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Relações entre gênero, nível de atividade física e etilismo: estudo a partir de universitários de medicina

Association between gender, level of physical activity and alcohol consumption: a study of medical students

Resumo

Objetivos:

configura-se como objetivo do presente artigo identificar os níveis de atividade física (NAF) e a referência a etitismo entre alunos de Medicina. para explorar tais relações segundo gênero.

Métodos:

trata-se de estudo transversal seriado, considerando os dados referentes 288 calouros (144 do sexo masculino e 144 do sexo feminino) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo, coletados através de anamnese específica durante três anos consecutivos. Para classificar o NAF, adotou-se o seguinte critério: nível 1: fisicamente inativo; nível 2: ativo irregular e nível 3: ativo regular. No plano analítico, comparações entre proporções foram processadas pela estatística qui-quadrado e interpretadas ao nível de 5% de significância, procedendo-se o cálculo de "odds ratio" (DR) com respectivos intervalos de confiança.

Resultados:

os principais resultados apontaram que: a) NAF é estatisticamente maior entre o sexo masculino; b) não existe diferença significativa entre gêneros em relação ao etilismo; c) o sexo feminino com NAF 3 apresentou 2,03 mais chance de consumir bebidas alcóolicas do que as do NAF 1, ao passo que, para os rapazes de mesmo NAF, o DR foi de 1,07 e d) NAF 2 expressou-se como fator de proteção para etilismo, em ambos os sexos.

Conclusões:

vale destacar, neste estudo, a dupla vulnerabilidade do sexo feminino: as mulheres apresentaram NAF menor do que os homens; entretanto as ativas consumiram mais álcool do que as fisicamente inativas.

Palavras-chave
Consumo de bebidas alcoólicas; Exercício físico; Estudantes de medicina; Sexo

Abstract

Objectives:

this study aims to identify levels of physical activity (LPA) and their association to alcohol consumption in a university population, as well as explore their association to gender.

Methods:

data about 288 first-year medical students (144 female and 144 male) from Universidade Estadual de Campinas ( UNICAMP), São Paulo, have been collected for three consecutive years in a serial transversal study. Criteria for classifying LPA are as follows: LPA 1 - sedentary; LPA2 - irregularly active and LPA3 - regularly active. Analysis included comparisons ofproportions according to the x2 test at 5% level with respective "odds ratio " (DR) and confidence intervals.

Results:

main results show th.at: a) LPA is statistically higher for boys; b) there was no significant difference in alcohol consumption according to gender; c) LPA 3 females showed 2,03 more chance for consuming alcohol than LPA1 females, white DR for boys in the same LPA was 1,07 and d) LPA 2 was a factor ofprotection from alcohol consumption in both genders.

Conclusions:

females are doubly vulnerable: they have lower LPAs than men, white the more physically active consumed more alcohol than the sendentary.

Key words
Alcohol drinking; Exercise; Students; medical; Sex

Introdução

No âmbito da Saúde Coletiva/Atividade Física (SCAF), a literatura corrente tem revelado que o sexo feminino apresenta especificidades morfofisiológicas, quando comparado ao masculino, destacadamente: a) menor volume sangüíneo e tamanho dos eritrócitos; b) capacidade de transporte de oxigênio mais baixa; c) freqüência cardíaca de repouso e submáxima mais elevadas; d) menor quantidade de massa muscular e densidade mineral óssea e e) maior percentual de gordura absoluta.11 Pollock ML, Gaesser GA, Butcher JD, Després JP, Dishman RK, Frankilin BA, Garber CE. The recommend quantity and qua lity of exercise for developing and maintaining cardlorepiratory and muscular fitness, and flexibility in healthy adults. Med Sci Sports Exerc 1998; 30:971-5. Entretanto, questões para além do biológico, caracterizadas pelo aumento das taxas de 'participação da mulher no mercado de trabalho e pela queda dos índices de fecundidade,22 Giffin K. Esfera de reprodução em uma visão masculina: considerações sobre a articulação da produção e reprodução de classe e de gênero. Physis 1994; 4:20-5 . parecem também ser importantes no entendimento das relações entre gênero e SCAF.

Igualmente interessante, revela-se a relação entre hábitos prejudiciais à saúde e atividade física (AF), como pode ser observada a partir do estudo de Butler,33 Butler J. Sport et santé: pour le meilleur et sans le pire. Cinésiologie 1992; 31 :238-42. que ao estudar o comportamento de estudantes atletas e de não-esportistas de sua universidade, apurou que os primeiros apresentavam comportamento de alto risco significativamente maior que os inativos fisicamente, em relação a: a) consumo médio de álcool; b) condução de automóveis sob influência de álcool ou outras drogas; c) direção automotiva sem habilitação; d) não utilização de cinto de segurança no carro, ou capacete em moto; e) ausência do uso de contraceptivos; f) freqüência de doenças sexualmente transmissíveis e g) número maior de parceiros sexuais.

Articulando interações entre comportamentos de risco, AF e gênero, em estudo com adolescentes na faixa etária de 12 a 16 anos, observouse que os meninos com nível de AF alto e médio apresentaram consumo de álcool significantemente superior aos de baixa atividade.44 Aaron DJ, Dearwater SR, Anderson R, Olsen T, Kriska AM, Lapórte RE. Physical activity and the initiation of high-risk health behaviors in adolescents. Med Sci Sports Exerc 1995; 27:1639-45. Em relação às meninas, as altamente ativas fisicamente fumavam significativamente mais do que as de média e baixa atividade.

Tais evidências também se expressaram em investigação exploratória entre calouros de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo, mostrando que os rapazes eram mais ativos fisicamente do que as meninas e estas, quando ativas, apresentavam risco quase sete vezes maior de consumir álcool do que as sedentárias.55 Gonçalves A, Conte M, Pires GL, Oliveira PR. A saúde da geração saúde: pesquisa e ensino sobre as capacidades físicas de calouros da FCM/UN/CAMP. Rev Bras Ativ Fis Saúde 1997; 1:45-72.

Neste sentido, a partir da oportunidade de adicionar novos dados aos disponíveis dos universitários do ano de 1997, configurou-se como objetivo do presente estudo, identificar os níveis de atividade física (NAF) e a referência a etilismo, durante três anos consecutivos, de recém-ingressos ao curso de medicina, e explorar as associações de tais variáveis segundo sexo.

Métodos

A População de estudo foi constituída de 288 calouros da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da UNICAMP (144 rapazes e 144 moças), freqüentes à Disciplina Educação Física Desportiva, com média de idade e desvio-padrão de 18,54 ± 1,21 anos (sexo masculino) e 18,46 ± 1,00 anos (feminino). A investigação caracterizou-se como transversal seriada,66 Pereira MG. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995. com dados referidos sobre o NAF e etilismo coletados durante três anos consecutivos ao início de cada semestre letivo através de anamnese específica. As variáveis de interesse foram consideradas como: a) NAF (independente); b) etilismo (dependente) e c) gênero (interação).

De acordo com critério adaptado,77 Caspersen CJ, Merritt RK. Physical activity trends among 26 states, 1986-1990. Med Sci Sports Exerc 1995; 27:713-20. o NAF foi classificado em: nível 1: Fisicamente inativo (sem tempo definido dedicado a atividade física); nível 2: Ativo irregular (atividade por menos que 3 vezes semanais e/ou com tempo inferior a 20 minutos por sessão) e nível 3: Ativo regular (3 vezes ou mais por semana, com tempo igual ou superior a 20 minutos por sessão).

No plano analítico, as comparações das proporções entre NAF e gênero e etilismo com gênero foram calculadas pela estatística qui-quadrado.88 Gonçalves A. Os testes de hipóteses como instrumental de validação e interpretação. In: Marconi MA, Lakatos EM. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas; 1982. p. 171-81 . Procedeu-se, também, a análise de contingência, considerando NAF e etilismo, de sorte que "odds ratio" (OR) com respectivos intervalos de confiança foram processados pela relação da distribuição diferencial de etilistas, de ambos os sexos, com diferentes níveis de atividade física.

Resultados

Os principais resultados apontam para NAF significantemente maior no sexo masculino (p<0,05) e inexistência de diferença estatisticamente significativa entre gêneros em relação ao etilismo (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuições de freqüência dos a lunos quanto à referência de nível de atividade física e etilismo segundo sexo.

Por outro lado, o sexo feminino com NAF 3 apresentou 2,03 mais chance de consumir bebidas alcóolicas do que as sedentárias, ao passo que, para os rapazes de mesmo NAF, o OR foi de 1,07. Ainda, o NAF 2 expressou-se como fator de proteção para etilismo, em ambos os sexos (Tabela 2).

Tabela 2
Odds Ratio (O R), com respectivos interva los de confiança (IC), de referência a etilismo entre a lunos de ambos os sexos com diferentes níveis de atividade física.

Discussão

O resultado mais expressivo encontrado referese à dupla vulnerabilidade do sexo feminino na prática da atividade física, pois, se de um lado as jovens do sexo feminino são mais sedentárias que os do sexo masculino, por outro, quando ativas ingerem mais bebida alcoólica do que os do sexo masculino.

De fato, é reconhecida a existência de associação entre atividade física e etilismo, destacandose estudos: ao compararem corredores de longa distância com controles sedentários, de ambos os sexos, foi observado que os atletas ingeriam significantemente mais bebidas alcoólicas do que os fisicamente inativos;99 Gutgesell ME, Folson AR, Amett DK. Reported alcohol use and behavior in long-distance runners. Med Sci Sports Exerc 1996; 28: 1063-70. outra investigação também apontou que 78,2 % dos universitários praticantes de esporte, de determinada universidade brasileir, eram etilistas. 1010 Almeida LP. Consumo de bebidas alcoólicas entre estudantes de graduação de uma universidade brasileira. In: 42 Congresso Brasileiro de Epidemiologia; 1998 ago; Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Rio de Janeiro : Abrasco; 1998. p. 1094. Ainda, segundo estudo norteamericano o álcool é a droga mais utilizada por todos os esportistas nos EUA. Este estudo relata também que os mesmos consomem mais bebidas alcoólicas "de cada vez", quando comparados às demais pessoas.1111 Green GA, Nattiv A. Abuso e dependência: álcool e drogas de rua. In: Mellion MB. Segredos em medicina desportiva: respostas necessárias ao dia-a-dia em centros de treinamento, na clínica, em exames orais e escritos. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997. p. 183-9

Buscando entender este paradoxo, pode se considerar a AF como reconhecido fator no combate de desenvolvimento de doenças crônico-degenerativas e também na promoção de benefícios psicológicos,1212 Focht BC, Koltyn KF. Influence of resistance exercise of different intensities on state anxiety and blood pressure. Med Sci Sports Exerc 1999; 31 :456-63. contudo o "estilo de vida" ativo parece não ser suficiente para antepor-se ao processo de produção, circulação e distribuição de bens.1313 Breilh J. Deterioro de la vida. Quito: Corporacion; 1992. Destacadamente, também existem evidências plausíveis a respeito, quando foram investigadas características pessoais de mais de nove mil adolescentes norte-americanos envolvidos em programas de perda de peso corporal ou ganho de massa muscular.1414 Neumark-Sztainer D, Story M, Falkner NH, Beuhring T, Resnick MD. Sociodemographic and personal characteristics of adolescents engaged in weight loss and weigth/muscle gain behaviors: who is doing what? Prev Med 1999; (28):40-50. Os principais achados apontaram que os jovens, principalmente negros e hispânicos de nível sócioeconômico baixo, concomitantemente à prática de AF, apresentavam os seguintes comportamentos: os do sexo feminino utilizavam moderadores de apetite, laxantes, diuréticos e vômito auto-induzido para auxiliar a redução de peso, enquanto os rapazes de faziam uso de esteróides anabolizantes androgênicos para aumentar a força. Em outras palavras, para adoção e/ou modificação de hábitos pessoais, não basta somente o esforço individual; especificamente a respeito da associação entre AF e etilismo, pôde-se observar que as universitárias reforçam a teoria de que "não é saudável quem quer, mas quem tem condições".1515 Monteiro HL. Aptidão física de indivíduos ativos, sedentários e intermediários de mesma atividade ocupacional. Rev Educ Fis Univ Est Maringá 1995; 6:12-7.

Por outro lado, também deve ser considerado para entendimento da questão etilismo/AF, o modelo da psicologia social, o qual enfatiza que o comportamento em geral é determinado por três fatores: atitude individual, influências sociais e expectativa de auto-eficiência.1616 Lechener L, Vries HD. Starting participation in an employee fitness program: attitudes, social influence, and self-efficacy. Med Prev 1995; (24):627-33.

A princípio vale considerar o caráter não racional das atitudes individuais, especialmente quando se trata de comportamentos ligados ao prazer como vida sexual, hábitos de fumar, beber e se alimentar.1717 Chor D. Mudanças de comportamento: uma questão contemporânea.. In: 42 Congresso Brasileiro de Epidemiologia; 1998 ago; Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Rio de Janeiro: Abrasco; 1998. p.93 Assim sendo, os indivíduos buscando o seu bem-estar pessoal, não estariam preocupados com a fonte das sensações prazerosas e sim em como alcançá-las. No caso dos jovens alunos de medicina, talvez o álcool e o exercício estivessem sendo utilizados como válvula de escape, para as reconhecidas pressões exercidas sobre os mesmos, desde o período pré-vestibular.

As influências sociais apresentam importante participação na interação atividade física/etilismo. Inicialmente pode-se destacar o papel da mídia, a qual vem associando pessoas vitoriosas nas competições esportivas, nos negócios, nos momentos de prazeres refinados, com as propagandas de cigarro,1818 Folkis GMB. Fumar: as relações dialógicas entre o bom gosto, o bom senso, o prazer, a liberdade e o prejudicial à saúde. Salusvita 1997; 18:73-9. ou mais especificamente, utilizando ídolos do esporte como garotos-propaganda de empresas fabricantes de bebidas alcoólicas, com exemplo marcante dado pelos jogadores da seleção brasileira de 1994, patrocinados naquela ocasião por indústria de cerveja.1919 Pirolo AL. O processo de comunicaçâo e informação: sua influência no movimento do homem em movimento no mundo. Rev Bras Cienc Esporte 1996; 17: 234-43 . Vale dizer que, durante as transmissões de eventos esportivos, é freqüente observar a divulgação de comerciais de cerveja, conhaques, cachaça e outros tipos de bebidas. A respeito considera-se que, nas sociedades capitalistas, o componente econômico é fator primordial para as intenções dominadoras do esporte; assim para se ter poder, é necessário levantar recursos e para ter dinheiro, a televisão precisa de anunciantes.2020 Miranda R. O esporte na televisão: o poder da mensagem vazia. Motrivivência 1990; (3):112-5. Então, nesta roda-viva, talvez seja natural, no entender dos poderosos - televisões, anunciantes e dirigentes - vincular o uso do álcool à prática de atividade física e esportes.

Em outra perspectiva, os adolescentes constituem grupo de maior vulnerabilidade aos "apelos" da mídia, experimentando práticas, as quais muitas vezes podem trazer prejuízos à saúde dos mesmos,2121 Serra GMA. Mídia e dietas: um discurso sócio-estético? Cienc Saúde Colet 2000; 5:23. neste sentido, verifica-se que a televisão apresenta papel ambíguo e controverso em relação ao uso de drogas; confrontando-se a racionalidade preventiva e a comercial da industria produtora de substâncias psicoativas, ou seja, o "paradoxo da prevenção", revela diferença crucial entre os dois tipos de discursos.2222 Trad SN. Drogas e mídia: o paradoxo da prevenção na sociedade de consumo - uma análise sobre a publicidade televisiva vinculada às substâncias psicoativas. Cienc Saúde Colet 2000; 5: 23. Possivelmente, o comportamento dos jovens alunos de medicina, apresenta forte influência da propaganda televisiva, a qual incentiva indiscriminadamente tanto a realização da AF quanto o consumo de álcool.

O aspecto social pode, ainda, se expressar através das práticas culturais, como as européias de ingestão de vinho às refeições, diariamente em quantidades moderadas (entretanto repelindo ativamente a embriaguez), como a chilena, na qual é aceitável o fato de o adolescente embriagar-se muitas vezes ao ano para sua incorporação à cultura dominante e participação da amizade do grupo.2323 Fortes JRA, Cardo WN. Alcoolismo: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Sarvier; 1991. Atualmente, no Brasil, "um a cada três jovens prova o álcool pela primeira vez na própria casa, quase sempre oferecido pelos pais. " (Pereira Júnior e Cavalcante; 2000:20)2424 Pereira Júnior A, Cavalcante M. A dose certa. Superinteressante 2000; 14:30-6. outro fator agravante se manifesta na ingestão de bebidas e até embriaguez, ocorridas em festas de adolescentes, tratadas com a anuência e condescendência dos pais.

Por fim, sugere-se que esportistas ou pessoas ativas fisicamente, estariam mais expostas do que sedentários a potenciais situações de consumo de álcool, como em festas, comemorações, encontros em bares após jogos desportivos, entre outros eventos.55 Gonçalves A, Conte M, Pires GL, Oliveira PR. A saúde da geração saúde: pesquisa e ensino sobre as capacidades físicas de calouros da FCM/UN/CAMP. Rev Bras Ativ Fis Saúde 1997; 1:45-72.

Papel interessante deve desempenhar a expectativa de auto-eficiência no fenômeno estudado, pois especula-se que as pessoas fisicamente ativas, motivadas pela mitificação da atividade física2525 Carvalho YM. A relação saúde/atividade física: subsídios para sua desmitificação. Rev Bras Cienc Esporte 1992; 14:29-32. poderiam sentir-se imunes a determinados agravos à saúde. Por outro lado, informações de que o consumo diário de álcool, em torno de uma ou duas doses, aparentemente reduz o risco de aparecimento de doenças cardiovasculares,2626 Doll R. Perspectivas de investigações epidemiológicas [conferência] . In: VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; 2000 ago. 28 - set 1; Salvador, Bahia, Brasil. associadas com a pseudo-sensação de segurança proporcionada pelo exercício, poderiam potencializar o etilismo entre ativos ou esportistas.

Corroborativamente, ao se comparar a personalidade de esportistas e não-esportistas, verifica-se que os primeiros dispõem de elevada capacidade de auto-confiança, resistência psíquica, autodomínio, controle emocional e maior tendência ao comportamento agressivo. Considerase, ainda, que pessoas fisicamente ativas podem ser mais extrovertidas e apresentam boa capacidade de adaptação social. Contudo, existem os "atletas com problemas", caracterizados por possuírem comportamento neurótico, ansiedade, medo do fracasso, atitudes depressivas e sensibilidade exagerada frente ao insucesso ou a crítica externa.2727 Samulski DM. Psicologia do esporte: teoria e aplicação prática. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 1995.

Sobretudo, cogita-se que tais características do modelo da psicologia social, poderiam ser mais expressivas em garotas ativas do que em rapazes; talvez esse fato poderia explicar o risco aumentado de consumo de álcool entre ativas fisicamente, quando comparadas com sedentárias.

A presente discussão revela a natureza complexa da interação etilismo/AF. A princípio os resultados poderiam sugerir que a AF influencia o consumo de álcool. No entanto não se pode atribuir à AF essa responsabilidade. Na verdade, o problema parece estar mais associado ao conjunto de fatores interrelacionados, os quais se manifestam, principalmente, quando correntes hegemônicas estimulam as pessoas a mudarem de atitude sem, no entanto, prover as condições necessária.s. Contudo, não importa simplesmente praticar exercícios, pois como dirié Parlebás citado por Betti (1991: 128)2828 Betti M. Educação física e sociedade. São Paulo: Movimento; 1991. "o esporte não possui nenhuma virtude mágica, ele não é por si mesmo nem socializante e nem anti-socializante, pode formar tanto patifes quanto homens perfeitos ". Por conseguinte, não são as repetições, séries, volume de treinamento, cortadas, finalizações ou jogadas espetaculares, os aspectos mais importantes na AF, e sim o enfoque dado a esta atividade.

Nesta perspectiva, pode-se compreender a coexistência de investigações revelando que indivíduos fisicamente ativos consomem mais bebidas alcoólicas do que sedentários e também de outras, apresentando efeitos benéficos da aplicação de programas de exercícios regulares na reabilitação de alcoolistas.

Todas as questões aqui tratadas remetem à necessidade de se adotarem as seguintes ações, no sentido de alcançar o manejo e controle da associação entre AF/etilismo: a) no plano ético, reunir esforços interdisciplinares, para definitivamente não se compactuar com o frágil conceito de que basta um "estilo de vida" ativo para ser saudável; ademais, seria imprescindível evitar que empresas fabricantes de bebidas alcoólicas associem a sua imagem a atletas e/ou eventos esportivos e b) no plano educacional, criar mecanismos para que o incentivo à prática da AF não seja promovido preferencialmente pela mídia, e sim por meio da educação. Contudo para dar conta desta dimensão educativa é preciso considerar a AF/esportes como fenômeno sóciocultural de múltiplas possibilidades.2929 Paes RR. Esporte educacional. In: 12 Congresso Latino Americano de Educação Motora, 22 Congresso Brasileiro de Educação Motora; 1998 out; Foz do Iguaçu, PR, Brasil. p. 1109-14.

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Djalma de Carvalho Moreira Filho, Departamento de Medicina Preventiva e Social, FCM/UNICAMP pela colaboração na elaboração do plano analítico do presente artigo.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2001
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