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Promoção da saúde na infância e adolescência

Promotion of the health in childhood and adolescence

PONTO DE VISTA / VIEW POINT

Promoção da saúde na infância e adolescência

Promotion of the health in childhood and adolescence

Paulo Marchiori Buss

Fundação Oswaldo Cruz. Presidência;Av. Brasil, 4365. Pavilhão Mourisco. Manguinhos. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. CEP. 21.045-900

A promoção da saúde, como vem sendo entendida nos últimos 20 anos, apresenta-se como uma das estratégias mais promissoras para enfrentar os múltiplos problemas de saúde que afetam as populações humanas e seus entornos neste final de século. Partindo de uma concepção ampla do processo saúde-doença e de seus determinantes, propõe a articulação de saberes técnicos e populares e a mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados para seu enfrentamento e resolução.1

O conceito moderno de promoção da saúde, assim como sua prática, surgem e se desenvolvem, de forma mais vigorosa nos últimos 20 anos, nos países em desenvolvimento, particularmente no Canadá, Estados Unidos e países da Europa Ocidental.

Três importantes Conferências Internacionais sobre Promoção da Saúde, realizadas entre 1986 e 1991, em Ottawa (1986), Adelaide (1988) e Sunds-val (1991), estabeleceram as bases conceituais e políticas da promoção da saúde. As Conferências seguintes realizaram-se em Jakarta, em 1997, e no México, no ano 2000. Na América Latina realizou-se, em 1992, a Conferência Internacional de Promoção da Saúde.2

As diversas conceituações disponíveis para a promoção da saúde podem ser reunidas em dois grandes grupos. No primeiro deles, a promoção da saúde consiste nas atividades dirigidas à transformação dos comportamentos dos indivíduos, focando nos seus estilos de vida e localizando-os no seio das famílias e, no máximo, no ambiente das "culturas" da comunidade em que se encontram. Neste caso, os programas ou atividades de promoção da saúde tendem a concentrar-se em componentes educativos, primariamente relacionados com riscos comportamentais cambiáveis, que se encontrariam, pelo menos em parte, sob o controle dos próprios indivíduos. Por exemplo, o aleitamento materno, o hábito de fumar, a dieta, as atividades físicas, a direção perigosa no trânsito etc. Nesta abordagem, fugiriam do âmbito da promoção da saúde todos os fatores que estivessem fora do controle dos indivíduos.

O que, entretanto, vem caracterizar a promoção da saúde, modernamente, é a constatação do papel protagônico dos determinantes gerais sobre as condições de saúde: a saúde é produto de um amplo espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de alimentação e nutrição, de habitação e saneamento, boas condições de trabalho, oportunidades de educação ao longo de toda a vida, ambiente físico limpo, apoio social para famílias e indivíduos, estilo de vida responsável e um espectro adequado de cuidados de saúde. Suas atividades estariam, então, mais voltadas ao coletivo de indivíduos e ao ambiente, compreendido num sentido amplo, de ambiente físico, social, político, econômico e cultural, através de políticas públicas e de ambientes favoráveis ao desenvolvimento da saúde e do reforço da capacidade dos indivíduos e das comunidades (empowerment).

Na Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) tem-se trabalhado com este último conceito de promoção da saúde: um programa inovador de desenvolvimento local integrado e sustentável3 encontra-se em franca operação na região de Manguinhos, Rio de Janeiro, com resultados muito animadores.4,5

De outro lado, a literatura científica brasileira na área da saúde pública tem se debruçado bastante sobre o tema da saúde e qualidade de vida, tendo a revista da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO),6Ciência & Saúde Coletiva, dedicado um número integralmente ao tema, com textos diversificados7 sobre cidades saudáveis, instrumentos de avaliação da qualidade de vida e, inclusive, promoção da saúde e qualidade de vida.8 Já a promoção da saúde na atenção primária e na saúde da família também tem merecido atenção de especialistas na área.9

A Carta de Ottawa define promoção da saúde como "o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo".

Ela estabelece, assim, que as condições e os recursos fundamentais para a saúde são: paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social, e equidade, afirmando que o incremento nas condições de saúde requer uma base sólida nestes pré-requisitos básicos.

Destacando, na promoção da saúde, seus papéis de defesa da causa da saúde, de capacitação individual e social para a saúde e de mediação entre os diversos setores envolvidos, a Carta de Ottawa preconiza também cinco campos de ação para a promoção da saúde: 1) elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis; 2) criação de ambientes favoráveis à saúde; 3) reforço da ação comunitária; 4) desenvolvimento de habilidades pessoais; e 5) reorientação do sistema de saúde.

Promoção da saúde no ciclo de vida

Segundo Levinger,10 a capacidade humana de se desenvolver e sua capacidade de alcançar uma vida melhor é fortemente marcada em três períodos do ciclo da vida. O primeiro período inicia-se no nascimento e termina aos cinco anos de idade ou no início da idade escolar. O segundo é definido pelos anos em que o indivíduo recebe educação básica - que incluiria a idade escolar propriamente dita e a adolescência - e o último período ou fase adulta, em que o indivíduo insere-se em atividades economicamente produtivas. Deve-se acrescentar a estes um outro período, a terceira idade, porque esta fase da vida possui características e demandas próprias, bem como trata-se de um grupo etário em constante crescimento proporcional nas últimas décadas em todo o mundo.

Em todas as etapas da vida cabem inúmeras ações de promoção da saúde voltadas para os indivíduos ou para a coletividade, particularmente na infância e na adolescência.

A primeira fase do ciclo da vida começa ainda no período de gestação. O pré-natal feito criteriosamente tem demonstrado ser um instrumento poderoso de promoção da saúde. A alimentação e a nutrição materna, as vacinas aplicáveis no período, os ritmos propícios de trabalho e descanso, o acompanhamento do crescimento do feto, o apoio afetivo e psicológico, assim como orientações e informações sobre a gestação, o parto, o puerpério e a primeira infância são medidas fundamentais, que podem ser desenvolvidas em consultas individuais, mas principalmente em atividades de grupo, nos centros de saúde ou em casa.11

O aleitamento materno é, em todo o mundo, uma das maiores iniciativas de promoção da saúde. No Brasil, além das atividades de incentivo ao aleitamento levadas a cabo nas Unidades de Saúde, no Programa de Saúde da Família e dos Agentes Comunitários da Saúde, buscou-se inovar através do projeto "Carteiro Amigo", uma parceira do Ministério da Saúde com os Correios. Segundo o Ministério da Saúde,10 já foram alcançadas com este projeto cerca de 550 mil crianças e gestantes na Região Nordeste e outras 440 mil no Norte e Centro-Oeste. Já o Hospital Amigo da Criança, programa idealizado em 1990 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), incentiva a amamentação desde o nascimento; no Brasil, existem 193 hospitais credenciados, em 22 Estados.

Os recém-nascidos de alto risco e os prematuros são assistidos no país pela Rede Nacional de Bancos de Leite Humano, liderada nacionalmente pelo Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz. Hoje já existem 136 unidades instaladas em 22 Estados, com serviços de coleta, estoque, distribuição de leite pasteurizado, controle da qualidade e promoção da amamentação. É a maior rede de instituições desta natureza no mundo, tendo coletado cerca de 217 mil litros de leite entre 1998 e 2000, beneficiado cerca de 290 mil bebês e alcançando mais de 1,3 milhões de mulheres com informações para a promoção do aleitamento materno.12

O estado nutricional da criança também exerce uma enorme influência no seu grau de desenvolvimento. Orientar a família, no seu contexto cultural, quanto à alimentação mais adequada das crianças é um objetivo fundamental da promoção da saúde nas Unidades de saúde e nos programas de base comunitária.

Implantado desde 1998, o programa de Incentivo ao Combate às Carências Nutricionais do Ministério da Saúde tem como público-alvo, além dos idosos, as gestantes em risco nutricional, as crianças de seis a 23 meses com desnutrição proteico-calórica e as crianças de dois a cinco anos com deficiência de ferro e/ou de vitamina A. Segundo o Ministério,10 o programa está operando em 5.128 municípios e beneficiando mais de 800 mil crianças e gestantes com a distribuição de leite integral ou outros produtos. Nos municípios nordestinos em que o Incentivo de Combate às Carências Nutricionais (ICCN) está implantado observou-se uma queda de 13,6% na desnutrição entre junho de 1999 e abril de 2000, contra uma média histórica de redução na região em torno de 5% ao ano.

As infecções respiratórias agudas, o sarampo e a doença diarréica são condições patológicas relacionadas com absenteísmo e baixo rendimento escolar. As parasitoses intestinais também são muito freqüentes nesta idade; a avaliação da acuidade visual e auditiva com detecção precoce de alterações e encaminhamento para um especialista, é muito importante para o desempenho escolar e contribui significativamente para a redução da repetência. Tal detecção inicial não precisa ser realizada obrigatoriamente por médicos ou mesmo por profissionais de saúde, podendo realizá-la professores e, mesmo, estudantes treinados para tal fim.

A idade escolar coincide com a troca da dentição e deve-se programar a visita ao odontólogo ou o exame por um atendente treinado onde o dentista for um profissional de difícil acesso para que a criança se familiarize com hábitos de higiene oral e escovação dos dentes. É fundamental também o acompanhamento da dentição permanente, aplicação de flúor e orientação sobre uma dieta saudável.

Outros aspectos que não podem ser negligenciados são o calendário de vacinas, e alguns exames laboratoriais para a detecção de parasitoses intestinais e anemia.

Estes tipos de screening - clínico ou laboratorial - realizados periodicamente, com a participação da escola e com a colaboração da unidade de saúde são uma forma de poupar tempo, diminuir as filas nos ambulatórios e envolver a escola no crescimento e desenvolvimento da criança.

Todas estas iniciativas podem fazer parte de uma iniciativa maior, já com ampla difusão na América Latina, que são as "escolas promotoras da saúde", objeto de diversas publicações especializadas às quais remetemos o leitor.2,13,14

A adolescência é um período do desenvolvimento humano no qual se estabelece comportamento, caráter, personalidade e estilo de vida. O ambiente em que o jovem está inserido é um dos fatores que mais influenciam seu comportamento e estilo de vida no futuro. Nesta idade, em geral os jovens se afastam de seus pais, confiam somente nos amigos, questionam os mais velhos e desejam usufruir da liberdade do adulto. Eles experimentam e sofrem enorme influência da mídia, de artistas, de drogas, de seitas etc.

Cerca de 80% dos indivíduos que tem hoje o hábito de fumar começaram o vício antes dos 20 anos de idade. As conseqüências são sabidamente nefastas e são piores quanto mais cedo se instala o hábito de fumar. A ingestão de bebidas alcoólicas também é um hábito crescente e preocupante entre os jovens, que pode começar inclusive dentro de casa. Pode-se observar a disseminação destes hábitos nos bailes e festas das elites ou das populações periféricas. O álcool, bem como as drogas ilícitas (maconha, cocaína etc.) são responsáveis por inúmeros atos de violência, como brigas entre turmas e direção perigosa no trânsito, entre outros.

No Brasil, uma amplo programa de controle do tabagismo vem sendo implementado pelo Ministério da Saúde desde 1997, sob a liderança do Instituto Nacional do Câncer (INCa), que estima ter alcançado de 1996 a 2000 cerca de 3 mil escolas, 43 mil professores e 900 mil adolescentes. No final do ano 2000 iniciou-se o Programa Agentes Jovens de Desenvolvimento Social e Humano, visando criar multiplicadores de promoção da saúde dos adolescentes na comunidade.12

Ainda é grande a desinformação sobre sexo, gravidez e doenças sexualmente transmissíveis entre os jovens. As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e a Síndrome de Imunodeficência Adquirida, a AIDS tem crescido justamente nesta faixa etária. Prevalece a inibição em comprar e usar o condom, ao passo que a vida sexual inicia-se cada vez mais precocemente. Entretanto, segundo o Ministério,12 o uso de preservativos na primeira relação sexual teria crescido de quatro para 48% entre 1986 e 1999.

A falta de perspectivas de emprego é grave, com a crise econômica, e afeta os jovens afetiva e mentalmente. Por isso, é paradoxal que se deva combater o trabalho infantil, lutando para que a criança realize pelo menos a educação básica na escola, consistindo esta iniciativa em importante prática de promoção da saúde.

Conclusões

Como se viu, o potencial das ações de promoção da saúde na infância e na adolescência é enorme. Também se pode verificar que muito se fez nesta área no Brasil nos últimos anos. Entretanto, muito ainda há por fazer.

Os estados e municípios dispõem hoje de profissionais capazes de adaptar os programas federais de promoção da saúde ao "sotaque" regional ou local, assim como propor programas e iniciativas específicas, sejam elas voltadas para os indivíduos e as famílias, sejam dirigidas aos componentes extra-setoriais, como saneamento, habitação, geração de trabalho e renda, entre outros. Mais do que nunca deve-se invocar a ação intersetorial para as ações de promoção da saúde, mobilizando as diversas instâncias de governo, a mídia e a sociedade em geral (associações de moradores, sindicatos, empresas e organizações não-governamentais).

Parafraseando a Agenda 21, para promover a saúde também é necessário "pensar globalmente e agir localmente".

Referências

1. Buss PM. Promoção da saúde e saúde pública. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. 178p. [mimeo].

2. OPS. Organización Pan Americana de la Salud. Escuelas promotoras de la salud: modelo y gua para la acción basados en la experiencia Latino-Americana y Caribeña. Washington, DC: OPS; 1996.

3. Buss PM, Ramos CL. Desenvolvimento local e agenda 21: desafios da cidadania. Cad Ofic Social 2000; 3: 13-65.

4. Buss PM. Enfrentando a pobreza através da parceria estado-comunidade: desenvolvimento local integrado e sustentável em Manguinhos, Rio de Janeiro. Cad Ofic Social 2000; 5: 132-7.

5. Buss PM. A experiência comunitária da Fiocruz: desenvolvimento local integrado e sustentável em Manguinhos, Rio de Janeiro. Saúde em Debate 2001; 24: 31-43.

6. ABRASCO. Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Colet. Qualidade de vida e saúde. Cienc Saúde Coletiva 2000; 5 (1).

7. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Cienc Saúde Colet 2000; 5: 7-17, 29-31.

8. Buss PM. Promoção da saúde e qualidade de vida. Cienc Saúde Col 2001; 5: 163-77.

9. Ferreira JR, Buss PM. Atenção primária e promoção da saúde. In: Ministério da Saúde. Promoção da Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001. p. 7-14.

10. Levinger B. Critical transitions: human capacity development across the lifespan. New York: United Nations Development Programme; 1996.

11. Ungerer R. Promoção da saúde no ciclo de vida. In: Buss PM. Promoção da saúde e saúde pública. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. p. 88-100.

12. Ministério da Saúde. Resultados preliminares de 2001 Brasília, DF.: Ministério da Saúde; 2001. [no prelo].

13. WHO. World Health Organization. The status of school health. Geneve: WHO; 1996.

14. WHO. World Health Organization. Promoción de la salud mediante las escuelas: iniciativa mundial de salud escolar. Geneve: WHO, 1996.

  • 2
    OPS. Organización Pan Americana de la Salud. Escuelas promotoras de la salud: modelo y gua para la acción basados en la experiencia Latino-Americana y Caribeña. Washington, DC: OPS; 1996.
  • 3. Buss PM, Ramos CL. Desenvolvimento local e agenda 21: desafios da cidadania. Cad Ofic Social 2000; 3: 13-65.
  • 4. Buss PM. Enfrentando a pobreza através da parceria estado-comunidade: desenvolvimento local integrado e sustentável em Manguinhos, Rio de Janeiro. Cad Ofic Social 2000; 5: 132-7.
  • 5. Buss PM. A experięncia comunitária da Fiocruz: desenvolvimento local integrado e sustentável em Manguinhos, Rio de Janeiro. Saúde em Debate 2001; 24: 31-43.
  • 6. ABRASCO. Associaçăo Brasileira de Pós-Graduaçăo em Saúde Colet. Qualidade de vida e saúde. Cienc Saúde Coletiva 2000; 5 (1).
  • 7. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Cienc Saúde Colet 2000; 5: 7-17, 29-31.
  • 8. Buss PM. Promoçăo da saúde e qualidade de vida. Cienc Saúde Col 2001; 5: 163-77.
  • 9. Ferreira JR, Buss PM. Atençăo primária e promoçăo da saúde. In: Ministério da Saúde. Promoçăo da Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001. p. 7-14.
  • 10. Levinger B. Critical transitions: human capacity development across the lifespan. New York: United Nations Development Programme; 1996.
  • 11. Ungerer R. Promoçăo da saúde no ciclo de vida. In: Buss PM. Promoçăo da saúde e saúde pública. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. p. 88-100.
  • 13. WHO. World Health Organization. The status of school health. Geneve: WHO; 1996.
  • 14
    WHO. World Health Organization. Promoción de la salud mediante las escuelas: iniciativa mundial de salud escolar. Geneve: WHO, 1996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2001
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