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Impactos ambientais causados pela extração de calcário em comunidade rural do semiárido potiguar

Environmental impacts caused by the exploration of limestone in a rural community of Rio Grande do Norte’s semiarid

Los impactos ambientales producidos por la extracción de calcáreo en comunidad rural del semiárido potiguar

Resumo

O desenvolvimento sustentável possui três dimensões: a social, a econômica e a de preservação ambiental. Nesse sentido, a atividade de mineração, por um lado, é uma oportunidade de geração de renda, sobretudo pelas dificuldades das atividades agrícolas no Semiárido potiguar, notadamente pelas limitações hídricas impostas pela natureza local. Por outro lado, além dos diversos impactos ambientais, há as implicações da saúde humana, frequentemente associadas à exploração de calcário. Assim, o objetivo deste trabalho é identificar os impactos ambientais causados pela extração de calcário no Sítio Brejinho, município de Upanema, Rio Grande do Norte, por meio da análise da percepção dos moradores e trabalhadores. É um estudo de caso que inclui as seguintes etapas: pesquisa bibliográfica, aplicação de entrevistas semiestruturadas com moradores locais e trabalhadores da referida atividade e elaboração de mapa de localização. A maioria dos entrevistados percebe que a tarefa causa impactos negativos no meio ambiente local. Porém, justificam que é a única fonte de renda para grande parte das famílias do Sítio Brejinho e de comunidades vizinhas. Assim, para os moradores e trabalhadores, os danos causados à natureza e à saúde humana, via mineração, são compensados pela renda gerada para as famílias, que subsistem economicamente por meio desta atividade laboral. Logo, é necessário aprimorar os processos tecnológicos, no sentido de preservar a saúde das pessoas, tais como os usos de EPIs, o monitoramento da vegetação e fauna, entre outros indicadores ambientais, em busca da sustentabilidade socioambiental.

Palavras-chave:
extração de calcário; mineração; degradação ambiental; percepção socioambiental

Abstract

Social, economic and of environment preservation are three dimensions of sustainable development. That way, mining activity, on one hand, is an opportunity for income generation, especially due to the difficulties of agricultural activity in Rio Grande do Norte’s semiarid region, notably by the water restrictions imposed by local nature. On the other hand, there are several impacts on the environment and on human health, frequently associated to limestone exploration. Thus, the aim of this study is to identify the environmental impacts caused by the extraction of limestone in Brejinho, a rural community in Upanema, a small town in Rio Grande do Norte, through the analysis of the perception of the local residents and workers. This is a case study that encompasses the following steps: bibliographic research, semi-structured interviews with local residents and those who work in this activity, and elaboration of the location’s map. Most interviewees realize that the activity causes negative impacts on the local environment. However, they justify that this is the only source of income of the greatest part of the local families and families of neighboring communities. Then, according to the residents and workers, the damages, caused by the mining activity, to nature and human health, are compensated by the income generated for the families, that subsist economically through this activity. Therefore, it is necessary to improve technological processes, in order to preserve people’s health, such as the use of PPE, vegetation and fauna monitoring, among other environment indexes, in order to create socioenvironmental sustainability.

Keywords
limestone exploration; mining; environment degradation; socioenvironmental perception

Resumen

El desarrollo sustentable posee tres dimensiones: la social, la económica y del la preservación ambiental. En este sentido, la actividad de mineración, por un lado, es una oportunidad de generación de renta, sobre todo por las dificultades de las actividades agrícolas en Semiárido Potiguar, notablemente por las limitaciones hídricas impuestas por la naturaliza local. Por otro lado, además de los diversos impactos ambientales, hay las implicaciones en la salud humana, frecuentemente asociadas a la exploración de calcáreo. De esta forma, el objetivo de este trabajo es identificar los impactos ambientales producidos por la extracción de calcáreo en Sítio Brejinho, municipio de Upanema, Rio Grande do Norte, por medio del análisis de la percepción de los moradores y trabajadores. Es un estudio de caso que incluye las siguientes etapas: pesquisa bibliográfica, aplicación de entrevistas semiestructuradas con moradores locales y trabajadores de la referida actividad y elaboración de mapa de localización. La mayoría de los entrevistados percibe que la tarea produce impactos negativos al medio ambiente local. Pero, justifican que es la única fuente de renta para gran parte de las familias del Sítio Brejinho y de las comunidades vecinas. Así, para los moradores y trabajadores, los daños causados a la naturaleza y a salud humana, por vía de la mineración, son compensados por la renta generada para las familias, que subsisten económicamente por medio de esta actividad laboral. Luego, es necesario perfeccionar los procesos tecnológicos, en el sentido de preservar la salud de las personas, tales como, EPIs, monitoreo de la vegetación y fauna, entre otros indicadores ambientales en búsqueda de la sustentabilidad socioambiental.

Palabras clave:
extracción de calcáreo; mineración; degradación ambiental; percepción socioambiental

1 INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade, o uso dos recursos naturais se configura como essencial para a satisfação das necessidades. Contudo, com a modernização dos processos tecnológicos e a valorização do patrimônio natural no viés financeiro, ampliou-se a exploração dos recursos naturais de forma desproporcional ao que a natureza pode autodepurar, gerando impactos ambientais negativos.

Contemporaneamente, este uso tem se intensificado ainda mais, e a temática passou a ganhar espaço nos fóruns internacionais sobre desenvolvimento, dando visibilidade à causa. Neste sentido, entendemos que a forma como esses recursos estão sendo extraídos contribuem para alguns acontecimentos com proporções muitas vezes não calculadas pela sociedade, a exemplo das mudanças climáticas, como consequência das ações antrópicas de emissão de gases de efeito estufa, notadamente, pelos processos agroindustriais e pela queima de combustíveis fósseis.

Atualmente, falar de impactos ambientais negativos envolve questões que, por muitos anos, passaram despercebidas pela sociedade, das quais podemos destacar as dinâmicas presentes nos espaços (no lugar) e o modo de vida (cultura) das sociedades. Assim, como estabelece Sanchez (2008SANCHEZ, Luiz Henrique. Avaliação de Impacto Ambiental: conceitos e métodos. São Paulo: Oficina de textos, 2008., p. 23), “em certo sentido, tudo que faz o ser humano é cultura”; isto é, todas as ações do homem são influenciadas pela cultura, a qual ele segue e/ou à qual ele pertence e produz. Embora estes não sejam os únicos fatores a se considerar, buscamos aqui discutir os impactos ambientais a partir de uma nova perspectiva, considerando não apenas fatores que se referem, exclusivamente, aos danos diretos ao meio ambiente, mas aos fatos que contribuem e influenciam para que tais práticas aconteçam e se intensifiquem cada dia mais.

Nesse sentido, é necessário entender, entre outros conceitos e definições, o que é considerado um impacto ambiental, sendo este definido por Moreira (1985MOREIRA, Iara Verocai Dias. Avaliação de Impacto Ambiental - AIA. Rio de Janeiro: Assessoria Técnica da Presidência, 1985., p. 04) como “qualquer alteração significativa no meio ambiente - em um ou mais de seus componentes - provocada por uma ação humana”, ou seja, são consequências diretamente ligadas à interferência do homem no meio em que vive e em como vive (cultura). Para efeitos legais, a Resolução n. 001/1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), define ‘impacto ambiental’ como:

[...] qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais (Brasil, 1986BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente [CONAMA]. Resolução CONAMA n. 1, de 23 de janeiro de 1986. Dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a avaliação de impacto ambiental. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente/CONAMA, 1986., p. 1).

Compreendendo a degradação ambiental como um impacto ambiental negativo, Zuquette, Rodrigues e Pejon (2019ZUQUETTE, Lázaro Valentin; RODRIGUES, Valéria Guimarães Silvestre; PEJON, Osni José Recuperação de Áreas Degradas. In: CALIJURI, Maria do Carmo; CUNHA, Davi Gasparini Fernandes . Engenharia Ambiental: conceitos, tecnologias e gestão. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019. p. 589-619., p. 592) mencionam que degradação ambiental “ocorre quando um ou mais componentes do meio ambiente, afetados por processos antrópicos, ultrapassam a capacidade de resiliência”; ou seja, refere-se ao comprometimento das funções naturais de determinado ambiente, como, por exemplo, ausência e/ou diminuição da vegetação natural, provocando um desequilíbrio no clima e, consequentemente, facilitando a erosão do solo, entre outras implicações.

Um dos impactos ambientais mais significativos na sociedade moderna é a mineração em suas mais diversas formas. Considerando a amplitude do tema, nesse estudo, fizemos a opção de focar, como estudo de caso, na extração de calcário no semiárido potiguar. Nesta perspectiva, buscamos entender, entre outras coisas, as questões e os danos associados ao meio ambiente, causados por essa atividade.

A extração do Calcário é uma atividade que está sendo desenvolvida há vários anos e vem se intensificando a cada dia, especificamente em razão do crescimento das cidades, pois estas se utilizam de rocha calcária para diversos fins, principalmente para a construção e pavimentação de ruas.

[...] o calcário apresenta uma grande variedade de usos, desde matéria prima para a construção civil, matéria prima para a fabricação de cal e cimento, corretivos de solos ácidos, ingredientes na indústria de papel, plásticos, química, siderúrgica, de vidro; refratários e outras (Brasil, 2009BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Perfil do Calcário: Projeto de Assistência Técnica ao Setor de Energia. Brasília, DF: J. Mendo Consultoria, 2009., p. 6).

Na mesma linha, “dependendo da qualidade do calcário, pode-se utilizá-lo na produção dos mais variados produtos, como papel, plásticos, tintas, borrachas, cerâmica, alimentação de animais, metalurgia, vidros e até na purificação de água” (Brasil, 2013BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações [MCTI]. Centro de Tecnologia Mineral [CETEM]. Exploração do calcário provoca diferentes impactos socioambientais no Brasil. Brasília-DF: MCTI, 2013., p. 1).

Portanto, a extração de calcário tem sua importância, em razão dos aspectos econômicos e também sociais, visto que tal atividade contribui para renda de famílias, que, em alguns casos, são totalmente dependentes desta atividade para conseguirem sua subsistência.

No entanto, devemos reconhecer que tal atividade, apesar desses aspectos positivos, causa danos ao meio ambiente, mais especificamente ao lugar onde acontece, tendo em vista que são diversas as formas como o ambiente é agredido durante essa atividade, a exemplo: os usos de retroescavadeiras, bem como de outras ferramentas e máquinas para escavar o solo, danificando-o; o desmatamento de árvores para a abertura de estradas, de maneira a dar acesso a caminhões e caçambas ao local, no propósito de facilitar a locomoção dos materiais dali extraídos; e até mesmo o uso de explosivos no processo produtivo.

O calcário é definido por Araújo (2010ARAÚJO, Alexandre Leite. Relatório de Impacto Ambiental - EIA (ExploRação de Calcário, Quixeré-CE). Fortaleza: Micron-Ita Indústria e Comercio de Minerais LTDA/Secretaria do Meio Ambiente (SEMACE), 2010., p. 77) como “uma rocha branda”, sendo ela formada, segundo Andrade (2014ANDRADE, Vinícius Diógenes. Processo de exploração da rocha calcária para a fabricação de cimento no oeste potiguar. 2014. 58 f. Monografia (Graduação em Ciência e Tecnologia) - Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Mossoró, RN, 2014., p. 21), “a partir do mineral calcita, cuja composição química é o carbonato de cálcio (CaCO3)”. Assim sendo, a referida atividade pode ser definida como a extração de rochas do solo, com o auxílio de máquinas e diversas ferramentas, em que estas rochas posteriormente são utilizadas como matéria-prima em diversos setores da construção, de maneira geral.

No Rio Grande do Norte, mais especificamente nos municípios de Upanema, Mossoró, Governador Dix-Sept Rosado esta prática é bastante comum no cotidiano das pessoas residentes, pela ausência de outras oportunidades de trabalho e pelo incremento da indústria da construção civil (Andrade, 2014ANDRADE, Vinícius Diógenes. Processo de exploração da rocha calcária para a fabricação de cimento no oeste potiguar. 2014. 58 f. Monografia (Graduação em Ciência e Tecnologia) - Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Mossoró, RN, 2014.).

Assim, o objetivo deste trabalho é identificar os impactos ambientais causados pela extração de calcário no sítio Brejinho, município de Upanema, Rio Grande do Norte, por meio da análise de percepção dos moradores e trabalhadores.

O trabalho foi realizado mediante estudo de caso na referida comunidade, por meio de visitas in loco, registro fotográfico e aplicação de entrevistas com moradores e trabalhadores locais. O artigo é apresentado com a descrição da metodologia, e os resultados discutem a atividade de extração de calcário e seus aspectos socioambientais.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa se caracteriza como exploratória, que, segundo Gil (2008GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008., p. 27), tem por finalidade esclarecer “conceitos e ideias”. De acordo com o mesmo autor, essas pesquisas “habitualmente envolvem levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso” (Gil, 2008GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008., p. 27). Quanto à obtenção de dados, a pesquisa foi qualitativa. O universo da pesquisa consistiu em:

  • moradores do sítio Brejinho, Upanema, Rio Grande do Norte;

  • trabalhadores que exercem a atividade de extração de calcário.

Nesse sentido, foram necessários alguns procedimentos metodológicos para o desenvolvimento deste trabalho, os quais descrevemos a seguir. Inicialmente, foi feita pesquisa bibliográfica, priorizando publicações que tratam dos temas de impactos ambientais e extração de calcário, com o objetivo de fundamentar os dados obtidos a partir dos resultados alcançados em outras pesquisas.

Em seguida, realizamos o estudo de caso, que constou de entrevistas semiestruturadas, com moradores locais e pessoas que trabalham na extração de calcário, buscando identificar a compreensão destes a partir de tal temática, para, em seguida, fazermos nossas análises e conclusões acerca desses dados.

2.1 Locus e população do estudo de caso

A população estimada do município de Upanema, de acordo com dados de 2021, é de 14.937 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE], 2021INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE]. Cidades. Portal IBGE, Rio de Janeiro, 2021.), em que a maioria é residente nas áreas rurais, especificamente 51,52% dos habitantes, enquanto 48,48% residem em área urbana, o que pode ter relação com o grande número de assentamentos localizados no município (Silva Junior; Fernandes; Santos, 2017SILVA JÚNIOR, Francisco Canindé da Costa; FERNANDES, Maria José Costa; SANTOS, José Erimar dos. A relevância dos assentamentos rurais no crescimento populacional rural do município de Upanema/RN. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DAS CIÊNCIAS AGRÁRIAS [COINTER- PDVAGRO], 2., Natal, RN, 2017. Anais [...]. Natal: COINTER, p. 1-12.). O seu Produto Interno Bruto (PIB) per capita é de R$ 12.381,99, o 60º do Estado, em ordem decrescente, e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), que varia de 0 a 1, em 2010, era 0,596, sendo o 103º do Estado, considerado baixo. No mesmo período, o IDH do Rio Grande do Norte foi de 0,684, enquadrando-se na categoria de IDH médio (IBGE, 2021).

O clima local é predominantemente quente e semiárido. A vegetação é a caatinga hiperxerófila, composta por plantas rasteiras, cactos, mofumbo e outras que correspondem às características do clima predominante, além da carnaúba, que é um tipo de vegetação nativa, a qual contribui para obtenção de renda de muitas famílias, por meio de sua exploração (Intituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente [IDEMA], 2008INTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE [IDEMA]. Perfil do seu município: Upanema/RN. Natal: IDEMA, 2008.). O fracionamento dos padrões de vegetação apresenta a predominância bastante expressiva do bioma Caatinga.

Por sua vez, o povoamento no sítio Brejinho (Figura 1) iniciou-se a partir da vinda de famílias das cidades de Alexandria, Tenente Ananias e Governador Dix-Sept Rosado, todas localizadas no Rio Grande do Norte, para o local, em busca de terras para produzir, ou seja, para desenvolver atividades de agricultura e criação de animais. O sítio, localizado em zona rural, fica localizado a 21 km do início da sede urbana do município de Upanema.

Figura 1
Localização do sítio Brejinho em Upanema, RN

A renda do local provém basicamente de recursos obtidos com a exploração da pedreira de calcário, atividade que teve início em meados da década de 1990. Outras fontes de renda são a agricultura de sequeiro, para subsistência alimentar, além das aposentadorias, das pensões e dos recursos oriundos de programas sociais governamentais.

A pesquisa foi realizada com os moradores locais e as pessoas que trabalham com a extração de calcário. No sítio, existiam, no momento da aplicação das entrevistas, doze famílias residentes, em uma estimativa de 50 pessoas na comunidade. Foram entrevistados três representantes de cada um destes grupos, totalizando seis entrevistados. Durante a descrição das entrevistas, utilizaremos pseudônimos, recorrendo à letra (M) para identificar os moradores e à letra (T) para identificar os trabalhadores. Vale ressaltar que as falas dos entrevistados foram transcritas do modo como eles as pronunciaram.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 A atividade de extração de calcário

Inicialmente, a extração ocorre com o auxílio de máquinas do modelo retroescavadeiras PC, para escavar o solo. O custo da hora-máquina varia entre R$ 250,00 e R$ 300,00. Estes valores são pagos ao dono da máquina pelos compradores do material (os chamados atravessadores), na pedreira, e, posteriormente, também há o pagamento por meio de pedras de calcários, extraídas pelos trabalhadores.

Após a máquina finalizar a escavação e colocar as pedras sob a superfície, os trabalhadores quebram, com ferramentas manuais, de uso individual, as pedras no formato que for solicitado, sendo o paralelepípedo o modelo mais produzido. Porém, também modelam em muros, meios-fios e lajes. Destes materiais, paralelepípedos e muros são vendidos por milheiro, enquanto as lajes e os meios-fios podem ser vendidos por metro.

A atividade é realizada sem que haja registro em carteira de trabalho, o que é motivo de reclamação por parte de alguns moradores e trabalhadores. Por outro lado, alguns deles alegam que essa condição trabalhista, no que pese a condição de insegurança legal, tem “vantagens”, pois dá mais “liberdade”, entendida aqui como a possibilidade de trabalhar “no dia que quiser”, uma vez que recebem honorários por produção e não por dias ou horas trabalhadas, como aponta um dos trabalhadores. Com efeito, essa condição de informalidade pode ter consequências muito sérias na saúde do trabalhador, na regularidade de renda, nos direitos trabalhistas, e, do ponto de vista das políticas públicas, há um subdimensionamento da atividade no município.

Segundo informações colhidas em campo, o milheiro de paralelepípedo, em valores atuais, é comercializado por R$ 100,00, o milheiro de pedras de muro por, aproximadamente, R$ 400,00, enquanto os valores do metro de meio-fio e do metro de laje custam, respectivamente, R$ 2,50 e R$ 5,00. É importante destacar que, no período chuvoso, os trabalhadores ficam impedidos de extrair o calcário, pois os barreiros enchem de água, bem como os caminhões ficam impossibilitados de acessar as estradas até a pedreira, em razão das chuvas.

No Quadro 1, consta o resumo interpretativo das respostas dos moradores e trabalhadores sobre a renda obtida com a extração de pedras e o histórico familiar na atividade.

Quadro 1
Resumo das percepções dos trabalhadores e moradores a respeito da renda relacionada à mineração e histórico familiar na atividade

Os trabalhadores apresentam relatos acerca da produção, do quanto de calcário é produzido/extraído por dia.

  • T. 1: Os trabaiador tira mais ou meno dois e quinhento a três mieiro por semana, dependeno do trabaiador.

  • T. 2: A gente tira mais ou menos uns três mieiro por semana.

  • T. 3: Numa sema boa da pra tirar duas e quinhentas a três mil peda.

Os trabalhadores destacam que vendem mil pedras para um atravessador, por R$100, e este revende para as empresas que fazem serviço de calçamento nos diversos municípios da região. Com isso, eles obtêm uma renda mensal bastante variada, pois o ganho depende da produção, como ressaltam, em suas falas:

  • T. 1: Depende, porque a venda num é todo mês certo e, pra receber, tem vez que passo um ano, dois para poder receber a peda que vendi, mas as vez é ligero, ai depende também de quanto vendi, mas ai tem mês que não vendo nada e não recebo nada.

  • T. 2: Depende muito, depende da pedeira, se é boa, depedende de muita coisa, mas é mais ou menos de dez a doze mieiro de peda por mês, que, em dinheiro, dá uns mil e duzentos reais, porque a gente vende a cem reais o mieiro; se tiver algum carrego de caçamba, ai a gente recebe um dinheirinho a mais, se não, é só esse valor mermo.

  • T. 3: Depende muito do mês, porque no inverno não dá pra trabaiar todo dia, ai a gente ganha mais pouco, mas quando é um mês bom, e tem serviço, a gente faz um dinheirinho bom.

Então, são diversos fatores que influenciam e interferem na produção mensal, a exemplo do período de chuvas, no qual não é possível seguir com a atividade, pois os barreiros enchem de água e as estradas ficam intransitáveis.

Portanto, apesar da maioria dos moradores e trabalhadores identificarem que a extração de calcário causa impactos negativos no meio ambiente local, justificam, por outro lado, que essa atividade é muito importante para a comunidade, principalmente no que diz respeito à renda e ao sustento das famílias, tanto as que ali residem como as de comunidades e municípios vizinhos, que são beneficiadas, seja de forma direta, seja de forma indireta, pela referida atividade. Para eles, a finalidade torna a atividade importante e não destruidora do ambiente local.

Neste sentido, em trabalho realizado no Assentamento Palheiros III, também na cidade de Upanema, Silva (2021)SILVA, Ranielly Letícia da. Impactos socioambientais na extração de calcário em assentamento rural, Upanema/RN. 2021. 97 f. Dissertação (Mestrado em Cognição, Tecnologias e Instituições) - Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Mossoró, RN, 2021. aplicou um questionário aos moradores locais, a respeito de uma pedreira existente, em condições similares à da comunidade Sítio Brejinho. Os dados foram submetidos à correlação de Pearson, e a autora concluiu que os moradores associam tanto a poluição do ar como a poluição sonora com a exploração local de calcário; contudo, semelhante aos moradores do Sítio Brejinho, eles consideram a mineração importante para a comunidade, pois é a principal fonte de renda e, com isso, eles atenuam os impactos socioambientais originados pela exploração e os eventuais danos à saúde.

4.2 Aspectos socioambientais

Em relação ao perfil social, 66,6% dos entrevistados não são alfabetizados ou possuem o ensino fundamental incompleto, enquanto os demais 16,7% têm ensino superior e 16,7% concluíram o ensino médio. Em relação à idade, os participantes têm entre 23 e 57 anos. Verificou-se, também, a existência de trabalhadores que não residem no sítio Brejinho.

Quanto aos valores ganhos com a extração de calcário, verificou-se que não é possível estabelecer um valor médio, dada a informalidade e o fato de receberem por produção. A respeito disso, tivemos os seguintes depoimentos:

  • T. 1: Não tem um dinheiro certo, porque depende do mês que tem venda, é um dinheiro por produção e venda, depende do quanto se produziu pra vender, então não é uma coisa certa.

  • T. 2: Uns 700 reais por mês.

  • T. 3: Uns 700 a 800 real por mês.

Os valores são baixos, pois a maior parte do lucro fica exatamente com os compradores (atravessadores), que ditam o valor de mercado, tanto para os moradores, que extraem as pedras, quanto para o público alvo dessa produção, a indústria da construção civil de Upanema e de cidades vizinhas, como Mossoró e Assú, RN.

As atividades são frequentemente realizadas em dupla, sendo bastante comum que sejam feitas entre pai e filho. O pai ensina o ofício ao filho que, desta forma, tende a dar continuidade, inclusive porque esse tipo de serviço requer grande esforço físico, e os pais não sabem até que idade terão condições de trabalhar. Ademais, já se verificam casos em que parentes deixaram de exercer a atividade.

  • T. 1:Já, papai e meus irmãos [já não trabalham mais na extração].

  • T. 2: Sim, meu avô já trabalhou por muito tempo, mas depois que ficou cego ele deixou.

  • T. 3: Já, meu pai trabaiou até se apusentar, muitos ano.

Os mais jovens reforçam a ideia de que aprenderam a profissão com os seus pais. Assim, tal atividade é ensinada ao longo das gerações, sendo uma fonte de renda e um modo de vida tradicional na comunidade e em outras pedreiras do município e da região.

No Quadro 2, estão sintetizadas as percepções dos moradores e trabalhadores sobre as questões ambientais, a relação da comunidade com a natureza e os aspectos econômicos.

Quadro 2
Resumo das percepções dos trabalhadores e moradores a respeito dos aspectos socioambientais e econômicos

Sobre os danos ambientais da extração de calcário, os moradores relatam:

  • M. 1:Sim, com certeza. Acredito que afeta o solo devido às escavações, tanto com as ferramentas manual e principalmente com as máquinas [retroescavadeiras, grifo nosso], afeta também as planta e animais. As árvores são derrubada pra abrir estrada e também barreiros.

  • M. 2: Acho que sim, porque cava muita terra, derruba as planta, acho que mata os passarinhos quando derruba as planta, os que moram nela. M. 3: Não, acho que não.

Cunha e Suarte (2017CUNHA, Elida Lucia. SUARTE, Jackeline da Silva Moreira. Impacto ambiental: uma perspectiva dos conceitos relacionados à efetividade dos princípios usados pelo EIA-RIMA, Revista Científica do Norte Goiano - FNG, Porangatu, Goiás, v. 5, n. 1, p. 74-87, 2017., p. 78) destacam que “é notável que toda intervenção do homem na natureza, por menor que seja, causa impacto, mesmo que ele não seja de grande importância”.

Os relatos dos trabalhadores, a respeito dessa mesma temática, são similares:

  • T. 1: Acho que sim, mas tem serviço que é pior, o que nós faz aqui é pouco, porque tem umas firma que faz coisa pior, uma firma que tem dinheiro pode e nós num pode porque, o pobi num pode caçar um peba que vai preso tem muita firma grande fazeno coisa pior e ninguém vai preso, a lei não vale pra quem é rico.

  • T. 2: Acho que sim, porque mexe com o chão, com o solo né, e também a gente derruba algumas plantas para abrir estrada pra caçambas entrar na pedeira, e pra abrir os barreiro que é de onde a gente tira as pedas.

  • T. 3: Acho que causa porque nós tira as peda né, cavano buraco, e as vez nós derruba as pranta para fazer estrada pras caçamba.

Na Figura 2, é possível verificar que um dos impactos comuns da exploração de calcário no sítio Brejinho é a erosão, em razão da derrubada da mata nativa, situação similar às outras pedreiras do município.

Figura 2
Água advinda do escoamento de um riacho provocado pela erosão do solo

Segundo Santi e Sevá Filho (2004)SANTI, Auxiliadora Maria Moura; SEVÁ FILHO, Arsênio Oswaldo. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE, 2., Campinas, SP, 2004. Anais... Campinas: ANPPAS. p. 1-18., a extração de calcário pode causar diversos danos à natureza, com destaque à concepção a seguir:

A extração de calcário pode ser prejudicial também para o ciclo local das águas, pois, os afloramentos de calcário recolhem a água das chuvas, e a direciona aos corpos d’água subterrâneos, funcionando como uma caixa d´água natural e eficaz. Além disso, a extração de calcário, inevitavelmente, desfaz as paisagens e destrói os sítios de interesse espeleológico, arqueológico e indígena (Santi; Sevá Filho, (2004SANTI, Auxiliadora Maria Moura; SEVÁ FILHO, Arsênio Oswaldo. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE, 2., Campinas, SP, 2004. Anais... Campinas: ANPPAS. p. 1-18., p. 2).

A respeito do conhecimento dos participantes sobre a ocorrência de impactos ambientais, e o que eles entendem sobre esse conceito, foram dados os seguintes depoimentos:

  • M. 1: Sim, acredito que seja um dano feito no meio ambiente, que possa prejudicar as pessoa e animais que vive lá.

  • M. 2: Não, não sei o que é isso.

  • M. 3: Não, nunca ouvi falar nisso não.

Para Cunha e Suarte (2017)CUNHA, Elida Lucia. SUARTE, Jackeline da Silva Moreira. Impacto ambiental: uma perspectiva dos conceitos relacionados à efetividade dos princípios usados pelo EIA-RIMA, Revista Científica do Norte Goiano - FNG, Porangatu, Goiás, v. 5, n. 1, p. 74-87, 2017. determinadas ações antrópicas na natureza causam danos, tais como a erosão do solo, além de a fauna e a flora também serem atingidas, enquanto os trabalhadores relatam que:

  • T. 1: Não, não sei o que é isso.

  • T. 2: Já, quando eu estudava, ouvi falar alguma coisa sobre isso. Eu acho que seja alguma coisa que danifique o lugar, que faça algum mal ao meio ambiente.

  • T. 3: Às vezes vejo alguma coisa no jornal da televisão, que fala que nois tem que cuidá do meio ambiente, só isso.

Aqui, parece haver uma certa relativização do tema, para além do domínio do conceito de impactos ambientais. Assumir que causa danos ao ambiente é algo que pode soar de forma negativa na sociedade e, em certa medida, é compreensível manter discrição sobre a problemática.

Na sequência, ao comentarem sobre a alteração na paisagem do local, após a intensificação da extração do calcário, os relatos são mais coerentes com a realidade, com base nos indicadores ambientais que eles próprios apontam.

  • M. 1: Sim, quando a atividade se intensifica é comum que a paisagem se modifique, pois aumenta à derrubada de árvores para dar acesso as pedreiras, e a paisagem natural passa a ser substituída por estradas. M. 2: Sim, quando as planta são derrubada.

  • M. 3: Só quando nós derruba os mufumbo para abrir estrada ai fica descampado.

Os trabalhadores relatam as seguintes concepções:

  • T. 1: Não, as vezes que muda porque a gente abre estrada pras caçamba, só porque derruba as pranta só isso.

  • T. 2: Já, quase todo mês aqui muda as paisage, porque a gente sempre ta derrubando as planta, como mufumbo que cresce ligeiro né para abrir estrada, e também tem os buracos no chão.

  • T.3: Não, acho que não muda nada não, só quando a gente derruba os mufumbo pra fazer estrada, mas o mufumbo nasce de novo ai fica do mesmo jeito.

Assim, independentemente do conhecimento sobre a expressão ‘impacto ambiental’, os entrevistados identificaram alterações no lugar, (Figura 3), na formação de barrancos/barreiros, provocadas pela escavação do solo no momento de extração de calcário, além do desaparecimento desses barreiros, possivelmente provocado pelo entupimento dos barrancos na época das chuvas, por conta da erosão do solo, visto que isso é bastante comum com o desmatamento das áreas próximas à extração de calcário.

Figura 3
Formação de barrancos/barreiros

Figura 4
Área desmatada para dar acesso às pedreiras

Outro impacto perceptível é o desmatamento para abrir estradas, que provoca alterações na paisagem local, como podemos observar na Figura; contudo, os entrevistados justificaram, dizendo que, “rapidamente”, a vegetação volta a crescer.

A atividade de mineração requer a licença ambiental, concedida pelo Instituto Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (IDEMA). Este aspecto foi investigado com os moradores e trabalhadores, e as respostas foram positivas, de forma unânime. A exploração de calcário no município de Upanema é uma das atividades laborais de destaque e, certamente, requer o apoio e a orientação dos órgãos ambientais, inclusive da prefeitura do município. É um equívoco, do ponto de vista da gestão pública, ver essa atividade apenas pela ótica da geração de renda, sem se ater aos impactos negativos e, consequente, à insustentabilidade socioambiental.

A respeito das percepções sobre a relação das pessoas com a natureza, as falas foram bastante reveladoras.

  • M. 1: Acredito que essa relação é de obtenção de lucro com recursos através da natureza.

  • M. 2: Não sei dizer, acho que um precisa do outro, nós precisa da natureza.

  • M. 3: Sei dizer não.

  • T. 1: Acho que nós precisa das coisa natureza pra viver.

  • T. 2: Eu não sei dizer muito bem, mas acho que a gente usa a natureza pra ter de onde trabalha, nós que trabalha como peda tira da natureza as peda pra ter um serviço, um ganho.

  • T. 3: Acho que a natureza dá pra gente um lugar pra trabaiar, como a gente ganhar dinheiro usando coisa da natureza.

Na mesma linha, para a pergunta “Você considera a extração do calcário como um trabalho importante? Por quê?”, as respostas foram:

  • M. 1: Sim, porque muitas famílias se sustentam desse trabalho.

  • M.2: Sim, porque tem um meio de serviço pras pessoa daqui.

  • M.3: Acho que é porque tem de onde nós ganhar algum tustão.

  • T. 1: Acho que é, porque é um mei de vida pras pessoa que não tem outro serviço ganhar dinheiro.

  • T. 2: Acho que é sim, pra nós que não tem outra coisa pra trabalhar, principalmente porque aqui nós tem um emprego e como ganhar dinheiro.

  • T. 3: Sim, por que é desse trabaio que a gente consegue dinheiro para sustentar as famía.

Sánchez explica que:

Por um lado, ambiente é o meio de onde a sociedade extrai os recursos essenciais à sobrevivência e os recursos demandados pelo processo de desenvolvimento socioeconômico. Esses recursos são geralmente denominados naturais. Por outro lado, o ambiente também é meio de vida, de cuja integridade depende a manutenção de funções ecológicas essenciais à vida. Desse modo, emergiu o conceito de recurso ambiental, que se refere não mais somente à capacidade da natureza de fornecer recursos físicos, mas também de prover serviços e desempenhar funções de suporte à vida (Sánchez, 2008, p. 21 [grifos dos autores]).

A relação homem-natureza por vezes é caracterizada como uma relação de dominação ou, segundo Silva (2006)SILVA, Roberto Marinho Alves. Entre o combate à seca e a convivência com o Semi-Árido: transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento. 2006. 298 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) - Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, 2006., de “controle ou correção da natureza”; ou seja, um melhoramento e uma adaptação desta ao ser humano, priorizando sempre o conforto e a satisfação das suas necessidades. Nesse entendimento, Gonçalves (2004GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2004., p. 26) diz que “a natureza é, em nossa sociedade, um objeto a ser dominado por um sujeito, o homem [...]”, isto é, é uma visão da natureza como fornecedora de algo que possa melhorar a qualidade de vida do homem no meio em que vive.

No que tange à atividade mineradora, os moradores do sítio Brejinho destacam que o benefício da atividade, para a comunidade, é claramente em relação à questão econômica.

  • M. 1: Acho que a questão econômica é a principal, porque através dessa atividade muitos adquiriram uma renda.

  • M. 2: Acho que a oportunidade de ganhar dinheiro, que antes não se tinha aqui.

  • M. 3: Que nós tem de onde ganhar dinheiro agora e antes não tinha.

Existe, portanto, uma dependência econômica homem-natureza, da qual a comunidade é refém e, embora ciente dos riscos ambientais e para a saúde humana, é inegável que a mineração fornece os recursos necessários à manutenção das suas vidas. Ou seja, a cadeia produtiva do calcário tem, como base, os aspectos relacionados à subsistência daqueles que fazem o trabalho mais pesado, no caso, a extração das pedras. Nesse sentido, o Ministério de Minas e Energia (MME, 2009, p. 7) ressalta que “fatores que evidência [sic] a importância desta indústria para o Brasil, [sic] é sua geração de empregos na economia, aproximadamente 12 mil [sic]”.

As mudanças na comunidade, em razão da extração de calcário, são relatadas pelos moradores.

  • M. 1:O tráfego de pessoas e veículos [aumentou], pois aqui não tinha muito movimento de gente nem de carros e com a atividade isso se intensificou, muitas pessoas inclusive se mudaram para cá com suas famílias devido a extração de calcário.

  • M. 2: Mudou que aqui passou a vir muitas pessoa de fora para morar aqui.

  • M. 3: Mudou que tem um serviço pra trabaiar e ter um ganho.

O fluxo de pessoas de outras cidades, que igualmente não possuem fontes de renda, é relatado em uma das falas:

  • M. 1: Aqui já trabalhou pessoas do município de Pendências, Macau, Mossoró, e outros aqui vizinhos.

  • A respeito da sequência da cadeia produtiva do calcário, verificamos se os moradores e trabalhadores sabem para onde vão as pedras extraídas, uma vez que são comercializadas para atravessadores. As respostas seguem a mesma premissa da comercialização feita aos municípios vizinhos.

  • M. 1: Vai para diversas cidades aqui da região, como por exemplo, Mossoró, Upanema, Serra do Mel, Itajá e muitas outras. É vendido para fazer calçamento

  • M. 2: Vai pra um bucado de lugar, essas cidade aqui perto tudo já compraram pedra aqui. É vendido para calçar as rua das cidade.

  • M. 3: Tem umas cidade ai que compra, Upanema, Mossoró, Campo Grande, essas cidade aqui perto de nós. A gente vende para fazer calçamento.

  • T. 1: Vai pra um monte de lugar, essa região aqui todinha já comprou peda a mim, Mossoró, Upanema, Caraúbas e outro monte de cidade aqui perto. Agora nós tamos butando para Serra do Mel e Upanema, mas vai pra outros canto também.

  • T. 2: Agora ta indo pra Serra do Mel e Upanema, mas teve tempo ai que ia para Campo Grande, Janduís, Caraúbas, Mossoró, Areia Branca, Antônio Martins, Itajá, vai pra essa região aqui perto todinha. T. 3: Vai pras cidade aqui perto, Mossoró, Upanema, Caraúbas, Serra do Mel, pras cidade aqui da região.

Vários municípios são beneficiados pela referida atividade, assim como os moradores locais, por terem uma renda para sustentarem suas famílias, passando o homem a ter uma relação e visão da natureza como elemento fundamental para sua subsistência (Cunha; Suarte, 2017CUNHA, Elida Lucia. SUARTE, Jackeline da Silva Moreira. Impacto ambiental: uma perspectiva dos conceitos relacionados à efetividade dos princípios usados pelo EIA-RIMA, Revista Científica do Norte Goiano - FNG, Porangatu, Goiás, v. 5, n. 1, p. 74-87, 2017.).

Os trabalhadores reforçam a premissa de que atuam nessa atividade por falta de outras oportunidades de trabalho.

  • T.1: naquele tempo era o serviço que tinha aqui era esse.

  • T.2: Trabalho porque aqui não tem muita oportunidade de emprego não, ai desde cedo papai me trazia para pedeira para ajudar ele e fui me acostumando.

  • T. 3: Porque é o que tem pra trabaiar.

Diante disso, eles revelam, ainda, que apesar de ser um serviço forçado, que exige muita resistência física e exposição diária ao sol, alegam estar satisfeitos com a atividade.

Contudo, expõem que, se houvesse outra fonte de obtenção de renda, deixariam de trabalhar com a extração de calcário. Um deles até enfatiza que gostaria de exercer a atividade de agricultura, mas “sem inverno, não tem como prantar, aí tenho que ganhar dinheiro, mas acho bom criar e prantar, quem mora em sítio sem criar e prantar não tenho fé” (T. 1). Além disso, destacam, ainda, que desde muito jovens trabalham nessa atividade, por isso já estão acostumados.

Diante desse contexto, entendemos que, na visão dos moradores e trabalhadores, o impacto causado pela referida atividade é compensatório, vista a necessidade de subsistência das famílias. No entanto, é necessário esclarecer que o fato de esses impactos não apresentarem consequências imediatas/visíveis faz com que a comunidade tenha essa concepção sobre este assunto; ou seja, identificamos que, na visão dos moradores e trabalhadores, a atividade causa impacto negativo no meio ambiente local, como a perda da vegetação, mas que essa atividade é indispensável para a subsistência de muitas famílias.

Nesse sentido, é importante que as pessoas tenham acesso a informações sobre impactos e demais danos ao meio ambiente, pois suas ações podem provocar consequências de grandes proporções, tantos nos aspectos ambientais, de forma direta, como também nas questões sociais do local, sendo a falta de conhecimento sobre o assunto um agravante e negativo na tentativa de sensibilizar e pensar possíveis soluções para as questões ambientais.

É necessário entender que, mesmo que a natureza esteja sendo utilizada como uma forma de subsistência, a ação impregnada a ela está causando algum dano, seja de forma direta, seja de forma indireta, pois a relação do homem com a natureza é sempre de explorar, fundamentando-se no pensamento de natureza com recursos infinitos, e que, por isso, podem utilizá-la sempre.

Para tanto, devemos reconhecer que nós dependemos da natureza e, à medida que exploramos seus recursos de forma descontrolada, teremos dela um retorno negativo, embora muitas vezes não sejamos atingidos diretamente ou de imediato, mas, futuramente, seremos cobrados, o que possivelmente resultará em danos irreversíveis. Dessa forma, é preciso nos sensibilizarmos a essas questões e buscarmos viver de forma harmoniosa com a natureza.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, os levantamentos de dados e a discussão de resultados foram feitas em busca das percepções sobre os impactos socioambientais do próprio público estudado. É possível afirmar que os moradores e trabalhadores consideram a atividade sob dois vieses, o positivo e o negativo, para comunidade e para o meio ambiente.

Na perspectiva econômica, é possível afirmar que a atividade tem grande importância para o sítio Brejinho, pois gera renda e emprego dentro da própria comunidade, um fato positivo destacado pelos participantes da pesquisa; ou seja, ela contribui para economia local, sendo o meio de sobrevivência e subsistência de grande parte das famílias. As pessoas veem um certo privilégio no fato de a comunidade ter uma oportunidade de geração de renda que não dependa das chuvas. Ao contrário, o excesso de chuvas até atrapalha a atividade, uma vez que enche os barreiros de água, impedindo, momentaneamente, a exploração. Contudo, como a maior parte do ano é seco, essa atividade se caracteriza como a maior fonte de renda de trabalho da comunidade e que, somada à renda obtida pelos programas sociais governamentais e à renda de inativos, possibilita a subsistência da maioria das famílias.

A fonte de renda local foi identificada como um fator essencial, pois, enquanto em outros assentamentos, e sítios do município, as pessoas precisam se deslocar para outras comunidades, municípios vizinhos e até mesmo outros estados, no sítio Brejinho, a atividade proporciona essa vantagem aos moradores locais, apesar de os trabalhadores não terem seus direitos trabalhistas assegurados.

Por outro lado, também foram encontrados aspectos negativos, em que se destacaram os impactos ambientais provocados pela atividade, que afeta a fauna e flora local, bem como o solo.

Outro fato que acontece é a instabilidade financeira, em razão de a atividade não ser legalizada pelo órgão trabalhista; isto é, os trabalhadores não exercem a função com carteira assinada, o que é considerado mais um aspecto negativo da atividade, tendo em vista que, assim, esse público não tem garantias e direitos estabelecidos de acordo com a lei.

Os impactos negativos à saúde humana, embora não possam ser cientificamente confirmados nesta pesquisa, carecem de atenção, haja vista que os relatos disponíveis na literatura quanto aos problemas físicos e respiratórios causados pela atividade fazem-se presentes na população local. Portanto, é necessário buscar mecanismos de identificação e orientação, por parte dos órgãos de saúde responsáveis, em ações conjuntas entre profissionais de saúde, trabalhadores e moradores, sobre a possível relação dos eventuais problemas de saúde e o exercício da atividade.

Ao poder público municipal, sugere-se uma maior dedicação ao planejamento e desenvolvimento de ações, incluindo a parceria com os órgãos ambientais, como o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (IDEMA), não apenas nos aspectos da legalização e do licenciamento ambiental, mas também quanto aos impactos ambientais negativos e à saúde desses trabalhadores.

As alterações ambientais foram visivelmente identificadas, principalmente nas proximidades dos barreiros e também nas áreas com indicativo de exaustão, as quais já podem ser encontradas em algumas partes da pedreira. A paisagem local é condicionada a intervenções humanas, seja para abertura de estradas, seja para abertura de novos barreiros, visando novas áreas de extração.

Portanto, fazem-se necessárias a implementação e o direcionamento de ações voltadas à melhoria dos aspectos de gestão e planejamento ambiental dessa atividade, além da supervisão e do monitoramento da extração de calcário pelos órgãos estadual (IDEMA) e federal (IBAMA). Nessa linha, uma fiscalização mais rigorosa por parte desses órgãos é igualmente importante, para que possam, em conjunto com a secretaria municipal responsável pelo setor, dar mais ênfase às questões ambientais relacionadas à atividade mineradora, bem como orientar e se aproximar da comunidade, de forma a superar o paradigma que existe sob a ótica dos trabalhadores quanto a esses órgãos, que são vistos como contrários à extração e a qualquer outra atividade de caráter ambiental.

Outrossim, o fato de a atividade mineradora local ser desenvolvida por intermediários dificulta os cuidados ambientais necessários à sustentabilidade socioeconômica e ambiental da atividade. Portanto, a eliminação de atravessadores é um passo importante, para implementação de um modelo menos impactante. Contudo, requer maior nível de organicidade da comunidade local.

Pensando sob essa perspectiva, a aproximação e as ações com os moradores e trabalhadores tendem a ser positivas, inclusive, assegurando que a atividade ocorra em consonância com as leis ambientais. Para além da burocrática, e, por vezes, temida, fiscalização, a ação dos órgãos ambientais precisa se transformar em um movimento de instruções e de sugestões, para que se ocorra a preservação desses locais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2021
  • Aceito
    28 Set 2022
  • Aceito
    21 Nov 2022
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