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GÊNEROS MULTIMODAIS NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE FRANCÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA: O EXPOSÉ ORAL PARA APRENDER TEMÁTICAS

Multimodal Genres in the Teaching-Learning of French as a Foreign Language: The Oral Exposé to Learn Themes

Géneros multimodales en la enseñanza y aprendizaje de francés como lengua extranjera: el exposé oral para aprender temáticas

Resumo

Este artigo apresenta um dispositivo didático para trabalhar o gênero exposé oral em francês, dando destaque para o modelo didático, a aplicação em um curso de extensão e a análise preliminar das produções dos alunos. Baseamo-nos no Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999), principalmente nos conceitos de capacidades de linguagem (DOLZ; PASQUIER; BRONCKART, 1993), modelo didático (DE PIETRO; SCHNEUWLY, 2003) e sequência didática (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004). O modelo didático foi proposto a partir de vários exemplares do gênero e permitiu a elaboração de uma sequência didática. Comparadas as produções iniciais e finais dos alunos, constatou-se que houve desenvolvimento das capacidades de ação, discursivas e multissemióticas.

Palavras-chave:
Gênero multimodal; Exposé oral; Interacionismo sociodiscursivo; Capacidades de linguagem

Abstract

In this article, we present a didactic device for working the oral exposé genre in French, standing out the didactic model, its application in an extension course and the preliminary analysis of the students' productions. Our theoretical framework is the Sociodiscursive Interactionism (BRONCKART, 1999), mainly the concepts of language capacity (DOLZ; PASQUIER; BRONCKART, 1993), didactic model (DE PIETRO; SCHNEUWLY, 2003) and didactic sequence (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004). The didactic model was proposed considering several examples of the genre and allowed the elaboration of a didactic sequence. By comparing the students' initial and final productions, we found out that there was an evolution with regard to action, discursive and multisemiotic capacities.

Keywords:
Multimodal genre; Oral presentation; Sociodiscursive interactionism; Language capacities

Resumen

Ese artículo presenta un dispositivo didáctico para trabajar el género exposé oral en francés, dando despegue para el modelo didáctico, la aplicación en un curso de extensión y el análisis preliminar de las producciones de los alumnos. El estudio se basa en el Interaccionismo Socio-discursivo (BRONCKART, 1999), principalmente en los conceptos de capacidades de lenguaje (DOLZ; PASQUIER; BRONCKART, 1993), modelo didáctico (DE PIETRO; SCHNEUWLY, 2003) y secuencia didáctica (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004). El modelo didáctico fue propuesto desde varios ejemplares del género, y ha permitido la elaboración de una secuencia didáctica. Comparadas las producciones iniciales y finales de los alumnos, se ha constatado que hube desarrollo de capacidades de acción, discursivas y multi semióticas.

Palabras clave:
Género multimodal; Exposé oral; Interaccionismo socio-discursivo; Capacidades de lenguaje

1 INTRODUÇÃO

A compreensão de que a comunicação verbal se estabelece por meio de textos, produzidos em determinadas situações de interação, e que estes, por sua vez, se organizam em gêneros, não é recente. Para não ir muito longe, podemos dizer que, desde o século XX, encontramos autores como Volochinov (1979) e Bakthin (1985) que já mostravam o papel dos gêneros na comunicação e interação humanas. No Brasil, essa concepção tem permeado o ensino-aprendizagem de língua materna e estrangeira desde, no mínimo, a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 1997). Do ponto de vista acadêmico, várias pesquisas com base em pressupostos diversos, tais como o Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999), a Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1985HALLIDAY, M. Introduction to functional grammar. London: Edward Arnold, 1985. 384 p.) a Sociorretórica (SWALES, 1990SWALES, J. M. Genre Analysis: English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge University Press,1990. 274 p.), entre outros, também investigaram o papel dos textos/discursos e dos gêneros na comunicação.

Várias décadas após a publicação dos PCNs, nada contraria essa concepção, que também está presente em documentos oficiais mais recentes - por exemplo, a BNCC (BRASIL, 1997). No entanto, temos observado inúmeras mudanças no que diz respeito aos textos e gêneros que materializam as trocas linguageiras, impulsionadas pelos avanços tecnológicos. Por um lado, os textos verbais, que já combinavam várias semioses (DIONÍSIO, 2005), passaram a se construir de maneira ainda mais multimodal e invadiram vários espaços da sociedade. Por outro lado, a chegada da web 2.0 intensificou a interação na internet, favorecendo a consolidação de redes sociais, combinando várias semioses e permitindo a interação online, ou seja, as trocas linguageiras e multimodais entre interlocutores. Todas essas mudanças tiveram um impacto considerável nos contextos educacionais em geral (LACELLE; BOUTIN; LEBRUN, 2017LACELLE, N.; BOUTIN, J.-F. ; LEBRUN, M. La littératie médiatique multimodale appliquée en contexte numérique - LMM@: Outils conceptuels et didactiques. Québec: Presses de l’Université du Québec, 2017. 316 p.) e sobretudo no Brasil, pois tornou-se difícil pensar no ambiente escolar sem levar em conta essa nova realidade de compreensão e produção textual que invadiu os espaços sociais permeados pela linguagem. No ensino da língua materna, no Brasil, muitos autores preocuparam-se com essa questão, propondo a integração dos gêneros multimodais, das tecnologias, dos multiletramentos (ROJO, 2013ROJO, R. H. R. Escol@ conectada: Os multiletramentos e as TICs. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. 215 p.) nos projetos escolares.

Na língua estrangeira, a situação não é diferente: textos pertencentes a diferentes gêneros também sofreram inúmeras modificações. Os exemplos são vários: a receita, gênero trabalhado tradicionalmente no ensino de LE, que, no final do século XX, era trabalhada em sala de aula a partir de textos escritos em papel, ganhou formas variadas, como, por exemplo, os vídeos. O mesmo é válido para inúmeros outros gêneros, desde notícias, que sempre existiram em vídeo, mas que estão agora acessíveis online para uso em aulas, até relatos de viagem em vídeo ou novidades como os cartões postais sonoros1 1 É o caso do livro didático “Cosmopolite A1”, da editora Hachette. .

Todas essas questões nos levam a refletir sobre a pertinência de se trabalhar a multimodalidade, ainda que a preocupação maior seja com o ensino de língua. Diante dessa realidade, não se pode deixar de considerar que os textos produzidos na atualidade se constituem a partir de múltiplas semioses, e aprender a produzir textos também implica aprender a mobilizá-las. Como dissemos, isso não significa que se tenha de deixar de levar em conta a necessidade de ensino da língua, ou seja, das produções verbais, não dominadas pelos alunos. Trata-se apenas de considerar que, ao lado do ensino da língua, fundamental, é necessário levar em conta outros aspectos não verbais, já que, na atualidade, grande parte dos textos combina múltiplas semioses.

Na presente contribuição, temos por finalidade apresentar um estudo sobre o uso do gênero exposé oral2 2 O exposé oral é um gênero muito frequente em países francófonos e é praticado desde a escola até a universidade. Em português, temos o gênero apresentação oral ou, como utiliza Gomes-Santos (2012), a exposição oral. Neste artigo, optamos por deixar o nome do gênero em francês, pois se trata do ensino do francês e porque nenhuma tradução nos parece ter a representação que o exposé oral tem na escolaridade francófona. Além disso, o termo evita que se confunda com a apresentação oral em congresso, por exemplo. no ensino-aprendizagem de francês como língua estrangeira (doravante FLE), em dois contextos: cursos de extensão em francês e habilitação em Letras-Francês. Em ambos os contextos, colocamo-nos na perspectiva do “speak to learn”, assim como aponta Gere (2019GERE, A. R. (Org.). Developing Writers in Higher Education: A Longitudinal Study. Ann Arbor, MI: University of Michigan Press, 2019. 369 p.) em relação à escrita. Essa autora (GERE, 2019GERE, A. R. (Org.). Developing Writers in Higher Education: A Longitudinal Study. Ann Arbor, MI: University of Michigan Press, 2019. 369 p.) propõe que a escrita seja um meio para a aprendizagem de outros conteúdos, assim como fizemos com o exposé oral: procuramos conscientizar os alunos de que, ao falar sobre uma temática por meio de um gênero oral formal, estariam aprendendo sobre a temática. Para atingir o objetivo proposto neste artigo, apresentamos o modelo didático do gênero exposé oral e análise das produções dos alunos utilizando o gênero.

A pesquisa, realizada em dois contextos - um curso de extensão ligado a uma universidade pública e uma disciplina da habilitação em Letras-Francês -, é relatada com destaque para a análise dos dados referentes ao curso de extensão, foco da pesquisa de doutorado de uma das autoras.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O estudo que relatamos insere-se na orientação epistemológica geral do Interacionismo Social, tal como foi proposto por Vygotski (1997VYGOTSKI, L. S. Pensée et langage. Tradução Sève, F. Paris: La Dispute, [1934] 1997.), assumindo alguns de seus princípios, que descrevemos de maneira sucinta: i) a intervenção prática orienta a teoria; ii) uma vez estabelecida a relação entre pensamento e linguagem, esta última atua de forma a possibilitar que o pensamento se realize; iii) cada função psíquica superior aparece duas vezes no desenvolvimento, a primeira vez como atividade social, coletiva e a segunda vez como atividade individual; iv) o único bom ensino é o que precede o desenvolvimento; v) o homem desenvolveu instrumentos, dentre eles a linguagem, que permitem agir sobre si e sobre os outros3 3 Esse resumo dos estudos vygotskianos é redutor, mas optamos por elencar algumas dessas orientações para podermos compreender os dados de nossa pesquisa. .

Essa orientação geral tem influência em vários aspectos da pesquisa, como, por exemplo: o fato de termos partido de uma intervenção prática; o objetivo de permitir, com as trocas entre os alunos, que houvesse aprendizagem e possivelmente desenvolvimento; o uso de instrumentos, como as sequências didáticas, para propiciar um eventual desenvolvimento das capacidades de linguagem dos alunos.

2.1 A DIDÁTICA E O ENSINO DE LÍNGUAS

A partir da orientação vygotskiana, baseamo-nos no Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999, 2006), que pretende concentrar-se no papel preponderante da linguagem no desenvolvimento humano. O Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), ao interessar-se pela atividade de linguagem, propôs um modelo de análise textual que tem por objetivo responder a necessidades ligadas à Didática das Línguas (BRONCKART, 2010), e que será descrito mais à frente. Como aponta Bronckart (2010), a Didática das Línguas sempre foi uma preocupação mais ampla do ISD.

Nessa perspectiva, Dolz (2016DOLZ, J. As atividades e os exercícios de língua: uma reflexão sobre a engenharia didática. D.E.L.T.A., v. 32, n.1, p. 237-260, 2016. Acesso em: 2 jul. 2021.) buscou resgatar os princípios da engenharia didática, propostos por estudiosos da matemática (ARTIGUES, 1988ARTIGUES, M. Ingénierie didactique. Recherches en Didactique des Mathématiques, [S.l.], v. 9, n. 3, p. 281-308, 1988.), para pensar em princípios da Didática das Línguas. Para Dolz (2016, p. 240-241), a engenharia didática tem por objetivo “conceber tecnicamente as tarefas e as ações dos alunos para aprender, coordenar as intervenções dos professores e elaborar dispositivos suscetíveis de resolver os problemas de ensino da língua”. Ela se organiza em quatro fases (DOLZ, 2016DOLZ, J. As atividades e os exercícios de língua: uma reflexão sobre a engenharia didática. D.E.L.T.A., v. 32, n.1, p. 237-260, 2016. Acesso em: 2 jul. 2021., p. 243):

  • a) Análise prévia do trabalho de concepção: é necessário analisar anteriormente os objetos de ensino, assim como ter conhecimento das capacidades e dos obstáculos dos alunos. Também é necessário conhecer as práticas de ensino para propor inovações.

  • b) A segunda fase consiste na proposta de um protótipo de dispositivo didático, analisando previamente as tarefas que os alunos podem realizar. Pode ser a concepção inicial da sequência didática, enfim, do material didático do curso.

  • c) A experimentação é a terceira fase. Segundo Dolz (2016DOLZ, J. As atividades e os exercícios de língua: uma reflexão sobre a engenharia didática. D.E.L.T.A., v. 32, n.1, p. 237-260, 2016. Acesso em: 2 jul. 2021., p. 244), pode se tratar de uma implementação pelo engenheiro didático ou um estudo de caso para ajustar as atividades e as inovações propostas ao contexto. Também pode ser objeto de uma pesquisa maior com uma quantidade maior de professores, visando a uma possível generalização.

  • d) A quarta fase prevê uma análise posterior dos resultados observados, de forma a confrontar o que tinha sido previsto e o que de fato ocorreu. Nesse momento, é feito um balanço das vantagens e limites do dispositivo didático.

No estudo que relatamos, tivemos o cuidado de seguir as diferentes etapas da engenharia didática, para validar o dispositivo que concebemos e aplicamos. Em relação à última fase, podemos dizer que houve três aplicações: a primeira de forma piloto, no contexto dos cursos de extensão em francês de uma universidade paulista; a segunda, com base nesse contexto, para permitir a reorganização da SD e aplicação com outros alunos, mas no mesmo contexto. Finalmente, utilizamos os aportes das duas aplicações para conceber um dispositivo que foi utilizado em outro contexto (alunos da graduação em Francês 4, com nível linguístico semelhante (A2/B1), o que foi importante para a confirmação dos resultados.

Na perspectiva do ISD (BRONCKART, 1999), os gêneros textuais podem ser objeto de ensino e podem ser alvo da engenharia didática (DOLZ, 2016DOLZ, J. As atividades e os exercícios de língua: uma reflexão sobre a engenharia didática. D.E.L.T.A., v. 32, n.1, p. 237-260, 2016. Acesso em: 2 jul. 2021.), podendo agir como instrumentos para a aprendizagem de línguas. Ao adotarmos os gêneros textuais como objeto de ensino, assumimos que eles têm um papel importante no desenvolvimento da produção textual dos alunos, ou seja, no desenvolvimento de capacidades de linguagem. Schneuwly e Dolz (2004) consideram que os gêneros podem ser megainstrumentos para o desenvolvimento das capacidades de linguagem dos alunos. Com efeito, para Dolz, Pasquier e Bronckart (1993), ao produzir textos pertencentes a diferentes gêneros textuais, os alunos podem desenvolver capacidades de linguagem que estão na base da produção textual: capacidades de ação, capacidades discursivas, capacidades linguístico-discursivas. As primeiras estão relacionadas à antecipação ao contexto de produção textual e aos conteúdos temáticos que poderiam ser mobilizados para a produção textual em questão; as capacidades discursivas estão relacionadas à organização textual, tanto do ponto de vista dos tipos discursivos mobilizados (BRONCKART, 2019), quanto do ponto de vista das eventuais sequências que podem se apresentar no texto (BRONCKART, 1999); já as capacidades linguístico-discursivas estão ligadas à mobilização das diversas unidades linguísticas que compõem o texto. Além dessas três capacidades, Dolz (2015) propõe uma quarta capacidade: multissemiótica, que se refere à mobilização de aspectos multimodais, ou seja, que combinam várias semioses, em um texto.

No quadro da Didática das Línguas e do ensino de gêneros textuais, dois outros conceitos são fundamentais: o de modelo didático e o de sequência didática. Proposto por De Pietro, Erard, Kaneman-Pougatch em 1996 e revisto em 2003 (DE PIETRO; SCHNEUWLY, 2003DE PIETRO, J.-F.; SCHNEUWLY, B. Le modèle didactique du genre : un concept de l’ingénierie didactique. Les cahiers THÉODILE, [S.l.], n. 3, p. 27-52, jan. 2003.), o modelo didático (MD) evidencia as dimensões ensináveis de um gênero de texto, com foco em uma turma específica de alunos. Assim, o MD procura compreender as capacidades já desenvolvidas pelos alunos, seu “conhecimento prévio” sobre o gênero para, a partir daí, elencar as dimensões do gênero que os alunos ainda não conhecem e que podem ser foco do ensino na sequência didática. Segundo De Pietro e Schneuwly (2003), o MD é construído a partir das práticas sociais de referência, da literatura sobre o gênero em questão e das práticas linguageiras dos alunos (DE PIETRO; SCHNEUWLY, 2003, p. 33).

A partir do modelo didático do gênero de texto que se quer trabalhar, é possível pensar em uma sequência didática (SD), ou seja, um conjunto de atividades organizadas em torno de um objetivo de leitura/escuta e produção textual (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004). A SD tem por objetivo trabalhar as capacidades de linguagem dos alunos, a partir de um gênero determinado, propiciando o desenvolvimento das capacidades de ação, discursivas e linguístico-discursivas.

Esses dois conceitos, MD e SD, têm sido amplamente utilizados no Brasil, para o desenvolvimento de dispositivos didáticos e para avaliar os resultados de sua implementação. Em nosso caso, esses conceitos, ao lado da noção de capacidades de linguagem (DOLZ, PASQUIER, BRONCKART, 1993), nortearam a elaboração do curso piloto, do curso cujos dados analisamos neste artigo e, também, o curso para graduandos que serviu para validação deste dispositivo didático.

Na próxima subseção, descrevemos o modelo de análise do ISD e outros aportes que utilizamos para analisar os textos multimodais que foram foco de nossa pesquisa.

2.2 A ANÁLISE DE TEXTOS VERBAIS E MULTIMODAIS

Objetivando a análise de diferentes gêneros textuais, Bronckart (2006BRONCKART, J.-P. Atividades de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Tradução Machado A. R.; Matencio, M. L. M. Campinas: Mercado de Letras, 2006. 259 p., 2008, 2012) propõe um modelo de análise textual para compreender a arquitetura interna dos textos. Esse modelo, em uma dinâmica descendente, é composto por três camadas sobrepostas: a infraestrutura geral dos textos, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos. Segundo o autor (BRONCKART, 2012BRONCKART, J.-P. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo Sociodiscursivo. 2. ed. São Paulo: EDUC, [1999] 2012. 353 p.), anteriormente à análise dos textos é preciso compreender suas condições de produção, pois elas podem influenciar na organização de todo o texto. Diante disso, analisa-se o contexto de produção físico, isto é, o emissor, o receptor, o lugar e o momento de produção e o contexto sociossubjetivo, como enunciador, destinatário, local social dos interlocutores e objetivo.

Após a análise do contexto de produção, passamos para as três camadas. Na infraestrutura textual, analisa-se: i) o plano global dos conteúdos temáticos; ii) os tipos de discurso, que são subdivididos em discurso interativo, discurso teórico, relato interativo e narração; iii) os tipos de sequências, que podem ser descritivas, argumentativas, explicativas, dialogais, narrativas.

Voltando-nos aos mecanismos de textualização, analisamos: a) a coesão nominal que organiza a retomada de informações através de anáforas; b) a coesão verbal, isto é, os tempos verbais que asseguram a progressão temporal; c) a conexão que organiza a continuidade e/ou descontinuidade no texto.

Por fim, temos os mecanismos enunciativos, que se subdividem em: i) modalizações, classificadas em lógicas, deônticas, apreciativas e pragmáticas; ii) as vozes que são as entidades que assumem a responsabilidade sobre o que está sendo dito, podendo ser neutras, de personagens, de instâncias sociais e do autor empírico do texto.

Esse quadro compõe a base da análise apresentada mais à frente. No entanto, acrescentamos alguns aspectos que nos auxiliarão a melhor compreender os gestos, posturas, olhares. Para tal, utilizamos alguns aspectos das categorias analíticas propostas por Kress e Van Leeuwen (2006KRESS, G. VAN LEEUWEN, T. Reading Images - The Grammar of Visual Design. 2. ed. New York: Routledge, 2006. 291 p.).

Segundo Kress e Van Leeuwen (2006KRESS, G. VAN LEEUWEN, T. Reading Images - The Grammar of Visual Design. 2. ed. New York: Routledge, 2006. 291 p.), é possível interpretar a interação dos participantes presentes no ato comunicativo. A função interativa é responsável por marcar aproximação ou distanciamento, graus de superioridade ou inferioridade etc. Essa função é dividida em quatro aspectos: contato, distância social, envolvimento e poder. Discorremos sobre as funções interativas de contato, envolvimento e poder tendo em vista, como veremos na análise, que a postura pode auxiliar em um maior envolvimento e conexão entre os participantes (o expositor e o público) e pode influenciar na forma como eles demonstram domínio do que está sendo dito.

No que concerne ao contato, observa-se o olhar dos participantes; eles podem ser subdivididos em contato de demanda e de oferta. No primeiro, o olhar é voltado ao observador, criando-se uma conexão imaginária por meio de olhares e gestos entre os participantes - em nosso caso, entre os expositores e o público. No contato de oferta, o olhar não é dirigido aos participantes, não havendo, assim, conexão com o público, que é somente um espectador passivo no ato comunicativo.

Na categoria de envolvimento, observa-se se os participantes se apresentam do ponto de vista frontal, o que caracteriza um maior envolvimento; e oblíquo ou traseiro, correspondente a ausência de envolvimento.

Finalmente, temos a categoria “poder”. Neste aspecto, observam-se os ângulos da imagem; alto (em que o leitor da imagem detém o poder, como se o participante da imagem estivesse olhando para cima), ocular (demonstrando uma relação de equivalência de poder) e baixo (quando os participantes da imagem detêm o poder). Nesta categoria adaptamos nossa interpretação, pois os autores se referiam à leitura de imagens estáticas. Como veremos na análise, esperamos que os expositores demonstrem domínio do que está sendo dito, sendo esse domínio evidenciado pelo oral, mas também pela postura dos alunos. Assim, acreditamos que os ângulos podem ser transpostos a posturas dos expositores, sendo a postura mais aberta/reta aquela que demonstra um maior conhecimento/confiança no que está sendo dito, isto é, relação de superioridade, e a postura voltada para baixo, uma relação de inferioridade.

3 METODOLOGIA

Nesta seção apresentamos, primeiramente, as etapas da pesquisa para, depois, descrever o contexto e os participantes.

3.1 ETAPAS DA PESQUISA

Para realizar a pesquisa, propusemos uma adaptação do modelo de análise textual do ISD para a análise de textos multimodais; além disso, procuramos propor Sequências Didáticas de gêneros multimodais para o ensino aprendizagem de FLE para o público adulto. Assim, seguimos as seguintes etapas, que foram subdivididas em: i) criação do dispositivo didático, contendo sequências didáticas para trabalhar quatro gêneros multimodais; ii) geração dos dados, durante a aplicação do dispositivo e análise dos dados. Vejamos cada etapa de forma detalhada abaixo.

3.1.1 CRIAÇÃO DO DISPOSITIVO DIDÁTICO COM BASE EM GÊNEROS MULTIMODAIS

Para a criação do dispositivo didático e sua aplicação, seguimos as seguintes etapas:

  • a) Escolha dos gêneros a serem trabalhados, a partir de algumas ações: levantamento dos gêneros com base na análise de um livro didático utilizado na atualidade (Cosmopolite 1 - Niveau A1); consulta ao CECR4 4 Quadro Comum Europeu de Referência para as Línguas. , volume complementar; motivações dos alunos, investigadas por meio de um questionnaire d’analyse de besoins5 5 Questionário de análise de necessidades. realizado com os alunos;

  • b) Elaboração dos MD dos gêneros a serem trabalhados em sala de aula, com a finalidade de conhecer as características ensináveis dos gêneros em questão. O modelo de análise textual proposto por Bronckart (2012BRONCKART, J.-P. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo Sociodiscursivo. 2. ed. São Paulo: EDUC, [1999] 2012. 353 p.), bem como as indicações de De Pietro e Schneuwly (2003), foram usados nessa etapa;

  • c) Elaboração das SD a serem trabalhadas em sala de aula;

  • d) Aplicação da SD em um curso piloto em que foram trabalhados os gêneros anúncio publicitário e o guia de viagem que tinha por finalidade testar as SD e os tipos de atividades;

  • e) Análise do curso piloto, refletindo sobre os tipos de atividades realizadas e procurando preparar as SD que seriam aplicadas no 2º semestre de 2019;

  • f) Elaboração das SD do segundo curso: para esta etapa foi usada, como base, a SD do curso piloto. Porém, as atividades foram elaboradas semanalmente, conforme a análise da recepção dos alunos, bem como da análise de suas produções e de suas dificuldades.

  • g) Aplicação em um segundo curso em que foram trabalhados quatro gêneros: o anúncio publicitário, o guia de viagem, a receita de cozinha e o exposé oral. O exposé oral foi escolhido por demanda dos alunos.

  • h) Reflexões sobre os resultados e aplicação de algumas atividades da SD com alunos da habilitação em Francês de um curso de Letras, com o objetivo de trabalhar a perspectiva “speak to learn”.

3.1.2 DADOS GERADOS E ANÁLISE DE DADOS

Para coletar os dados e analisá-los, procedemos da seguinte forma:

  • a) Coleta das produções textuais dos alunos realizadas ao longo do segundo curso e das interações verbais trocadas na realização das atividades (gravadas em áudio), com a finalidade de obter indícios sobre o processo de produção textual que poderiam ter influência nos resultados;

  • b) Análise dos dados coletados de forma conjunta, com base nos MD elaborados, objetivando responder às perguntas de pesquisa.

3.2 CONTEXTO DE REALIZAÇÃO DA PESQUISA E PARTICIPANTES

Os dados que analisamos neste artigo foram produzidos em um curso de curta duração intitulado Compréhension et production orale en français en contexte. O curso foi ministrado no segundo semestre de 2019, na modalidade presencial; tinha como duração 45 horas (15 encontros de 3 horas) e como pré-requisito o nível A1 de francês. Neste curso, tivemos 9 alunos inscritos, em sua grande parte aposentados que estudam a língua por prazer e com percursos de estudo de língua variados. Os alunos realizaram as produções textuais de quatro gêneros multimodais em grupos de três; a última produção foi a do exposé oral. Como muitos dos alunos não tinham habilidades ligadas às novas tecnologias, deixamos como optativo o uso de recursos visuais.

Além disso, o gênero exposé oral foi trabalhado na habilitação em Língua Francesa, com o mesmo modelo didático e com resultados também positivos, apesar de o público ser diferente. Os resultados apresentados neste artigo se concentram no primeiro contexto, para respeitar o formato da revista; embora os resultados do segundo contexto não sejam apresentados, eles corroboram a pertinência de ensino do gênero na perspectiva “speak to learn”.

4 RESULTADOS DA ANÁLISE PARA A ELABORAÇÃO DO MD

Nesta seção, mostramos os resultados da análise, começando pelo corpus utilizado para a elaboração do MD do gênero multimodal exposé oral para, depois, apresentar o MD do gênero.

4.1 A CONSTRUÇÃO DO CORPUS PARA ELABORAÇÃO DO MODELO DIDÁTICO DO EXPOSÉ ORAL

Como expusemos no referencial teórico, variados aspectos devem ser levados em consideração para a realização do MD, desde os gêneros tal como apresentados nas nossas práticas sociais, como os estudos já realizados sobre esses gêneros. No que concerne às pesquisas realizadas sobre o exposé oral (seminário/apresentação oral/comunicação oral), baseamo-nos em estudos realizados em contexto escolar em língua materna (DOLZ et al., 1998/2013; CHAVES, 2008CHAVES, M. H. R. O gênero seminário escolar como objeto de ensino: instrumentos didáticos nas formas do trabalho docente. 2008. 184 p. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2008., GOMES-SANTOS, 2012GOMES-SANTOS, S. N. A exposição oral nos anos iniciais do ensino fundamental. São Paulo: Cortez, 2012. 154 p.), no contexto acadêmico em língua materna (ZANI, 2018ZANI, J. B. A comunicação oral em eventos científicos: uma proposta de modelização para a elaboração de sequências didáticas. 2018. 296 p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade São Francisco, Itatiba, 2018.) e estrangeira (LOUSADA; SILVA; DIAS, 2020LOUSADA, E. G.; SILVA, E. C.; DIAS, A. P. S. O ensino da apresentação oral em francês e sua contribuição para o letramento acadêmico e para o plurilinguismo na ciência. Linha D’Água (Online), São Paulo, v. 33, n. 2, p. 161-188, maio-ago. 2020.). Retomamos também algumas reflexões de um estudo realizado sobre o discurso de formatura em língua materna (DOLZ; BUENO, 2015), pois se trata de um gênero produzido na “interface escrito-oral” (DOLZ; BUENO, 2015, p.117).

Além disso, complementamos a análise com exemplares empíricos dos gêneros. Em uma busca na plataforma Youtube, encontramos vários vídeos em francês com a mesma temática, mas de caráter prescritivo - por exemplo, “como fazer uma exposição oral”, “se preparar para uma exposição oral” etc., sendo poucos os vídeos da exposição oral em si6 6 Dentre as dificuldades de se trabalhar um gênero oral em sala de aula, Dolz e Bueno (2015) mencionam a dificuldade de acesso a esses gêneros em comparação com gêneros escritos. . No entanto, coletamos cinco que, em uma breve análise, nos indicavam que seriam pertinentes para nosso contexto. Abaixo, apresentamos as temáticas dos vídeos coletados:

  • a) Um ensaio para um exposé oral individual sobre o racionalismo de Descartes no contexto do CEGEP7 7 CEGEP significa Colégio de Ensino Geral e Profissional, constituindo uma etapa anterior ao ensino superior na província do Quebec, Canadá. Fonte: “https://www.cchic.ca/cest-quoi-le-cegep/”. Acesso em novembro de 2020. ;

  • b) Um exposé oral em francês língua materna, em grupo e em contexto escolar sobre o monumento La porte d’Orée.

  • c) Um exposé oral em francês língua materna individual em contexto escolar sobre uma viagem realizada;

  • d) Um exposé oral individual em francês como língua estrangeira sobre a Coreia do Sul;

  • e) Simulação de um exame DELF - Monologue suivi - defesa de um ponto de vista argumentado. Neste vídeo, a aluna fala da importância das refeições familiares para os jovens e por que elas são necessárias na nossa sociedade.

Embora de situações de comunicação diferentes, consideramos que esses vídeos poderiam compor um MD mais pertinente ao nosso público, já que se trata de um público adulto, em contexto de língua estrangeira, composto de alunos que estudam a língua por prazer e que gostariam de pesquisar sobre algum aspecto da cultura francófona. Sendo assim, seria interessante poderem fazer um exposé oral sobre um aspecto da cultura francófona, pois se encaixariam na perspectiva do “speak to learn”, que apresentamos anteriormente.

4.2 O MODELO DIDÁTICO DO EXPOSÉ ORAL

Em linhas gerais, Dolz et al. (2013DOLZ, J. ; SCHNEUWLY, B. ; DE PIETRO, J-F. ; ZAHND, G. A exposição oral. In : SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. 3. ed. Campinas: Mercado de Letras, [2004] 2013. p.183-212.) definem o exposé oral como um gênero público, em que o expositor, no papel de especialista, volta-se a seu auditório para apresentar uma temática, de forma estruturada e relativamente formal. Além disso, semelhante ao que foi observado por Dolz e Bueno (2015) no que concerne o gênero discurso de formatura, vemos que o gênero exposé oral também tem a interface escrito-oral, uma vez que ele “parte de um texto escrito, mas só se realiza enquanto gênero ao ser oralizado em uma situação específica” (DOLZ; BUENO, 2015DOLZ, J. BUENO, L. Gêneros orais e gêneros produzidos na interface escrito-oral: o discurso de formatura no ensino fundamental e sua contribuição para o letramento escolar. In: BUENO, L. COSTA-HÜBES, T. C. (Org.). Gêneros orais no ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2015. p. 117-138., p. 125). Chaves, ao analisar o seminário escolar, acrescenta que, além da imbricação entre oralidade e escrita, o gênero articula “pesquisa e publicização, trabalho solitário e trabalho em grupo, uso individual da linguagem e uso coletivo da linguagem, situação de espontaneidade e situação de formalidade.” (CHAVES, 2008CHAVES, M. H. R. O gênero seminário escolar como objeto de ensino: instrumentos didáticos nas formas do trabalho docente. 2008. 184 p. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2008., p. 72).

Convém ainda salientar que, além dos aspectos mencionados acima, observa-se a particularidade do contexto do ensino da língua estrangeira no qual os alunos aprendem sobre a língua, como objeto de aprendizagem, mas o fazem na própria língua estrangeira: um trabalho na e sobre a língua, isto é, em que os comentários metalinguísticos (regras gramaticais, fonética, ortografia) se mesclam aos comentários para a realização da tarefa (SUMIYA, 2017)8 8 Trata-se de um recorte de nosso estudo em que foi realizada a análise das interações verbais dos alunos durante a produção do gênero anúncio publicitário. Os dados foram apresentados em uma comunicação oral em julho de 2020. .

Entendemos, assim, que se trata de um gênero complexo, composto por diferentes etapas de planejamento e preparação, além de articular variados aspectos da linguagem: textos verbais, imagens, diagramas, gráficos, aspectos ligados à oralização, gestos e olhares. O Quadro 1 mostra as etapas seguidas para a produção do gênero:

Quadro 1
Etapas de produção do gênero exposé oral

Ao observarmos o contexto de produção, retomando a definição de Dolz et al. (2013DOLZ, J. ; SCHNEUWLY, B. ; DE PIETRO, J-F. ; ZAHND, G. A exposição oral. In : SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. 3. ed. Campinas: Mercado de Letras, [2004] 2013. p.183-212.) mencionada na seção acima, vemos que o enunciador, ao produzir o gênero, assume o papel de especialista e tem como destinatário os colegas de sala e o professor. Esta situação de comunicação, segundo Chaves (2008CHAVES, M. H. R. O gênero seminário escolar como objeto de ensino: instrumentos didáticos nas formas do trabalho docente. 2008. 184 p. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Federal do Pará, Belém, 2008.), pode ser composta por tensões em que, além de um viés educativo, o gênero apresenta-se também como forma de avaliação. No entanto, no contexto de nosso estudo, embora os alunos não deixem de serem avaliados, o trabalho com o exposé oral foi feito a pedido da turma. Acreditamos que essas tensões podiam ser amenizadas pela situação específica em que eles produziram o gênero. Pode-se observar, também, a recepção do exposé pelos destinatários/interlocutores, que dão mostras da clareza do que está sendo dito. Também podemos observar a postura dos expositores, construindo, de fato, o papel de um especialista, sendo a postura reta/aberta, aquela que auxilia para demonstrar visualmente ao público que há autoconfiança, um domínio do que está sendo dito.

Quanto ao objetivo, diferentemente de apresentação oral acadêmica, em que há uma pesquisa para ser apresentada, a exposição objetivava, em nosso caso, trazer alguma temática relacionada à língua e à cultura francófonas (músicas, livros, filmes, aspectos culturais, uma personalidade francófona), o que foi negociado com os alunos e com os colegas do grupo. Além de clareza nos conteúdos apresentados, como corroboram Dolz et al., para atingir o objetivo os alunos devem: “tomar consciência das condições que a garantem: da elocução clara e distinta à explicitação de aspectos metadiscursivos da exposição (plano, mudança de tema, de partes etc.), passando pela legibilidade e pertinência dos documentos auxiliares utilizados.” (DOLZ et al. 2013DOLZ, J. ; SCHNEUWLY, B. ; DE PIETRO, J-F. ; ZAHND, G. A exposição oral. In : SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. 3. ed. Campinas: Mercado de Letras, [2004] 2013. p.183-212., p. 187).

A isso acrescentamos, no caso de uma LE, uma boa pronúncia, fonética e prosódia.

Voltando-nos ao plano global dos conteúdos temáticos do exposé oral, observamos que, normalmente, compreendem:

  • a) um momento de apresentação dos expositores e da temática da apresentação;

  • b) plano da apresentação;

  • c) introdução sobre o tema;

  • d) desenvolvimento do tema;

  • e) conclusão

  • f) encerramento

Além disso, observamos nos dados coletados que é possível ter momentos de interação com o público, como uma pergunta sobre a temática, ou momentos em que os expositores contam um caso pessoal. Em nosso contexto, este tipo de interação parece-nos interessante, uma vez que pode auxiliar na atenção dos colegas de sala durante a exposição.

Quanto aos tipos de discurso, como “a exposição oral reúne o aluno que produz uma exposição e um público - alunos aos quais ele se dirige -, reunindo para ouvi-lo, aprender algo sobre um tema, adquirir ou enriquecer seu conhecimento” (DOLZ et al., 2013DOLZ, J. ; SCHNEUWLY, B. ; DE PIETRO, J-F. ; ZAHND, G. A exposição oral. In : SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. 3. ed. Campinas: Mercado de Letras, [2004] 2013. p.183-212., p. 186), vemos que esta situação de comunicação apresentará marcas como os dêiticos de pessoa. Vimos, assim, que há uma predominância do discurso interativo como “le document dont je vais vous parler est...” (documento sobre o qual eu vou falar para vocês), “Je peux également vous parler...” (Eu posso igualmente falar para vocês), “bonjour à toutes et à tous!” (Bom dia/boa tarde a todas e a todos), em que o(s) expositor(es) voltam sua fala ao público, implicando-os discursivamente. Eles são identificáveis através dos dêiticos de pessoa (eu, vocês, todos e todas, por exemplo).

No plano não verbal, há contato de demanda mesclado com o de oferta, isto é, os expositores voltam seu olhar ao público, convidando-os a participar do ato comunicativo, com momentos em que ele observa as anotações ou os slides. Além disso, os participantes apresentam-se, em alguns momentos, frontalmente, criando assim, envolvimento com o público.

Voltando-nos ao não verbal, encontramos excertos de discurso teórico: “il y a aussi trois réligions dominantes... le prote/le protestantisme ou le catholicisme et le budisme... il a vingt-quatre virgule cinq [...]” (há também três religiões dominantes... o prote/protestantismo ou o catolicismo et o budismo... há vinte e quatro vírgula cinco [...]), como no excerto de uma exposição oral em que o aluno falava sobre a Coreia do Sul. Nesses excertos, vemos a ausência de qualquer relação espaçotemporal, como “ontem, dias atrás”, fazendo o mundo discursivo construído conjugado ao mundo ordinário. Ademais, há ausência de dêiticos de pessoa, abstraído de parâmetros físicos do ato comunicativo.

Em relação aos mecanismos de textualização, mais especificamente os tempos verbais, observamos que há o predomínio do presente do indicativo, como nos exemplos “on se sert encore de sa pensée aujourd’hui et joue un rôle très important dans l’histoire de la philosophie...” (ainda nos servimos de seu pensamento hoje e ele tem um papel importante na filosofia...), “Dans la majorité des cas, les jeunes... s’ils prennent leurs repas avec leurs parents, ils sont toujours devant un écran ou ils ont le portable” (Na maioria dos casos, os jovens…se eles fazem refeições com seus pais, eles estão sempre diante de uma tela ou eles estão com um celular). Encontramos também recorrência dos tempos no futuro, sobretudo em momentos em que os expositores descrevem sobre o que falarão durante a exposição: “je vais vous parler” (eu vou apresentar para vocês); “dans une première partie, j’expliquerai comment...” (na primeira parte, eu explicarei como...); “on va vous faire un recapitulatif” (vamos fazer uma recapitulação”). Outros tempos verbais podem estar presentes, como o passado, mas com menos ocorrência.

Na coesão nominal, observamos que, quando o texto está sendo lido, ocorrem variados tipos de anáforas; mencionamos algumas:

  • a) anáforas pronominais, como os possessivos: “on se sert encore de sa pensée [...] c’est pourquoi un minimmun de compréhension de sa pensée est importante… ” (a gente ainda se serve de seu pensamento, é por isso que um mínimo de compreensão de seu pensamento é importante); como pronomes pessoais: “où elle se situe?... la porte dorée, elle se situe... ” (onde ela se situa? a Porte Dorée, ela se situa);

  • b) anáforas nominais: “la télé est sa programmation est adéquat (sic) pour une bonne éducation pour les jeunes et les enfants? ((elle tourne la page avec les notes)) pour répondre à cette question ” (a televisão e sua programação é adequada para uma boa educação para os jovens e crianças? ((ela vira a página das anotações)) para responder a esta questão); por objeto direto: “qui la construit et quand?” (quem a constrói e quando?)

As anáforas, como destaca Zani (2018ZANI, J. B. A comunicação oral em eventos científicos: uma proposta de modelização para a elaboração de sequências didáticas. 2018. 296 p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade São Francisco, Itatiba, 2018.), são importantes para uma maior clareza textual e para evitar repetições. No entanto, acreditamos que as repetições podem ser aceitas em falas mais espontâneas, pois, como salientam Dolz e Bueno (2015DOLZ, J. BUENO, L. Gêneros orais e gêneros produzidos na interface escrito-oral: o discurso de formatura no ensino fundamental e sua contribuição para o letramento escolar. In: BUENO, L. COSTA-HÜBES, T. C. (Org.). Gêneros orais no ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2015. p. 117-138.), ao fazer um quadro comparativo entre o oral e a escrita, a coesão dos textos orais é, justamente, marcada pela repetição (DOLZ; BUENO, 2015DOLZ, J. BUENO, L. Gêneros orais e gêneros produzidos na interface escrito-oral: o discurso de formatura no ensino fundamental e sua contribuição para o letramento escolar. In: BUENO, L. COSTA-HÜBES, T. C. (Org.). Gêneros orais no ensino. Campinas: Mercado de Letras, 2015. p. 117-138., p. 123).

Quanto à coesão, ainda é importante destacar o papel dos gestos na clareza das informações: podemos mencionar, por exemplo: a) os gestos de numeração; b) o apontar para algum aspecto dos slides, cartazes; c) o olhar, ao se direcionar ao público, convidando os colegas a participarem do ato comunicativo ou guiando a parte da fala em que se situa o expositor etc.

O exposé oral ainda apresenta variados conectores discursivos que auxiliam na organização da fala, tais como “d’abord, premièrement, puis, deuxième partie, en conclusion” (primeiro, primeiramente, em seguida, segunda parte, para concluir”), assim como os que estabelecem ligações entre os aspectos apresentados: “d’ailleurs, c’est pourquoi, pourtant, mais, et” (aliás, é por isso, no entanto, mas, e). Observamos que apresentam variadas marcas de oralidade como “alors, donc” (assim, então). Há também presença de reformulações, como “c’est à dire, en d’autres mots” (isto é, em outras palavras).

Quanto aos mecanismos enunciativos, no que concerne às vozes presentes na exposição oral, podemos destacar:

  • a) a voz dos expositores e destinatários que são observáveis pelos dêiticos de pessoa;

  • b) vozes explícitas de autores de textos referenciados, de artigos/textos: “et dans cet article... nous parle d’un thème très polémique... la télé et... ” (e neste artigo… nos fala de um tema muito polêmico... a TV e...).

No que concerne às vozes de autores, embora seja muito comum e importante em apresentações/comunicações orais acadêmicas, para dar legitimidade à pesquisa, acreditamos que, em nosso contexto, ela é menos importante, pois dificilmente os alunos vão referenciar os textos de origem da exposição. Observamos que, nos exemplares encontrados, elas não apareceram, a depender da temática (por exemplo, nas exposições sobre um monumento, um país, uma viagem realizada).

Quanto à modalização, observamos recorrência de modalizações apreciativas, que remetem à apreciação subjetiva positiva ou negativa, como: “il est un des principaux” (ele é um dos principais). Observamos também recorrência de modalizações pragmáticas: “la réflexion que l’on peut se faire après avoir lu ce document...” (a reflexão que se pode fazer após ter lido este documento...) e lógicas: “je pense qu’il y a beaucoup de chaînes...” (eu acho que há muitos canais...).

5 SÍNTESE DA ANÁLISE DAS PRODUÇÕES DOS ALUNOS

Nesta seção, apresentamos a análise preliminar das produções dos alunos, ilustrando o que os alunos de francês como língua estrangeira realizaram a partir da SD com base no MD que elaboramos.

Na página seguinte, apresentamos uma descrição geral das produções iniciais e finais dos alunos dos três grupos, começando por uma descrição geral.

Passemos para alguns excertos de análise das produções iniciais e finais. No que concerne às capacidades de ação, observamos que os três grupos tiveram um desenvolvimento bastante significativo. No que diz respeito a levar em conta os destinatários, observamos que os alunos já consideravam os colegas de sala na produção inicial, o que foi notado pelos olhares voltado para os colegas e dêiticos de pessoa (vous). No entanto, vimos que os grupos tiveram maior preocupação em se fazer entender na produção final: os destinatários são colegas de turma de LE, em que, em alguns momentos, uma palavra pode comprometer a compreensão do que está sendo dito. Como exemplo, temos o excerto do Grupo 2, em que, ao falar dos pratos típicos do jantar de Natal na França, uma aluna se preocupa em explicar o que vem a ser Bûche de Noël:

Excerto da produção final do grupo 2

P4: Le bûche de Noël … bûche de Noël c’est… c’est ça une pâtisserie que (sic) c’est très traditionnelle … une pâtisserie avec… au chocolat… aux fruits…9 9 A Bûche de Noël... a bûche de Noël é… é isso um doce que é muito tradicional... um doce com chocolate... com frutas...

Quadro 2
Descrição geral das produções iniciais e final do Grupo 1
Quadro 3
Descrição geral das produções inicial e final do Grupo 2
Quadro 4
Descrição geral das produções inicial e final do Grupo 3

Excertos como este foram recorrentes nas produções finais dos alunos; julgamos positiva a ocorrência, pois os alunos refletiram e se preocuparam com uma exposição clara considerando o público.

Quanto ao enunciador, isto é, um especialista no assunto apresentado, e ao objetivo, vimos que nos três grupos houve um desenvolvimento: os alunos se prepararam para apresentar, pensaram nas variadas etapas da apresentação e se mostraram mais claros em comparação com a produção inicial. Além disso, trabalharam a postura, a entonação, os gestos e outros aspectos importantes para o gênero multimodal exposé oral. Nesse item, podemos dizer que houve um desenvolvimento importante das capacidades multissemióticas se compararmos as produções iniciais às finais. No entanto, observamos que, apesar do desenvolvimento significativo do grupo 1, ao comparar as duas produções, a produção final se mostrou pouco clara no que concerne à língua francesa (fonética, erros linguísticos). Acreditamos que este aspecto se liga à complexidade da apresentação que os alunos trouxeram, como evidenciado no Quadro 3: Descrição geral das produções inicial e final do grupo 1, com variados suportes e textos de difícil oralização, levando em conta o nível que eles tinham naquele momento. Por isso, achamos que os textos poderiam ter sido simplificados, para maior clareza.

Ainda nos objetivos, vimos que os alunos se serviram de recursos visuais (ainda que não tenha sido uma exigência na produção do gênero), que facilitam a compreensão da exposição em sua organização e auxiliam em sua dinamicidade. Abaixo, temos uma imagem da apresentação do grupo 3 que, diferentemente da produção inicial, em que os alunos se serviram somente do discurso oral e de suas anotações, na produção final trouxe imagens. Podemos dizer, também, que houve um desenvolvimento nos aspectos multimodais, pois houve combinação de várias semioses, ainda que isso não tenha sido exigido. Além disso, os alunos se serviram de falas espontâneas organizadas, que evidenciavam domínio do tema a apresentar.

Figura 1
Produção final do grupo 3

Ainda no que concerne às falas espontâneas planejadas, no excerto abaixo podemos observar que os alunos tiveram momentos de improviso, na produção inicial, que não apareceram na produção final. Neste excerto, após uma aluna terminar sua fala com muitas hesitações, outro componente do grupo reage, deixando explícito que não houve preparação ou que os alunos não haviam combinado entre eles o que deveria ser dito:

Excerto da produção Inicial do grupo 1

P1: (( il rit)) elle a changé tout (sic)

((la classe rit))

P1 : elle a… elle a (sic) sortie du script

((la classe rit))10 10 P1: ((ele ri)) ela modificou tudo ((a sala ri)) P1: ela... ela saiu do script... ((a sala ri)).

Ou ainda, um colega do grupo corrige o outro durante a produção:

Excerto da produção inicial do Grupo 2

P5 : Edith Piaf est connaissu (sic) beaucoup de personnes comme une chanteuse icon/incombliable

P6 : inoubliable

P5 : inoubliable… pardon… et la musique la vie en rose est devenu Edith Piaf eh :: connue dans tout le monde11 11 P5: Édith Piaf é conhecida por muitas pessoas como uma cantora ines/inesquecível ((fala de forma errada)) P6: inesquecível P5: inesquecível... perdão... e a música La vie em rose tornou Édith Piaf eh:: conhecida em todo o mundo

Voltando-nos às capacidades discursivas, mais especificamente o plano global dos conteúdos temáticos, vimos desenvolvimento nos três grupos observados. Acreditamos que os alunos se preocuparam com todas as etapas de a apresentação, com diferenças relativamente ao que foi apresentado no MD, mas de forma coerente e organizada. Essa organização ficou evidente, por exemplo, por indícios não verbais, como os gestos, pois, a cada momento que terminavam a fala, eles sinalizavam com a cabeça para os colegas do grupo para que o outro tomasse a palavra. Nesse aspecto, podemos dizer que houve um grande desenvolvimento dos aspectos multimodais relacionados com as capacidades multissemióticas.

O quadro 6 sintetiza o plano global dos conteúdos temáticos do grupo 1:

Quadro 6
Síntese do plano global dos conteúdos temáticos das produções do Grupo 1

Quanto aos tipos de discurso, os alunos apresentaram discurso interativo e teórico na produção inicial e final. Além disso, em função da temática, eles apresentaram a narração, observável pelas expressões de espaço e tempo e ausência de implicação, em momentos em que eles falavam sobre a biografia. Embora não tenhamos previsto a narração em nosso MD, entendemos que este tipo de discurso está ligado às temáticas escolhidas para os alunos. Sendo assim, narrativas são aceitáveis.

Voltando-nos às capacidades linguístico-discursivas, percebemos um maior uso dos conectivos, “dans une première partie, dans la deuxième partie... en conclusion” (em uma primeira parte, na segunda parte, como conclusão), que também se liga ao desenvolvimento das capacidades discursivas, e que foram pouco presentes ou ausentes na produção inicial.

Excerto da produção do grupo 2

P4 : nous allons parler de la tradition de Noël en France… dans la première partie… je vais expliquer la fête de Noël eh :: et aussi le principaux symboles de noël ah :: en France… dans un (sic) deuxième partie… P5…il va présenter le côté religieuse (sic) de la fête ih :: en conclusion P5 va presenta (sic) la transformation de la fête de Noel sur la société de consommation

((la classe rit))12 12 P4: nós vamos falar da tradição de Natal na França... na primeira parte... eu vou explicar a festa de Natal eh:: e os principais símbolos do Natal ah:: na França... na segunda parte... P5... ele vai apresentar o lado religioso da festa ih:: em conclusão... vai apresentar a transformação da festa de Natal sobre a sociedade de consumo ((a sala ri)).

Na coesão verbal, vimos que os alunos apresentaram erros nas produções iniciais e finais no que concerne, sobretudo, a verbos irregulares. Na coesão nominal, não houve diferença significativa da produção inicial para a final, pois eles já apresentavam na produção inicial. Ainda assim, a repetição estava presente, sobretudo em momentos de fala espontânea.

Quando observamos os aspectos ligados à pronúncia ou a erros linguísticos, podemos afirmar que não houve grande modificação entre as produções iniciais e finais. Ainda que durante o curso tenhamos tido uma aula destinada somente à fonética e, em outros gêneros, tenhamos trabalhado variados tempos verbais, sabemos que a aprendizagem de uma LE demanda tempo e que, dificilmente, observaríamos diferença substancial nesses aspectos de uma produção para outra.

De qualquer forma, os exemplos acima mostram que o MD elaborado foi adequado para o trabalho com os alunos e que, em suas produções, eles conseguiram aproximar-se dele, apesar das limitações tecnológicas e linguísticas. Na experiência com os alunos da habilitação em Francês os resultados foram semelhantes, porém eles demonstraram mais diferenças em relação à pronúncia e erros linguísticos entre as produções iniciais e finais, além de terem mais familiaridade com recursos tecnológicos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, objetivamos apresentar o MD do exposé oral e a análise preliminar das produções textuais dos alunos, buscando verificar se houve o desenvolvimento de suas capacidades de linguagem. O modelo didático apresentado mostrou-se pertinente para o trabalho com os alunos, nos dois contextos. Vimos que os alunos desenvolveram as capacidades de linguagem, sobretudo no que concerne às capacidades de ação e discursivas. Além disso, importa destacar que houve um desenvolvimento específico das capacidades relacionadas ao gênero multimodal exposé oral, já que os alunos conseguiram demonstrar mais cuidado com postura, gestos, entonação, olhares etc. na produção final, em comparação com a produção inicial. Nesse sentido, podemos dizer que nossa SD foi apropriada para o trabalho com o gênero: houve demonstração de terem aprendido aspectos multimodais ali mobilizados. Da mesma forma, podemos dizer que as atividades da SD, aplicadas em um contexto universitário de graduandos em Letras-Francês, foram bastante pertinentes, e, além de contribuir para a perspectiva “speak to learn” (GERE, 2019GERE, A. R. (Org.). Developing Writers in Higher Education: A Longitudinal Study. Ann Arbor, MI: University of Michigan Press, 2019. 369 p.), importante na graduação, também permitiram o desenvolvimento das capacidades de linguagem e multissemióticas dos alunos, validando o dispositivo didático. É importante destacar ainda que os alunos se tornaram “especialistas” nos temas que escolheram, ou seja, aprenderam sobre as temáticas, ilustrando a perspectiva que chamamos de “speak to learn”, com base no “write to learn” (GERE, 2019).

No que se refere aos erros linguísticos e de fonética, ainda que não possamos afirmar quantitativamente se eles foram mais ou menos frequentes ao comparar as duas produções, podemos dizer que muitos deles persistiram. Rocha (2014ROCHA, S. M. Coerções e liberdades textuais em francês como língua estrangeira: por um desenvolvimento do estilo na produção escrita por meio do gênero textual relato de viagem. 2014. 232 p. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.), ao estudar o relato de viagem com o intuito de observar o desenvolvimento da liberdade textual na produção escrita em FLE, observou que os alunos que realizaram escolhas mais desafiadoras apresentaram mais erros linguísticos. De forma semelhante, em um estudo anterior em que trabalhamos com o gênero tutorial em vídeo em FLE com alunos adolescentes (SUMIYA, 2017), vimos que o foco de atenção na produção do gênero fica fragmentado, pois se divide em variados pontos da produção. Da mesma forma, ao produzir o texto, os alunos se depararam com muitas coerções do próprio gênero textual, que tem muitas etapas de preparação e variados aspectos a observar. Isso pode ter dificultado aos alunos prestar mais atenção em aspectos linguísticos, inclusive a fonética. Não vemos esse fato como algo negativo, pois, em uma perspectiva vigotskiana (1997), sabemos que é necessário tempo para internalizar novos conhecimentos e capacidades; talvez em um outro momento, ao se depararem com esse gênero novamente ou com um gênero semelhante, eles possam corrigir os erros linguísticos.

Acreditamos que o trabalho com o gênero exposé oral foi um importante recurso para a abordagem de temas que os alunos desejam aprender (GERE, 2019GERE, A. R. (Org.). Developing Writers in Higher Education: A Longitudinal Study. Ann Arbor, MI: University of Michigan Press, 2019. 369 p.), e também para o desenvolvimento de capacidades de linguagem, dentre as quais as multissemióticas, que, nesse gênero, são fundamentais para a compreensão da temática apresentada.

Por fim, destacamos a importância de refletir sobre gêneros que articulam variadas semioses no ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, não em detrimento do ensino da língua, mas pelo reconhecimento de que na atualidade os textos multimodais são muito presentes e é difícil pensar em ensinar a língua sem eles - sobretudo após a pandemia de covid-19, quando se tornaram ainda mais frequentes.

REFERÊNCIAS

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  • ROJO, R. H. R. Escol@ conectada: Os multiletramentos e as TICs. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. 215 p.
  • SUMIYA, A. H. O gênero multimodal tutorial em vídeo e suas contribuições no ensino-aprendizagem de francês como Língua estrangeira por adolescentes. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
  • SWALES, J. M. Genre Analysis: English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge University Press,1990. 274 p.
  • VOLOSHINOV, V. N. Le marxisme et la philosophie du langage. Paris : Éditions de Minuit, [1929] 1977. 233 p.
  • VYGOTSKI, L. S. Pensée et langage. Tradução Sève, F. Paris: La Dispute, [1934] 1997.
  • ZANI, J. B. A comunicação oral em eventos científicos: uma proposta de modelização para a elaboração de sequências didáticas. 2018. 296 p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade São Francisco, Itatiba, 2018.
  • 1
    É o caso do livro didático “Cosmopolite A1”, da editora Hachette.
  • 2
    O exposé oral é um gênero muito frequente em países francófonos e é praticado desde a escola até a universidade. Em português, temos o gênero apresentação oral ou, como utiliza Gomes-Santos (2012), a exposição oral. Neste artigo, optamos por deixar o nome do gênero em francês, pois se trata do ensino do francês e porque nenhuma tradução nos parece ter a representação que o exposé oral tem na escolaridade francófona. Além disso, o termo evita que se confunda com a apresentação oral em congresso, por exemplo.
  • 3
    Esse resumo dos estudos vygotskianos é redutor, mas optamos por elencar algumas dessas orientações para podermos compreender os dados de nossa pesquisa.
  • 4
    Quadro Comum Europeu de Referência para as Línguas.
  • 5
    Questionário de análise de necessidades.
  • 6
    Dentre as dificuldades de se trabalhar um gênero oral em sala de aula, Dolz e Bueno (2015) mencionam a dificuldade de acesso a esses gêneros em comparação com gêneros escritos.
  • 7
    CEGEP significa Colégio de Ensino Geral e Profissional, constituindo uma etapa anterior ao ensino superior na província do Quebec, Canadá. Fonte: “https://www.cchic.ca/cest-quoi-le-cegep/”. Acesso em novembro de 2020.
  • 8
    Trata-se de um recorte de nosso estudo em que foi realizada a análise das interações verbais dos alunos durante a produção do gênero anúncio publicitário. Os dados foram apresentados em uma comunicação oral em julho de 2020.
  • 9
    A Bûche de Noël... a bûche de Noël é… é isso um doce que é muito tradicional... um doce com chocolate... com frutas...
  • 10
    P1: ((ele ri)) ela modificou tudo ((a sala ri)) P1: ela... ela saiu do script... ((a sala ri)).
  • 11
    P5: Édith Piaf é conhecida por muitas pessoas como uma cantora ines/inesquecível ((fala de forma errada)) P6: inesquecível P5: inesquecível... perdão... e a música La vie em rose tornou Édith Piaf eh:: conhecida em todo o mundo
  • 12
    P4: nós vamos falar da tradição de Natal na França... na primeira parte... eu vou explicar a festa de Natal eh:: e os principais símbolos do Natal ah:: na França... na segunda parte... P5... ele vai apresentar o lado religioso da festa ih:: em conclusão... vai apresentar a transformação da festa de Natal sobre a sociedade de consumo ((a sala ri)).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2021
  • Aceito
    06 Maio 2022
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