Acessibilidade / Reportar erro

AS RELAÇÕES DE CAUSALIDADE SINALIZADAS PELO CONECTOR PORQUE: ARTICULANDO PERSPECTIVAS COGNITIVO-FUNCIONAIS E DISCURSIVO-INTERACIONAIS

Causal Relations Signaled by the Connector porque [because]: Articulating functional-cognitive, and Interactional-discursive Perspectives

Relaciones de causalidad sinalizadas por el conector porque [porque]: articulando perspectivas cognitivo-funcionales y discursivo-interaccionales

Resumo

Estuda-se neste trabalho como o conector porque atua na sinalização de causalidade no último debate eleitoral da campanha presidencial brasileira de 2018. O objetivo foi o de verifciar se o conector se caracteriza pela multifuncionalidade, não somente sinalizando relação de causa e efeito, mas introduzindo argumentos para justificar atos de fala e sustentar opiniões, crenças e julgamentos expressos na sentença à qual se liga. A compreensão desses papéis demandou articular duas perspectivas teóricas distintas, mas complementares: a cognitivo-funcional e a discursivo-interacional. Analisadas as 89 ocorrências do conector, demonstra-se que a natureza agonal do gênero debate faz com que a maior parte das ocorrências das sentenças causais com porque licencie a realização de uma variada gama de atos de fala, e sustente (explicando ou justificando) crenças ou julgamentos expressos no constituinte principal.

Palavras-chave:
Conector porque; Relação de causalidade; Argumentação

Abstract

In this work, we study how the connector porque [because] acts in signaling causality in the last presidential debate of the 2018 Brazilian presidential campaign. The objective was to verify if the connector is characterized by multifunctionality, not only signaling a cause-and-effect relationship but introducing arguments to justify speech acts and support opinions, beliefs, and judgments expressed in the sentence to which it is connected. Understanding these roles required articulating two distinct but complementary theoretical perspectives: the cognitive-functional and the discursive-interactional. Analyzing the 89 occurrences of the connector, we show that the agonizing nature of the debate genre makes the majority of occurrences of causal sentences with porque allowing the performance of a wide range of speech acts and to supporting (explaining or justifying) beliefs or judgments expressed in the main constituent.

Key-words:
Conjuntion porque; Causual relation; Argumentation

Resumen

Se estudia en este trabajo como el conector porque [porque] actúa en la señalización de causalidad en el último debate electoral de la campaña presidencial brasileña de 2018. El objetivo fue verificar si el conector se caracteriza por la multifuncionalidad, no solo por la señalización de relación de causa y efecto, pero introduciendo argumentos para justificar actos de habla y sustentar opiniones, creencias y juicios expresados en la oración a la que se adjunta. La comprensión de estos roles exigió la articulación de dos perspectivas teóricas distintas pero complementarias: la cognitiva-funcional y la discursiva-interaccional. Analizando las 89 ocurrencias del conector, se muestra que la naturaleza agonal del género debate hace com que la mayoría de las ocurrencias de oraciones causales con porque autorizen la realización de una amplia gama de actos de habla, y sustenten (explicando o justificando) creencias o juicios expresados en el constituyente principal.

Palabras-clave:
Conector porque; Relación de causalidad; Argumentación

1 INTRODUÇÃO

O papel dos conectores e das relações que sinalizam tem sido reconhecido e estudado em diferentes perspectivas teóricas. Na Teoria da Argumentação na Língua (pragmática integrada), conectores como portanto (donc), mas (mais) e aliás (d’ailleurs) são vistos como itens da língua cujas instruções autorizam ou bloqueiam determinados encadeamentos de argumentos, contra-argumentos e conclusões (DUCROT et al., 1980DUCROT, O., BOURCIER, D., BRUXELLES, S., DILLER, A. M., FOUQUIER, E., GOUAZE, J., ... SIRDAR-ISKANDAR, C. Les mots du discours. Paris : Minuit, 1980., ANSCOMBRE; DUCROT, 1983ANSCOMBRE, J. C.; DUCROT, O. L’argumentation dans la langue. Bruxelles: Pierre Mardaga, 1983.). No quadro da Teoria da Relevância, os conectores são entendidos como itens de natureza procedural que, ao sinalizarem a relação entre enunciados, diminuem os esforços de processamento necessários à inferência dessa relação, tornando o enunciado assim construído mais relevante ou rico em efeitos contextuais (BLAKEMORE, 1992BLAKEMORE, D. Understanding utterances: an introduction to pragmatics. Oxford: Blackwell, 1992.). No âmbito dos estudos da argumentação herdeiros da Retórica Clássica, os conectores são entendidos como parte do arsenal de que o orador ou escritor se vale para tentar convencer seu auditório ou leitorado, direcionando seu modo de agir (CHATEAURAYNAUD; DOURY, 2010CHATEAURAYNAUD, F.; DOURY, M. Désormais: Essai sur les fonctions argumentatives d’un marqueur de rupture temporelle. Argumentation et Analyse du Discours, v. 4, p. 1-15, 2010., DOURY; KERBRAT-ORECCHIONI, 2011). Na perspectiva funcionalista, a decisão do produtor do texto (oral ou escrito) por utilizar ou não conectores na sinalização de relações retóricas ou de coerência (MANN; THOMPSON, 1986MANN, W. C.; THOMPSON, S. A. Relational propositions in discourse. Discourse Processes, v. 9, n. 1, p. 57-90, 1986., 1988, 2001) é guiada por seus propósitos comunicativos, ou seja, por sua intenção de distribuir de determinada forma as informações novas e dadas e de indicar o grau de subjetividade das informações introduzidas pelo conector (PAIVA, 1995PAIVA, M. C. Cláusulas causais: iconicidade e funcionalidade. Cadernos de Estudos Linguísticos, v. 28, p. 59-68, 1995., NEVES, 1999NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496., DEGAND; PANDER MAAT, 2003DEGAND, L.; PANDER MAAT, H. A contrastive study of Dutch and French causal connectives on the Speaker Involvement Scale. In: VERHAGEN, A.; van de WEIJER, J. (Org.). Usage-based approaches to Dutch: Lexicon, grammar, discourse. Utrecht: LOT. 2003. p. 175-200.).

Como brevemente ilustrado por essas perspectivas teóricas, o papel dos conectores no discurso não se restringe à mera conexão de informações e porções textuais. Mais do que simples juntores, os conectores, em virtude das propriedades sintáticas, semânticas e pragmáticas que os particularizam, exercem funções relevantes na argumentação, aqui entendida não apenas como um tipo de discurso específico, ao lado da narração e da descrição (ADAM, 1992ADAM, J. M. Les textes: types et prototypes. Paris: Nathan, 1992.), mas também como a atividade ou processo mais amplo por meio do qual o produtor do texto, escolhendo uma dentre várias formas de falar/escrever, busca agir sobre o outro, modificando suas atitudes e redefinindo suas representações sobre o mundo (VIGNAUX, 1976VIGNAUX, G. L’argumentation: essai d’une logique discursive. Genebra: Librairie Droz, 1976., PLANTIN, 2008PLANTIN, C. A argumentação: história, teorias, perspectivas. São Paulo: Parábola, 2008., 2016).

Partindo do reconhecimento do papel dos conectores na dimensão argumentativa do texto e do discurso, este trabalho estuda a atuação do conector porque na sinalização de relações de causalidade em um exemplar do gênero debate eleitoral, a saber, o último debate eleitoral realizado na campanha presidencial brasileira de 2018. Aprofundando estudos já realizados sobre o uso de conectores e a articulação textual em debates eleitorais (CUNHA, 2015CUNHA, G. X. As relações retóricas e a negociação de faces em debate eleitoral. Confluência, v. 47, n. 1, p. 205-238, 2015., 2017a, 2017b, 2022a, 2022b, CUNHA; MARINHO, 2017, CUNHA; BRAGA; 2018, CUNHA; BRAGA; BRITO, 2019), buscamos verificar se, nesse gênero, o conector porque caracteriza-se por ser multifuncional, não só sinalizando uma relação de causa e efeito entre fatos, mas também introduzindo argumentos para justificar a realização de atos de fala e sustentar opiniões, crenças e julgamentos expressos na sentença a qual o conector se liga.

Dada a complexidade do fenômeno em estudo, a compreensão do papel do conector porque no debate demanda a articulação de duas perspectivas teóricas distintas, mas fortemente complementares. Com base na perspectiva cognitivo-funcional, representada especialmente por Sweetser (1990SWEETSER, E.; DANCYGIER, B. Semantic overlap and space-blending. Proceedings of Sixth International Cognitive Linguistics Conference. 1990.), Sanders (SANDERS; SWEETSER, 2009SANDERS, T.; SWEETSER, E.. Introduction: causality in language and cognition - what causal connectives and causal verbs reveal about the way we think. In: T. SANDERS; E. SWEETSER (Ed.). Causal categories in discourse and cognition. Berlin: Mouton de Gruyter, 2009. p. 1-18., SANDERS; SANDERS; SWEETSER, 2012) e Neves (1999NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496., 2000, 2014), estudaremos os domínios (de conteúdo, epistêmico e pragmático - atos de fala) a que a relação de causalidade pode pertencer, bem como o papel do conector nesses domínios. Com base na perspectiva discursivo-interacional, representada especialmente por Roulet (1985ROULET, E. Propriétés pragmatiques des connecteurs argumentatifs. In : E. ROULET, A. AUCHLIN, J. MOESCHLER, C. RUBATTEL, M. SCHELLING. L'articulation du discours en français contemporain. Berne : Peter Lang, 1985. p. 127-133., 2002, 2006, ROULET; FILLIETTAZ; GROBET, 2001ROULET, E.; FILLIETTAZ, L.; GROBET, A. Un modèle et un instrument d'analyse de l'organisation du discours. Berne: Lang, 2001.), verificaremos o papel do conector porque na estruturação do discurso, na introdução de argumentos e na atribuição de responsabilidade enunciativa pela informação que introduz.

Para alcançar o objetivo colocado, expomos, inicialmente, as duas perspectivas teóricas mencionadas. Em seguida, com base nessa apresentação, apresentamos uma síntese de propriedades que podem ser associadas ao conector porque. Na sequência, esclarecemos os procedimentos metodológicos adotados, explicitando as ações realizadas na coleta e na transcrição do corpus desta pesquisa, o último debate eleitoral realizado na campanha presidencial de 2018, bem como as etapas do estudo das ocorrências do porque nesse debate. Por fim, apresentamos os resultados das análises, mostrando as funções que o conector porque exerce no debate selecionado.

2 PERSPECTIVA COGNITIVO-FUNCIONAL: OS DIFERENTES TIPOS DE RELAÇÕES CAUSAIS SINALIZADAS PELO CONECTOR PORQUE

Do ponto de vista cognitivo-funcional, grande parte dos estudos dos conectores causais parte dos três domínios propostos por Sweetser (1990SWEETSER, E.; DANCYGIER, B. Semantic overlap and space-blending. Proceedings of Sixth International Cognitive Linguistics Conference. 1990.). Nessa classificação, as orações causais são identificadas como pertencentes aos domínios de conteúdo, epistêmico ou dos atos de fala.

As relações de conteúdo estão ligadas ao chamado “mundo real” e estabelecem ligações entre a ocorrência de eventos (causa efetiva) ou entre conteúdos proposicionais (SANDERS; SWEETSER, 2009SANDERS, T.; SWEETSER, E.. Introduction: causality in language and cognition - what causal connectives and causal verbs reveal about the way we think. In: T. SANDERS; E. SWEETSER (Ed.). Causal categories in discourse and cognition. Berlin: Mouton de Gruyter, 2009. p. 1-18.). Como bem observado por Neves (1999NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496.), não se trata da realidade em si, mas de o falante estabelecer a ligação, como se se tratasse de uma relação entre eventos reais: “Mais do que de ‘realidade’, considero pertinente falar de ‘factualidade’ da relação causal: a questão não é de dois estados de coisas serem relacionados, quanto à causa, mas é o falante propô-los como tal” (NEVES, 1999NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496., p. 488). No exemplo (1), extraído de Sweetser (1990SWEETSER, E.; DANCYGIER, B. Semantic overlap and space-blending. Proceedings of Sixth International Cognitive Linguistics Conference. 1990., p. 77), o amor de John foi a causa real de sua volta.

(1) John come back because he loved her.

[João voltou porque a amava.]

O domínio epistêmico está associado a relações de possibilidades, ou seja, tocam o campo da evidencialidade. Nesse caso, a sentença causal apresenta o efeito, informado na oração principal, como um fato possível, um julgamento ou uma crença do falante (NEVES, 2000NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP, 2000.), como evidenciam os exemplos (2) (SWEETSER, 1990SWEETSER, E.; DANCYGIER, B. Semantic overlap and space-blending. Proceedings of Sixth International Cognitive Linguistics Conference. 1990., p. 77) e (3) (DANCYGIER; SWEETSER, 1990, p. 124).

(2) John loved her, because he come back.

[John a amava, porque ele voltou.]

(3) Sam must be studying because Joe turned the stereo off.

[Sam deve estar estudando porque Joe desligou o som.]

No domínio dos atos de fala, encontram-se as relações de natureza intercomunicativa, que possibilitam justificar a enunciação de atos de fala (LOPES, 2012LOPES, A. C. M. Contributos para uma análise semântico-pragmática das causais de enunciação no português europeu contemporâneo. ALFA, v. 56, n. 2, p. 451-468, 2012.). Nesse caso, a relação se estabelece entre um ato de fala e a motivação para esse ato, como ilustra o exemplo (4) (SWEETSER, 1990SWEETSER, E.; DANCYGIER, B. Semantic overlap and space-blending. Proceedings of Sixth International Cognitive Linguistics Conference. 1990., p. 77), em que a sentença introduzida pelo porque explica a realização da pergunta ou do convite indireto.

(4) What are you doing tonight, because there’s a good movie on.

[O que você fará esta noite, porque está passando um bom filme.]

Em estudos sobre as conjunções causais do português brasileiro, atestou-se que a conjunção porque é a mais profícua tanto em dados de língua escrita (ABDON, 2005ABDON, I. N. S. Instanciação e interpretação das relações causais em função do gênero de texto. In: SARAIVA, M. E. F.; MARINHO, J. H. C. (Org.). Estudos da língua em uso: relações inter e intra-sentenciais. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos da Língua em Uso (NELU)/Faculdade de Letras da UFMG, 2005. p. 29-48.), quanto em dados de língua oral (NEVES, 1999NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496., ILARI, 2009ILARI, R. As conjunções. In: ILARI, R.; NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do português culto falado no Brasil: classes de palavras e processos de construção. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. p. 809-864.). Acerca dessa produtividade, trata-se, segundo Neves (2014NEVES, M. H. M. Intersubjetividade e interlocução nas relações de causalidade: a funcionalidade dos juntivos causais na língua portuguesa. Lingüística, v. 30, n. 2, p. 113-140, 2014.), do conjuntivo causal “mais gramaticalizado, mais usual, e, portanto, menos específico da língua portuguesa” (NEVES, 2014, p. 117). Essa falta de especificidade explica o uso de porque como sinalizador seja de relações de conteúdo, seja de relações epistêmicas, seja de relações em que a construção causal explica a realização de um ato de fala (NEVES, 1999, 2000, LOPES, 2012LOPES, A. C. M. Contributos para uma análise semântico-pragmática das causais de enunciação no português europeu contemporâneo. ALFA, v. 56, n. 2, p. 451-468, 2012.).

A falta de especificidade de porque pode ser compensada pela modificação conjuntiva que, conforme Neves (2014NEVES, M. H. M. Intersubjetividade e interlocução nas relações de causalidade: a funcionalidade dos juntivos causais na língua portuguesa. Lingüística, v. 30, n. 2, p. 113-140, 2014., p. 118), evoca sentidos associados à “maximização, restrição, precisão, inclusão, exclusão, concessividade, minimização e outros”, que são determinantes para o estabelecimento de relações lógico-semânticas, bem como para a concretização dos efeitos pragmáticos desejados. Por essa razão, o porque é frequentemente empregado como um elemento “não marcado” (default) de junção causal, sendo aquele que menos imprime atenção à individualidade do emissor, ou seja, que dispõe de menor índice subjetivo e/ou de saliência discursivo-pragmática (NEVES, 2012NEVES, M. H. M. A gramática passada a limpo: conceitos, análises e parâmetros. São Paulo: Parábola Editorial, 2012., TRAUGOTT 2010TRAUGOTT, E. C. (Inter)subjectivity and (inter)subjectification: a reassessment. In: K. DAVIDSE, L. VANDELANOTTE; H. CUYCKENS (Ed.). Subjectification, intersubjectification and grammaticalization. Berlin, Walter de Gruyter, 2010. p. 29-71., TRAUGOTT; KÖNIG, 1991). Por isso, a escolha dos conectores causais permite compreender as características semântico-pragmáticas e inter-subjetivas das conexões que sinalizam, possibilitando identificar mecanismos de alternância entre perspectivas no discurso (“Quem pensa o quê? Quem é o responsável pelo raciocínio causal?”, cf. SANDERS et al., 2012SANDERS, J.; SANDERS, T.; SWEETSER, E. Responsible subjects and discourse causality. How mental spaces and perspective help identifying subjectivity in Dutch backward causal connectives. Journal of Pragmatics, v. 44, n. 2, p. 191-213, 2012.). No próximo item, voltaremos a essa questão da relação entre a escolha dos conectores causais e as perspectivas no discurso.

No que se refere ao contexto de uso, Abdon (2005ABDON, I. N. S. Instanciação e interpretação das relações causais em função do gênero de texto. In: SARAIVA, M. E. F.; MARINHO, J. H. C. (Org.). Estudos da língua em uso: relações inter e intra-sentenciais. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos da Língua em Uso (NELU)/Faculdade de Letras da UFMG, 2005. p. 29-48.), partindo da proposta de Sweetser (1990SWEETSER, E.; DANCYGIER, B. Semantic overlap and space-blending. Proceedings of Sixth International Cognitive Linguistics Conference. 1990.) anteriormente apresentada, chama a atenção para a dificuldade em se distinguirem as relações de conteúdo (causa efetiva) e as relações do domínio epistêmico, já que não há marcas claras que as particularizem. Por isso, conforme a autora, que neste ponto corrobora resultados de Sanders (1997SANDERS, T. Semantic and pragmatic sources of coherence: On the categorization of coherence relations in context. Discourse Processes, v. 24, p. 119-147, 1997.), o gênero a que o texto pertence terá papel decisivo na interpretação da relação como articulando informações do mundo real (domínio do conteúdo) ou como articulando crenças e julgamentos (domínio epistêmico):

[...] os gêneros que privilegiam a argumentação, como os gêneros conversação e artigo de opinião, põem em evidência os domínios epistêmico e conversacional [dos atos de fala]. Essa constatação autoriza a conclusão de que os gêneros concorrem para que o falante/ouvinte interprete uma afirmação como concernente ao mundo real ou a identifique como uma opinião (uma idéia) sobre o mundo. (ABDON, 2005ABDON, I. N. S. Instanciação e interpretação das relações causais em função do gênero de texto. In: SARAIVA, M. E. F.; MARINHO, J. H. C. (Org.). Estudos da língua em uso: relações inter e intra-sentenciais. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos da Língua em Uso (NELU)/Faculdade de Letras da UFMG, 2005. p. 29-48., p. 36.)

Nesse sentido, a exata compreensão do papel das relações de causalidade cujo sinalizador é o porque precisa levar em consideração o gênero a que pertence o texto considerado, bem como os objetivos comunicativos e argumentativos dos interlocutores e os papéis que assumem na interação. É por esse motivo que o estudo das construções causais e do conector porque beneficia-se do recurso a uma perspectiva discursivo-interacional, que passamos a abordar.

3 PERSPECTIVA DISCURSIVO-INTERACIONAL: O PAPEL DO CONECTOR PORQUE NA ARTICULAÇÃO/ESTRUTURAÇÃO DO DISCURSO

Dada a complexidade da causalidade, uma compreensão mais satisfatória do fenômeno se obtém, quando à perspectiva cognitivo-funcional apresentada anteriormente se articula a perspectiva discursivo-interacional (COUPER-KUHLEN; KORTMANN, 2000COUPER-KUHLEN, E.; KORTMANN, B. (Org.). Cause - Condition - Concession - Contrast: cognitive and discourse perspectives. Berlin: Mouton de Gruyter, 2000.). Afinal, “em termos de enunciados reais, a noção de causalidade só pode ser investigada com relação à organização do discurso, aí incluídas todas as questões ligadas à distribuição da informação e à orientação argumentativa” (NEVES, 2000NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP, 2000., p. 807-808). Por isso, neste item, consideraremos a relação de causalidade sinalizada pelo conector porque do ponto de vista de seu papel na estruturação do discurso e da atribuição de perspectivas enunciativas.

Integrando a Teoria da Argumentação na Língua (ANSCOMBRE; DUCROT, 1983ANSCOMBRE, J. C.; DUCROT, O. L’argumentation dans la langue. Bruxelles: Pierre Mardaga, 1983., DUCROT et al., 1980) ao estudo da estrutura do discurso, Roulet (1985ROULET, E. Propriétés pragmatiques des connecteurs argumentatifs. In : E. ROULET, A. AUCHLIN, J. MOESCHLER, C. RUBATTEL, M. SCHELLING. L'articulation du discours en français contemporain. Berne : Peter Lang, 1985. p. 127-133., 2002, 2006, ROULET et al., 2001ROULET, E.; FILLIETTAZ, L.; GROBET, A. Un modèle et un instrument d'analyse de l'organisation du discours. Berne: Lang, 2001.) concebe os conectores como marcadores cujas instruções sinalizam, ao mesmo tempo, o nível hierárquico do constituinte textual que introduzem (principal ou subordinado), atuando, portanto, na estruturação do discurso, e a relação interativa entre as informações por eles articuladas. Uma das relações consideradas por Roulet (2006) é a de argumento, que, enquanto categoria genérica, abarca tanto as relações causais cujo marcador introduz um constituinte textual subordinado (a exemplo do porque), quanto relações conclusivas (ou consecutivas (SCHELLING, 1985SCHELLING, M. Propriétés pragmatiques des connecteurs consécutifs. In E. ROULET, A. AUCHLIN, J. MOESCHLER, C. RUBATTEL, M. SCHELLING. L'articulation du discours en français contemporain. Berne : Peter Lang, 1985. p. 145-154.)) cujo marcador introduz um constituinte textual principal (a exemplo do portanto).

A comparação desses dois subtipos de relações de argumento revela duas estratégias distintas de construção textual. Com a relação de tipo porque, opta-se por uma estruturação retroativa do discurso (MOESCHLER, 1985MOESCHLER, J. Argumentation et conversation. Éléments pour une analyse pragmatique du discours. Paris: Hatier-Credif, 1985.) em que um constituinte, dito principal, se apoia em um constituinte subordinado, geralmente posicionado à direita do primeiro. Com a relação de tipo portanto, o modo de estruturação do discurso é proativo (MOESCHLER, 1985), na medida em que o constituinte introduzido pelo conector subordina o constituinte anterior. Assim, se na estratégia retroativa (porque) o conector sinaliza a introdução de um argumento, na proativa (portanto) o conector sinaliza que o argumento está no constituinte que o antecede.

Aprofundando a compreensão dos conectores que sinalizam a relação de argumento de tipo retroativo (causal), de que, em português, o porque é o representante típico, Roulet (1985ROULET, E. Propriétés pragmatiques des connecteurs argumentatifs. In : E. ROULET, A. AUCHLIN, J. MOESCHLER, C. RUBATTEL, M. SCHELLING. L'articulation du discours en français contemporain. Berne : Peter Lang, 1985. p. 127-133.) observa que o uso de um ou outro desses conectores não é indiferente do ponto de vista enunciativo ou no que se refere à atribuição de responsabilidade enunciativa pela informação que introduz. De um lado, os conectores parce que e car1 1 Como não há uma correspondência estrita entre car, parce que e puisque e pois, porque e já que, optamos, nesta parte do trabalho, por manter na tradução dos exemplos para o português os conectores do francês estudados por Roulet (1985). apresentam o argumento que introduzem, ao mesmo tempo, como novo e como tendo o próprio locutor por responsável. De outro lado, o conector puisque se distingue dos anteriores por apresentar o argumento como já enunciado pelo próprio locutor (autofonia), pelo co-enunciador (diafonia) ou por um terceiro (polifonia) e, ainda, por não ter o locutor necessariamente como seu responsável2 2 De modo semelhante, Degand e Pander Maat (2003), partindo da proposta de Sweetser (1990), propõem que o estudo das relações causais e de seus conectores se faça por meio de uma escala de envolvimento do falante (Speaker Involvement Scale) na qual o grau de responsabilização do locutor pela informação vai de um envolvimento mínimo - causalidade não-volicional (domínio do conteúdo) - até um envolvimento máximo - causalidade volicional envolvendo suposições e ações do locutor (domínios epistêmico e dos atos de fala) (DEGAND; PANDER MAAT, 2003). . O autor evidencia a especificidade enunciativa desses conectores comparando estes enunciados (05) e (06).

(5) Juliette ne peut pas sortir, puisqu’elle est malade.

[Juliette não pode sair, (puisque) ela está doente]

(6) Juliette ne peut pas sortir, car ele est malade.

[Juliette não pode sair, (car) ela está doente]

Ainda que os conectores do português pois, porque e já que não tenham sido submetidos a um estudo enunciativo nos moldes do que propõe Roulet (1985ROULET, E. Propriétés pragmatiques des connecteurs argumentatifs. In : E. ROULET, A. AUCHLIN, J. MOESCHLER, C. RUBATTEL, M. SCHELLING. L'articulation du discours en français contemporain. Berne : Peter Lang, 1985. p. 127-133.), vamos nos basear nas contribuições de Vogt (2015VOGT, C. Indicações para uma análise semântico-argumentativa das conjunções porque, pois e já que. In: VOGT, C. Linguagem, pragmática & ideologia. Campinas: Editora Unicamp, Hucitec Editora, 2015[1976]. p. 41-60.[1976]), Guimarães (2007GUIMARÃES, E. Texto e argumentação: um estudo de conjunções do português. São Paulo: Pontes, 2007[1987].[1987]) e Neves (1999NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496., 2000, 2014) para obter uma primeira (e provisória) aproximação nesse sentido. Nas construções causais com porque, o conector introduz informação nova ou remática (PAIVA, 1995PAIVA, M. C. Cláusulas causais: iconicidade e funcionalidade. Cadernos de Estudos Linguísticos, v. 28, p. 59-68, 1995., NEVES, 1999NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496.) e caracteriza-se pela falta de especificidade semântica (NEVES, 2014). Por isso, mesmo que a informação que introduz já tenha sido enunciada antes, ela não é apresentada como tal pelo produtor do texto e, na ausência de indicação contrária, é por este assumida. Para que a informação introduzida por porque seja apresentada como já enunciada e atribuível ao interlocutor ou a um terceiro, o conector precisa ser acompanhado de especificadores ou modificadores, como em (07) e (08).

(7) Juliette não pode sair, exatamente porque está doente.

(8) Juliette não pode sair, porque como você sabe/disse está doente.

A inversão das sentenças, com a colocação da sentença causal na posição de tópico, também favorece a interpretação de que a informação que traz já foi enunciada e é conhecida dos interlocutores (NEVES, 1999NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496.), como evidencia a sentença (09). Porém, nesse caso essa interpretação é favorecida pela mudança na ordem das sentenças ou pela colocação da sentença causal na posição de tópico e não pelo conector porque.

(9) Porque Juliette está doente, ela não pode sair.

Nas construções causais com pois, a “novidade” da informação introduzida pelo conector parece ser ainda mais acentuada do que a da introduzida por porque (10). Isso se deve à natureza explicativa da informação que introduz, impossibilitando tanto a inversão das sentenças articuladas por pois (11), quanto a combinação do conector com um especificador como exatamente (12).

(10) Juliette não pode sair, pois está doente.

(11) * Pois Juliette está doente, ela não pode sair.

(12) * Juliette não pode sair, exatamente pois está doente.

Dos conectores considerados parece que apenas já que é capaz de permitir a interpretação de que a informação que introduz já foi enunciada e pode ser atribuída a outra fonte (13).

(13) Juliette não pode sair, já que está doente.

Isso pode se explicar pelo fato de que, como apontado por Vogt (2015VOGT, C. Indicações para uma análise semântico-argumentativa das conjunções porque, pois e já que. In: VOGT, C. Linguagem, pragmática & ideologia. Campinas: Editora Unicamp, Hucitec Editora, 2015[1976]. p. 41-60.[1976], p. 59), a informação introduzida por já que “é apresentada como uma evidência tal que, se o ouvinte a admite, ele será forçado a admitir p”, sendo p a informação que antecede o conector. Uma das razões para o locutor optar por já que, apresentando como evidente a informação que o conector introduz, é o fato de ela já ser do conhecimento dos interlocutores, por ter sido previamente enunciada pelo próprio locutor, pelo interlocutor ou por um terceiro. Como nas construções com porque, a inversão das sentenças, que já que autoriza (VOGT, 2015VOGT, C. Indicações para uma análise semântico-argumentativa das conjunções porque, pois e já que. In: VOGT, C. Linguagem, pragmática & ideologia. Campinas: Editora Unicamp, Hucitec Editora, 2015[1976]. p. 41-60.[1976]), reforça essa interpretação (14).

(14) Já que Juliette está doente, ela não pode sair.

4 PROPRIEDADES DO CONECTOR PORQUE: UMA SÍNTESE DAS PERSPECTIVAS COGNITIVO-FUNCIONAL E DISCURSO-INTERACIONAL

Como exposto no início do item anterior, o estudo da relação de causalidade pode se beneficiar da aproximação de abordagens cognitivo-funcionais e discursivo-interacionais, tal como apresentadas nos itens anteriores. É por meio de uma tal aproximação que podemos neste momento extrair algumas propriedades centrais do conector porque:

  • a) Dada sua falta de especificidade semântica, atua na sinalização de relações de conteúdo, relações epistêmicas e relações em que a construção causal justifica a realização de um ato de fala;

  • b) É sobretudo neutro quanto ao grau de compartilhamento prévio pelos interlocutores da informação que introduz, podendo introduzir informação supostamente conhecida ou desconhecida do interlocutor;

  • c) Implica uma estruturação retroativa do discurso, por sinalizar a introdução de um constituinte subordinado e que funciona como argumento para o constituinte principal, geralmente posicionado à esquerda do conector;

  • d) Na ausência de indicação contrária (uso de modificadores ou especificadores), não apresenta a informação que introduz como já tendo sido enunciada e indica que o responsável pela informação que introduz é o próprio locutor.

As propriedades elencadas nos guiarão no estudo do corpus desta pesquisa, formado pelas ocorrências de porque presentes no último debate eleitoral ocorrido na campanha presidencial de 2018. Antes de apresentarmos as análises, apresentaremos os procedimentos metodológicos adotados em sua realização.

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Como informado, o corpus desta pesquisa se constitui das ocorrências de porque constantes do último debate eleitoral do primeiro turno da campanha presidencial de 2018. Desse debate, promovido pela Rede Globo em 04 de outubro de 2018, participaram os então candidatos Alvaro Dias (Podemos), Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (Psol), Henrique Meirelles (MDB) e Marina Silva (Rede), além do moderador, jornalista William Bonner. Considerando a impossibilidade de acesso ao debate in loco, baseamo-nos na filmagem disponível no site do veículo de comunicação que o promoveu3 3 Disponível em: http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/transcricao-debate-presidencial-2-turno.html. . É importante esclarecer que, ainda que a filmagem não tenha sido realizada para fins de pesquisa, ela constitui um documento pertinente para um estudo que, como o nosso, focaliza a construção das intervenções dos candidatos, especificamente as relações de causalidade sinalizadas pelo porque, não levando em conta, por exemplo, as ações não verbais, apenas parcialmente captadas na transmissão.

Quanto à análise das relações de causalidade sinalizadas pelo conector porque, ela foi feita em algumas etapas. A etapa inicial consistiu na coleta e transcrição do debate. A transcrição baseou-se na que está disponível no site onde coletamos a filmagem. A fim de obtermos uma transcrição que, de fato, correspondesse à interação efetivamente desenvolvida pelos candidatos, a transcrição disponível no site do veículo produtor do debate foi revisada, a partir da audição do debate completo. Nessa transcrição, foram utilizadas as convenções de transcrição propostas no âmbito da abordagem genebrina para o estudo do discurso4 4 Agradecemos a revisão da transcrição de Paloma Bernardino Braga, mestre pelo Programa de Estudos Linguísticos da UFMG. A transcrição se baseou nestas convenções: / - \ (contorno melódico continuativo ascendente, plano ou descendente), // = \\ (contorno melódico conclusivo ascendente, plano ou descendente), . .. (pausa mais ou menos longa), : :: (alongamento mais ou menos acentuado), sublinhado (recobrimento de fala), [ ] comentário, risos, mudança de elocução ou de amplitude, ( ) palavra com compreensão é incerta, (X) sílaba incompreensível (ROULET et al., 2001, p. 407). .

Em seguida, realizamos o levantamento de todos os itens sinalizadores da relação de causa e efeito presentes no debate, localizando tanto os introdutores de causa, quanto os introdutores de efeito ou conclusão. Nossa busca guiou-se pelas listas de itens propostas por Neves (2000NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP, 2000., 2018) e Castilho (2010CASTILHO, A. T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.). No Quadro 1, apresentamos os itens que nessas gramáticas são apresentados como introdutores de causa e introdutores de conclusão. Na coluna dos causais, todos são conjunções. Já na coluna dos conclusivos, todos são advérbios5 5 Esses advérbios são denominados “advérbios juntivos indicando conclusão” (Neves, 2000) e “advérbios de junção conclusivos” (NEVES, 2018). , com exceção da conjunção “por isso que”.

Quadro 1
Itens introdutores de causa e conclusão

O levantamento de todos os itens presentes no corpus permitiu identificar o sinalizador de causalidade mais produtivo no debate. Como já atestado por estudos que investigaram outros corpora, orais e escritos (NEVES, 1999NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496., ABDON, 2005ABDON, I. N. S. Instanciação e interpretação das relações causais em função do gênero de texto. In: SARAIVA, M. E. F.; MARINHO, J. H. C. (Org.). Estudos da língua em uso: relações inter e intra-sentenciais. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos da Língua em Uso (NELU)/Faculdade de Letras da UFMG, 2005. p. 29-48.), o porque foi o item que exibiu um número maior de ocorrências (Gráfico 1, mais adiante).

Os resultados dessa etapa, atestando a produtividade de porque, justificaram a focalização das etapas posteriores do estudo apenas nessa conjunção. A etapa seguinte do estudo consistiu na verificação da distribuição das ocorrências desse item pelos locutores, como evidencia o Gráfico 2.

As duas etapas finais do nosso estudo abordaram as funções que as relações de causalidade sinalizadas por porque exercem, focalizando, em especial, a distribuição das ocorrências do conector pelos domínios definidos por Sweetser (1990SWEETSER, E.; DANCYGIER, B. Semantic overlap and space-blending. Proceedings of Sixth International Cognitive Linguistics Conference. 1990.), bem como o papel do conector na atribuição de responsabilidade enunciativa pela informação que introduz. Para verificar o domínio a que pertence cada ocorrência de porque identificada no corpus, utilizamos o teste da paráfrase proposto por Sanders (1997SANDERS, T. Semantic and pragmatic sources of coherence: On the categorization of coherence relations in context. Discourse Processes, v. 24, p. 119-147, 1997., p. 126). Conforme o autor, quando a relação de causa e efeito pertence ao domínio do conteúdo (relação semântica), o segmento pode ser parafraseado como (15). Quando a relação pertence seja ao domínio epistêmico, seja ao dos atos de fala (relações pragmáticas), o segmento pode ser parafraseado por (16). Para desambiguizar segmentos que pareciam pertencer, ao mesmo tempo, aos domínios epistêmico e dos atos de fala, propusemos uma paráfrase suplementar que evidencia que o segmento pertence ao domínio epistêmico (17).

Gráfico 1
Ocorrência de itens no corpus

Gráfico 2
Distribuição das ocorrências de porque por locutores

(15) O fato de que Q causa o fato de que P.

(16) O fato de que Q causa a afirmação/o aviso/a conclusão do F de que P.

(17) O fato de que Q leva F a crer/julgar que P.

Uma vez que nosso objetivo é revelar que, no debate analisado, a multifuncionalidade do conector porque está a serviço da busca do candidato que o utiliza por convencer o eleitorado de que ele é merecedor de sua confiança, o próximo item dedica-se à apresentação e discussão dessas etapas finais. Nesse item, identificamos, inicialmente, as funções do conector porque no total das ocorrências. Em seguida, analisamos as funções desse item na fala dos participantes do debate.

6 AS FUNÇÕES DO CONECTOR PORQUE EM DEBATE ELEITORAL

O estudo das funções do total de ocorrências de porque no debate revelou o predomínio de relações de causalidade pertencentes ao domínio que, baseados em Sanders (1997SANDERS, T. Semantic and pragmatic sources of coherence: On the categorization of coherence relations in context. Discourse Processes, v. 24, p. 119-147, 1997.), podemos chamar de pragmático e que reúne os (sub)domínios epistêmico e dos atos de fala. Como exposto no Gráfico 3, das 89 ocorrências do conector, 66 (74%) pertencem a esses dois domínios (31 (35%) ao domínio epistêmico e 35 (39%) ao domínio dos atos de fala) e 23 (26%) pertencem ao domínio de conteúdo.

Gráfico 3
Distribuição das ocorrências de porque por domínios

Esse resultado evidencia a influência do gênero sobre a instanciação maior ou menor de relações pertencentes a determinados domínios, corroborando os resultados das pesquisas de Sanders (1997SANDERS, T. Semantic and pragmatic sources of coherence: On the categorization of coherence relations in context. Discourse Processes, v. 24, p. 119-147, 1997.) e Abdon (2005ABDON, I. N. S. Instanciação e interpretação das relações causais em função do gênero de texto. In: SARAIVA, M. E. F.; MARINHO, J. H. C. (Org.). Estudos da língua em uso: relações inter e intra-sentenciais. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos da Língua em Uso (NELU)/Faculdade de Letras da UFMG, 2005. p. 29-48.). O debate eleitoral é um gênero cuja finalidade é não só a apresentação pelos candidatos de suas propostas de governo, mas também (ou sobretudo) a defesa pelo candidato de que suas propostas e opiniões são ética e socialmente superiores às do(s) adversário(s), para, com isso, construir para si uma imagem pública oposta àquela construída pelo(s) adversário(s) (BLAS-ARROYO, 2003BLAS-ARROYO, J. L. “Perdóneme que se lo diga, pero vulve usted a faltar a la verdade, señor Gonzáles”: form and function of politic verbal behavior in face-to-face Spanish political debates. Discourse & Society, v. 14, n. 4, p. 395-423, 2003., SILVA, 2013SILVA, L. A. Descortesia e (des)construção da imagem pública. In: D. PRETI; M. Q. LEITE (Ed.). Comunicação na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2013. p. 93-120., KERBRAT-ORECCHIONI, 2017KERBRAT-ORECCHIONI, C. Les débats de l’entre-deux-tours des élections présidentielles françaises: constantes et évolutions d’un genre. Paris : L’Harmattan, 2017., CUNHA, 2019CUNHA, G. X.; BRAGA, P. B.; BRITO, D. M. As funções figurativas do comentário metadiscursivo em debates eleitorais. Cadernos de Linguagem e Sociedade, v. 20, n. 2, p. 168-187, 2019., CUNHA; BRAGA, 2018, CUNHA et al., 2019). Além disso, esse é um gênero

cujos interactantes centrais (os candidatos) buscam se apresentar como representantes de parcelas da população que, se não são necessariamente antagônicas, não compartilham o mesmo conjunto de valores e opiniões. Por isso, no debate, a discussão e o confronto de ideias e propostas não têm como finalidade o alcance de consenso ou acordo (CUNHA et al., 2019CUNHA, G. X.; BRAGA, P. B.; BRITO, D. M. As funções figurativas do comentário metadiscursivo em debates eleitorais. Cadernos de Linguagem e Sociedade, v. 20, n. 2, p. 168-187, 2019., p. 172).

É essa natureza agonal do debate que faz Doury e Kerbrat-Orecchioni (2011DOURY, M. ; KERBRAT-ORECCHIONI, C. La place de l’accord dans l’argumentation polémique: les cas du débat Sarkozy/Royal (2007). A contrario, v. 16, n. 2, p. 63-87. 2011., p. 65) observarem que esse gênero “se caracteriza por um tipo de inversão da norma usual, o acordo sendo ‘marcado’ em relação ao desacordo”. Como não poderia deixar de ser, a manutenção do desacordo ao longo do debate tem impacto sobre a seleção e o uso pelos candidatos dos recursos linguísticos, como revela, no nosso corpus, o predomínio de relações de causalidade sinalizadas por porque pertencentes aos domínios epistêmico e dos atos de fala.

Por meio das ocorrências que pertencem ao domínio epistêmico, os candidatos empregam a sentença introduzida por porque para sustentar (explicar) uma crença ou um julgamento expresso no constituinte principal. Mais especificamente, nos casos aqui analisados, essa sentença com porque serve para sustentar a opinião do candidato sobre o que constitui um bom governo (18); justificar por que o presidente da República deve agir de determinada forma (19) ou apresentar determinada característica (20); explicar por que certas ações devem ser realizadas pelo candidato que for eleito (21); explicar a percepção do candidato sobre necessidades do país ou do que ele precisa (22); sustentar a crítica a adversários (23); sustentar a opinião sobre um problema atual (24, 25).

(18) a outra coisa que se deve fazer é ter uma boa equipe/ porque não existe salvadores da pátria\ (Marina Silva)

(19) nós temos que trabalhar com seriedade porque o Brasil precisa melhorar a sua vida\ precisa crescer/ precisa trabalhar com justiça social sim/ (Henrique Meirelles)

(20) eu sou um candidato da minha história\ e não tenho nenhum processo porque o meu foco é a competência\\ (Henrique Meirelles)

(21) esse dinheiro que hoje vai pra universidade privada tem que ir para as públicas\ inclusive fazer uma auditoria porque ele tem uma verdadeira caixa-preta aí dos grandes grupos de ensino privados educacionais\\ (Guilherme Boulos)

(22) o que o Brasil precisa agora é de confiança porque confiança traz crescimento traz emprego traz renda\ (Henrique Meirelles)

(23) olha Meirelles/ primeiro de fato você falar em trabalho me parece algo muito estranho porque você é um banqueiro/ banqueiro não trabalha\ (Guilherme Boulos)

(24) e há um drama grave/ porque com treze milhões e setecentas mil pessoas desempregadas/ e com três milhões e duzentas e vinte mil pessoas na informalidade\ é preciso garantir que as crianças estejam protegidas alimentadas pra que a mulher brasileira vá à luta\ (Ciro Gomes)

(25) Ciro/ tramitou e tramita ainda no congresso nacional uma proposta de reforma da previdência que na minha opinião é nefasta para o país porque ela não diferencia os brasileiros\ (Fernando Haddad)

Nesses casos, a informação introduzida pelo conector constitui, do ponto de vista do locutor, uma evidência, o que torna a crença ou opinião enunciada à esquerda do porque menos vulnerável a questionamentos, já que é apresentada como um conteúdo pouco fundamentado na subjetividade do locutor. Como resultado, essa informação ou crença passa a obter um valor de verdade, sendo expressa de forma que a audiência potencialmente a reconheça como tal. É o que bem exemplifica o excerto (23), em que Boulos sustenta sua crítica a Meirelles informando a profissão do interlocutor (“você é um banqueiro”) e acrescentando a essa informação o comentário de que “banqueiro não trabalha”. Não por acaso, em algumas ocorrências pertencentes ao domínio epistêmico, sustenta-se com números a opinião sobre um problema, como no excerto (24), em que o candidato defende a gravidade do drama (“há um drama grave”) por meio de dados quantitativos.

No que concerne às relações de causalidade pertencentes ao domínio dos atos de fala, verificou-se que, no debate, os candidatos empregaram sentenças introduzidas por porque para justificar a realização de uma gama bastante variada de atos de fala diretos e indiretos, como: ordens ou pedidos diretos (26, 27) ordens ou pedidos indiretos (28), elogios indiretos (29), autoelogios (30), ameaças (31), promessas (32), perguntas diretas (33) e confissões (34).

(26) as palavras da Marina são muito sábias e o brasileiro/ que tá nos ouvindo que não decidiu ainda ou que admite mudar o seu voto/ deve ouvi-las/ porque eu as repetirei ao longo desse debate\\ o Brasil tem problemas que nós precisamos ajuizar// (Ciro Gomes)

(27) você tem que decidir porque você tem esperança em um Brasil que seja justo\ (7) em um Brasil que não feche as portas para o seu futuro/ (Marina Silva)

(28) mas o quinto [procedimento/reforma] para reduzir Custo Brasil é não eleger nem o PT nem o Bolsonaro porque nenhum dos dois vai resolver a crise\ (Geraldo Alckmin)

(29) meu caro Meirelles/ essa é uma pergunta muito importante porque talvez seja a hora mais grave do brasileiro/ (Ciro Gomes)

(30) mas eu tenho absoluta tranquilidade pra lidar com o tema de uso de cargos e de corrupção e de tudo aquilo que preocupa hoje fortemente os brasileiros\\ porque em trinta e três anos de trabalho em empresa em dez anos de serviço público eu nunca tive uma denúncia por corrupção\ não tenho nenhum processo (Henrique Meirelles)

(31) ao final do programa eu vou entregar a você a pergunta que você levará ao verdadeiro candidato do PT à presidência da república\ porque o senhor aqui é apenas o representante dele\ ele é o seu padrinho\\ (Alvaro Dias)

(32) nós vamos enquadrar os bancos/ porque os bancos estão cobrando juros extorsivos da população sobretudo do empresário/ (Fernando Haddad)

(33) qual que é a sua proposta pro ensino médio do país// porque eu sinto que o ensino médio é o que exige mais atenção por parte do poder público (Fernando Haddad)

(34) eu confesso/ Alckmin/ que às vezes eu fico constrangido em falar de propostas\ porque eu acho que os brasileiros estão enjoados de nos ouvir todos os dias com essa enxurrada de propostas sem dizer como fazer (Alvaro Dias)

Como é possível observar nos exemplos analisados (26 a 34), o uso do porque, ligado à legitimação e à justificação de atos de fala (SWEETSER; DANCYGIER, 1990SWEETSER, E.; DANCYGIER, B. Semantic overlap and space-blending. Proceedings of Sixth International Cognitive Linguistics Conference. 1990., NEVES, 2000NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP, 2000., LOPES, 2012LOPES, A. C. M. Contributos para uma análise semântico-pragmática das causais de enunciação no português europeu contemporâneo. ALFA, v. 56, n. 2, p. 451-468, 2012.), produz efeitos pragmáticos de injunção, em que os candidatos procuram justificar suas expectativas acerca do comportamento sugerido (ou imposto) ao ouvinte. A ocorrência de pedidos e de ordens também serve para incluir, na interação, a própria figura do eleitor, ao qual os candidatos remetem quando demandam seu voto, ou quando procuram determinar suas escolhas político-ideológicas (exemplos de 26 a 28). Esse tipo de injunção é realizado via supostos elogios ao rival (exemplo 29), que geram implicaturas ligadas à linguagem avaliativa sobre a índole do oponente (FETZER, 2007FETZER, A. Challenges in political interviews: An intercultural analysis. In: FETZER, A.; LAUERBACH, G. E. (Org.). Political Discourse in the Media. Amsterdam: John Benjamins. 2007. p 163-192). Essa manifestação também procura explicitar a superioridade do falante/candidato sobre seu oponente e, por conseguinte, atua como estratégia para aumentar a confiança que o eleitor deposita no candidato. Além disso, visando a alcançar seus objetivos, os candidatos introduzem, pelo uso do porque, atos de fala ligados à autopromoção (30) e à desqualificação do adversário, cuja imagem é colocada em xeque (31 e 32). O emprego do porque serve ainda para situar a argumentação em um campo intersubjetivo em que os candidatos estão licenciados a produzirem perguntas diretas (33), e a confessarem suas pretensas limitações (34), que resultam em críticas aos rivais e a seus argumentos, sendo, portanto, formas de desqualificação da imagem do outro.

Quanto às relações pertencentes ao domínio do conteúdo, lembramos que não se trata de relações de causa e efeito no mundo real, mas de relações que assim são apresentadas pelo locutor com fins comunicativos diversos (NEVES, 1999NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496., 2000). Por isso, no debate eleitoral, essas relações, bem como as anteriormente mostradas, exercem papel central na construção da argumentação dos candidatos, não devendo ser entendidas como relações neutras, sem papel na construção da argumentação. Analisaremos mais detidamente apenas duas ocorrências de relações pertencentes ao domínio do conteúdo. Em (35), o candidato apresenta a falta de confiança do investidor como a causa de sua decisão por não investir.

(35) olha só tem um caminho que é a retomada da economia/ a retomada do emprego\\ há uma crise de confiança/ o investidor não investe porque não tem confiança/ (Geraldo Alckmin)

O candidato propõe essa relação causal como parte de sua argumentação em defesa de reformas administrativas e econômicas, como explicita um pouco adiante, no mesmo turno: “e isso nós vamos ter que resolver com as reformas/ elas são necessárias\”. Assim, verifica-se que essa relação, mais do que uma relação de causa e efeito atestada no mundo real, constitui um recurso argumentativo de que o candidato se vale para defender uma proposta de governo alinhada a determinados valores político-partidários.

O mesmo fenômeno ocorre em (36), em que o locutor, fazendo uma referência implícita ao período da Ditadura no Brasil, apresenta o fato de ter havido “gente que derramou sangue pra ter democracia” como a causa de ele e os demais candidatos estarem “aqui hoje podendo discutir o futuro do Brasil”.

(36) se nós estamos aqui hoje podendo discutir o futuro do Brasil é porque teve gente que derramou sangue pra ter democracia\\ (Guilherme Boulos)

Também esse trecho constitui um recurso argumentativo que o candidato mobiliza para defender uma proposta de governo alinhada a determinados valores político-partidários e, implicitamente, criticar propostas de governo de um dos candidatos (Jair Bolsonaro, que não participou do debate). O papel argumentativo do segmento e da relação causal em que se assenta fica evidente com a afirmação que o candidato faz após esse segmento, no mesmo turno: “eu acho que nós temos que dar um grito nesse momento/ botar a bola no chão/ e dizer ditadura nunca mais\\”.

Como informado ao final do item anterior, a análise das funções das sentenças causais introduzidas por porque verificou ainda o papel dessas sentenças na fala dos participantes do debate. O resultado dessa análise encontra-se no Gráfico 4.

Gráfico 4
Distribuição das ocorrências de porque por locutores e por domínios

No Gráfico 4, são dois os resultados que mais chamam a atenção. O primeiro deles é a utilização massiva pelo moderador (William Bonner) das sentenças causais com porque para justificar a realização de atos de fala. Das 31 ocorrências de porque pertencentes ao domínio dos atos de fala, 11 (35,5%) foram produzidas por ele, que utilizou um total de 12 ocorrências do conector (Gráfico 2). Esse resultado se explica pelo próprio papel que o jornalista exerce nessa interação. Enquanto moderador, suas ações se restringem, basicamente, às de esclarecer o modo de funcionamento do debate, bem como de garantir que esse modo de funcionamento e as regras que o compõem serão respeitados pelos debatedores. É por isso que as 11 relações de causalidade que o jornalista sinaliza com porque se assemelham ao excerto (37), em que com a sentença introduzida pelo conector ele justifica a realização de um pedido indireto.

(37) agora é a vez de chamar aqui ao púlpito o candidato Alvaro Dias/ porque é ele quem vai fazer a próxima pergunta/ (William Bonner)

O outro ponto a ser mencionado, a partir dos resultados expostos no Gráfico 4, é a predominância de relações epistêmicas nas falas de dois candidatos: Henrique Meirelles e Guilherme Boulos. Na comparação com os demais, esses candidatos produziram, respectivamente, 11 (31,5%) e 9 (25,8%) do total de 35 ocorrências de porque epistêmico. Essa predominância é ainda mais expressiva quando se considera cada candidato isoladamente. Na fala de Meirelles, 11 (58%) das 19 ocorrências de porque pertencem ao domínio epistêmico. Na fala de Boulos, 9 (75%) das 12 ocorrências do conector pertencem a esse mesmo domínio6 6 Os percentuais para cada candidato considerado isoladamente não estão informados no gráfico, tendo em vista que, neste ponto do trabalho, nosso interesse principal está na comparação entre os candidatos. .

Ainda que, como visto, as sentenças com porque pertencentes ao domínio epistêmico sirvam, de modo geral, para justificar ou explicar crenças e julgamentos, elas são usadas por esses candidatos com finalidades bastantes distintas. Em Meirelles, elas lhe permitem sustentar opiniões em que se mostra como técnica e moralmente preparado para o cargo de presidente, por ser capaz de ganhar ou economizar recursos (38), ser apto a resolver o problema da segurança (39) e ser honesto/competente (40).

(38) e com isso [criação do programa “Pró-criança”] nós vamos ganhar muito recurso porque vamos usar a estrutura disponível\

(39) o Brasil precisa antes de mais nada de um sistema unificado de segurança\ porque o que tá acontecendo hoje é que muitas vezes a polícia tá andando atrás do crime organizado ou mesmo do crime comum\

(40) eu sou um candidato da minha história\ e não tenho nenhum processo porque o meu foco é a competência\\

Já na fala de Boulos, as sentenças com porque lhe permitem sustentar opiniões que o aproximam dos valores da esquerda e que denunciam os malefícios que a agenda da direita tem causado e pode causar ao país. Nesse sentido, como mostram os exemplos a seguir, ele usa as sentenças para sustentar uma opinião contrária à reforma do Ensino Médio, feita no governo Temer, que, nos termos do candidato, “tirou a filosofia tirou a sociologia/ ela é uma reforma que tira o pensamento crítico\” (41), sustentar seu desacordo em relação à fala de Meirelles, candidato identificado com os valores da direita (42), e justificar sua defesa da descriminalização das drogas (43).

(41) nós precisamos revogar essa retoma [do Ensino Médio] porque ela foi feita sem discutir com ninguém/ e mexer no currículo porque a escola não pode ser para formar os nossos jovens apenas pra fazer uma prova no fim do ano/

(42) olha Meirelles/ primeiro de fato você falar em trabalho me parece algo muito estranho porque você é um banqueiro/ banqueiro não trabalha\

(43) a questão das drogas não pode ser um tema do código penal porque isso só leva ao encarceramento em massa\

Como se vê, as relações epistêmicas, nas falas desses candidatos, servem à estratégia global que cada candidato seguiu ao longo do debate. O uso epistêmico do porque serve ainda para situar a argumentação em um campo subjetivo, alegadamente compartilhado com parcelas do eleitorado. Essa estratégia produz, assim, efeitos de aproximação, situando o eleitor no debate, uma vez que suas crenças são, supostamente, expressas nas falas dos candidatos que os representam.

Após o estudo da distribuição pelos três domínios (conteúdo, epistêmico e atos de fala) das relações de causalidade sinalizadas por porque, verificamos o papel do conector na atribuição de responsabilidade enunciativa pela informação que introduz. Do ponto de vista teórico, reafirmamos que o conector porque é neutro quanto ao grau de compartilhamento prévio pelos interlocutores da informação que introduz, podendo introduzir informação supostamente conhecida ou desconhecida do interlocutor. Caracteriza-se ainda por indicar, na ausência de indicação contrária (uso de modificadores ou especificadores), que o responsável pela informação que introduz é o próprio locutor.

As 89 ocorrências de porque do nosso corpus exibiram essas características. Nessas ocorrências, há conectores que introduzem informações claramente conhecidas do interlocutor, como no excerto (23)7 7 (23) olha Meirelles/ primeiro de fato você falar em trabalho me parece algo muito estranho porque você é um banqueiro/ banqueiro não trabalha\ (Guilherme Boulos) , em que o locutor informa a profissão do adversário. Outros excertos introduzem informações desconhecidas, como no excerto (33)8 8 (33) qual que é a sua proposta pro ensino médio do país// porque eu sinto que o ensino médio é o que exige mais atenção por parte do poder público (Fernando Haddad) , em que a opinião do candidato sobre o Ensino Médio não havia sido enunciada previamente. E outros ainda cujo grau de compartilhamento das informações pelos interlocutores é dificilmente mensurável, como no excerto (38)9 9 (38) e com isso [criação do programa “Pró-criança”] nós vamos ganhar muito recurso porque vamos usar a estrutura disponível\ (Henrique Meirelles) , em que o uso da estrutura disponível na implementação de um programa (“Pró-criança”) não havia sido mencionado pelo candidato, mas pode, no entanto, constar em seu programa de governo e ser do conhecimento de parte dos interlocutores (adversários e eleitores). Ademais, a informação introduzida pelo conector é apresentada como tendo o falante que a produz como seu responsável. É o que evidencia o último turno produzido por Haddad no excerto (44).

(44) Haddad:a quais candidatos eu posso fazer a pergunta//

Bonner:Boulos e Alvaro Dias\\

Haddad:Boulos\\

Bonner:por favor/ Guilherme Boulos do Psol\\

Haddad:Boulos/ eu te escolhi porque você é um candidato sério\\

No turno “Boulos/ eu te escolhi porque você é um candidato sério\\”, a informação expressa na sentença principal (“Boulos, eu te escolhi”) é do conhecimento de todos, uma vez que parafraseia o terceiro turno da troca, em que Haddad escolhe fazer a pergunta a Boulos. Já a informação introduzida por porque, ainda que possa ser avaliada como nova ou remática, uma vez que a causa ou o motivo para a escolha não havia sido expresso, não é apresentada explicitamente por Haddad em seu turno. Além disso, o candidato apresenta-se como o único responsável por essa informação, não sendo possível afirmar que, ao apresentar a seriedade do adversário como motivo de sua escolha, ele estaria reproduzindo o discurso do adversário ou de terceiros. Como vimos por meio da comparação dos conectores pois, porque e já que, outra seria a interpretação, se Haddad tivesse usado o conector já que (45) ou algum modificador (46) ou se tivesse iniciado o turno com a sentença causal, colocando-a na posição de tópico (47):

(45) Boulos, eu te escolhi já que você é um candidato sério.

(46) Boulos, eu te escolhi exatamente porque você é um candidato sério.

(47) Porque você é um candidato sério, Boulos, eu te escolhi.

No debate, as propriedades enunciativas das sentenças causais com porque, que não atribuem de forma explícita a origem da informação a nenhuma fonte, contribuem para tornar o argumento trazido pelo candidato menos subjetivo e, portanto, para tornar menos sujeita a objeções ou questionamentos a informação que se sustenta ou se defende na sentença principal.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O papel dos conectores no discurso não se restringe à simples conexão de informações e porções textuais. Mais do que simples juntores, os conectores, em virtude de suas propriedades sintáticas, semânticas e pragmáticas, exercem funções relevantes na argumentação. Conjugando duas perspectivas complementares para o estudo da linguagem (a cognitivo-funcional e a discursivo-interacional), este trabalho buscou evidenciar funções que as relações de causalidade sinalizadas pelo conector porque exercem no último debate eleitoral realizado na campanha presidencial de 2018, revelando que, nesse debate, a multifuncionalidade do conector porque está a serviço da busca do candidato que o utiliza por convencer o eleitorado de que ele é merecedor de sua confiança e, portanto, de seu voto.

Como demonstrado pelas análises, a natureza agonal do gênero debate faz com que, nesse gênero, a maior parte das ocorrências das sentenças causais com porque pertença aos domínios epistêmico e dos atos de fala. Nesse caso, seu papel é, em especial, o de justificar a realização de uma gama bastante variada de atos de fala, bem como o de sustentar (explicar) a crença ou julgamento expresso no constituinte principal. Essa sustentação de crenças e julgamentos, função geral própria das sentenças do domínio epistêmico, se traduz na realização de uma série de ações mais específicas, tais como sustentar a crítica a adversários, sustentar a opinião do candidato sobre o que constitui um bom governo ou justificar por que o presidente da República deve agir de determinada forma e ter determinada característica. Porém, vimos que, dada a natureza conflitiva do gênero, até as sentenças causais que pertencem ao domínio do conteúdo assumem um papel argumentativo forte na fala dos adversários.

Considerando o desempenho de cada participante da interação, a análise revelou que o papel assumido pelos participantes (adversários ou moderador) influencia o uso de sentenças causais pertencentes a um ou outro domínio. Assim, se na fala do moderador predominam as sentenças do domínio dos atos de fala, na fala dos candidatos predominam as sentenças dos outros domínios (de conteúdo e epistêmico). A análise do uso de porque por participante revelou ainda que a linha político-partidária que os candidatos adotam influencia as funções mais específicas que as sentenças exercem. Assim, ainda que nas falas de Meirelles e Boulos predominem sentenças do domínio epistêmico, seu uso serve as finalidades bastante distintas, o que se deve aos propósitos comunicativos de cada candidato, propósitos que, num debate, são influenciados pelos valores político-partidários que os guiam.

Por fim, a análise das ocorrências de porque no debate eleitoral selecionado revelou que, em todas as ocorrências, a informação introduzida pelo conector é apresentada como tendo por responsável o próprio falante. No debate, essa propriedade enunciativa das sentenças causais parece ter como fim tornar o argumento trazido pelo candidato menos subjetivo. Com isso, a informação que se defende na sentença principal torna-se menos propensa a receber objeções ou questionamentos dos adversários, além de promover efeitos argumentativos ligados ao pertencimento do candidato ao grupo que representa.

Com os resultados obtidos, fica demonstrado que as relações de causalidade sinalizadas pelo conector porque exercem papel importante na dimensão argumentativa do debate eleitoral e no modo como os adversários utilizam um recurso específico da língua para tentar alcançar seus propósitos. E, embora nosso estudo tenha analisado o uso de apenas um item da língua (a conjunção porque) e em somente um exemplar de um gênero de discurso (o debate eleitoral), fica demonstrado ainda o papel que os recursos gramaticais exercem na construção da argumentação e no alcance pelos interlocutores de seus propósitos comunicativos.

REFERÊNCIAS

  • ABDON, I. N. S. Instanciação e interpretação das relações causais em função do gênero de texto. In: SARAIVA, M. E. F.; MARINHO, J. H. C. (Org.). Estudos da língua em uso: relações inter e intra-sentenciais. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos da Língua em Uso (NELU)/Faculdade de Letras da UFMG, 2005. p. 29-48.
  • ADAM, J. M. Les textes: types et prototypes. Paris: Nathan, 1992.
  • ANSCOMBRE, J. C.; DUCROT, O. L’argumentation dans la langue. Bruxelles: Pierre Mardaga, 1983.
  • BLAKEMORE, D. Understanding utterances: an introduction to pragmatics. Oxford: Blackwell, 1992.
  • BLAS-ARROYO, J. L. “Perdóneme que se lo diga, pero vulve usted a faltar a la verdade, señor Gonzáles”: form and function of politic verbal behavior in face-to-face Spanish political debates. Discourse & Society, v. 14, n. 4, p. 395-423, 2003.
  • CASTILHO, A. T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.
  • CHATEAURAYNAUD, F.; DOURY, M. Désormais: Essai sur les fonctions argumentatives d’un marqueur de rupture temporelle. Argumentation et Analyse du Discours, v. 4, p. 1-15, 2010.
  • COUPER-KUHLEN, E.; KORTMANN, B. (Org.). Cause - Condition - Concession - Contrast: cognitive and discourse perspectives. Berlin: Mouton de Gruyter, 2000.
  • CUNHA, G. X. As relações retóricas e a negociação de faces em debate eleitoral. Confluência, v. 47, n. 1, p. 205-238, 2015.
  • CUNHA, G. X. O papel dos conectores na co-construção de imagens identitárias: o uso do mas em debates eleitorais. ALFA, v. 61, n. 3, p. 599-623, 2017a.
  • CUNHA, G. X. Conectores e processo de negociação: uma proposta discursiva para o estudo dos conectores. Fórum Linguístico, v. 14, p. 1699-1716, 2017b.
  • CUNHA, G. X. O papel do conector aliás na articulação de argumentos e na construção de imagens identitárias. CONFLUÊNCIA, v. 62, p. 122-149, 2022a.
  • CUNHA, G. X. Os conectores e seu papel na construção de imagens identitárias: uma perspectiva pragmática. ESTUDOS LINGUÍSTICOS, v. 51, p. 122-146, 2022b.
  • CUNHA, G. X.; BRAGA, P. B. Definindo o comentário metadiscursivo em uma perspectiva interacionista da Análise do Discurso. SCRIPTA, v. 22, p. 171-188, 2018.
  • CUNHA, G. X.; MARINHO, J. H. C. A expressão conectiva na verdade: contribuições para uma abordagem polifônica dos conectores reformulativos. Signo, v. 42, p. 53-64, 2017.
  • CUNHA, G. X.; BRAGA, P. B.; BRITO, D. M. As funções figurativas do comentário metadiscursivo em debates eleitorais. Cadernos de Linguagem e Sociedade, v. 20, n. 2, p. 168-187, 2019.
  • DANCYGIER, B.; SWEETSER, E. Constructions with if, since, and because: Causality, epistemic stance, and clause order. Topics in English Linguistics, v. 33, p. 111-142, 2000.
  • DEGAND, L.; PANDER MAAT, H. A contrastive study of Dutch and French causal connectives on the Speaker Involvement Scale. In: VERHAGEN, A.; van de WEIJER, J. (Org.). Usage-based approaches to Dutch: Lexicon, grammar, discourse. Utrecht: LOT. 2003. p. 175-200.
  • DOURY, M. ; KERBRAT-ORECCHIONI, C. La place de l’accord dans l’argumentation polémique: les cas du débat Sarkozy/Royal (2007). A contrario, v. 16, n. 2, p. 63-87. 2011.
  • DUCROT, O., BOURCIER, D., BRUXELLES, S., DILLER, A. M., FOUQUIER, E., GOUAZE, J., ... SIRDAR-ISKANDAR, C. Les mots du discours. Paris : Minuit, 1980.
  • FETZER, A. Challenges in political interviews: An intercultural analysis. In: FETZER, A.; LAUERBACH, G. E. (Org.). Political Discourse in the Media. Amsterdam: John Benjamins. 2007. p 163-192
  • GUIMARÃES, E. Texto e argumentação: um estudo de conjunções do português. São Paulo: Pontes, 2007[1987].
  • ILARI, R. As conjunções. In: ILARI, R.; NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do português culto falado no Brasil: classes de palavras e processos de construção. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. p. 809-864.
  • KERBRAT-ORECCHIONI, C. Les débats de l’entre-deux-tours des élections présidentielles françaises: constantes et évolutions d’un genre. Paris : L’Harmattan, 2017.
  • LOPES, A. C. M. Contributos para uma análise semântico-pragmática das causais de enunciação no português europeu contemporâneo. ALFA, v. 56, n. 2, p. 451-468, 2012.
  • MANN, W. C.; THOMPSON, S. A. Relational propositions in discourse. Discourse Processes, v. 9, n. 1, p. 57-90, 1986.
  • MANN, W.; THOMPSON, S. A. Rhetorical structure theory: toward a functional theory of text organization. Text, v. 8, n. 3, p. 243-281, 1988.
  • MANN, W.; THOMPSON, S. A. Two Views of Rhetorical Structure Theory. Verbum, v. 23, n. 1, p. 9-29, 2001.
  • MOESCHLER, J. Argumentation et conversation. Éléments pour une analyse pragmatique du discours. Paris: Hatier-Credif, 1985.
  • NEVES, M. H. M. As construções causais. In: NEVES, M. H. M. (Org.). Gramática do Português Falado, v. VII. Campinas: Editora Unicamp, 1999. p. 461-496.
  • NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
  • NEVES, M. H. M. A gramática passada a limpo: conceitos, análises e parâmetros. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
  • NEVES, M. H. M. Intersubjetividade e interlocução nas relações de causalidade: a funcionalidade dos juntivos causais na língua portuguesa. Lingüística, v. 30, n. 2, p. 113-140, 2014.
  • NEVES, M. H. M. A gramática do português revelada em textos. São Paulo: Editora Unesp, 2018.
  • PAIVA, M. C. Cláusulas causais: iconicidade e funcionalidade. Cadernos de Estudos Linguísticos, v. 28, p. 59-68, 1995.
  • PLANTIN, C. A argumentação: história, teorias, perspectivas. São Paulo: Parábola, 2008.
  • PLANTIN, C. Dictionnaire de l’argumentation. Une introduction aux études d’argumentation. Lyon : ENS Éditions, 2016.
  • ROULET, E. De La nécessité de distinguer des relations de discours sémantiques, textuelles et praxéologiques. In: ANDERSEN, H. L.; H. NØLKE (Org.). Macro-syntaxe et macro-sémantique. Berne: Peter Lang. 2002. p. 134-157.
  • ROULET, E. The description of text relation markers in the Geneva model of discourse organization. In: FISCHER, K. (Ed.). Approaches to Discourse Particles. Amsterdam: Elsevier. 2006. p. 115-131.
  • ROULET, E. Propriétés pragmatiques des connecteurs argumentatifs. In : E. ROULET, A. AUCHLIN, J. MOESCHLER, C. RUBATTEL, M. SCHELLING. L'articulation du discours en français contemporain. Berne : Peter Lang, 1985. p. 127-133.
  • ROULET, E.; FILLIETTAZ, L.; GROBET, A. Un modèle et un instrument d'analyse de l'organisation du discours. Berne: Lang, 2001.
  • SANDERS, T. Semantic and pragmatic sources of coherence: On the categorization of coherence relations in context. Discourse Processes, v. 24, p. 119-147, 1997.
  • SANDERS, T.; SWEETSER, E.. Introduction: causality in language and cognition - what causal connectives and causal verbs reveal about the way we think. In: T. SANDERS; E. SWEETSER (Ed.). Causal categories in discourse and cognition. Berlin: Mouton de Gruyter, 2009. p. 1-18.
  • SANDERS, J.; SANDERS, T.; SWEETSER, E. Responsible subjects and discourse causality. How mental spaces and perspective help identifying subjectivity in Dutch backward causal connectives. Journal of Pragmatics, v. 44, n. 2, p. 191-213, 2012.
  • SCHELLING, M. Propriétés pragmatiques des connecteurs consécutifs. In E. ROULET, A. AUCHLIN, J. MOESCHLER, C. RUBATTEL, M. SCHELLING. L'articulation du discours en français contemporain. Berne : Peter Lang, 1985. p. 145-154.
  • SILVA, L. A. Descortesia e (des)construção da imagem pública. In: D. PRETI; M. Q. LEITE (Ed.). Comunicação na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2013. p. 93-120.
  • SWEETSER, E. From Etymology to Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
  • SWEETSER, E.; DANCYGIER, B. Semantic overlap and space-blending. Proceedings of Sixth International Cognitive Linguistics Conference. 1990.
  • TRAUGOTT, E. C. (Inter)subjectivity and (inter)subjectification: a reassessment. In: K. DAVIDSE, L. VANDELANOTTE; H. CUYCKENS (Ed.). Subjectification, intersubjectification and grammaticalization. Berlin, Walter de Gruyter, 2010. p. 29-71.
  • TRAUGOTT, E. C.; KÖNIG, E. The semantic-pragmatics of grammaticalization revisited. In: E. C. TRAUGOTT; B. HEINE (Ed.). Approaches do grammaticalization: Focus on theoretical and methodological issues. Amsterdã: John Benjamins, 1991. p. 189-218.
  • VIGNAUX, G. L’argumentation: essai d’une logique discursive. Genebra: Librairie Droz, 1976.
  • VOGT, C. Indicações para uma análise semântico-argumentativa das conjunções porque, pois e já que. In: VOGT, C. Linguagem, pragmática & ideologia. Campinas: Editora Unicamp, Hucitec Editora, 2015[1976]. p. 41-60.
  • 1
    Como não há uma correspondência estrita entre car, parce que e puisque e pois, porque e já que, optamos, nesta parte do trabalho, por manter na tradução dos exemplos para o português os conectores do francês estudados por Roulet (1985).
  • 2
    De modo semelhante, Degand e Pander Maat (2003), partindo da proposta de Sweetser (1990), propõem que o estudo das relações causais e de seus conectores se faça por meio de uma escala de envolvimento do falante (Speaker Involvement Scale) na qual o grau de responsabilização do locutor pela informação vai de um envolvimento mínimo - causalidade não-volicional (domínio do conteúdo) - até um envolvimento máximo - causalidade volicional envolvendo suposições e ações do locutor (domínios epistêmico e dos atos de fala) (DEGAND; PANDER MAAT, 2003).
  • 3
    Disponível em: http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/transcricao-debate-presidencial-2-turno.html.
  • 4
    Agradecemos a revisão da transcrição de Paloma Bernardino Braga, mestre pelo Programa de Estudos Linguísticos da UFMG. A transcrição se baseou nestas convenções: / - \ (contorno melódico continuativo ascendente, plano ou descendente), // = \\ (contorno melódico conclusivo ascendente, plano ou descendente), . .. (pausa mais ou menos longa), : :: (alongamento mais ou menos acentuado), sublinhado (recobrimento de fala), [ ] comentário, risos, mudança de elocução ou de amplitude, ( ) palavra com compreensão é incerta, (X) sílaba incompreensível (ROULET et al., 2001, p. 407).
  • 5
    Esses advérbios são denominados “advérbios juntivos indicando conclusão” (Neves, 2000) e “advérbios de junção conclusivos” (NEVES, 2018).
  • 6
    Os percentuais para cada candidato considerado isoladamente não estão informados no gráfico, tendo em vista que, neste ponto do trabalho, nosso interesse principal está na comparação entre os candidatos.
  • 7
    (23) olha Meirelles/ primeiro de fato você falar em trabalho me parece algo muito estranho porque você é um banqueiro/ banqueiro não trabalha\ (Guilherme Boulos)
  • 8
    (33) qual que é a sua proposta pro ensino médio do país// porque eu sinto que o ensino médio é o que exige mais atenção por parte do poder público (Fernando Haddad)
  • 9
    (38) e com isso [criação do programa “Pró-criança”] nós vamos ganhar muito recurso porque vamos usar a estrutura disponível\ (Henrique Meirelles)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2020
  • Aceito
    20 Jul 2022
Universidade do Sul de Santa Catarina Av. José Acácio Moreira, 787 - Caixa Postal 370, Dehon - 88704.900 - Tubarão-SC- Brasil, Tel: (55 48) 3621-3369, Fax: (55 48) 3621-3036 - Tubarão - SC - Brazil
E-mail: lemd@unisul.br