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Capital social e desenvolvimento local no arranjo produtivo local de café sombreado na região do maciço de Baturité, Ceará

Social capital and local development in the local productive arrangement of shade-grown coffee in the Maciço de Baturité region, Ceará

Capital social y desarrollo local en el arreglo productivo local de café de sombra en la región de Maciço de Baturité, Ceará

Resumo

O café sombreado (ecológico) da região do Maciço de Baturité vem se destacando no cenário regional e estadual, dado o processo de organização da rede de produtores. Com o objetivo de aferir e analisar o nível de capital social no arranjo produtivo de produtores de café ecológico da região do Maciço de Baturité, estado do Ceará, em 2022. O presente artigo utilizou a pesquisa de campo e o estudo de caso com 36 produtores. A aferição do capital social (ICS) da rede enquadrou-se em médio nível de capital social, com maior importância para a dimensão capital social cognitivo, ação coletiva prévia e dimensão perfil organizacional. O capital social emerge como um pilar fundamental para o desenvolvimento local, já que seus efeitos caudatários podem potencializar o dinamismo social e econômico das comunidades rurais do arranjo cafeeiro, gerando impactos positivos na região, por meio do incentivo ao desenvolvimento de outras atividades produtivas locais.

Palavras-chave
capital social; arranjo produtivo local; desenvolvimento local; comunidades rurais; relações sociais

Abstract

Shaded (ecological) coffee from the Maciço de Baturité region has been standing out in the regional and state scenario, given the process of organization of the network of producers. In order to assess and analyze the level of social capital in the productive arrangement of ecological coffee producers in the Maciço de Baturité region, state of Ceará, in 2022. This article used field research and a case study with 36 producers. The measurement of social capital (ICS) in the network was classified as having a medium level of social capital, with greater importance placed on the cognitive social capital dimension, previous collective action and organizational profile dimension. Social capital emerges as a fundamental pillar for local development, since its cascading effects can enhance the social and economic dynamism of rural communities in the coffee production arrangement, generating positive impacts in the regional by promoting the development of other local productive activities.

Keywords
social capital; local productive arrangement; local development; rural communities; social relations

Resumen

El café sombreado (ecológico) de la región del Maciço de Baturité se ha destacado en el escenario regional y estatal debido al proceso de organización de la red de productores. Con el objetivo de medir y analizar el nivel de capital social en la arreglo productivo de productores de café ecológico de la región del Maciço de Baturité, estado de Ceará, en 2022. Este artículo utilizó la investigación de campo y estudio de caso con 36 productores. La medición del capital social (ICS) de la red se clasificó en un nivel medio de capital social, con mayor importancia en la dimensión cognitiva del capital social, acción colectiva previa y perfil organizacional. El capital social emerge como un pilar fundamental para el desarrollo local, ya que sus efectos secundarios pueden potenciar el dinamismo social y económico de las comunidades rurales el arreglo productive del café, generando impactos positivos em la región a través del fomento al desarrolho de otras actividades productivas locales.

Palabras clave
capital social; arreglo productivo local; desarrollo local; comunidades rurales; relaciones sociales

1 INTRODUÇÃO

Apesar do potencial, a representatividade da atividade econômica do café sombreado na região do Maciço de Baturité, no Ceará, é baixa no contexto regional e estadual. Souza et al. (2010)SOUZA, N. C.; CAMPOS, R. T.; CARVALHO, R. M.; CABRAL, J. E. O. Avaliação da rentabilidade em condições de risco do café ecológico da Área de Proteção Ambiental da Serra de Baturité - CE. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 41, n. 1, p. 116-31, 2010. reforçam essa argumentação, ao dizerem que a cafeicultura da região do Maciço não tem a mesma importância de décadas passadas, em termos de volume produzido, mas se mostra relevante, principalmente na ocupação de mão de obra, como, aliás, em grande parte da agricultura estadual. Nesse contexto, Reis e Djau (2014)REIS, J. N. P.; DJAU, M. A. Núcleos de desenvolvimento setoriais da agricultura no Estado do Ceará. Caderno de Ciências Sociais Aplicadas, Vitória da Conquista, n. 18, p. 197-221, 2014. contribuem para o debate, ao exprimirem que a produtividade do setor agrícola cearense ainda é baixa, pois parcela considerável dos agricultores é de base familiar e se dedica à subsistência.

A despeito dessas características, emergem, na região, ações colaborativas entre os produtores de café. Segundo Saes, Souza e Otani (2003)SAES, M. S. M.; SOUZA, M. C. M.; OTANI, M. N. Strategic alliances and sustainable coffee production: the shaded system of Baturite, State of Ceara, Brazil. International Food and Agribusiness Management Review, [s.l.], v. 6, n. 2, p. 1-10, 2003., são vários os fatores que estimulam a formação de alianças entre os produtores locais de café da região do Maciço. Dentre os fatores, as autoras enumeram os seguintes: ocupação predatória da região, erosão do solo, destruição das águas subterrâneas e ameaças ao abastecimento d’água. Dessa maneira, a conscientização e o conhecimento tácito adquirido sobre a importância da preservação ambiental, das técnicas de cultivo e de manejo do café, bem como a valorização das práticas agroecológicas com base nas interações e na cooperação entre os agentes locais , devem garantir maior nível de aprendizado na própria produção de café ecológico (Saes; Souza; Otani, 2003SAES, M. S. M.; SOUZA, M. C. M.; OTANI, M. N. Strategic alliances and sustainable coffee production: the shaded system of Baturite, State of Ceara, Brazil. International Food and Agribusiness Management Review, [s.l.], v. 6, n. 2, p. 1-10, 2003.).

Neste panorama, foram comprovados indícios de que a aglomeração produtiva de café ecológico do Maciço de Baturité pode ser caracterizada como Arranjo Produtivo Local (APL), pois há, na localidade, agentes-âncoras que interagem com pequenos produtores locais, além de instituições de apoio, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), as secretarias municipais e as instituições de ensino atuantes na aglomeração produtiva. Ademais, existem duas associações de cafeicultores ali trabalhando: a Associação de Cafeicultores do Maciço de Baturité (AFLORACAFÉ) e a recém-criada Associação de Cafeicultores Ecológicos (ECOCAFÉ). Vê-se, também, que há delimitação espacial da produção sob a influência de um estoque de conhecimento tácito, o qual tem sido repassado de forma intergeracional.

No entanto, apesar desses indícios, estudos recentes ainda são incipientes na questão da relação entre capital social e desenvolvimento local para o APL em questão (Ribeiro; Boto; Mayorga, 2020RIBEIRO, L. L.; BOTO, L. T.; MAYORGA, F. D. O. Capital social no Brasil: uma análise de seus determinantes. Revista Interações, Campo Grande, MS, v. 21, n. 4, p. 801-15, 2020.). Segundo Amaral Filho (2011)AMARAL FILHO, J. Sistemas e arranjos produtivos locais. Revista Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, n. 36, p. 171-212, 2011., o capital social é um elemento chave na constituição de sistemas produtivos locais e no desenvolvimento local, pois baseia-se em confiança e cooperação entre os agentes locais (públicos e privados), que podem resultar em esforços coletivos convergentes na obtenção de resultados econômicos.

Em razão dessas lacunas, o questionamento que surge é: como a presença ou não de capital social entre os produtores de café ecológico do APL do Maciço de Baturité pode promover o desenvolvimento local? A hipótese que emerge, nesse contexto, repousa na possibilidade da existência de baixo nível de capital social entre os produtores de café da Serra de Baturité, o que pode limitar o aparecimento de resultados positivos sobre o desenvolvimento local das comunidades que compõem o APL cafeeiro. Dessa maneira, o objetivo deste estudo é aferir e analisar o nível de capital social no arranjo produtivo de produtores de café ecológico da região do Maciço de Baturité, estado do Ceará, em 2022.

A temática teórica escolhida para relacionar ao contexto do referido APL de café sombreado refere-se ao conceito de capital social advindo de estudos importantes, a exemplo de Bourdieu (1980)BOURDIEU, P. Le capital social: notes provisoires. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 31, p. 2-3, 1980. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322_1980_num_31_1_2069. Acesso em: 31 jan. 2016.
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, Coleman (1988)COLEMAN, J. S. Social capital in the creation of human Capital. American Journal of Sociology. Sociological and Economic Approaches to the Analysis of Social Structure, [s.l.], v. 94, p. S95-S120, 1988., Putnam (1995)PUTNAM, R. D. Bowling alone: America´s declining social capital. Journal of Democracy, v. 6, n. 1, p. 65-78, 1995., Ostrom (1999)OSTROM, E. Social capital: a fad or a fundamental concept? In: DASGUPTA P.; SERAGELDIN, I. (Ed.). Social capital: a multifaceted perspective. Washington, DC: The World Bank, p. 172-214, 1999., Fukuyama (2001)FUKUYAMA, F. Capital social. In: HARRISON, L. E.; HUNTINGTON, S. P. A Cultura Importa. São Paulo: Record, 2001., Grootaert et al. (2003)GROOTAERT, C.; NARAYAN, D.; JONES, V. N.; WOOLCOCK, M. “Questionário integrado para medir capital social”. Banco Mundial, São Paulo, 2003. 73 p. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/78c0/5e2cf57a2c39dec080a3b0b43c232069c769.pdf. Acesso em: 20 fev. 2017.
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e Amaral Filho (2003AMARAL FILHO, J. Capital social, cooperação e alianças entre os setores público e privado no Ceará. Revista Políticas Públicas e Sociedade, Brasília, DF, n. 6, p. 23-39, 2003., 2008AMARAL FILHO, J. Sistemas e Arranjos Produtivos Locais: fundamentos evolucionistas. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS [ENABER], 6., Aracaju, junho de 2008. Anais [...]. Aracaju: ENABER, 2008. p. 1-22. Disponível em: http://www.ric.ufc.br/biblioteca/jair_b.pdf. Acesso em: 3 set. 2014.
http://www.ric.ufc.br/biblioteca/jair_b....
, 2011). Esse panorama teórico é uma evidência contundente para o desenvolvimento econômico de um local ou região, pois pode auxiliar na elaboração e implementação de políticas públicas.

2 CAPITAL SOCIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL

Pioneiro nos estudos sobre capital social, Bourdieu (1980BOURDIEU, P. Le capital social: notes provisoires. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 31, p. 2-3, 1980. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322_1980_num_31_1_2069. Acesso em: 31 jan. 2016.
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, 1989BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1989. Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-O-poder-simb%C3%B3lico.pdf. Acesso em: 24 mar. 2023.
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) situa capital social como agregador de recursos de um conjunto de relações sociais, no qual os agentes envolvidos extraem vantagens (materiais ou simbólicas) estratégicas, para entender as ações das pessoas em sociedade por meio das relações de poder e dominação. Na percepção de Bourdieu (1989)BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1989. Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-O-poder-simb%C3%B3lico.pdf. Acesso em: 24 mar. 2023.
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, existe, na sociedade, atores dominantes sobre outros, os quais se valem da dominação de símbolos e práticas culturais, que são invisíveis, sendo conhecido como “violência simbólica”).

O “campo” e o “habitus” são outros conceitos presentes na teoria de Bourdieu; no primeiro, o destaque alcançado por um ator em seu grupo é determinado pelo capital social, por suas habilidades e recursos materiais; enquanto o segundo conceito evidencia que as experiências e interações sociais das pessoas formam um conjunto de disposições determinantes, a saber, valores, crenças, comportamentos e maneiras de pensar (Bourdieu, 1989BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1989. Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-O-poder-simb%C3%B3lico.pdf. Acesso em: 24 mar. 2023.
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). Ainda nesse quadro conceitual, Bourdieu reforça que as interações entre os atores envolvem, exatamente, as “trocas simbólicas”, importantes para a construção das relações sociais e para manutenção do poder e da dominação (Bourdieu, 2007BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas: introdução, organização e seleção. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007. (Coleção Estudos). Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-A-economia-das-trocas-simb%C3%B3licas.pdf. Acesso em: 24 mar. 2023.
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).

Ainda na década de 1980, James Coleman complementou esse debate conceitual, ao exprimir que o capital social denota recursos a que os agentes têm acesso, por intermédio de suas relações sociais (Coleman, 1988COLEMAN, J. S. Social capital in the creation of human Capital. American Journal of Sociology. Sociological and Economic Approaches to the Analysis of Social Structure, [s.l.], v. 94, p. S95-S120, 1988.). Coleman (1988)COLEMAN, J. S. Social capital in the creation of human Capital. American Journal of Sociology. Sociological and Economic Approaches to the Analysis of Social Structure, [s.l.], v. 94, p. S95-S120, 1988. complementa, expressando que o entendimento sobre capital social envolve uma diversidade de atores, pertencentes a uma estrutura social que facilita determinadas ações . Dessa maneira, esse conceito está associado aos elementos de organização social, como as redes, as normas e a confiança social que facilitam a cooperação.

Coleman argumenta, também, que o capital social pode gerar tanto efeitos positivos quanto negativos na vida dos atores que pertencem a uma comunidade, já que tudo dependerá de normas e obrigações necessárias que evitem os efeitos externos (Coleman, 1988COLEMAN, J. S. Social capital in the creation of human Capital. American Journal of Sociology. Sociological and Economic Approaches to the Analysis of Social Structure, [s.l.], v. 94, p. S95-S120, 1988.). Como efeitos positivos, pode-se citar a criação de novas oportunidades de atividades produtivas e empregos locais, bem como o aumento da coesão social, importante para melhorar as condições de vida nas comunidades, principalmente as rurais (Sousa; Khan; Casimiro Filho, 2018SOUSA, M. C.; KHAN, A. S.; CASIMIRO FILHO, F. Índice de capital social em comunidades rurais do Polo de Desenvolvimento integrado Tabuleiro de Russas, no baixo Jaguaribe, Ceará. In: KHAN, A. S.; LIMA, F. E.; LIMA, P. V. P. S. (Org.). Uso de indicadores em Ciências Econômicas, Sociais e Ambientais. 1. ed. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2018. p. 143-184. V. 1.).

Robert David Putnam deteve-se em estudos de capital social e suas condições necessárias para solidificação das instituições, em que constatou que o capital social se manifesta, formalmente ou informalmente, de várias maneiras e em inúmeros meios; por exemplo, considerando aspectos de um determinado grupo de indivíduos, de uma associação de pais e de professores e até de fatores econômicos de um país (Putnam, 1995PUTNAM, R. D. Bowling alone: America´s declining social capital. Journal of Democracy, v. 6, n. 1, p. 65-78, 1995., 2001PUTNAM, R. D. Social capital: measurement and consequences. Canadian Journal of Policy Research, Saint-Laurent, Québec, v. 2, n. 1, p. 41-51, 2001.). O autor argumenta, ainda, que o (bom) capital social é fundamental para o funcionamento saudável da sociedade, à medida que se liga aos aspectos de confiança, reciprocidade e cooperação; por isso, Putnam subdivide o capital em cognitivo e estrutural. Putnam (1995)PUTNAM, R. D. Bowling alone: America´s declining social capital. Journal of Democracy, v. 6, n. 1, p. 65-78, 1995. observou, ainda, que a capacidade de uma sociedade para estabelecer laços de confiança e redes de cooperação é de grande importância para o bem-estar social, a saúde da democracia e o desenvolvimento econômico.

Segundo Ribeiro, Boto e Mayorga (2020)RIBEIRO, L. L.; BOTO, L. T.; MAYORGA, F. D. O. Capital social no Brasil: uma análise de seus determinantes. Revista Interações, Campo Grande, MS, v. 21, n. 4, p. 801-15, 2020., os estudos de Putnam inspiraram diversos outros pesquisadores, os quais passaram a relacionar capital social ao desenvolvimento econômico de um país ou região , e que tiveram impacto na pesquisa acadêmica e nas políticas públicas. Esses estudos de Putnam foram fundamentais para o desenvolvimento de trabalhos que relacionam o papel do capital social com desenvolvimento econômico, inovação, criação de empresas, crescimento econômico e bem-estar social. Ostrom (1999)OSTROM, E. Social capital: a fad or a fundamental concept? In: DASGUPTA P.; SERAGELDIN, I. (Ed.). Social capital: a multifaceted perspective. Washington, DC: The World Bank, p. 172-214, 1999. foi, por exemplo, uma das autoras que se baseou nas ideias seminais de Putnam para sua definição conceitual, pontuando capital social como conhecimento, normas, regras, acordo e expectativas das interações sociais de grupos de pessoas de uma atividade.

Estes elementos considerados por Ostrom (1999)OSTROM, E. Social capital: a fad or a fundamental concept? In: DASGUPTA P.; SERAGELDIN, I. (Ed.). Social capital: a multifaceted perspective. Washington, DC: The World Bank, p. 172-214, 1999. são baseados no aprendizado mútuo advindo das conexões sociais e do entendimento de como trabalhar melhor em conjunto. Por esse motivo, o capital social assume distintas modalidades, em que a confiança e a reciprocidade produzem níveis mais elevados de retornos (Ostrom, 1999OSTROM, E. Social capital: a fad or a fundamental concept? In: DASGUPTA P.; SERAGELDIN, I. (Ed.). Social capital: a multifaceted perspective. Washington, DC: The World Bank, p. 172-214, 1999.). Ou seja, o capital social é visto como complemento fundamental para conceitos envolvendo outros tipos de capital (humano, físico e natural), e todos esses tipos são importantes para o desenvolvimento econômico local (Ostrom, 1999OSTROM, E. Social capital: a fad or a fundamental concept? In: DASGUPTA P.; SERAGELDIN, I. (Ed.). Social capital: a multifaceted perspective. Washington, DC: The World Bank, p. 172-214, 1999.). Assim, Ostrom enfatiza o papel do capital social na obtenção de qualidade de vida das pessoas em comunidades, a partir da promoção da colaboração e da cooperação entre os membros dessa comunidade (Ostrom, 1999OSTROM, E. Social capital: a fad or a fundamental concept? In: DASGUPTA P.; SERAGELDIN, I. (Ed.). Social capital: a multifaceted perspective. Washington, DC: The World Bank, p. 172-214, 1999.).

Apesar da eloquência das argumentações teóricas, é importante observar que o capital social não é tão fácil de ser mensurado - por ser um conceito abstrato -, a exemplo do capital físico, pois é praticamente invisível (Ostrom, 1999OSTROM, E. Social capital: a fad or a fundamental concept? In: DASGUPTA P.; SERAGELDIN, I. (Ed.). Social capital: a multifaceted perspective. Washington, DC: The World Bank, p. 172-214, 1999.). Dentro deste quadro, Fukuyama (2001)FUKUYAMA, F. Capital social. In: HARRISON, L. E.; HUNTINGTON, S. P. A Cultura Importa. São Paulo: Record, 2001. corrobora essa dificuldade, ao enfatizar que não é tão fácil medir as relações sociais com base em normas de honestidade e reciprocidade, em virtude das idiossincrasias inerentes ao conceito e à prática do capital social, e, nesse contexto, o capital social reflete a existência de normas cooperativas.

No fluxo caudatário dos estudos pioneiros citados, mencionam-se, por exemplo, Grootaert e Bastelaer (2001)GROOTAERT, C.; BASTELAER, T. V. Understanding and measuring social capital. A synthesis os findings and recommendations from the social capital initiative. The World Bank, n. 24, p. 1-45, 2001., os quais afirmaram que o capital social inclui diversos agentes da sociedade, dentre os quais as instituições (públicas ou privadas, organizadas ou não), as relações sociais, as atitudes e os valores que regem as interações dos seus integrantes. Os autores argumentam que o capital social é um recurso coletivo construído e mantido por meio de conexões sociais, com objetivos individuais e coletivos.

Apesar dos desafios, o capital social pode ser medido e analisado em diferentes níveis, tornando-se fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas e estratégias de desenvolvimento (Grootaert; Bastelaer, 2001GROOTAERT, C.; BASTELAER, T. V. Understanding and measuring social capital. A synthesis os findings and recommendations from the social capital initiative. The World Bank, n. 24, p. 1-45, 2001.). Em seguida, Grootaert et al. (2003)GROOTAERT, C.; NARAYAN, D.; JONES, V. N.; WOOLCOCK, M. “Questionário integrado para medir capital social”. Banco Mundial, São Paulo, 2003. 73 p. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/78c0/5e2cf57a2c39dec080a3b0b43c232069c769.pdf. Acesso em: 20 fev. 2017.
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repensaram o capital social em três dimensões interligadas, que se reforçam mutuamente para enfrentar desafios e buscar soluções coletivas para a comunidade: i) redes sociais; ii) normas e confiança; e iii) participação cívica.

O capital social é visto, portanto, como rede de relações sociais que existe entre pessoas, grupos e instituições de uma determinada localidade, sendo constituída por laços de confiança, reciprocidade, solidariedade, valores compartilhados e cooperação (Andrade; Cândido, 2008ANDRADE, E. O; CANDIDO, G. A. A relação entre os níveis de capital social e os índices de desenvolvimento sustentável: uma análise comparativa entre municípios. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO [ANPAD], 32., Rio de Janeiro, 6 a 10 de setembro 2008. Anais [...]. Rio de janeiro: ANPAD, 2008. Disponível em: https://arquivo.anpad.org.br/eventos.php?cod_evento=&cod_evento_edicao=38&cod_edicao_subsecao=391&cod_edicao_trabalho=8756. Acesso em: 8 set. 2021.
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). Assim, para Andrade e Cândido (2008)ANDRADE, E. O; CANDIDO, G. A. A relação entre os níveis de capital social e os índices de desenvolvimento sustentável: uma análise comparativa entre municípios. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO [ANPAD], 32., Rio de Janeiro, 6 a 10 de setembro 2008. Anais [...]. Rio de janeiro: ANPAD, 2008. Disponível em: https://arquivo.anpad.org.br/eventos.php?cod_evento=&cod_evento_edicao=38&cod_edicao_subsecao=391&cod_edicao_trabalho=8756. Acesso em: 8 set. 2021.
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, o capital social não pode ser considerado um recurso fixo e imutável, mas uma construção social em constante transformação. Nesse sentido, os autores defendem seis dimensões, baseadas naquelas apresentadas por Grootaert et al. (2003)GROOTAERT, C.; NARAYAN, D.; JONES, V. N.; WOOLCOCK, M. “Questionário integrado para medir capital social”. Banco Mundial, São Paulo, 2003. 73 p. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/78c0/5e2cf57a2c39dec080a3b0b43c232069c769.pdf. Acesso em: 20 fev. 2017.
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, para mensurar o capital social em comunidades. São elas: (i) apoio comunitário, (ii) capital social estrutural, (iii) redes e organizações de apoio, (iv) ação coletiva, (v) capital social cognitivo; e (vi) perfil organizacional. No que diz respeito ao desenvolvimento local, o capital social surge como ponte essencial para sua promoção, pois permite articulações e cooperações entre os diferentes atores sociais, para enfrentar desafios e buscar soluções (Andrade; Cândido, 2008ANDRADE, E. O; CANDIDO, G. A. A relação entre os níveis de capital social e os índices de desenvolvimento sustentável: uma análise comparativa entre municípios. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO [ANPAD], 32., Rio de Janeiro, 6 a 10 de setembro 2008. Anais [...]. Rio de janeiro: ANPAD, 2008. Disponível em: https://arquivo.anpad.org.br/eventos.php?cod_evento=&cod_evento_edicao=38&cod_edicao_subsecao=391&cod_edicao_trabalho=8756. Acesso em: 8 set. 2021.
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).

Amaral Filho (2003)AMARAL FILHO, J. Capital social, cooperação e alianças entre os setores público e privado no Ceará. Revista Políticas Públicas e Sociedade, Brasília, DF, n. 6, p. 23-39, 2003. argumenta que, no contexto de Arranjos Produtivos Locais (APL), entre outras variáveis, o conceito de capital social é um elemento importante para seu desenvolvimento. O autor utiliza, conceitualmente, capital social como acúmulo de compromissos sociais, obtidos por meio das interações de membros de determinada localidade (Amaral Filho, 2003AMARAL FILHO, J. Capital social, cooperação e alianças entre os setores público e privado no Ceará. Revista Políticas Públicas e Sociedade, Brasília, DF, n. 6, p. 23-39, 2003.). Então, o autor reforça, primeiramente, que o capital social se manifesta como confiança, normas e relações sociais e, em segundo lugar, como condição essencial para cooperação e formação de associações de pequenos produtores. Por esse motivo, é elemento central da coordenação e governança de um APL, pois fortalece as organizações locais e favorece o surgimento e aproveitamento das janelas de oportunidades para o desenvolvimento local.

No âmbito deste aparato, nota-se que a lógica prevalecente se fundamenta nos conceitos endógenos de desenvolvimento. Ou seja, visualizam-se, nesta, a influência e a importância dos atores locais, da área geográfica física (estruturas e infraestruturas), da cultura, do fator tecnologia e das instituições para ganho de competitividade do grupo de agentes locais (Amaral Filho, 2001AMARAL FILHO, J. A endogeneização no desenvolvimento econômico regional e local. Revista Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, n. 23, p. 261-86, 2001., 2011). Na prática, a ideia defendida é que o desenvolvimento econômico endógeno deve ser impulsionado por recursos internos e estruturas social e institucional, elementos favorecedores da cooperação e da coordenação dos atores locais. Para tanto, são necessárias ações de fomento e desenvolvimento que fortaleçam a cooperação e confiança entre os atores (Amaral Filho, 2001AMARAL FILHO, J. A endogeneização no desenvolvimento econômico regional e local. Revista Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, n. 23, p. 261-86, 2001., 2011).

Tendo em vista este panorama, o fato de se conhecerem as potencialidades produtivas da localidade e o capital social, existente ou ausente, torna possível elaborar e implantar políticas de desenvolvimento, com a intenção de extrair um resultado máximo do potencial da região. Nesse sentido, ao aproveitar os diversos tipos de capitais, sejam eles tangíveis, sejam eles intangíveis, isso poderá oferecer, à região, oportunidades de promover as melhorias econômicas e sociais, o que auxiliará no desenvolvimento regional ou local (Eberthardt; Lima, 2012EBERTHARDT, P. H.; LIMA, J. F. Evolução e estágio do desenvolvimento econômico regional: o caso das regiões do Paraná. Revista Desenvolvimento Regional em Debate, Canoinhas, ano 2, n. 1, p. 189-203, 2012.).

Assim, após esta discussão teórica-conceitual, concernente à relação capital social e desenvolvimento local, é importante ressaltar a complexidade inerente dessa relação e a necessidade de aprofundar esse estudo em comunidades rurais específicas, como é o caso dos produtores de café ecológico da região do Maciço de Baturité. Esse aprofundamento pode auxiliar na definição de políticas públicas mais adequadas para o desenvolvimento dessas comunidades.

3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

Esta metodologia foi baseada na captação de dados qualitativos e quantitativos primários, por meio de pesquisa de campo, que gerou resultados advindos da realização de entrevistas e aplicações de questionários estruturados e semiestruturados aos produtores de café ecológico da região do Maciço de Baturité (municípios de Baturité, Guaramiranga e Mulungu). Assim, a fim de atingir o objetivo proposto, foram coletadas informações com os produtores e presidentes de associações das atividades que atuam nos municípios produtores tradicionais de café.

A pesquisa empírica assentou-se no processo metodológico denominado amostragem em “bola de neve” (snowball sampling), por meio de uma amostra inicial com produtores de café sombreado. Goodman (1961)GOODMAN, L. A. Snowball sampling. The Annals of Mathematical Statistics, [s.l.], v. 32, n. 1, p. 148-70, 1961. e Salganik e Keckathorn (2004)SALGANIK, M. J.; HECKATHORN, D. D. Sampling and estimation in hidden populations using respondent-driven sampling. Sociological methodology, Hoboken, v. 34, n. 1, p. 193-239, 2004. compreendem esse método como adequado para populações pouco visíveis, principalmente quando se estudam atividades que envolvem alta informalidade. Contudo, ele tem seus pontos negativos, como, por exemplo, viés de seleção, pois os produtores podem indicar outros com características semelhantes (Salganik; Keckathorn, 2004SALGANIK, M. J.; HECKATHORN, D. D. Sampling and estimation in hidden populations using respondent-driven sampling. Sociological methodology, Hoboken, v. 34, n. 1, p. 193-239, 2004.). Por esse motivo, teve-se maior cuidado na seleção, inserindo produtores com perfis diferentes dos indicados. Assim, ao todo, foram identificados 44 produtores, dos quais 36 foram entrevistados (81% do total identificado)3 3 Por se tratar de um trabalho de campo com entrevistas in loco com pessoas, este experimento passou, primeiramente, pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Ceará, em que os produtores assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). É importante destacar que foi feito um pré-teste com oito produtores, antes do início da pesquisa principal. Essa fase permitiu a imersão na realidade dos produtores e a identificação de possíveis problemas no questionário aplicado. .

O conjunto de dados coletados por meio das entrevistas refere-se ao Índice de Capital Social (ICS), considerando 38 variáveis que expressam as relações interpessoais dos produtores de café ecológico no Maciço de Baturité. Esse conjunto de variáveis foi elaborado para trazer a discussão sobre a existência ou não de capital social entre os entrevistados e o seu nível, abordando seis dimensões (Quadro 1) (Andrade; Cândido, 2008ANDRADE, E. O; CANDIDO, G. A. A relação entre os níveis de capital social e os índices de desenvolvimento sustentável: uma análise comparativa entre municípios. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO [ANPAD], 32., Rio de Janeiro, 6 a 10 de setembro 2008. Anais [...]. Rio de janeiro: ANPAD, 2008. Disponível em: https://arquivo.anpad.org.br/eventos.php?cod_evento=&cod_evento_edicao=38&cod_edicao_subsecao=391&cod_edicao_trabalho=8756. Acesso em: 8 set. 2021.
https://arquivo.anpad.org.br/eventos.php...
; Andrade; Gomes; Candido, 2008ANDRADE, E. O.; GOMES, F. S. L.; CANDIDO, G. A. Capital social como mecanismo para melhorias nas formas de atuação de Cooperativas de Produtores Rurais. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 8, n. 2, p. 81-106, 2008.; Melo; Regis, 2015MELO, P. T. N. B.; REGIS, H. P. Capital social nos estudos organizacionais brasileiros. In: BASTOS, A. V. B.; LOIOLA, E.; REGIS, H. P. (Org.). Análise de redes sociais em contextos organizacionais. Salvador: EDUFBA, 2015. 587 p.; Souza; Khan; Casimiro Filho, 2018).

Quadro 1
Dimensões do capital social

A aferição das variáveis que compõem as dimensões do capital social foi procedida utilizando a Escala de Likert de cinco pontos, na qual os extremos indicam muito baixo e muito alto em termos de concordância. Dessa maneira, trabalhou-se com ICS e com variáveis que expressam as relações interpessoais dos membros do conjunto de produtores de café ecológico nos três municípios da região do Maciço de Baturité. Para respaldar a análise, calculou-se um índice para as seis dimensões do capital social, conforme trabalhado por Khan e Silva (2002)KHAN, A. S.; SILVA, L. M. R. Avaliação do Projeto São José no estado do Ceará: estudo de caso. Fortaleza: UFC/CCA/DEA, 2002. e Barreto (2004)BARRETO, R. C. S. Políticas públicas e o desenvolvimento rural sustentável no Estado do Ceará: um estudo de Caso. 2004. Dissertação (Mestrado em Economia Rural) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2004.. Assim, define-se o ICS como:

(Equação 1) I C S = 1 n [ i = 1 m E i j i = 1 m E max ]

Para verificar a contribuição de cada uma das seis dimensões do capital social para o cálculo final do ICS, recorreu-se ao seguinte cálculo, segundo Khan e Silva (2002)KHAN, A. S.; SILVA, L. M. R. Avaliação do Projeto São José no estado do Ceará: estudo de caso. Fortaleza: UFC/CCA/DEA, 2002. e Barreto (2004)BARRETO, R. C. S. Políticas públicas e o desenvolvimento rural sustentável no Estado do Ceará: um estudo de Caso. 2004. Dissertação (Mestrado em Economia Rural) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2004.:

(Equação 2) C i = j = 1 n E i j i = 1 m j = 1 n E max , i

Em que: ICS = Índice de Capital Social; ∑Ci = somatório das contribuições de cada variável “i” no índice de Capital Social; Eij = escore da i-ésima variável obtida pelo j-ésimo entrevistado; Emax,i = escore máximo da i-ésima variável; i = 1, 2, 3,..., n, número de variáveis; j = 1, 2, 3, ..., m, número de cooperados entrevistados; n = número de variáveis; m = número de entrevistados.

As variáveis consideradas foram baseadas nos artigos de Barreto (2004)BARRETO, R. C. S. Políticas públicas e o desenvolvimento rural sustentável no Estado do Ceará: um estudo de Caso. 2004. Dissertação (Mestrado em Economia Rural) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2004., Khan e Silva (2002)KHAN, A. S.; SILVA, L. M. R. Avaliação do Projeto São José no estado do Ceará: estudo de caso. Fortaleza: UFC/CCA/DEA, 2002., Andrade e Cândido (2008)ANDRADE, E. O; CANDIDO, G. A. A relação entre os níveis de capital social e os índices de desenvolvimento sustentável: uma análise comparativa entre municípios. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO [ANPAD], 32., Rio de Janeiro, 6 a 10 de setembro 2008. Anais [...]. Rio de janeiro: ANPAD, 2008. Disponível em: https://arquivo.anpad.org.br/eventos.php?cod_evento=&cod_evento_edicao=38&cod_edicao_subsecao=391&cod_edicao_trabalho=8756. Acesso em: 8 set. 2021.
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e Tabosa et al. (2004)TABOSA, F. J. S.; TEIXEIRA, K. H.; SILVA, D. M. F.; MADALOZZO, C. L.; MAYORGA, M. I. O. Desenvolvimento local e capital social: uma leitura sobre os núcleos e arranjos produtivos do estado do Ceará. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E SOCIOLOGIA RURAL [SOBER], 42., Cuiabá, junho de 2004. Anais [...]. Cuiabá: SOBER, 2004.. Tais pontuações foram importantes para a aferição do índice e suas contribuições. Assim, segundo Khan e Silva (2002)KHAN, A. S.; SILVA, L. M. R. Avaliação do Projeto São José no estado do Ceará: estudo de caso. Fortaleza: UFC/CCA/DEA, 2002., o índice de capital social (ICS) assume valores de 0 a 1, classificando-se em baixo nível de acumulação de capital social (0 < ICS ≤ 0,5), médio nível de acumulação (0,5 < ICS ≤ 0,8) e alto nível de acumulação (0,8 < ICS ≤ 1).

4 HISTÓRICO E O CAPITAL SOCIAL NA REDE DE PRODUTORES DE CAFÉ ECOLÓGICO DO MACIÇO DE BATURITÉ

O histórico de organização dos produtores de café da referida serra teve início com a criação do Projeto Café Ecológico, em 1996, por meio da articulação entre a Superintendência Estadual do Meio Ambiente, da Secretaria do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (SEMACE), e a Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente (CEPEMA) (Saes; Souza; Otani, 2003SAES, M. S. M.; SOUZA, M. C. M.; OTANI, M. N. Strategic alliances and sustainable coffee production: the shaded system of Baturite, State of Ceara, Brazil. International Food and Agribusiness Management Review, [s.l.], v. 6, n. 2, p. 1-10, 2003.). Nesse período, os produtores de café se organizaram e fundaram, inicialmente, a Associação dos Produtores Ecológicos do Maciço do Baturité (APEMB) e, em seguida, criaram a Cooperativa Mista de Produtores de Café do Maciço de Baturité (COMCAFÉ), em 2000 (Ceará, 2005CEARÁ, GOVERNO DO ESTADO DO. Arranjo produtivo local de café ecológico sombreado no Maciço de Baturité. Fortaleza, 23 p. 2005.).

Na pesquisa de campo realizada nas comunidades, em 2022, foi possível notar que, na metade dos anos de 2010, em termos de organização, passaram a existir duas novas associações de cafeicultores na região, após a extinção da APEMB e COMCAFÉ. A primeira é a Associação dos Cafeicultores do Maciço de Baturité (AFLORACAFÉ), fundada em 2017, cujos produtores associados cooperam em atividades localizadas na pós-colheita, isto é, torrefação, transmissão de informações sobre preços e comercialização do café. A segunda associação é a recém-criada Associação dos Cafeicultores Ecológicos (ECOCAFÉ), que veio do movimento apresentado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE Ceará) para estimular a criação da Identidade Geográfica do café (IG do café) e a revitalização do café na região.

Portanto, observa-se que, desde os anos de 1990 até 2022, o conjunto de produtores de café sempre esteve representado por uma governança centralizada e com atuação de associações de produtores. Dessa maneira, nota-se que a estrutura das comunidades produtoras cafeeiras da serra conta com produtores (aglomeração produtiva), associações de produtores e agentes de apoio (estrutura de governança), apoio do poder público (prefeituras municipais) e início da interação com centros de ensino (instituições acadêmicas, incluindo as universidades). Esse desenho confirma que a aglomeração produtiva de café em questão pode ser considerada como APL, principalmente quando se observa a transmissão de conhecimentos relacionados à produção, colheita e comercialização entre os produtores, especialmente dentro da mesma base familiar - conhecimento tácito - ao longo das décadas (Amaral Filho, 2003AMARAL FILHO, J. Capital social, cooperação e alianças entre os setores público e privado no Ceará. Revista Políticas Públicas e Sociedade, Brasília, DF, n. 6, p. 23-39, 2003.; Ceará, 2005CEARÁ, GOVERNO DO ESTADO DO. Arranjo produtivo local de café ecológico sombreado no Maciço de Baturité. Fortaleza, 23 p. 2005.; Teixeira; Ferraro, 2009TEIXEIRA, F.; FERRARO, C. Aglomeraciones productivas locales en Brasil, formación de recursos humanos y resultados de la experiência CEPAL-SEBRAE. Santiago de Chile: CEPAL, mar. 2009. (Série Desarrollo Productivo, n. 186).).

Uma vez que os elementos mencionados são encontrados nas comunidades rurais produtoras de café ecológico no Maciço de Baturité, pode-se inferir a presença de uma estrutura social e institucional básica, juntamente com recursos internos, que são essenciais para o desenvolvimento local. Nesse contexto, as instituições, por exemplo, podem desempenhar um papel crucial na promoção da cooperação e coordenação dos atores locais, como sugerido por Amaral Filho (2001AMARAL FILHO, J. A endogeneização no desenvolvimento econômico regional e local. Revista Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, n. 23, p. 261-86, 2001.; 2011).

Assim, as comunidades envolvidas nesse APL são compostas por produtores pequenos, médios e grandes, vinculados às famílias que produzem o café ecológico. Os resultados da aferição do capital social são referentes ao conjunto de 36 produtores entrevistados, para as seis dimensões adotadas, e mostrou que o conjunto de produtores se enquadrou, no geral, em médio nível de capital social (ICS), com índice geral de 0,7345. Na composição do ICS, verificou-se maior valor para a dimensão de capital social cognitivo (0,7778), sendo responsável por 33,43% para o capital social geral. Essa dimensão é considerada a essência do capital social, pois envolve aspectos intrínsecos à pessoa, tais como solidariedade, cooperação e confiança (Tabela 1).

Tabela 1
Índice de Capital Social e contribuições das variáveis

Este capital social cognitivo permite visualizar conexões estabelecidas no APL de produtores de café, com suporte na reciprocidade e na confiança entre eles (Putnam, 2001PUTNAM, R. D. Social capital: measurement and consequences. Canadian Journal of Policy Research, Saint-Laurent, Québec, v. 2, n. 1, p. 41-51, 2001.). Esse quadro reforça o que Coleman (1988)COLEMAN, J. S. Social capital in the creation of human Capital. American Journal of Sociology. Sociological and Economic Approaches to the Analysis of Social Structure, [s.l.], v. 94, p. S95-S120, 1988. defendia; ou seja, ao considerar as características referentes à lealdade, reciprocidade e fidelidade entre os membros, é possível considerá-las como sinônimo de capital social. Assim, é de se esperar elevado nível de capital social cognitivo entre os produtores, fato confirmado ao constatar o espírito participativo, em que os produtores mostraram interesse na sua união para fortalecer e contribuir para o desenvolvimento local (Andrade; Cândido, 2008ANDRADE, E. O; CANDIDO, G. A. A relação entre os níveis de capital social e os índices de desenvolvimento sustentável: uma análise comparativa entre municípios. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO [ANPAD], 32., Rio de Janeiro, 6 a 10 de setembro 2008. Anais [...]. Rio de janeiro: ANPAD, 2008. Disponível em: https://arquivo.anpad.org.br/eventos.php?cod_evento=&cod_evento_edicao=38&cod_edicao_subsecao=391&cod_edicao_trabalho=8756. Acesso em: 8 set. 2021.
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; Andrade; Gomes; Cândido, 2008).

Com a agregação das dimensões para aferição do ICS, inferiu-se que a dimensão capital social cognitiva se sobressaiu das demais consideradas, revelando que a solidariedade, a lealdade, a confiança, o respeito, a baixa incidência de conflitos e o respeito à opinião alheia são aspectos valorizados e ocorrentes no grupo de produtores de café pesquisado no Maciço de Baturité. No geral, entretanto, fazem-se necessárias ações direcionadas para o capital social robusto no grupo, o que demandará tempo e esforço de todos os agentes da rede de produtores.

Dentre as variáveis desta dimensão que mais contribuíram para o ICS, estão: (i) considera-se bem aceito pelos membros do grupo de produtores de café da região (3,21%), (ii) o interesse maior é pelo bem-estar coletivo (3,15%) e (iii) o nível de confiança é considerado alto entre os membros do grupo (3,13%). A variável de menor contribuição foi “é preciso estar atento ou alguém pode tirar vantagem de mim”, o que foi refutado pela maior parte dos produtores, confirmando a existência de confiança na rede.

A confiança mútua entre os produtores de café é essencial para promover a cooperação e gerar um círculo virtuoso nas comunidades rurais que compõem o APL. Essa dimensão do capital social surge a partir das interações sociais entre os produtores, permitindo participação ativa da vida em sociedade com os demais membros do grupo. É importante destacar, neste momento, que a importância da confiança e a colaboração no fortalecimento da vida social local é enfatizada por Putnam (1995)PUTNAM, R. D. Bowling alone: America´s declining social capital. Journal of Democracy, v. 6, n. 1, p. 65-78, 1995.. Portanto, a promoção dessas características deve ser prioridade para o grupo de produtores de café, a fim de garantir o desenvolvimento econômico das comunidades em que estão inseridos.

Os agentes locais que possuem capital social médio e alto têm maior poder e influência do que outros membros das comunidades, graças às vantagens simbólicas discutidas por Bourdieu (1989BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1989. Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-O-poder-simb%C3%B3lico.pdf. Acesso em: 24 mar. 2023.
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, 2007BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas: introdução, organização e seleção. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007. (Coleção Estudos). Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-A-economia-das-trocas-simb%C3%B3licas.pdf. Acesso em: 24 mar. 2023.
https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/20...
). Isso lhes dá condições favoráveis para dominar símbolos e práticas culturais (“violência simbólica”), para alcançar objetivos coletivos e gerar desenvolvimento local, ajudando na eficiência da dimensão coletiva e organizacional da atividade produtiva (Bourdieu, 1989BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1989. Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-O-poder-simb%C3%B3lico.pdf. Acesso em: 24 mar. 2023.
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, 2007BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas: introdução, organização e seleção. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007. (Coleção Estudos). Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-A-economia-das-trocas-simb%C3%B3licas.pdf. Acesso em: 24 mar. 2023.
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).

A segunda dimensão representativa do ICS (18,19%) é a ação coletiva prévia, que registrou valor de 0,7286. O resultado evidenciou que existe, na rede, maior propensão dos produtores de café em desenvolver atividades coletivas, a fim de alcançar objetivos comuns. Isso significa que existe o espírito participativo na rede, pois os produtores indicaram pretensão em formar associações para o fortalecimento desse grupo. Nessa dimensão, percebeu-se a cidadania e a preocupação da comunidade cívica em decisões referentes aos aspectos públicos (Putnam, 1995PUTNAM, R. D. Bowling alone: America´s declining social capital. Journal of Democracy, v. 6, n. 1, p. 65-78, 1995.). Esse ponto é importante, pois foi notório o interesse dos integrantes nesse quesito, para reduzir custos de transação e tornar as ações coletivas mais viáveis e vantajosas para a coesão social (Andrade; Gomes; Cândido, 2008). Três variáveis desta dimensão obtiveram participações expressivas no cálculo do ICS: i) as decisões a serem tomadas são relacionadas a projetos de desenvolvimento comum (2,88%); ii) se um projeto do grupo não me beneficia diretamente, mas ajuda os outros membros, então eu contribuo (2,82%); e iii) o grupo de produtores interage com os líderes políticos, a fim de solicitar ações de desenvolvimento para a cooperativa e cidade (2,82%) (Figura 1).

Figura 1
Características importantes nas dimensões do capital social no APL (2022)

A dimensão “ação coletiva” é fundamental para o desenvolvimento local, pois permite que os produtores e outros atores se unam em torno de um objetivo comum que promova mudanças positivas em suas comunidades. Nessa dimensão, os produtores podem discutir e compartilhar preocupações - grau de coletivismo - referentes aos problemas identificados, aumentando a possibilidade de acesso a recursos financeiros, humanos e de melhorar a qualidade de vida e coesão social. Assim, foi possível encontrar a capacidade de mobilização e de cooperação nesse Arranjo, pois existem, ainda que moderadamente, conexões entre os produtores e as instituições que incentivam a cooperação e a reciprocidade (Putnam, 1995PUTNAM, R. D. Bowling alone: America´s declining social capital. Journal of Democracy, v. 6, n. 1, p. 65-78, 1995.; Andrade; Gomes; Candido, 2008ANDRADE, E. O.; GOMES, F. S. L.; CANDIDO, G. A. Capital social como mecanismo para melhorias nas formas de atuação de Cooperativas de Produtores Rurais. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 8, n. 2, p. 81-106, 2008.; Melo; Regis, 2015MELO, P. T. N. B.; REGIS, H. P. Capital social nos estudos organizacionais brasileiros. In: BASTOS, A. V. B.; LOIOLA, E.; REGIS, H. P. (Org.). Análise de redes sociais em contextos organizacionais. Salvador: EDUFBA, 2015. 587 p.).

A dimensão “perfil organizacional” surge como terceiro elemento que mais contribuiu para o capital social (14,15%) e obteve valor de 0,7722. Nesse aspecto, o grupo de produtores indicou que existe atuação específica do(s) líder(es) de produtores na região em relação a outras instituições da localidade, revelando interesse para o grupo. Nessa dimensão, é possível verificar a atuação direta da instituição política, a fim de encontrar projetos que beneficiem os integrantes da rede (Andrade; Cândido, 2008ANDRADE, E. O; CANDIDO, G. A. A relação entre os níveis de capital social e os índices de desenvolvimento sustentável: uma análise comparativa entre municípios. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO [ANPAD], 32., Rio de Janeiro, 6 a 10 de setembro 2008. Anais [...]. Rio de janeiro: ANPAD, 2008. Disponível em: https://arquivo.anpad.org.br/eventos.php?cod_evento=&cod_evento_edicao=38&cod_edicao_subsecao=391&cod_edicao_trabalho=8756. Acesso em: 8 set. 2021.
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). As três variáveis que mais contribuíram para o valor do ICS da rede foram: i) as principais fontes de informação da cooperativa ocorrem por meio de informativos, reuniões, telefonemas (3%); ii) as ações do líder do grupo de produtores contribuem para o seu desenvolvimento (2,96%); e iii) o grupo de produtores cria fóruns e ambientes para discussão (2,88%).

A dimensão “ação coletiva prévia” e “perfil organizacional dos produtores” podem estabelecer relação mais próxima com o poder público local, porque quando um líder local (com poder de fala entre os demais) é capaz de repassar informações com relativa frequência e interagir com políticos locais, fica evidente o poder de organização da atividade. Essa relação facilita a elaboração de políticas públicas direcionadas a apoiar a participação cívica, promover a confiança local, aumentar conexões sociais, elevar o capital social e, consequentemente, promover o desenvolvimento local das comunidades pertencentes ao APL (Sousa; Khan; Casimiro Filho, 2018SOUSA, M. C.; KHAN, A. S.; CASIMIRO FILHO, F. Índice de capital social em comunidades rurais do Polo de Desenvolvimento integrado Tabuleiro de Russas, no baixo Jaguaribe, Ceará. In: KHAN, A. S.; LIMA, F. E.; LIMA, P. V. P. S. (Org.). Uso de indicadores em Ciências Econômicas, Sociais e Ambientais. 1. ed. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2018. p. 143-184. V. 1.).

No que diz respeito à dimensão “capital social estrutural”, as variáveis que a compõem fizeram com que o índice chegasse a 0,7431, ou seja, enquadrando-se, também, no médio nível de capital social, e contribuiu com 12,34% para ao valor do capital social. No geral os produtores mostraram-se felizes na atividade cafeeira e nas comunidades em que se encontravam, além de terem líderes que participavam, na medida do possível, do processo de desenvolvimento da comunidade.

Desta maneira, verificou-se que a rede de produtores é organizada, apesar de ser recente, e relativamente conectada, o que viabiliza o fortalecimento do capital social. A dimensão “capital social estrutural” é importante para o desenvolvimento econômico das comunidades; no entanto, é suscetível de ser melhorada, à medida que exista mais aproveitamento das interações do grupo de produtores de café com associações e instituições locais, em que normas, regras e obrigações devem ser seguidas pelo grupo (Coleman, 1988COLEMAN, J. S. Social capital in the creation of human Capital. American Journal of Sociology. Sociological and Economic Approaches to the Analysis of Social Structure, [s.l.], v. 94, p. S95-S120, 1988.). Ao seguir esse processo, tem-se um ambiente com elevação da confiança entre os membros das comunidades do APL e o aproveitamento das interações da rede que potencializa o acesso às informações, a participação cívica, o estímulo à inovação e a criação de novos negócios, como é o caso de atividades econômicas relacionadas ao turismo rural (Putnam, 1995PUTNAM, R. D. Bowling alone: America´s declining social capital. Journal of Democracy, v. 6, n. 1, p. 65-78, 1995.).

A quinta dimensão, que contribuiu para 11,57% do capital social, foi “apoio comunitário” e obteve valor médio de capital social (0,6792), sendo o segundo menor índice das dimensões consideradas. Essa dimensão apareceu como variável de estabilidade, que, segundo Andrade e Cândido (2008)ANDRADE, E. O; CANDIDO, G. A. A relação entre os níveis de capital social e os índices de desenvolvimento sustentável: uma análise comparativa entre municípios. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO [ANPAD], 32., Rio de Janeiro, 6 a 10 de setembro 2008. Anais [...]. Rio de janeiro: ANPAD, 2008. Disponível em: https://arquivo.anpad.org.br/eventos.php?cod_evento=&cod_evento_edicao=38&cod_edicao_subsecao=391&cod_edicao_trabalho=8756. Acesso em: 8 set. 2021.
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, guia a ação coletiva dos interesses gerais da rede de produtores e suas possíveis relações com o capital social. Portanto, essa dimensão propicia geração e acumulação do capital social, pois encontraram-se produtores interessados em resolver problemas do grupo. Os principais aspectos dessa dimensão foram a percepção de que o grupo de produtores pode ser considerado organizado e de que as pessoas e/ou instituições mobilizam-se para soluções de problemas comuns, quando necessário. Ou seja, mais uma vez, constatou-se confiança entre os membros, confiança no próprio conjunto de produtores de café, confiança nas instituições de apoio e interesse de atuação conjunta para obtenção de objetivos comuns, o que forma um ambiente propício para o desenvolvimento local.

Tem-se, como fecho, a dimensão “redes e organizações de apoio mútuo”, que contribuiu para 10,32% do capital social da rede completa e registrou valor médio do capital social (0,6083), o menor entre as dimensões consideradas. Esse resultado mostrou menor desenvoltura dos produtores nos quesitos de acessos a serviços básicos disponíveis a eles e se as diferenças de educação, saúde e etnia são facilmente resolvidas. Com a possibilidade existente de elevar o capital social nas comunidades rurais dos produtores do APL, será possível formar redes de confiança e cooperação com laços mais fortes, criando, assim, um novo círculo virtuoso de geração de novos postos de trabalho, redução de pobreza, aumento de renda e melhorias de acesso aos serviços básicos de saúde e educação.

De modo geral, estes resultados coletados foram importantes para revelar que a rede de produtores rurais de café na serra de Baturité dispõe de capacidade para o fortalecimento do capital social, pois os produtores, com auxílio de instituições de apoio, têm a competência para estimular o engajamento dos grupos nos diversos projetos e ações a serem desenvolvidos nas comunidades rurais. Essas, por sua vez, destacam-se por disporem de baixa densidade demográfica, o que potencializa a possibilidade de elevação do capital social, principalmente em áreas rurais, pois as pessoas estão mais próximas e mantêm relações mais antigas e duradouras (Putnam, 1995PUTNAM, R. D. Bowling alone: America´s declining social capital. Journal of Democracy, v. 6, n. 1, p. 65-78, 1995.; Grootaert; Bastelaer, 2001GROOTAERT, C.; BASTELAER, T. V. Understanding and measuring social capital. A synthesis os findings and recommendations from the social capital initiative. The World Bank, n. 24, p. 1-45, 2001.). Esses aspectos mostram que o grupo de produtores pode extrair recursos e vantagens por meio das relações sociais, e são passíveis de alcançar objetivos comuns, com amparo e em um trabalho conjunto, assim como foi colocado por Bourdieu (1980)BOURDIEU, P. Le capital social: notes provisoires. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 31, p. 2-3, 1980. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322_1980_num_31_1_2069. Acesso em: 31 jan. 2016.
https://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322...
e Putnam (1995)PUTNAM, R. D. Bowling alone: America´s declining social capital. Journal of Democracy, v. 6, n. 1, p. 65-78, 1995..

A possibilidade de o grupo entrevistado reforçar os laços de confiança e de cooperação aconteceu na região, nos anos de 1990, quando se presenciou a criação da APEMB, e da COMCAFÉ, fundada na década de 2010. Dessa forma, as comunidades rurais compostas por produtores pertencentes ao APL, e que possuem alto e médio capital social, podem conseguir mobilizar recursos financeiros, humanos e sociais, para direcioná-los às atividades produtivas locais que se apoiam mutuamente. Logo, essas comunidades tendem a apresentar maior coesão social, o que facilita a criação de ambientes mais seguros, saudáveis e com maior qualidade de vida.

O capital social, neste contexto rural, emerge como uma das vias para promoção do desenvolvimento local, pois a presença de respeito, confiança e lealdade entre membros do grupo de uma localidade torna mais fácil a promoção de cooperações e associações entre esses integrantes da rede. Esses são os efeitos caudatários do capital social, que tendem a potencializar as atividades produtivas das localidades e torná-las estratégias, para assegurar dinamismo e melhorias nas condições sociais e econômicas da população, principalmente por meio da exploração do potencial local.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve o objetivo geral alcançado, ao aferir e analisar o nível de capital social no arranjo produtivo de produtores de café ecológico da região do Maciço de Baturité, tendo se confirmado a existência de um nível médio de capital social entre o grupo de produtores da região. Esse resultado não certificou a hipótese inicial do estudo, pois o nível de capital social não é considerado baixo, como era esperado. O principal argumento para esta refutação é que os produtores, apesar da baixa interação no APL, se conhecem, se respeitam e mantêm laços de amizade e confiança, elementos importantes para a consolidação do capital social.

No que diz respeito à aferição do capital social, o arranjo se enquadrou em médio nível de capital social. Na composição do ICS, verifica-se maior valor para a dimensão “capital social cognitivo”, considerada a essência do capital social. A segunda dimensão representativa foi a “ação coletiva prévia”, ou seja, significa que existe o espírito participativo na rede. A dimensão “perfil organizacional” surgiu como terceiro elemento que mais contribuiu para o ICS, o que deixa explícita a atuação direta da instituição política para a instalação e o desenvolvimento de projetos que beneficiem os integrantes da rede.

Este médio nível de capital social do APL de café sombreado pode ser impulsionado com maior interação entre os agentes locais (universidades, associações de produtores e poder público local), tornando-se catapulta para solidificação e crescimento do arranjo e para a promoção do desenvolvimento local. Com as mudanças mencionadas, novas janelas de oportunidade de cooperação e associação entre os agentes surgirão, baseadas na intensificação das interações, dos laços de confiança, da lealdade e do respeito na região. Além disso, a baixa densidade demográfica nas comunidades aproxima, ainda mais, os atores, potencializando as conexões sociais. Dentro desse contexto, o conhecimento tácito e o capital social existentes entre os produtores de café da região são fatores essenciais para o desenvolvimento local. O conhecimento tácito, que perdura durante décadas, gera efeitos propulsores que estimulam outras atividades produtivas estratégicas, como o turismo rural e as atividades econômicas relacionadas a ele. Essas atividades asseguram o dinamismo social e econômico nas comunidades rurais produtoras de café, contribuindo para o desenvolvimento local.

Neste ponto, torna-se bastante necessária a inclusão deste APL em programas públicos que auxiliem a sua solidificação e o seu crescimento. No instante em que o APL, que dispõe de fragilidades, inclusive em sua governança, entra no campo de atuação das políticas públicas, tornam-se mais fáceis ações de apoio institucional. O ponto positivo é que o conjunto de produtores da região sempre foi representado por uma governança centralizada em grupos de produtores (associações), e isso facilita a absorção de ideias e a disseminação das informações que circulam entre o grupo de produtores de café.

Como alvitre de estudos a serem desenvolvidos na rede de produtores de café, sugere-se a realização de mais pesquisas empíricas envolvendo o nível tecnológico adotado pelos produtores de café ecológico na região, para elevar produtividade e competitividade dos produtores. Portanto, serão esses elementos que auxiliarão na elaboração e implementação de políticas públicas direcionadas ao fortalecimento do APL e, consequentemente, no estímulo ao desenvolvimento local.

  • 3
    Por se tratar de um trabalho de campo com entrevistas in loco com pessoas, este experimento passou, primeiramente, pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Ceará, em que os produtores assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). É importante destacar que foi feito um pré-teste com oito produtores, antes do início da pesquisa principal. Essa fase permitiu a imersão na realidade dos produtores e a identificação de possíveis problemas no questionário aplicado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2022
  • Aceito
    24 Mar 2023
  • Aceito
    26 Maio 2023
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