim, considerando-se que as ouvidorias são ferramentas em que a participação social se desenvolve de maneira mais individualizada, sendo que a grande maioria de acessos é mediada por meios eletrônicos, o presente artigo, a partir da categoria de controle social e seus critérios de análise, objetiva verificar se a pandemia da covid-19 afetou a utilização desse instrumento de participação e controle social. Para tanto, propõe-se a fazer um estudo comparativo do acesso dos usuários à Ouvidoria SUS nos anos de 2019 e 2020, antes e durante o período pandêmico.

A estrutura do artigo abordará a temática da participação e do controle na política pública de saúde, por intermédio das ouvidorias; apresentará a metodologia adotada; e, no âmbito dos resultados e discussões, serão analisados dados secundários referentes à Ouvidoria SUS no Rio Grande do Sul.

2 OUVIDORIAS SUS: PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL NA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE

Como instâncias de promoção e defesa de direitos, viabilizando a participação e o controle social, bem como assegurando o fim público e coletivo da administração pública, as ouvidorias assumem papel importante para a valorização da cidadania. A ação qualificada na mediação das relações entre cidadãos e administração pública possibilita o aperfeiçoamento da gestão pública (MENEZES, 2015MENEZES, R. A. Ouvidorias públicas federais: análise dos elementos que contribuem para a promoção da gestão social. Brasília; Rio de Janeiro: IPEA, 2015. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/participacao/¡mages/pdfs/td_2088.pdf. Acesso em: 2 maio 2021.
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).

A oitiva dos cidadãos se reveste de grande importância quando se pensa em termos de accountability no âmbito da gestão pública. A Ouvidoria, como instância responsável por receber reclamações, denúncias, elogios, críticas e sugestões, atua como componente do empoderamento da população, mas também como atividade fundamental na busca pela qualificação dos serviços oferecidos e aperfeiçoamento da estrutura administrativa, assumindo caráter estratégico na formulação, implementação e execução de políticas (FERNANDES; MOREIRA; RIBEIRO, 2016FERNANDES, F. M. B.; MOREIRA, M. R.; RIBEIRO, J. M. Análise da atuação das ouvidorias estaduais do Sistema Único de Saúde como instâncias participativas. Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 40, n. especial, p. 201-12, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v40nspe/0103-1104-sdeb-40-spe-0201.pdf. Acesso em: 2 maio 2021.
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).

A capacidade de compreensão do que está sendo demandado com um olhar ampliado dos direitos é um aspecto decisivo para que a ouvidoria possa promover efetivamente os direitos dos cidadãos, inclusive orientando e apontando acesso a direitos que não estavam originalmente explícitos em uma reclamação ou solicitação. Ainda, faz-se relevante a adaptação da linguagem do ouvidor, de modo que seja utilizada de forma clara e sem termos técnicos ou siglas, para que se estabeleça uma linguagem comum e acessível entre as partes (MARQUES; TAUCHEN, 2014MARQUES, P. M. F.; TAUCHEN, G. Ouvidorias públicas: cidadania e participação na perspectiva da ação comunicativa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação – RBPAE, Porto Alegre, v. 30, n. 3, [s.p.], 2014. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/viewFile/57611/34576. Acesso em: 3 maio 2021.
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).

Nessa linha, dispõe a Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), ao disciplinar, em seu artigo 5-, que “é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão” (BRASIL, 2011BRASIL. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF, 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.html. Acesso em: 2 maio 2021.
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).

A ouvidoria pode potencializar a fala das pessoas, vinculando-as a direitos e promovendo a efetividade dos direitos humanos ao ouvir, reconhecer e validar as falas, encaminhando-as aos órgãos competentes, acompanhando a sua tramitação, para, posteriormente, retornar com a resposta adequada ao cidadão. Logo, ao desempenhar funções de natureza pedagógica e propositiva, a ouvidoria institucionaliza a participação do cidadão (MARQUES; TAUCHEN, 2014MARQUES, P. M. F.; TAUCHEN, G. Ouvidorias públicas: cidadania e participação na perspectiva da ação comunicativa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação – RBPAE, Porto Alegre, v. 30, n. 3, [s.p.], 2014. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/viewFile/57611/34576. Acesso em: 3 maio 2021.
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).

Importa ainda mencionar que a ouvidoria possui uma característica peculiar em relação às demais instâncias de participação social, na medida em que se apresenta como um órgão que está aberto à população em tempo integral, por meio de formulários eletrônicos e contato telefônico, bem como por receber manifestações individuais de pessoas, na maioria das vezes não representadas por associações, empresas ou outras organizações (MARQUES; TAUCHEN, 2014MARQUES, P. M. F.; TAUCHEN, G. Ouvidorias públicas: cidadania e participação na perspectiva da ação comunicativa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação – RBPAE, Porto Alegre, v. 30, n. 3, [s.p.], 2014. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/viewFile/57611/34576. Acesso em: 3 maio 2021.
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).

A Constituição Federal brasileira faz inúmeras alusões à participação social, ressaltando ser direito fundamental de todos “receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (art. 5º, XXXII) (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html. Acesso em: 3 maio 2021.
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).

No sentido orientado pela Constituição, a ouvidoria pública tem por potencialidade decodificar os anseios da população, trazendo-os para dentro das estruturas do Estado e, em contrapartida, disponibilizar respostas ágeis e com linguagem de fácil acesso. Logo, para que se alcance o intento de instrumento de participação social e exercício da cidadania, a atuação das ouvidorias deve estar ancorada nos fundamentos da teoria da ação comunicativa3 3 De acordo com Habermas (1987), a ação comunicativa se refere à interação de ao menos dois sujeitos capazes de inguagem e de ação que (seja com meios verbais, seja com meios extraverbais) entabulam uma relação interpessoal. Os atores buscam entender-se sobre uma situação de ação para poder assim coordenar de comum acordo seus planos de ação e, com ele, suas ações. O conceito aqui central é o de interpretação, refere-se primordialmente à negociação de definições da situação suscetível de consenso. (MARQUES; TAUCHEN, 2014MARQUES, P. M. F.; TAUCHEN, G. Ouvidorias públicas: cidadania e participação na perspectiva da ação comunicativa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação – RBPAE, Porto Alegre, v. 30, n. 3, [s.p.], 2014. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/viewFile/57611/34576. Acesso em: 3 maio 2021.
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).

A existência de uma estrutura de ouvidoria, por si só, não é suficiente para que ela seja compreendida como uma instituição de participação social. Urge, para tanto, quetrês requisitos estejam satisfeitos: a) atuação proativa das ouvidorias, já que, munidas de informações estratégicas, podem se antecipar aos problemas gerados pelo sistema público de atendimento; b) atuação conjunta com outras instituições de participação social, como os conselhos; c) o estabelecimento de requisitos que verifiquem a efetividade das ações da ouvidoria (MARQUES; TAUCHEN, 2014MARQUES, P. M. F.; TAUCHEN, G. Ouvidorias públicas: cidadania e participação na perspectiva da ação comunicativa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação – RBPAE, Porto Alegre, v. 30, n. 3, [s.p.], 2014. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/viewFile/57611/34576. Acesso em: 3 maio 2021.
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).

Na perspectiva da gestão social, para que se garanta a efetividade da ação das ouvidorias públicas, faz-se necessário que os ouvidores exerçam sua função com autonomia. Nesse ponto, relevante notar que a análise da autonomia envolve a consideração de aspectos políticos e técnicos (MENEZES, 2015MENEZES, R. A. Ouvidorias públicas federais: análise dos elementos que contribuem para a promoção da gestão social. Brasília; Rio de Janeiro: IPEA, 2015. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/participacao/¡mages/pdfs/td_2088.pdf. Acesso em: 2 maio 2021.
http://www.ipea.gov.br/participacao/¡mag...
).

A autonomia política se refere à escolha do ouvidor e ao instituto do mandato, de modo que o mecanismo mais adequado para a escolha de um ouvidor autônomo é o que esteja pautado em critérios técnicos, e não na mera indicação do gestor. O mandato, por sua vez, é um instrumento importante, na medida em que permite que o ouvidor exerça suas atribuições com um mínimo de independência, sem a possibilidade de exoneração ad nutum, mas também que permita e estimule a alternância dos titulares das unidades de ouvidoria (MENEZES, 2015MENEZES, R. A. Ouvidorias públicas federais: análise dos elementos que contribuem para a promoção da gestão social. Brasília; Rio de Janeiro: IPEA, 2015. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/participacao/¡mages/pdfs/td_2088.pdf. Acesso em: 2 maio 2021.
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).

Como aspectos de ordem técnica, é fundamental que as ouvidorias públicas tenham acesso prioritário e irrestrito a pessoas e a informações na organização, bem como a outras instituições. A integração de ouvidorias entre si e com outros institutos de participação social, constituindo um verdadeiro sistema, tende a reforçar a sua autonomia e potencializar o seu papel de aperfeiçoamento da gestão pública e valorização da cidadania. Ainda, a garantia de sigilo dos usuários é outro elemento essencial para que as pessoas se sintam seguras em realizar as suas manifestações (MENEZES, 2015MENEZES, R. A. Ouvidorias públicas federais: análise dos elementos que contribuem para a promoção da gestão social. Brasília; Rio de Janeiro: IPEA, 2015. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/participacao/¡mages/pdfs/td_2088.pdf. Acesso em: 2 maio 2021.
http://www.ipea.gov.br/participacao/¡mag...
).

No âmbito do SUS, as funções da ouvidoria foram institucionalizadas nacionalmente no ano de 2003, por meio de Decreto n. 4.726/03, atualmente revogado. À época, essa legislação definiu uma série de atribuições, dentre as quais se destacam as de propor, coordenar e implementar a Política Nacional de Ouvidoria em Saúde, buscando integrar e estimular práticas que ampliem o acesso dos usuários no processo de avaliação do SUS e estimular a criação de estruturas descentralizadas de ouvidoria em saúde (FERNANDES; MOREIRA; RIBEIRO, 2016FERNANDES, F. M. B.; MOREIRA, M. R.; RIBEIRO, J. M. Análise da atuação das ouvidorias estaduais do Sistema Único de Saúde como instâncias participativas. Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 40, n. especial, p. 201-12, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v40nspe/0103-1104-sdeb-40-spe-0201.pdf. Acesso em: 2 maio 2021.
http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v40nspe/01...
).

As manifestações dos usuários constituem indicadores de saúde importantes, auxiliando no monitoramento e na avaliação da política pública. Ademais, o estabelecimento de estruturas descentralizadas, conforme disciplina a Portaria n. 2.416/14, configura um mecanismo essencial para potencializar as características federativas do SUS, ampliando os canais de participação da sociedade no processo de gestão compartilhada (FERNANDES; MOREIRA; RIBEIRO, 2016FERNANDES, F. M. B.; MOREIRA, M. R.; RIBEIRO, J. M. Análise da atuação das ouvidorias estaduais do Sistema Único de Saúde como instâncias participativas. Saúde Debate, Rio de Janeiro, v. 40, n. especial, p. 201-12, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v40nspe/0103-1104-sdeb-40-spe-0201.pdf. Acesso em: 2 maio 2021.
http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v40nspe/01...
).

Outra ferramenta legislativa importante para a consolidação das ouvidorias é a Lei de Acesso à Informação. Ao regulamentar o acesso a informações previsto no inciso II do § 3º do Artigo 37 da Constituição Federal, a referida lei se traduz em instrumento de importância singular para a consolidação do processo de democratização do Brasil, uma vez que garante ao cidadão, como regra, o acesso a informações produzidas ou custodiadas por órgãos e entidades públicos. Com isso, o acesso passa a ser regra; e o sigilo, exceção (MENEZES, 2015MENEZES, R. A. Ouvidorias públicas federais: análise dos elementos que contribuem para a promoção da gestão social. Brasília; Rio de Janeiro: IPEA, 2015. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/participacao/¡mages/pdfs/td_2088.pdf. Acesso em: 2 maio 2021.
http://www.ipea.gov.br/participacao/¡mag...
).

Mais recentemente, a Lei n. 13.460, de 26 de junho de 2017, que dispõe sobre a participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública, disciplinou direitos referentes ao usuário de serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela administração pública (BRASIL, 2017BRASIL. Lei n. 13.460, de 26 de junho de 2017. Dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Brasília, DF, 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13460.html. Acesso em: 2 maio 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
).

A referida lei se constitui em uma ferramenta legislativa importante, na medida em que normatiza funções, tempo de resposta e outras formas de organização das estruturas de ouvidoria nos órgãos de prestação de serviços públicos, mas inova, sobretudo, ao disciplinar de forma expressa a estreita vinculação existente entre a ouvidoria e o acesso dos direitos de manifestação e participação do usuário.

3 METODOLOGIA

No que diz respeito ao objetivo estabelecido no presente trabalho, trata-se de uma pesquisa descritiva. A pesquisa descritiva tem como principal objetivo retratar com precisão as características de indivíduos, eventos, fenômenos ou situações, sendo utilizada tanto na abordagem qualitativa como na quantitativa (BIROCHI, 2015BIROCHI, R. Metodologia de estudo e de pesquisa em Administração. Florianópolis: UFSC; Brasília: CAPES /UAB, 2015.).

O objeto do presente estudo consiste na análise das manifestações da Ouvidoria SUS. O locus da pesquisa é o estado do Rio Grande do Sul. Assim, o presente artigo, a partir da categoria de controle social e seus critérios de análise, objetiva verificar se a pandemia da covid-19 afetou a utilização desse instrumento de controle social. Para tanto, propõe-se a fazer um estudo comparativo do acesso dos usuários à Ouvidoria SUS nos anos de 2019 e 2020, antes e durante o período pandêmico.

A coleta de dados secundários referentes aos atendimentos da Ouvidoria SUS no Rio Grande do Sul foi realizada junto ao Portal Business Intelligence (BI) – Informações de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, versão Gestão Estadual.

A autorização para acesso e utilização dos dados foi concedida pela 15ª Coordenadoria Regional de Saúde, unidade descentralizada da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, em 20 de abril de 2021RIO GRANDE DO SUL (Estado). Informações de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, [versão Gestão Estadual]. Portal BI (Business Intelligence), Porto Alegre, 2021. Disponível em: https://bi.saude.rs.gov.br/index.htm. Acesso em: 2 maio 2021.
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, uma vez cumpridos os requisitos da Portaria SES/RS n. 334/2019.

Para o tratamento dos dados, buscou-se identificar nos indicadores a adequação aos critérios contidos na matriz elaborada pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos em Gestão e Políticas Públicas, Desenvolvimento, Comunicação e Cidadania (GPDeC) da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), categoria de controle social e seus critérios de análise, abaixo representados.

Quadro 1 Categoria de controle social e seus critérios de análise
Cidadania Deliberativa Categoria de controle social: o ato de fiscalização exercido pela sociedade civil sobre as ações do Estado.

Critérios de Análise

Transparência: informações governamentais abertas aos cidadãos, de forma a propiciar o acesso às informações, possibilitando uma maior fiscalização pela sociedade.

Legitimidade social: reconhecimento da capacidade de atuação como promotora do controle social.

Acompanhamento de políticas públicas: julgar os mecanismos de acompanhamento das políticas públicas.

Instrumentos de controle: utilização dos meios de controle governamental de forma independente.

Inteligibilidade: capacidade de perceber e compreender informações.

Promoção do controle social: capacidade do conselho de promover o controle social.

  • Fonte: Allebrandt e Prediger (2018)ALLEBRANDT, S. L; PREDIGER, R. P. Escopo metodológico. In: ALLEBRANDT, S. L; TENÓRIO, G. (Org.). Controle social de territórios: teoria e prática. Ijuí: Ed. Unijuí, 2018. p. 29-44. V. 2..
  • Quanto ao desenho metodológico empregado, trata-se de uma pesquisa de enfoque predominantemente qualitativo. A pesquisa qualitativa se dedica ao estudo de fenômenos em que a quantificação não é apropriada ou em que não seja conveniente reduziro objeto estudado a variáveis e padrões de medida. Ao interagircom a realidade, o pesquisador realiza um processo contínuo de interpretação e transformação (BIROCHI, 2015BIROCHI, R. Metodologia de estudo e de pesquisa em Administração. Florianópolis: UFSC; Brasília: CAPES /UAB, 2015.).

    4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

    O Sistema Único de Saúde foi a primeira política pública brasileira a adotar constitucionalmente a participação popular como um de seus princípios, seja no auxílio da gestão, a partir do levantamento de prioridades e propostas, seja no exercício do controle social, institucionalizando espaços e ferramentas em seu arcabouço jurídico (ROLIM; CRUZ; SAMPAIO, 2013ROLIM, L. B.; CRUZ, R. B. L. C; SAMPAIO, K. J. A. J. Participação popular e controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 96, p. 139-47, jan./mar. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n96/16.pdf. Acesso em: 20 abr. 2021.
    http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n96/16....
    ).

    Essa perspectiva representa uma das formas mais avançadas de democracia, na medida em que determina uma nova relação entre o Estado e a sociedade. Nesse formato, as decisões sobre as ações na saúde deverão ser pactuadas e deliberadas de forma conjunta com os representantes da sociedade, uma vez que estes conhecem a realidade da saúde das comunidades. Logo, as condições necessárias para que se promova a democratização da gestão pública em saúde perpassam pelo protagonismo do controle social (ROLIM; CRUZ; SAMPAIO, 2013ROLIM, L. B.; CRUZ, R. B. L. C; SAMPAIO, K. J. A. J. Participação popular e controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 96, p. 139-47, jan./mar. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n96/16.pdf. Acesso em: 20 abr. 2021.
    http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v37n96/16....
    ).

    Assim, a categoria de controle social utilizada, segundo o conceito da matriz elaborada pelo GPDeC da UNIJUÍ, corresponde ao “ato de fiscalização exercido pela sociedade civil sobre as ações do Estado” (ALLEBRANDT; PREDIGER, 2018, 34ALLEBRANDT, S. L; PREDIGER, R. P. Escopo metodológico. In: ALLEBRANDT, S. L; TENÓRIO, G. (Org.). Controle social de territórios: teoria e prática. Ijuí: Ed. Unijuí, 2018. p. 29-44. V. 2.).

    Os dados a seguir apresentados são referentes aos atendimentos da Ouvidoria SUS no Rio Grande do Sul, nos anos de 2019RIO GRANDE DO SUL (Estado). Secretaria Estadual da Saúde. Portaria SES nº 334/2019. Institui fluxo e orientações de atendimento a requisições para projetos de pesquisa e dá outras providências. Porto Alegre, 2019. Disponível em: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20190655/19155517-334.pdf. Acesso em: 2 jan. 2021.
    https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/...
    e 2020. A partir da sua análise, realizada com fulcro nos critérios da matriz acima referida, pretende-se verificar se a pandemia da covid-19 afetou a utilização desse instrumento de controle social.

    A tabela abaixo apresenta quantitativos que se referem à atuação da Ouvidoria SUS quanto ao recebimento e encaminhamento das manifestações dos cidadãos, estabelecendo um comparativo entre os anos selecionados.

    Servirão de critério de análise para estes dados os seguintes conceitos: a) legitimidade social; b) instrumento de controle; c) promoção do controle social.

    Tabela 1 Comparativo de manifestações da Ouvidoria SUS no Rio Grande do Sul
    Indicador Quantitativo 2019 Quantitativo 2020
    Total de manifestações: 7.919 7.514
    Manifestações pendentes: 159 510
    Manifestações com prazo de resposta vencido: 153 505
    Manifestações respondidas: 7.760 7.004
    Tempo médio de resposta em dias: 51,77 26,02
    Taxa de resposta no período: 97,99 93,21
    Manifestações respondidas no prazo: 5.916 6.1184
    % de demandas respondidas no prazo: 74,71 82,30
  • Fonte: Rio Grande do Sul (2021)RIO GRANDE DO SUL (Estado). Informações de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, [versão Gestão Estadual]. Portal BI (Business Intelligence), Porto Alegre, 2021. Disponível em: https://bi.saude.rs.gov.br/index.htm. Acesso em: 2 maio 2021.
    https://bi.saude.rs.gov.br/index.htm....
    .
  • Embora os números revelem que a utilização da Ouvidoria SUS é baixa se comparada com a população residente no território (11.422.973 pessoas segundo a estimativa do IBGE para 2020), a partir da visualização dos dados por meio do comparativo das manifestações realizadas por usuários junto à Ouvidoria SUS no Rio Grande do Sul, nos anos de 2019RIO GRANDE DO SUL (Estado). Secretaria Estadual da Saúde. Portaria SES nº 334/2019. Institui fluxo e orientações de atendimento a requisições para projetos de pesquisa e dá outras providências. Porto Alegre, 2019. Disponível em: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20190655/19155517-334.pdf. Acesso em: 2 jan. 2021.
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    e 2020, é possível verificar uma queda de 5,12% no quantitativo total de manifestações realizadas no ano de 2020.

    A despeito da queda, é possível identificar que, para os usuários que acessam essa ferramenta, existe um reconhecimento da capacidade de atuação da Ouvidoria SUS como instrumento promotor do controle social, o que permite evidenciar um sentimento de reconhecimento e legitimidade da capacidade de atuação individual dos usuários que, mesmo não representados por conselhos ou atuando em espaços coletivos, sentem-se promotores do controle social da política de saúde.

    Outrossim, no que se refere à categoria de promoção do controle social, compreendida como a capacidade do instrumento de promover o controle social, muito embora o percentual de demandas respondidas no prazo e o tempo médio de respostas tenha se mostrado superior ao praticado no ano de 2019, depreende-se, pelo expressivo aumento do número de manifestações pendentes e com prazo de respostas vencido, que um quantitativo significativo de usuários permaneceu sem resposta por parte da gestão estadual.

    Ainda, verifica-se que a utilização da Ouvidoria, como instrumentos de controle, foi realizada prioritariamente por meio do telefone, em ambos os períodos. O telefone, portanto, foi o meio de acesso utilizado pela grande maioria dos cidadãos, conforme se observa nos gráficos abaixo.

    Gráfico 1
    Meio de atendimento da Ouvidoria SUS, 2019

    Gráfico 2
    Meio de atendimento da Ouvidoria SUS, 2020

    A tabela abaixo apresenta os quantitativos da Ouvidoria SUS classificados por assunto demandado pelos cidadãos. Serviram de critério de análise para estes dados os seguintes conceitos: a) transparência; b) acompanhamento de políticas públicas; c) inteligibilidade.

    Tabela 2 Manifestações por assunto
    Assunto 2019 2020
    Absoluto Relativo Absoluto Relativo
    Gestão 1.219 15,39% 1.253 16,68%
    Assistência à saúde 2.296 28,99% 1.917 25,51%
    Assistência farmacêutica 2.577 32,54% 2.335 31,08%
    Vigilância sanitária 276 3,49% 306 4,07%
    Vigilância em saúde 158 2,00% 860 16,68%
    Financeiro 54 0,68% 27 0,36%
    Estratégia de Saúde da Família (ESF) 58 0,75% 47 0,63%
    SAMU 93 1,17% 74 0,98%
    Orientações em saúde 51 0,64% 59 0,79%
    Alimento 773 9,76% 390 5,19%
    Transporte 43 0,54% 12 0,16%
    Assuntos não pertinentes 12 0,15% 8 0,11%
    Cartão SUS 16 0,20% 9 0,11%
    Programa Farmácia Popular do Brasil – Sistema copagamento 1 0,01% 3 0,04%
    Assistência odontológica 29 0,37% 31 0,41%
    Conselho de Saúde 4 0,05% 1 0,01%
    Produtos para saúde/correlatos 163 2,06 92 1,22
    Comunicação 37 0,47% 55 0,73%
    Ouvidoria do SUS 30 0,38% 10 0,13%
    Outros 20 0,25% 2 0,01%
  • Fonte: Rio Grande do Sul (2021)RIO GRANDE DO SUL (Estado). Informações de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, [versão Gestão Estadual]. Portal BI (Business Intelligence), Porto Alegre, 2021. Disponível em: https://bi.saude.rs.gov.br/index.htm. Acesso em: 2 maio 2021.
    https://bi.saude.rs.gov.br/index.htm....
    .
  • No que se refere ao critério de transparência, é possível constatar, a partir da multiplicidade de assuntos demandados, que a Ouvidoria SUS assegura aos cidadãos respaldo para requerer, por meio de uma manifestação, informações governamentais abertas de qualquer área da saúde pública. A exceção ocorre apenas no fornecimento de informações consideradas como dado pessoal de um usuário ou protegidas por prévia disposição legal.

    O acesso amplo e irrestrito a informações referentes ao financiamento, gestão, acesso a serviços e insumos, políticas e programas assegura uma maior e mais eficiente fiscalização por parte da sociedade, bem como se constitui em uma importante ferramenta de acompanhamento das políticas públicas, atendendo a mais um dos critérios da matriz de controle social.

    Com relação ao acompanhamento de políticas públicas, observa-se que, em âmbito estadual, o assunto mais recorrente em termos de manifestações da Ouvidoria SUS é a Assistência Farmacêutica seguida da assistência à saúde. O mesmo padrão foi identificado nos anos de 2019 e 2020.

    Ainda, nesse quesito, a maior diferença observada entre as manifestações realizadas no ano de 2019 em relação ao ano de 2020 foi a crescente abordagem das temáticas relativas à Vigilância em Saúde, que passaram de 2% para 16,68%, em decorrência da pandemia da covid-19 e da ampliação da divulgação dos canais de denúncias contra violação de protocolos sanitários.

    Por fim, da análise do filtro de assuntos, é possível perceber que poucas demandas no período analisado trataram de assuntos não pertinentes à política de saúde, o que demonstra estar presente a inteligibilidade dos usuários no sentido de compreender a função da Ouvidoria SUS e utilizar a ferramenta da forma mais adequada possível para a tramitação de suas manifestações.

    5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

    A participação da sociedade na gestão da política pública e no controle social é uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde. Esse formato determinou uma nova relação entre o Estado e a sociedade, pautada na perspectiva da gestão social e na relação democrática e dialógica entre gestores e cidadãos. No Brasil, a pandemia da covid-19 revelou uma crise de coordenação de forte dimensão federativa no âmbito político-institucional. Todo esse contexto trouxe diversos desafios para o controle social.

    Assim, considerando-se que as ouvidorias representam ferramentas em que a participação social se desenvolve de maneira mais individualizada, sendo que a grande maioria de acessos é mediada por meios eletrônicos, o presente artigo, a partir da categoria de controle social e seus critérios de análise, objetivou verificar se a pandemia da covid-19 afetou a utilização desse instrumento de participação e controle social. Para tanto, realizou um estudo comparativo do acesso dos usuários à Ouvidoria SUS no Rio Grande do Sul, nos anos de 2019RIO GRANDE DO SUL (Estado). Secretaria Estadual da Saúde. Portaria SES nº 334/2019. Institui fluxo e orientações de atendimento a requisições para projetos de pesquisa e dá outras providências. Porto Alegre, 2019. Disponível em: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20190655/19155517-334.pdf. Acesso em: 2 jan. 2021.
    https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/...
    e 2020, antes e durante o período pandêmico.

    A partir da análise dos dados, foi possível verificar uma queda de 5,12% no quantitativo total de manifestações realizadas no ano de 2020. Houve ainda um expressivo aumento do número de manifestações pendentes e com prazo de resposta vencido, demonstrando que um quantitativo significativo de usuários permaneceu sem resposta por parte da gestão estadual. O meio mais utilizado para manifestações, em ambos os períodos, foi o telefone.

    Por fim, no que se refere às temáticas das manifestações, a maior diferença observada entre os anos de 2019 e 2020 foi a crescente abordagem das temáticas relativas à Vigilância em Saúde, que passaram de 2% para 16,68%, em decorrência da pandemia da covid-19 e da ampliação da divulgação dos canais de denúncias contra violação de protocolos sanitários.

    • 3
      De acordo com Habermas (1987)HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa: racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid: Taurus, 1987. V. 1., a ação comunicativa se refere à interação de ao menos dois sujeitos capazes de inguagem e de ação que (seja com meios verbais, seja com meios extraverbais) entabulam uma relação interpessoal. Os atores buscam entender-se sobre uma situação de ação para poder assim coordenar de comum acordo seus planos de ação e, com ele, suas ações. O conceito aqui central é o de interpretação, refere-se primordialmente à negociação de definições da situação suscetível de consenso.

    REFERÊNCIAS

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    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2023
    • Data do Fascículo
      Apr-Jun 2023

    Histórico

    • Recebido
      31 Jul 2021
    • Aceito
      15 Mar 2023
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