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RESENHAS

Governabilidad y salud: políticas públicas y participación social. . Washington, DC: OPS, 1999. 136p. 9275323119

Governabilidad y salud: políticas públicas y participación social. Organización Panamericana de la Salud. Washington, DC: OPS; 1999. 136p ISBN 9275323119

É consensual o entendimento de que as desigualdades na distribuição de renda determinam tanto as diferenças de oportunidade ao acesso e ao financiamento dos serviços de atenção, como o estado de saúde da população. Este fato é particularmente marcante na América Latina, requerendo a definição de políticas orientadas para reduzir essas iniqüidades. Com o propósito de estimular reflexões sobre esse tema, a Organização Panamericana da Saúde promoveu a publicação das contribuições de especialistas sobre variados aspectos da governabilidade e os desafios com que se defrontam os governantes, na atualidade, para implementar políticas sociais com vistas a propiciar, a todos os habitantes, níveis dignos de saúde e bem-estar.

Entendem os analistas que o grande desafio é conseguir articular adequadamente as respostas da sociedade às demandas de atenção básica de saúde, de proteção ambiental, de vigilância epidemiológica, de promoção da saúde e dos demais componentes que constituem as funções essenciais da saúde pública. Avulta a importância desse fato ao se constatar que, paralelamente ao processo de modernização do Estado, cresce o papel da sociedade e está se agigantando o setor privado da saúde. Isto requer a reorientação do conceito de gestão setorial e exercício do poder estatal em matéria de saúde.

O panorama descrito pelos autores revela que, na América Latina e no Caribe, a cidadania política não se acompanha da cidadania social e económica, ante a evidência de crescentes disparidades socioeconómicas e as decorrentes iniqüidades nas condições de saúde, que representam uma das principais ameaças à governabilidade dos países. Por sua vez, os programas de ajuste estrutural e o impacto do processo de globalização aprofundam as iniqüidades na Região, caracterizada por ser, no mundo, a de maior desigualdade na distribuição da riqueza. Esta situação constitui fator determinante para a existência de oportunidades diferenciadas, por grupos de população, no acesso e no financiamento dos serviços de saúde. Outrossim, quando necessitam, os mais pobres são os que têm menos acesso à atenção à saúde.

Em suma, se não houver investimento no capital humano mediante a promoção e a proteção da saúde da população, e não for incrementado o capital social com o desenvolvimento de formas participativas, solidárias e democráticas de governar, o capital financeiro e o capital físico, por si mesmos, serão insuficientes para gerar um modelo sustentável de crescimento económico, governabilidade e desenvolvimento humano.

Descortina-se, assim, a paisagem social latinoamericana provavelmente como o aspecto mais negativo da Região. A partir dos anos 80, dados da Cepal (Comissão Económica para a América Latina e Caribe) mostram que as mudanças no cenário macroeconómico vêm produzindo enormes disparidades sociais - aumento dos níveis de iniqüidade e piora da qualidade dos serviços sociais básicos prestados pelo Estado, tais como educação e saúde. Há uma demanda crescente não atendida por serviços de saúde e a privatização dos serviços não atende essa demanda, ao contrário, a incrementa.

Acrescentam os analistas que as sociedades latino-americanas estão se tornando mais complexas e também se fazem mais interdependentes. No primeiro caso, múltiplos fatores geram inevitáveis tensões e riscos de fracionamento, principalmente pela dificuldade do aprendizado social de viver a diversidade; no segundo, os bens públicos ou interesses gerais transpõem as fronteiras, esmaecendo a distinção entre políticas nacionais e política internacional. Tudo isto altera os pressupostos em que se basearam os modelos de governabilidade democrática elaborados trabalhosamente ao longo do século XX.

Na América Latina e Caribe, o setor saúde está passando por um processo de mudanças intensas e rápidas, as quais se relacionam com a reforma do Estado, a globalização e a integração regional. Acresce a circunstância de que as sociedades nacionais estão tendo maior consciência acerca dos riscos e dos direitos relacionados com a saúde. É destacado o impacto da globalização sobre o setor saúde, seja pela internacionalização da produção e do consumo de bens e serviços, seja pela influência sobre a situação de saúde - a transnacionalização das drogas e da Aids, a adoção de novos padrões de comportamento e de consumo. Insistem no fato de que a globalização está mudando o contexto em que operam os Estados, pois já configura um elemento caracterÍstico da vida contemporânea, a globalização económica, política, cultural e tecnológica. Se, por um lado, amplia o horizonte das novas gerações, fomenta o entendimento entre os povos e abre possibilidades de maior bem-estar, por outro, transmite e amplifica pe ·turbações e crises que, antes, tinham um caráter local ou regional. Ademais, em sendo a globalização uma mutação histórica sem precedentes, está gerando mais incertezas que esperanças e o triunfo da economia de mercado não caminha associado a um critério de justiça social.

As abordagens nessa publicação não se limitam aos aspectos teórico-conceituais e políticonormativos da governabilidade, à identificação e comentários acerca de fatores predisponentes e condicionantes das desigualdades na Região. Enfocam, também, com bastante objetividade, as experiências de alguns países da América Latina e Caribe, a exemplo:

  • da Argentina, que, historicamente, se caracterizou por ser na Região um dos países mais ricos e igualitários, e desde os anos 90 seus níveis de vida vêm se deteriorando, especialmente no tocante ao acesso da população a serviços de saúde;

  • da Costa Rica, que ao longo de 150 anos de vida republicana, celebrados em agosto de 1998, o social e especialmente a saúde têm sido priorizados;

  • do Equador, onde no período de análise ocorreu uma tendência progressiva de aumento dos sinais de ingovernabilidade em nível nacional, com graves conflitos sociais, neles estando imerso o setor saúde;

  • do Brasil, focalizando as principais características da reforma do Estado e do setor saúde, dando ênfase à criação da Escola de Governo em Saúde, da ENSP/Fiocruz, destinada à preparação de quadros e à produção de conhecimentos, visando à ampliação da capacidade de governo em saúde;

  • de problemas específicos de governabilidade vividos por Portugal e Espanha, a partir do processo de superação do autoritarismo político, iniciado nos anos 70, e que no final desta década culminou na construção do seu estado de bem-estar no momento em que a União Européia começa a questioná-lo e a reformá-lo;

  • do papel das agências de cooperação no fortalecimento da governabilidade, particularizando a atuação da OPS/OMS.

No desenvolver das contribuições verifica-se que, hoje, na América Latina, o desafio da governabilidade consiste em encontrar "os novos caminhos" que conduzam à consolidação da democracia, à construção de mercados competitivos e abertos, à superação da pobreza e à redução das desigualdades. Para isso, admitem que é indispensável um compromisso decidido de todos os atores sociais, pois sem superar a pobreza e avançar em termos de equidade social, não haverá a consolidação democrática, nem eficiência económica sustentável, nem credibilidade internacional, e aduzem que o modelo de governabilidade exigido pela nova fronteira do desenvolvimento não é uma mera operação de racionalidade técnica, que deixe sem alteração os equilíbrios tradicionais.

Nesse sentido, salientam que todas as democracias avançadas têm respondido aos desafios das novas desigualdades estabelecendo políticas e programas de reforma ou modernização do Estado, visando:

  • melhorar a acessibilidade, a transparência e a responsabilidade na gestão pública;

  • reequilibrar as relações Estado/mercado mediante privatizações, desregulamentações e novas formas de colaboração público/privado;

  • ampliar a participação dos distintos grupos sociais no sistema político;

  • ajustar tanto as estruturas e capacidades estatais como as expectativas sociais, aos processos de integração económica e de globalização.

Um aspecto realçado pelos diversos articulistas é a globalização, conceituada como a série de forças e tendências que estão transformando o mundo e sua ordem. Trata-se de um processo que possibilita multiplicar os contatos, intercambiar experiências e fortalecer a aprendizagem, conduzindo à redefinição dos conhecimentos, atitudes e habilidades. A estratégia para enfrentar a globalização consiste em minimizar os riscos e aproveitar as oportunidades, buscando uma relação criativa de cooperação, a fim de evitar que a Região se isole dos centros mundiais de investigação e desenvolvimento em saúde.

Os efeitos da globalização estão se fazendo sentir em variados aspectos da saúde. Tradicionalmente, os países da Região têm sido importadores de equipamentos, tecnologias, medicamentos e outros insumos necessários para a produção de serviços de saúde; a formação especializada em pós-graduação, em escala considerável, tem lugar no exterior; está ocorrendo a oferta transnacional de serviços de saúde, uma vez que as populações fronteiriças são clientes de verdadeiros sistemas bi ou transnacionais de saúde; o desenvolvimento da telecomunicação e da informática possibilitou o surgimento da telemedicina, transnacionalizando a atenção à saúde.

Prosseguindo na análise, aludem que os seguros públicos ou privados e os planos de saúde oferecem a seus filiados a possibilidade de obter no exterior serviços de melhor qualidade ou inexistentes no mercado nacional. Desta maneira, a produção, o consumo e o financiamento dos serviços de saúde na Região se realizam cada vez mais de forma transnacional e o mercado desses serviços passa a ter uma dimensão expressiva na economia regional. Então, vai assumindo a integração da atenção à saúde novas formas, deixando de ser um conceito de proximidade física para converter-se em algo virtual ou cibernético.

Impõe-se, portanto, uma maior harmonização das políticas nacionais de saúde entre os países da Região, para que estas tenham efetividade no âmbito nacional sobre problemas de interesse regional, porque sem uma ação compensatória do Estado, inclusive um grande esforço de incorporação tecnológica, criticamente avaliada, muitos cidadãos podem ficar excluídos, por exemplo, do acesso à informação e potencialidades que apresenta para o fortalecimento da participação democrática. E os problemas de saúde são bons indicadores dos níveis de inclusão ou exclusão social existentes.

Em face do exposto, apontam os analistas como o principal objetivo das políticas públicas o de influir para que o futuro caminhe na direção desejada, transcendendo, por conseguinte, as noções convencionais de eficiência e eficácia. Assim, fortalecer a capacidade de implementar políticas públicas supõe a transformação da gestão pública burocrática em gestão pública gerencial, isto é, orientar-se não só pelos valores gerenciais da eficiência e eficácia, igualmente por outros mais coerentes e consistentes, como os de transparência, acessibilidade e responsabilidade. A responsabilização tanto pelo cumprimento das normas e metas, como pela obtenção de resultados efetivos.

Cientes dos grandes desafios que representa essa reorientação, atribuem à governabilidade a condição de um dos mais sérios problemas do nosso tempo. Para fortalecê-la ter-se-ia que reinventar não só o Governo e também a cidadania, na concepção de que a governabilidade é um atributo das sociedades e não de seus governos, não depende só da qualidade ou capacidade dos governos ou governantes, mas leva em consideração os recursos com que conta uma determinada sociedade - naturais, financeiros, de infra-estrutura e humanos e ao ser uma qualidade da sociedade resulta dos valores, das atitudes e dos modelos comportamentais prevalecentes.

Então, o fortalecimento da governabilidade afetará o conceito mesmo de cidadania, pois requer o surgimento de lideranças, a prática do diálogo em todas as frentes - entre atores políticos formais, formadores de opinião e meios de comunicação, interlocutores de organizações sociais - com vistas a que a percepção e enfrentamento dos problemas sejam adequados e eficientes e suficientemente compartilhados.

A conclusão é a de que não há outro caminho para conseguir a governabilidade democrática senão a descentralização política e administrativa. Seu potencial em termos de consolidação da cidadania, de avanços na democracia e para obter maior eficiência na gestão pública no sentido amplo, convém não ser descartado. Outrossim, a descentralização deve alcançar os níveis mais próximos do cidadão e até as organizações comunitárias, porque é a partir desses níveis que se exerce a participação cidadã, aproximando os cidadãos das decisões, requisito fundamental para assegurar a eficiência e eficácia nas ações e reduzir a corrução.

Enfim, advertem, a América Latina precisa ter uma voz própria na cena contemporânea, e o futuro é cada vez menos previsível com base no passado e pesa cada vez mais nos posicionamentos do presente.

Bertoldo Kruse Grande de Arruda

Instituto Materno Infantil de Pernambuco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2001
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