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Alterações na temperatura de superfície em áreas de expansão do agronegócio sobre um território quilombola no Tocantins

Changes in surface temperature in agribusiness expansion areas on a quilombola territory in Tocantins

Cambios en la temperatura superficial en áreas de expansión agroindustria en un territorio quilombola en el Tocantins

Resumo

A presente pesquisa busca estudar mudanças ambientais em virtude do avanço do agronegócio sobre o território da Comunidade Quilombola Morro de São João (CQMSJ), no Estado do Tocantins, e suas repercussões sobre as temperaturas de superfície. A agricultura comercial em larga escala, em alguns casos, desconsidera em sua prática os impactos que causam às comunidades tradicionais que vivem no entorno de grandes empreendimentos agrícolas. A comunidade percebe ter vivenciado diversas alterações ambientais em seu entorno, em razão da substituição da vegetação nativa por lavouras comerciais, no local que antes fazia parte de seu território original. Os procedimentos metodológicos se basearam no uso de geotecnologias para estudos de temáticas relacionadas ao clima. Para isso, estimou-se a temperatura de superfície terrestre (TST) sobre o território que abrange a CQMSJ na estação seca de inverno e na estação chuvosa de primavera, por meio de imagens de satélite da série Landsat 7 e 8, em cenários de observação de 1999/2000 e de 2019/2020, referentes a dois momentos: respectivamente, anterior e posterior à expansão agrícola na área de estudo. Os resultados indicam que houve uma variação da temperatura de superfície associada, principalmente, às mudanças ou alterações no uso e na ocupação da terra. O aumento de TST se deu de forma mais expressiva em áreas que atualmente são destinadas para a produção agrícola nos moldes do agronegócio. Os resultados sinalizam para prováveis consequências da exploração intensiva desse território tradicional inserido no bioma Cerrado, em especial quanto aos seus aspectos microclimáticos, com possíveis implicações sobre a vida de uma comunidade quilombola.

Palavras-chave:
comunidades tradicionais; agronegócio; temperatura de superfície; geotecnologias; alteração microclimática

Abstract

The present research seeks to study environmental changes due to the advance of agribusiness on the territory of the Morro de São João Quilombola Community (CQMSJ), in the State of Tocantins, and its repercussions on surface temperatures. Large-scale commercial agriculture, in some cases, disregards in its practice the impacts it causes to traditional communities that live in the vicinity of large agricultural enterprises. The community realizes that it has experienced several environmental changes in its surroundings, due to the replacement of native vegetation by commercial crops, in the place that was previously part of its original territory. The methodological procedures were based on the use of geotechnologies for studies of themes related to the climate. For this, the terrestrial surface temperature (TST) was estimated over the territory that covers the CQMSJ in the dry winter season and in the rainy season in spring, through satellite images of the Landsat 7 and 8 series, in scenarios of observation of 1999/2000 and 2019/2020, referring to two moments: respectively, before and after the agricultural expansion in the study area. The results indicate that there was a surface temperature variation mainly associated with changes or alterations in land use and occupation. The increase in TST was more expressive in areas that are currently destined for agricultural production along the lines of agribusiness. The results point to probable consequences of intensive exploration of this traditional territory inserted in the Cerrado biome, especially regarding its microclimatic aspects, with possible implications for the life of a quilombola community.

Keywords:
traditional communities; agribusiness; surface temperature; geotechnology; microclimatic change

Resumen

La presente investigación busca cambios ambientales debido al avance de la agroindustria en el territorio de la Comunidad Quilombola Morro de São João (CQMSJ), en el Estado de Tocantins, y sus repercusiones en las temperaturas superficiales. La agricultura comercial a gran escala, en algunos casos, ignora en su práctica los impactos causados por las comunidades tradicionales que viven en las cercanías de las grandes empresas agrícolas. La comunidad es consciente de que ha experimentado cambios ambientales, debido al reemplazo de su vegetación nativa por la agricultura, en el lugar que antes formaba parte de su territorio original. Los procedimientos metodológicos se basaron en el uso de geotecnologías para estudios temáticos relacionados con el clima. Para ello, se estimó la temperatura superficial terrestre (TST) sobre el territorio que cubre la CQMSJ en la época seca de invierno y en la época de lluvias en primavera, a través de imágenes satelitales de las series Landsat, 7 y 8, en escenarios de observación de 1999/2000 y 2019/2020, referidos a dos momentos: respectivamente, antes y después de la expansión agrícola en el área de estudio. Los resultados indican que hubo cambios de la temperatura superficial asociados, principalmente, a cambios en el uso y ocupación del suelo. El aumento de TST ocurrió de manera más significativa en áreas que actualmente se desarrollan para la producción agrícola de agronegocios. La señalización resulta de probables consecuencias de la exploración de este territorio tradicional inserto en el bioma Cerrado, en particular a sus aspectos microclimáticos, con posibles implicaciones en la vida de una comunidad quilombola.

Palabras clave:
comunidades tradicionales; agroindustria; temperatura de la superficie; geotecnologías; cambio microclimático

1 INTRODUÇÃO

O Cerrado constitui um bioma cuja vegetação pode ser descrita, de modo geral, por pequenas árvores com caules robustos e tortuosos, compostos por cascas espessas de aparência rústica, moldadas pelo vento e cobertas por folhas sazonais ou mesmo espinhos, de morfologia peculiar, com espessuras maiores e minúsculos filamentos que nascem sobre sua superfície. Sua base ainda é acompanhada de raízes que alcançam ora medidas profundas no solo, ora medidas rasas, como as raízes tuberosas, com estrutura que permite fixar-se no solo e armazenar nutrientes e água, ou ainda lançar-se em busca de águas profundas (Ribeiro; Walter, 1998RIBEIRO, J. F.; WALTER, B. M. T. Fitofisionomias do bioma Cerrado. In: SANO, S. M.; ALMEIDA, S. P. (Org.). Cerrado: ambiente e flora. Brasília, DF: Embrapa Cerrados,1998. p. 87-166).

Tal arranjo atribui aos componentes vivos do Cerrado a capacidade adaptativa e de resistência à passagem do fogo, no período seco, e compõe um ambiente que, ao contrário da ideia de hostilidade, é favorável à alimentação e à continuidade de múltiplas formas de vida. Por isso, trata-se de um ambiente bastante significativo em termos de biodiversidade de plantas e animais, além da variedade sociocultural relacionada aos povos “cerradeiros”.

A compreensão do Cerrado em sua totalidade deve tomá-lo não somente como bioma, mas também como território desses povos, buscando o entendimento da interação e dos vínculos de tudo o que compõe esse lugar, o que inclui seus sujeitos (Castilho; Chaveiro, 2010CASTILHO, D.; CHAVEIRO, E. F. Por uma análise territorial do Cerrado. In: PELÁ, M.; CASTILHO, D. (Org.). Cerrados: perspectivas e olhares. Goiânia: Editora Vieira, 2010. p. 35-50.). Assim, para além dos aspectos físicos e biológicos, é preciso entender a relação e as disputas entre os diversos grupos que habitam e que fazem diferentes usos do Cerrado, e como eles se relacionam com o que convencionamos chamar de natureza.

Ao passo que a agricultura comercial de larga escala, nos moldes do agronegócio, territorializa-se como modelo dominante no campo, seu caráter governado pela lógica do capital afugenta outras formas de existência que destoam de seu escopo. Logo, modelos tradicionais de vida e de produção, enraizados de maneira ancestral entre povos indígenas, quilombolas e camponeses, por exemplo, passam a se ver ameaçados pela territorialidade do capital que hoje atua no campo (Castilho; Chaveiro, 2010CASTILHO, D.; CHAVEIRO, E. F. Por uma análise territorial do Cerrado. In: PELÁ, M.; CASTILHO, D. (Org.). Cerrados: perspectivas e olhares. Goiânia: Editora Vieira, 2010. p. 35-50.; Chaveiro, 2010CHAVEIRO, E. F. A urbanização do cerrado: espaços indomáveis, espaços deprimidos., Revista UFG, Goiânia, ano XII, n. 9 [Dossiê Cerrado], p. 26-30, dez. 2010. Disponível em: https://revistas.ufg.br/revistaufg/article/view/48318. Acesso em: 23 ago. 2022.
https://revistas.ufg.br/revistaufg/artic...
).

Enquanto o modo de produção capitalista opera para transformar a terra em artigo financeiro e o alimento em commodity, as populações tradicionais possuem sistemas produtivos vinculados ao saber local e baseados numa relação particular com a natureza. Os povos “cerradeiros” alinham saberes socioculturais conectados às paisagens do Cerrado, os quais se encontram em processo de ressignificação, diante das ameaças representadas pelo avanço do agronegócio (Souza; Brandão, 2012SOUZA, A. F. G.; BRANDÃO, C. R. Ser e viver enquanto comunidades tradicionais. Mercator, Fortaleza, v. 11, p. 109-20, 2012. Disponível em: http://www.mercator.ufc.br/mercator/article/view/724. Acesso em: 23 ago. 2022.
http://www.mercator.ufc.br/mercator/arti...
).

Esse tipo de problemática pode ser verificado no centro-sul do Estado de Tocantins, onde vive a Comunidade Quilombola Morro de São João (CQMSJ), localizada no município de Santa Rosa do Tocantins. Cleto (2015)CLETO, E. A. T. Resiliência e reconhecimento em neocomunidades: o caso da comunidade quilombola morro de São João-TO. 2015. 211f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade Federal do Tocantins, Palmas, 2015. Disponível em: https://repositorio.uft.edu.br/handle/11612/188. Acesso em: 19 ago. 2021.
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descreve que a comunidade subsiste há mais de 200 anos, constituída pelos descendentes de Victor de Sena Ferreira, filho do padre José Bernardino de Sena Ferreira com uma escrava conhecida como Pelônia ou Pelonha. Victor teria herdado terras de propriedade do pai, onde se formaria a comunidade quilombola. A comunidade preserva sua identidade cultural por meio de suas crenças e costumes, as manifestações são expressas pela prática da capoeira e pelas comemorações de festejos tradicionais que acontecem anualmente, como a congada, entre 30 de outubro e 2 de novembro, junto a uma homenagem às Santas Almas Benditas; a festa de Nossa Senhora de Santana, em 26 de julho; e o festejo de São Sebastião, de 11 a 20 de janeiro (Cleto, 2015CLETO, E. A. T. Resiliência e reconhecimento em neocomunidades: o caso da comunidade quilombola morro de São João-TO. 2015. 211f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade Federal do Tocantins, Palmas, 2015. Disponível em: https://repositorio.uft.edu.br/handle/11612/188. Acesso em: 19 ago. 2021.
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).

A área do território e os arredores do Quilombo Morro de São João estão totalmente inseridos no bioma Cerrado. Considerando-se o uso e a cobertura da terra no ano de 2017, a parte oeste do município de Santa Rosa do Tocantins possuía algo em torno de 50,11% de áreas compostas por vegetação nativa de cerrado, enquanto 47,73% equivaliam às áreas antrópicas agrícolas. Desde 2006, a comunidade reivindica junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a regularização fundiária como forma de luta e permanência em seu território. Hoje, a situação fundiária desse território é complexa, havendo diferentes propriedades, de tamanhos variados, divididas entre famílias quilombolas e outros proprietários que praticam agricultura comercial, silvicultura e pecuária bovina (Souza; Chaveiro, 2019SOUZA, L. B.; CHAVEIRO, E. F. Território, ambiente e modos de vida: conflito entre o agronegócio e a comunidade quilombola de Morro de São João, Tocantins. Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 31, p. 1-26, 2019. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/sociedadenatureza/article/view/42482. Acesso em: 23 ago. 2022.
https://seer.ufu.br/index.php/sociedaden...
).

Na busca por identificar as bases territoriais do Quilombo Morro de São João, Abentroth (2020)ABENTROTH, N. K. C. S. Comunidade Quilombola Morro de São João no município de Santa Rosa do Tocantins: memórias e territórios. 2020. 120 f. Dissertação (Mestrado) - Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Tocantins, Porto Nacional, 2020. Disponível em: https://repositorio.uft.edu.br/handle/11612/2059. Acesso em: 12 ago. 2020.
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descreve que, embora até o presente momento não se tenha o dimensionamento real do território e haja a necessidade de ser regulamentado pelo órgão competente (INCRA), é possível o reconhecimento da constituição do território originário, bem como mensurar as perdas dele. Conforme a autora, “todas as partes fragmentadas do quilombo sofreram com o processo de expropriação, grilagem, apropriação por venda legal ou indevida, mas que apresentaram brechas que possibilitaram sua identificação” (Abentroth, 2020ABENTROTH, N. K. C. S. Comunidade Quilombola Morro de São João no município de Santa Rosa do Tocantins: memórias e territórios. 2020. 120 f. Dissertação (Mestrado) - Geografia, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Tocantins, Porto Nacional, 2020. Disponível em: https://repositorio.uft.edu.br/handle/11612/2059. Acesso em: 12 ago. 2020.
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, p. 112).

Segundo Cleto (2015)CLETO, E. A. T. Resiliência e reconhecimento em neocomunidades: o caso da comunidade quilombola morro de São João-TO. 2015. 211f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade Federal do Tocantins, Palmas, 2015. Disponível em: https://repositorio.uft.edu.br/handle/11612/188. Acesso em: 19 ago. 2021.
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e Souza e Chaveiro (2019)SOUZA, L. B.; CHAVEIRO, E. F. Território, ambiente e modos de vida: conflito entre o agronegócio e a comunidade quilombola de Morro de São João, Tocantins. Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 31, p. 1-26, 2019. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/sociedadenatureza/article/view/42482. Acesso em: 23 ago. 2022.
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, anteriormente à intensificação do agronegócio, a comunidade usava o território de modo coletivo para reprodução de seus modos de vida e processos produtivos atrelados a práticas tradicionais. A vegetação nativa servia para coleta e uso de planta medicinais, sementes e frutos silvestres. O abastecimento de água se dava por meio de cacimbas e nascentes em abundância. A pastagem natural servia de alimento para o gado criado solto. Era possível a escolha de locais ao longo do território destinados a práticas agrícolas ancestrais, como a roça de toco, para fins de autossustento familiar, segurança alimentar, manutenção da agrobiodiversidade e regeneração periódica de áreas de plantio, pela rebrota natural da vegetação. As moradias empregavam técnicas construtivas vernaculares, de modo que o adobe ou o pau a pique usados como vedação, além da cobertura com telhas artesanais, proporcionavam maior conforto térmico.

Souza e Chaveiro (2019)SOUZA, L. B.; CHAVEIRO, E. F. Território, ambiente e modos de vida: conflito entre o agronegócio e a comunidade quilombola de Morro de São João, Tocantins. Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 31, p. 1-26, 2019. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/sociedadenatureza/article/view/42482. Acesso em: 23 ago. 2022.
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, em estudo participativo na comunidade, relatam a quebra do modelo tradicional de vida dos moradores locais a partir das mudanças ambientais vivenciadas nas últimas décadas. Dentre as alterações ambientais percebidas pela comunidade, estão a -contaminação das águas e dos solos por agrotóxicos, o que gera insegurança entre os moradores, a redução da ictiofauna e, principalmente, a supressão da vegetação nativa, o que trouxe o desequilíbrio da fauna pela fragmentação de habitats. A perda de animais domésticos e de bovinos, em virtude do ataque de felinos nessa área, tem sido uma constante nos relatos dos quilombolas.

As alterações em termos microclimáticos, observadas pelos moradores, aparecem sob forma de desconforto térmico, desequilíbrio no balanço hídrico (escassez hídrica e alteração no regime de chuvas) e elevação das temperaturas mínimas. As causas podem estar associadas a duas condições: a primeira, a partir da mudança no uso e na cobertura da terra, pela retirada de vegetação natural ao longo do território quilombola e no seu entorno; e a segunda, decorrente do abandono gradativo de materiais e técnicas construtivas vernaculares, substituindo-os por construções convencionais de alvenaria, em parte das moradias (Castro; Souza 2022CASTRO, C. S.; SOUZA, L. B. Alterações microclimáticas e perfil térmico no Território Quilombola Morro de São João, Tocantins. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, v. 26, e. 17, p. 1-30, 2022. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/geografia/article/view/64403. Acesso em: 23 ago. 2022.
https://periodicos.ufsm.br/geografia/art...
).

Nesse sentido, o parâmetro físico de temperatura da superfície terrestre (TST) é um importante elemento utilizado para fins de análises climáticas. Sua estimativa auxilia na compreensão das dinâmicas que ocorrem entre a superfície e a atmosfera, em especial das repercussões que ocorrem nas primeiras camadas do ar acima do solo (Arantes et al. 2013ARANTES, A. E.; SOUSA, S. B.; SOARES, G. S. C.; FERREIRA, L. G. Análise da temperatura da superfície terrestre e índice de vegetação SAVI para o município de Goiânia, 2009. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO - SBSR, 16., Foz do Iguaçu, 13 a 18 de abril de 2013. Anais [...]. Foz do Iguaçu: INPE, 2013. Disponível em: http://marte2.sid.inpe.br/col/dpi.inpe.br/marte2/2013/05.28.23.06.34/doc/p0199.pdf. Acesso em: 14 ago. 2022.
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). Com base nessa premissa, são observadas, no presente artigo, as mudanças dessa variável no intervalo de tempo de 21 anos, entre 1999 e 2019, período em que ocorreu a expansão das lavouras comerciais (especialmente de soja) no território quilombola e no seu entorno.

2 METODOLOGIA

2.1 Caracterização da área de estudo

O território da CQMSJ faz parte do município de Santa Rosa do Tocantins, cuja sede se encontra a 310 metros de altitude, na latitude de 11°26'56" sul e longitude de 48°07'14" oeste, de acordo com a Figura 1. Conforme definido por seus moradores, o território reivindicado para regularização fundiária está situado na parte oeste do município, entre os limiares dos rios Tocantins, Manuel Alves e Formiga, além do córrego São Felipe, embora sua abrangência ainda necessite de demarcação mais precisa. Ao centro dessa área, encontra-se um pequeno núcleo habitacional (povoado), em que vive a maior parte dos componentes que formam a comunidade (atualmente, pouco mais de cem habitantes) (Souza; Chaveiro, 2019SOUZA, L. B.; CHAVEIRO, E. F. Território, ambiente e modos de vida: conflito entre o agronegócio e a comunidade quilombola de Morro de São João, Tocantins. Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 31, p. 1-26, 2019. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/sociedadenatureza/article/view/42482. Acesso em: 23 ago. 2022.
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).

Figura 1
Mapa de localização da área de estudo

O território quilombola está inserido em área de clima do tipo Aw, segundo a classificação de Köppen, com um regime pluvial bem definido. O período seco coincide geralmente com o outono-inverno (entre abril e setembro) e o período chuvoso com a primavera-verão (entre outubro e março). O final do período seco, entre agosto e setembro, normalmente apresenta as temperaturas mais elevadas do ano, ao passo que o período chuvoso contribui para temperaturas mais amenas, relacionadas à menor incidência de radiação solar sobre a superfície (Tocantins, 2020TOCANTINS (Estado). Secretaria da Fazenda e Planejamento. Superintendência de Planejamento Governamental. Diretoria de Gestão de Informações Territoriais e Socioeconômicas. Gerência de Zoneamento Territorial. Projeto de Desenvolvimento Regional Integrado e Sustentável. Elaboração das Cartas Climáticas do Estado do Tocantins. Palmas, SEFAZ/GZT, 2020. 464 p. (Série Tocantins/Recursos Naturais/Cartas Climáticas - v. 1). Disponível em: https://central3.to.gov.br/arquivo/539105/. Acesso em: 23 ago. 2022.
https://central3.to.gov.br/arquivo/53910...
; Nascimento; Novais, 2020NASCIMENTO, D. T. F. ; NOVAIS, G. T. Clima do cerrado: dinâmica e características, variabilidades e tipologias climáticas. Élisée, Anápolis, v. 9, p. 1-39, 2020. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/elisee/article/view/10854. Acesso em: 14 maio 2021.
https://www.revista.ueg.br/index.php/eli...
). Por sua vez, esse regime também está relacionado ao ritmo da própria vida na área de estudo, implicando especialmente as atividades produtivas, o tipo de trabalho desempenhado em cada época do ano, o regime alimentar e diversas manifestações culturais, de modo geral.

2.2 Delineamento do estudo

Os procedimentos metodológicos empregados neste estudo de caso basearam-se em abordagens provenientes do campo de conhecimento do Sensoriamento Remoto. Em um primeiro momento, houve a definição do local e do período de análise para o estudo, a fim de se estabelecer o recorte espacial e temporal. Em seguida, houve a obtenção de imagens de satélite, com a finalidade de estimar a temperatura de superfície terrestre (TST) da área estudada, com o intuito de possibilitar correlações em microescala com as condições climáticas da CQMSJ.

A análise quantitativa dos dados de TST se deu por meio de suas representações gráfica e cartográfica, que serviram como base para a interpretação qualitativa dos resultados, considerando-se suas possíveis relações com a intensificação do agronegócio e as mudanças ambientais no território quilombola, com ênfase nas alterações no uso e na cobertura da terra.

Os resultados foram apresentados segundo a fragmentação do recorte temporal e espacial da pesquisa, abordando uma “situação anterior” à intensificação do agronegócio no território da CQMSJ, no ano de 1999, e uma “situação posterior”, em momento mais recente, referente ao ano de 2019. Em ambos os casos, tomou-se um mês de período seco, setembro, e um mês de período chuvoso, dezembro, considerando-se suas repercussões sobre o estado da vegetação e também das áreas agrícolas (com ou sem plantio).

2.3 Estimativa da temperatura de superfície (TST)

Esta etapa demonstra os parâmetros utilizados para a estimativa de TST sobre a área de estudo, recorrendo ao emprego das geotecnologias, por meio da manipulação de imagens de satélite da série Landsat e dos cálculos necessários para a obtenção das variáveis, seguindo os recortes temporais e espacial definidos.

2.3.1 Obtenção de imagens orbitais para composição colorida, estimativa da TST e índice de vegetação (NDVI)

As imagens foram escolhidas entre os produtos disponíveis da Série Landsat 7 e 8, em formato geotiff, na plataforma web USGS Earth Explorer (United States Geological Survey [USGS] 2021UNITED STATES GEOLOGICAL SURVEY [USGS]. Landsat Missions. Portal USGS, Reston, 2021. Disponível em: https://www.usgs.gov/land-resources/nli/landsat/. Acesso em: 7 set. 2021.
https://www.usgs.gov/land-resources/nli/...
). Para o ano de 1999, a TST foi estimada a partir da imagem termal (banda 6), do sensor ETM+, com resolução de 120 metros, reamostradas para 30 metros, enquanto a estimativa de NDVI se deu pela imagem visível do vermelho (banda 3) e imagem do infravermelho próximo (banda 4), ambas do mesmo sensor (sensor ETM+). Para a análise do ano de 2019, foram utilizados os produtos do satélite Landsat-8. A imagem termal (banda 10) do Thermal Infrared Sensor (TIRS) foi utilizada para a obtenção da TST, enquanto a banda 4 (Visível - R) e a banda 5 (Infravermelho próximo - NIR) foram utilizadas para o cálculo do NDVI.

Para a aquisição das imagens, foram observados alguns critérios, tais como: a presença de ruídos, de erros digitais, nebulosidade e áreas queimadas no território quilombola. O mapa de TST em setembro/2019 apresentou queimadas ao norte do Rio Manoel Alves. Esse ruído abrange cerca de 18,6% da área total e possui valores superiores que a maior classe. Desse modo, houve a retirada desses dados (ruídos) das análises estatísticas dos resultados.

Com isso, as imagens escolhidas para o ano de 1999 foram adquiridas pelos produtos da série Landsat 7, ambos da coleção 1 e nível 2, descritos na Tabela 1. As imagens correspondem, assim, às datas de 8 de setembro de 1999 e de 14 de dezembro de 1999. As imagens escolhidas para o ano de 2019 foram adquiridas dos produtos do Landsat 8, coleção 1 e nível 2, e correspondem às datas de 7 de setembro de 2019 e 12 de dezembro de 2019, conforme Tabela 2.

Tabela 1
Descrição dos produtos Landsat 7 para o ano de 1999
Tabela 2
Descrição dos produtos Landsat 8 para o ano de 2019

2.3.2 Cálculo da TST

Inicialmente, para a obtenção da TST, foi calculada a radiância espectral da banda termal (Lλ), conforme equação 1 (USGS, 2021UNITED STATES GEOLOGICAL SURVEY [USGS]. Landsat Missions. Portal USGS, Reston, 2021. Disponível em: https://www.usgs.gov/land-resources/nli/landsat/. Acesso em: 7 set. 2021.
https://www.usgs.gov/land-resources/nli/...
).

(1) L λ = M L Q c a l + A L

Em que:

Lλ = Radiância espectral - TOA (W/ m2·sr·μm);

ML = Fator multiplicativo de redimensionamento da banda (Radiance_Mult_Band x, em que x é o número da banda);

Qcal = Valor quantizado e calibrado do pixel em nível de cinza (DN);

AL = Fator aditivo de redimensionamento da banda.

Posteriormente, antes do cálculo da temperatura de superfície, foi preciso calcular a emissividade (Ԑ). Os estudos de Van de Griend e Owen (1993)VAN DE GRIEND, A. A.; OWEN, M. On the relationship between thermal emissivity and the normalized difference vegetation index for natural surfaces. International Journal of Remote Sensing, Londres, v. 14, p. 1119-31, 1993. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01431169308904400. Acesso em: 23 ago. 2022.
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
evidenciaram que existe correlação entre o índice de vegetação por diferença normalizada (NDVI) e a emissividade da superfície. Essa correlação é dada pelo cálculo de proporção de vegetação (PV) dada pela Equação 2.

(2) P V = ( NDVI - NDVImin NDVImáx - NDVI min ) 2

Em que:

PV = Proporção de vegetação;

NDVI = Índice de Vegetação da Diferença Normalizada;

NDVImín = Índice de Vegetação da Diferença Normalizada mínimo;

NDVImín = Índice de Vegetação da Diferença Normalizada máximo.

Desse modo, o cálculo da emissividade se dá em virtude de os pixels não emitirem radiação eletromagnética, assim como um corpo negro. Em virtude dessas proposições, optou-se por seguir a Equação 5 proposta por Van de Griend e Owen (1993)VAN DE GRIEND, A. A.; OWEN, M. On the relationship between thermal emissivity and the normalized difference vegetation index for natural surfaces. International Journal of Remote Sensing, Londres, v. 14, p. 1119-31, 1993. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01431169308904400. Acesso em: 23 ago. 2022.
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
.

(3) ε = 0.004 P V + 0.986

Em que:

Ԑ = emissividade;

PV = Proporção de vegetação.

Em seguida, a temperatura de superfície sem ajuste (BT) foi estimada pela Lei de Planck (Equação 4), segundo recomendam Markham e Barker (1986)MARKHAM, B. L.; BARKER, J. L. Landsat MSS and TM Post - calibration dynamic rangers, exoatmospheric reflectance and At-satellite temperatures. EOSAT Landsat Tech., p. 3-8, ago. 1986..

(4) B T = ( K 2 ln ( K 1 L 2 + 1 ) ) - 273 , 15

Em que:

BT = Temperatura de superfície sem ajuste (Celsius);

K1 = Constante de conversão térmica da banda (K1_Constant_Band_x, x: n. da banda);

K2 = Constante de conversão térmica da banda (K2_Constant_Band_x, x: n. da banda);

Lλ = Radiância espectral da banda (W/m2 sr μm);

Por fim, com os demais cálculos feitos, foi possível calcular a temperatura de superfície corrigida (TST), a partir da equação 5.

(5) T S T = B T ( 1 + ( λ B T / C 2 ) Ln ( ε ) )

Em que:

TST = Temperatura de superfície corrigida (Celsius);

BT = Temperatura de brilho (Celsius);

λ = Comprimento de onda da banda termal (µm);

C2 = 14388 µm/k;

Ԑ = emissividade.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 TST - ano 1999

A Figura 2 exibe a distribuição espacial das classes de TST na área de estudo para os meses de setembro/1999 (seco) e dezembro/1999 (chuvoso).

Figura 2
TST para o ano de 1999

A média de TST para setembro/1999 foi de 34,01°C, enquanto o desvio-padrão foi de 1,98. Além disso, este período apresentou uma TST mínima de 25,33°C e a máxima de 41,56°C. Os valores de TST mínima e máxima para setembro/1999 foram mais elevados em comparação com o mês de dezembro/1999, cuja estimativa de TST média foi de 26,47°C, e o desvio-padrão foi de 1,59. Ademais, nesse último mês, as temperaturas de superfícies mínimas e máximas foram de 21,53°C e 36,10°C, respectivamente.

As temperaturas mínimas foram encontradas em local cujo solo estava coberto por vegetação natural, e as temperaturas máximas, em áreas com solo exposto que se destinavam ao uso agropecuário. Em 1999, o uso predominante nessas áreas era voltado à pecuária bovina, geralmente em áreas com pastagens nativas. Nos meses analisados, as maiores temperaturas se concentraram ao norte da CQMSJ, próximo à rodovia estadual TO-458.

No mês de setembro/1999, as temperaturas mais expressivas sobre a área se concentraram em intervalos que variavam de 32,01°C a 36°C. Deste modo, 37,69% da área apresentava temperaturas no intervalo de 32,01°C a 34°C, e outros 36,67% da área no intervalo de 34,01°C e 36°C, totalizando 74,36% de toda a área de estudo (Gráfico 1).

Gráfico 1
Frequência de TST por classes (1999)

Figura 3
TST para o ano de 2019

Em contrapartida, o mês de dezembro/1999 se manteve com proporções semelhantes entre classes, com 42,85% da área apresentando classes entre 24,01°C e 26°C, e outros 41,40% da área com TST entre 26,01°C e 28°C. Nesse mês, tais classes de TST corresponderam a mais que 80% do total da área analisada (Gráfico 1).

Os resultados demonstram uma relação entre a ausência de cobertura vegetal e o aumento da temperatura das camadas superficiais do solo, notadamente em porções onde a vegetação de Cerrado foi suprimida para o desenvolvimento de pastagens, sejam estas nativas ou cultivadas. Por outro lado, os arredores do povoado da CQMSJ, onde a vegetação nativa era mais bem conservada, permaneciam com TST menores, em ambos os meses examinados, ainda conforme a Figura 2.

3.2 TST - ano 2019

A média de TST para o mês de setembro/2019 foi de 37,32°C, com desvio-padrão de 3,216, indicando um conjunto diverso de valores de TST, cuja a amplitude é de 19,04°C, com seus valores máximos e mínimos variando entre 27,94°C e 46,98°C.

Para dezembro/2019, a TST média foi de 27,11°C, com desvio-padrão de 1,400, com variação entre 32,12°C (máxima) e 20,99°C (mínima). A amostra de TST para esse mês obteve menor amplitude quando comparada aos resultados do mês de setembro/2019, o que é esperado em virtude do período chuvoso e do estado da vegetação e dos cultivos agrícolas.

Para setembro/2019, os valores de TST se concentraram em medidas semelhantes, bem distribuídas entre as classes de 34,01°C e 40°C. O intervalo de classe com maior distribuição sobre a área foram os valores de 38,01°C a 40°C, abrangendo uma proporção de 24,4% dela. A perda de biomassa da vegetação natural devido à estiagem típica dessa época, o solo exposto em áreas agrícolas e a espera do retorno das chuvas para um novo plantio foram responsáveis pela elevação da TST em setembro/2019. Em dezembro/2019, os valores de TST se concentraram principalmente entre 26,01°C e 28°C, em virtude do início do período chuvoso, representando cerca de 56% da área de estudo.

Ao comparar o mês de setembro de 1999 e de 2019, houve aumento da quantidade de áreas com valores elevados de TST. O que antes se concentrava no intervalo de 30°C a 38°C (Gráfico 1), passou a ocorrer no intervalo entre 32,01°C e 43°C (Gráfico 2). Essa mudança provavelmente foi induzida pelo aumento da área de vegetação nativa suprimida e substituição de pastagens por áreas de cultivo agrícola, as quais permanecem com o solo exposto ou parcialmente recoberto por palhadas durante o período mais quente e seco do ano, que equivale ao período de entressafra, como é o caso do mês de setembro.

Gráfico 2
Frequência de TST por classes (2019)

As proporções de classes para o mês de dezembro, tanto em 1999 (Gráfico 1) quanto em 2019 (Gráfico 2), mantiveram-se concentradas em posições semelhantes, porém havendo redistribuição em classes com TST maiores, para 2019, e redução de 20,75% de locais que, em 1999, tiveram TST entre 24,01°C e 26°C.

Assim, houve um aumento do quantitativo de áreas com valores acima de 26°C, passando de 55,47% (1999) para 77,8% (2019), localizadas, principalmente, a oeste da Rodovia TO-458.

O Quadro 1 demonstra um comparativo na porção oeste da área de estudo, onde mais se observaram mudanças de TST nos meses analisados. Os dados gerais de TST para setembro/1999 remetem a uma homogeneidade maior entre seus valores, quando comparado ao mesmo período para o ano de 2019. Tal resultado sugere que essa área vem sofrendo mudanças em termos de uso e cobertura do solo ao longo do período analisado, o que resulta em um mosaico mais diversificado no período recente, pela introdução de novas formas de exploração da natureza, a exemplo da substituição de pastagens voltadas para criação de gado por cultivo agrícola para plantio de monoculturas.

Quadro 1
Comparativo de TST nos anos 1999 e 2019 na porção oeste da área de estudo

Ao longo do tempo, o local de produção agrícola na porção oeste se tornou mais segmentado e bem definido, muito provavelmente envolvendo a substituição de pastagens por cultivo agrícola. Outras partes do território quilombola, em 1999, já demonstravam locais destinados a atividades agropecuárias parecidos com o que se tem em 2019. Uma parcela dessas áreas (na porção leste) estava constituída por capoeiras em 2019, dado o seu abandono temporário; porém, em trabalhos de campo posteriores, tem-se observado sua retomada para formação de pastagens e cultivos agrícolas.

O mês de setembro, tanto em 1999 quanto em 2019, apresentou maiores valores de TST que o mês de dezembro dos mesmos anos, o que está de acordo com a sazonalidade climática local. Em setembro, no auge do período quente e seco no Cerrado, a atuação de sistemas atmosféricos estáveis, como a massa Tropical atlântica (mTa), bastante continentalizada, causa interrupção das chuvas, redução da umidade e da nebulosidade, favorecendo a passagem de radiação solar pela atmosfera até o solo.

Assim, sendo este um momento habitual de escassez hídrica, o solo se encontra mais exposto em locais que aguardam o início do período chuvoso para o plantio da safra principal do ano, que, nessa área, costuma ser de soja. Na própria vegetação nativa de Cerrado, a baixa disponibilidade hídrica desse período contribui para a perda de biomassa no dossel das árvores e na vegetação arbustiva e campestre.

No mês de dezembro de 1999 e 2019, percebem-se menores valores de TST, resultantes de um arranjo atmosférico que se distingue significativamente de um mês como setembro. A atuação de sistemas responsáveis pelo retorno das chuvas, como a massa Equatorial continental (mEc) e a própria mTa mais deslocada em direção ao oceano, é responsável pelo aumento da umidade do ar e da nebulosidade, dificultando a chegada de radiação diretamente no solo.

Nessas condições, a vegetação encontra o auge do seu vigor vegetativo, passando a cobrir o solo com maior eficiência. Isso também dificulta a chegada da energia radiativa diretamente no terreno, pois ela passa a ser mais bem interceptada e absorvida pelas folhas. A maior umidade disponível no solo, capaz de ser evaporada e evapotranspirada, contribui para a dissipação do calor eventualmente acumulado na superfície, sob a forma de calor latente (Pereira; Angelocci; Sentelhas, 2007PEREIRA, A. R.; ANGELOCCI, L. R.; SENTELHAS, P. C. Agrometeorologia: fundamentos e aplicações práticas. [Apostila]. Piracicaba: USP/ESALQ, 2007. 192 p. Disponível: https://www.researchgate.net/publication/285651687. Acesso em: 2 set. 2021.
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).

4 CONCLUSÕES

Além dos efeitos da sazonalidade climática, que normalmente distinguem os meses de setembro e dezembro, as mudanças no uso e cobertura da terra podem estar envolvidas nas diferenças de temperatura de superfície observadas entre os anos 1999 e 2019. A elevação da TST, por seu turno, poderá resultar em alterações nos microclimas do território quilombola, afetando diretamente a vida da comunidade que habita essa área de modo ancestral.

Comparando-se o comportamento da TST entre os dois anos estudados, essa variável se alterou, principalmente, em porções do território cuja cobertura da terra modificou-se, em especial, por força de novos agentes que passaram a ocupar a área. Trata-se de locais que atualmente são destinadas ao plantio agrícola, como na parte oeste, além de pastagens e outras áreas recém-desmatadas, na parte leste. O não aproveitamento dessas últimas conduz a um processo de regeneração florestal que leva à formação de capoeiras, porém o grau de cobertura da terra não será o mesmo até que essa vegetação atinja estágios mais maduros, o que pode durar um período de vários anos.

Por outro lado, a porção imediatamente no entorno do povoado quilombola e também aquelas próximas aos cursos d’água, por apresentarem vegetação de maior porte e mais bem conservada, mantêm-se com temperaturas menores, o que pode contribuir para microclimas mais frescos. Essas áreas encontram-se mais vinculadas à posse e ao uso quilombola, cujo modo de vida e a produção de alimentos não dependem de grandes áreas suprimidas de vegetação, assim como acontece com a produção agrícola comercial de larga escala, segundo o modelo do agronegócio.

Tais aspectos reforçam a necessidade de melhor avaliar as diferentes formas de uso da natureza, suas consequências ambientais e sobre a qualidade de vida, além dos próprios benefícios que a regularização desse território quilombola, em especial, poderá trazer à comunidade em foco.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2022
  • Aceito
    10 Maio 2023
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