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Perfil e fatores asssociados ao aleitamentamento materno em crianças menores de 25 meses da Região Nordeste do Brasil

Breast-feeding: profile and associated factors in children under 25 months of age in Northeast Brazil

Resumos

OBJETIVOS: avaliar o perfil do aleitamento materno em crianças menores de 25 meses de idade na Região Nordeste do Brasil e verificar a associação entre a duração mediana do aleitamento e algumas variáveis demográficas, maternas, de assistência ao parto e culturais. MÉTODOS: estudo transversal. Dados obtidos do banco de dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde de 1996, do qual foram selecionadas 813 crianças. A freqüência e a duração mediana do aleitamento materno foram estimadas por meio de tábuas de vida. RESULTADOS: a duração mediana do aleitamento materno foi de 199,8 dias. Verificou-se que no primeiro mês de vida 90,4% das crianças estavam mamando. Aos quatro e seis meses, os percentuais foram 64,7% e 54,4%, respectivamente. A duração mediana do aleitamento materno foi maior: nas crianças que residiam em áreas rurais, com o aumento da idade materna, e nas crianças que não utilizaram a mamadeira. CONCLUSÕES: a duração do aleitamento materno ainda se encontra distante do recomendado pela Organização Mundial de Saúde, necessitando, portanto da intensificação das ações de incentivo e apoio ao aleitamento materno. Os fatores que influenciam o aleitamento materno devem ser considerados na operacionalização destas ações.

Aleitamento materno; Desmame


OBJECTIVES: to evaluate breast-feeding profile in children under 25 months of age in Northeast Brazil and to determine the association between median breast-feeding length and some of the demographic, maternal, delivery assistance and cultural variables. METHODS: a cross-sectional study and data obtained from the databank of the National Research of Demographics and Health dated 1996 of which 813 children were selected. Frequency and median length of breast-feeding were estimated by life tables. RESULTS: median length of breast-feeding was of 199,8 days. Data collected indicated that during the first month of life 90% of the children were breastfed and at four and six months percentages were respectively 64,7% and 54,4%. Median length of breast-feeding was higher in children from rural areas, older mothers and in children who were not on bottles. CONCLUSIONS: breast-feeding is still far from the World Health Organization recommendations; therefore, encouragement and support to breast-feeding need to be intensified. Factors influencing breast-feeding should be considered in the attempt to increase breast-feeding.

Breast feeding; Weaning


ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Perfil e fatores asssociados ao aleitamentamento materno em crianças menores de 25 meses da Região Nordeste do Brasil

Breast-feeding: profile and associated factors in children under 25 months of age in Northeast Brazil

Tarciana Maria de Lima; Mônica Maria Osório

Departamento de Nutrição. Centro de Ciências da Saúde. Universidade Federal de Pernambuco. Campus Universitário. Cidade Universitária. Recife, PE, Brasil. CEP: 50.670-901

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar o perfil do aleitamento materno em crianças menores de 25 meses de idade na Região Nordeste do Brasil e verificar a associação entre a duração mediana do aleitamento e algumas variáveis demográficas, maternas, de assistência ao parto e culturais.

MÉTODOS: estudo transversal. Dados obtidos do banco de dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde de 1996, do qual foram selecionadas 813 crianças. A freqüência e a duração mediana do aleitamento materno foram estimadas por meio de tábuas de vida.

RESULTADOS: a duração mediana do aleitamento materno foi de 199,8 dias. Verificou-se que no primeiro mês de vida 90,4% das crianças estavam mamando. Aos quatro e seis meses, os percentuais foram 64,7% e 54,4%, respectivamente. A duração mediana do aleitamento materno foi maior: nas crianças que residiam em áreas rurais, com o aumento da idade materna, e nas crianças que não utilizaram a mamadeira.

CONCLUSÕES: a duração do aleitamento materno ainda se encontra distante do recomendado pela Organização Mundial de Saúde, necessitando, portanto da intensificação das ações de incentivo e apoio ao aleitamento materno. Os fatores que influenciam o aleitamento materno devem ser considerados na operacionalização destas ações.

Palavras-chave: Aleitamento materno, Desmame

ABSTRACT

OBJECTIVES: to evaluate breast-feeding profile in children under 25 months of age in Northeast Brazil and to determine the association between median breast-feeding length and some of the demographic, maternal, delivery assistance and cultural variables.

METHODS: a cross-sectional study and data obtained from the databank of the National Research of Demographics and Health dated 1996 of which 813 children were selected. Frequency and median length of breast-feeding were estimated by life tables.

RESULTS: median length of breast-feeding was of 199,8 days. Data collected indicated that during the first month of life 90% of the children were breastfed and at four and six months percentages were respectively 64,7% and 54,4%. Median length of breast-feeding was higher in children from rural areas, older mothers and in children who were not on bottles.

CONCLUSIONS: breast-feeding is still far from the World Health Organization recommendations; therefore, encouragement and support to breast-feeding need to be intensified. Factors influencing breast-feeding should be considered in the attempt to increase breast-feeding.

Key words: Breast feeding, Weaning

Introdução

As propriedades do leite materno e as vantagens da amamentação são de importância não apenas para a criança, mas, também para sua mãe e toda a sociedade. A disponibilidade de nutrientes do leite materno, seu conteúdo em substâncias imunológicas e sua qualidade quanto à higiene, o tornam fundamental para a saúde e desenvolvimento da criança.1,2

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o aleitamento materno como alimento ideal para os recém-nascidos. Recomenda o apoio e incentivo ao aleitamento materno; que a amamentação deve começar tão cedo quanto possível; que as mamadas devem ser sob livre demanda, ou seja, sem horários pré-fixados, e que nenhum suplemento é necessário a bebês amamentados até seis meses de idade.3

Em 1979, a Organização Mundial de Saúde e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)4 estabeleceram medidas para promover a saúde e nutrição de lactentes e crianças na primeira infância. Foi recomendado que o sistema de saúde deveria assegurar que todas as mães fossem orientadas no sentido de garantir a manutenção da amamentação pelo maior tempo possível e que todos os procedimentos obstétricos e de assistência pré-natal deveriam ser compatíveis com a política de promoção e apoio ao aleitamento materno. Em 1981, o Brasil implantou o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno, utilizando estratégias como campanhas de comunicação de massa, mudanças nas práticas hospitalares e treinamento e supervisão das equipes de saúde.5 A partir daí, foram aprovados o sistema de alojamento conjunto em todo território nacional,6 a Iniciativa Hospital Amigo da Criança, com os "Dez passos para o sucesso do aleitamento materno", mobilizando os profissionais e funcionários de maternidades e hospitais com rotinas para prevenir o desmame precoce,7,8 os Bancos de Leite Humano9 e as Normas para Comercialização de Alimentos para Lactentes, também com o objetivo de incentivar e apoiar o aleitamento materno, regulamentando todos os produtos utilizados na alimentação da criança.10

O aleitamento materno é um processo natural, apesar de muitos fatores demográficos, socioeconômicos e culturais dificultarem o seu estabelecimento. Entretanto, começa-se a notar um retorno a essa prática principalmente entre as regiões mais desenvolvidas e entre mulheres com maior poder aquisitivo e maior nível educacional.11,12

Entre as décadas de 70 e 80, a situação do aleitamento materno nas regiões do país apresentava um perfil distinto, com aumento da mediana em todas as regiões, embora a Região Nordeste apresentasse a menor duração de amamentação.11

O conhecimento da duração mediana do aleitamento materno e de seus fatores associados, em cada Região do país, são fundamentais para subsidiar as medidas de intervenção que devem ser executadas. Neste sentido, justifica-se o estudo das variáveis que podem interferir no êxito ou insucesso do aleitamento materno.

Este estudo tem como objetivo analisar o perfil do aleitamento materno em crianças menores de 25 meses de idade na Região Nordeste do Brasil, determinando-se a freqüência e a duração mediana do aleitamento total e relacionando-as com algumas variáveis demográficas, maternas, de assistência ao parto e culturais.

Métodos

População original e local do estudo

Os dados do presente estudo foram coletados na Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS),13 um estudo transversal, elaborado através da base amostral do censo populacional de 1991 e desenhado para todas as regiões.

A amostra da PNDS foi do tipo probabilística (aleatória estratificada) selecionada em duas etapas: 1) setores censitários selecionados sistematicamente com probabilidade proporcional ao número de domicílios em cada setor; 2) domicílios, considerando a representatividade dentro de cada setor.

A população residia nas áreas urbana e rural das diferentes regiões do país. Em cada domicílio, as mulheres de 15 a 49 anos de idade faziam parte da amostra.

Para a Região Nordeste (incluindo os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia), o total de mulheres elegíveis foi de 5.340 e o percentual de entrevistas realizadas foi de 89,4%, o que resultou em um valor de 4.774 mulheres.

Subamostra do estudo

Uma subamostra, originada da população de mulheres em idade fértil dos domicílios elegíveis para a Região Nordeste, foi selecionada, constando de 818 crianças menores de 25 meses presentes nesses domicílios sorteados. Para a análise das tábuas de sobrevivência foram retiradas desta subamostra cinco crianças gêmeas (as segundas crianças gêmeas conforme a ordem do banco de dados), totalizando, portanto, 813 crianças.

Coleta, processamento e análise dos dados

A coleta de dados ocorreu no período de março a junho de 1996, tendo o questionário domiciliar como instrumento de coleta de dados. Como variáveis dependentes foram estudadas a freqüência e duração do aleitamento materno, sendo considerado o termo aleitamento materno quando a criança recebia leite materno acrescido ou não de qualquer outro alimento ou líquido, incluindo não-humano,14 e desmame quando da finalização da amamentação. Como variáveis independentes foram estudadas as variáveis demográficas (localização do domicílio, idade e sexo); variáveis maternas (idade da mãe, escolaridade e intervalo de nascimento); variáveis relacionadas à assistência ao parto: (tipo de parto, peso ao nascer e tempo do nascimento até a primeira mamada); e uso da mamadeira.

Os dados foram digitados e processados utilizando o programa Epi-info. A duração do aleitamento materno foi estabelecida com o emprego da técnica da análise de sobrevivência,15 por meio de planilhas eletrônicas utilizando o programa Statistical Package for Social Science (SPSS). A tábua de sobrevivência de aleitamento materno é uma técnica estatística que detecta a prevalência do aleitamento materno, à época do desmame e estima a duração mediana da amamentação. Na sua análise, considera-se que todas as crianças mamaram pelo menos no primeiro dia. Para verificar diferença estatística entre as curvas de sobrevivência foi utilizado o teste de Wilcoxon (T).

Resultados

Frequência e duração do aleitamento materno

A Tabela 1 apresenta a duração mediana do aleitamento materno de acordo com as variáveis demográficas, maternas, relacionadas à assistência ao parto e o uso de mamadeira.

A Figura 1 mostra a freqüência e a duração do aleitamento materno nas crianças no decorrer dos dois primeiros anos de vida na Região Nordeste do Brasil. Considerando-se que 100% das crianças (813 crianças) deram início à amamentação, ao final do primeiro mês de vida 90,4% eram amamentadas. Aos quatro e seis meses, respectivamente, 64,7% e 54,4% das crianças mamavam. O acentuado declínio nos primeiros seis meses mostra a alta taxa de desmame na população estudada. A partir deste segmento, a curva apresenta um declínio progressivo, porém, mais atenuado, com 37,3% das crianças sendo amamentadas aos 12 meses e 22,0% das crianças, aos 24 meses. A duração mediana do aleitamento materno para todas as crianças foi de 199,8 dias.


Com relação à localização do domicílio (Figura 2), o percentual de crianças amamentadas foi maior na área rural do que na área urbana durante os 24 meses. Para as áreas urbanas e rurais, os respectivos percentuais de aleitamento no primeiro mês foram 89,0% e 93,2%, no quarto mês, 60,7% e 71,6% e no sexto mês 50,7% e 60,7%. A duração mediana do aleitamento materno foi de 252,6 dias na área rural e 183 dias na área urbana, sendo a associação entre a duração do aleitamento materno e a situação do domicílio estatisticamente significante (T = 11,17 e p <0,001). Não foi observada diferença na duração mediana do aleitamento materno entre os sexos (Tabela 1).


De acordo com as variáveis maternas apresentadas na Tabela 1, a Figura 3 mostra a freqüência e a duração do aleitamento materno em relação à idade materna. O percentual de crianças amamentadas foi maior no grupo de mães com mais de 30 anos no decorrer dos 24 meses. A duração mediana para as idades maternas entre 15 a 19 foi de 159,3 dias, para as de 20 a 29 anos foi de 183 dias e para as idades acima de 30 anos foi de 265,5 dias (T = 9,64 e p = 0,008). Não houve associação estatística entre a duração mediana do aleitamento materno no grupo de mães com mais de quatro anos de escolaridade (232,8 dias) e no grupo de mães de 0 a quatro anos de escolaridade (194,1 dias) (Tabela 1).


Quanto às variáveis relacionadas à assistência ao parto observa-se que a duração mediana do aleitamento foi maior em crianças nascidas de parto normal (212,1 dias) quando comparada às que foram submetidas ao parto cesariano (169,5 dias); em crianças de peso acima de 3.000g (209,1 dias) comparadas às de peso insuficiente (entre 2.500 a 2.999g) (169,8 dias) e de baixo peso ao nascer (< 2.500g) (166,2 dias); e em crianças que mamaram com menos de um dia de vida (203,7 dias) quando comparadas às que mamaram com um ou mais dias após o parto (178,5 dias). Entretanto, nenhuma delas mostrou associação significativa (Tabela 1).

Os percentuais de crianças amamentadas foram maiores durante os 24 meses de idade para o grupo de crianças que não utilizou a mamadeira. A duração mediana do aleitamento materno foi significativamente maior para as crianças que não fizeram uso da mamadeira (562,8 dias), quando comparadas àquelas que a utilizaram (145,5 dias) (T = 7,76 e p <0,001) (Tabela 1 e Figura 4).


Discussão

Dentre os parâmetros do aleitamento materno foram estudados a proporção de crianças em amamentação e o tempo em que elas permaneceram amamentadas (duração mediana). Esses parâmetros foram observados através da tábua de sobrevivência, que possibilita uma estimativa longitudinal com dados coletados transversalmente. Foi verificada a associação entre a duração mediana do aleitamento materno e as variáveis que poderiam interferir no comportamento da mesma.

Apesar da tábua de sobrevivência ser uma técnica amplamente utilizada,15,16 a leitura dos dados deve ser analisada cautelosamente devido aos viéses próprios dos estudos transversais, em especial sobre aleitamento materno, pois esses quase sempre são realizados com informações recordatórias, havendo sempre o risco de erro de memória do entrevistado. Outro aspecto importante, que pode interferir na comparação dos dados, é quanto às definições imprecisas das categorias de aleitamento materno utilizadas nos diversos estudos. Contudo, a presente pesquisa utilizou a definição da OMS para o termo aleitamento materno,14 tentando compará-lo a dados que utilizaram a mesma definição.

Freqüência e duração do aleitamento materno

Na Região Nordeste, entre 1987 e 1992, foram encontrados percentuais de aleitamento de 83,5% no primeiro mês de vida, 62,7% aos três meses, 41,9% aos seis meses e 26% aos 12 meses.17 Na presente pesquisa, 90,4% das crianças estavam em aleitamento materno total ao final do primeiro mês de vida, 74,7% aos três meses, 54% aos seis meses e 37,3% aos 12 meses. Apesar das metodologias utilizadas nestas pesquisas serem diferentes, os dados sugerem uma melhoria nos percentuais de aleitamento materno.

Essa melhoria na situação do aleitamento materno na Região Nordeste vem sendo observada, durante as últimas décadas, pela sua duração mediana. Nos anos de 1974 e 1975 segundo o Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF) e em 1989 pela Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSM), a mediana foi de 92 dias e 157 dias, respectivamente, com aumento evidenciado de 1,7 vezes nesse período.11 A duração mediana para todas as crianças do presente estudo foi de 199,8 dias, colocando-se acima da encontrada nos estudos anteriores e quando comparada à mediana do ano de 1989, observa-se um aumento de 42,8 dias.

No Nordeste, a duração mediana da amamentação, entre os anos de 1987 e 1992, foi de 136,7 dias, variando de 88,6 a 260 dias entre os seus estados.17 Portanto, um valor superior aos encontrados nos estudos anteriores e inferior ao do presente estudo.

Variáveis demográficas

A duração mediana do aleitamento materno para a área rural é significativamente maior do que para a área urbana, com o percentual de crianças amamentadas aos seis meses de 60,8% e 50,7%, respectivamente para estas áreas. Nas pesquisas estaduais realizadas no Nordeste, entre 1987 e 1992, os percentuais das zonas rurais e urbanas foram de 49,7 e 36,4%, respectivamente.17

Estudos indicam que comportamento diferenciado nas áreas rurais é encontrado em todo o Brasil e na maioria dos países da América Latina e Caribe.11,18 Venâncio e Monteiro,11 ao compararem os dados do ENDEF de 1974 e 1975 com a PNSN de 1989, demonstraram que a mediana na área urbana aumentou em 3,2 vezes (de 45 para 150 dias) e para a área rural o aumento foi de 1,7 vezes (de 133 para 227 dias). Apesar do aumento significativo da mediana do aleitamento nas áreas urbanas no decorrer dos anos, a duração ainda permanece maior nas áreas rurais.

A amamentação pode não ser um processo fácil, principalmente, para as mães que residem na área urbana, visto que estas sofrem as pressões da moder-nização. As mães que residem na área rural, de maneira geral, não têm a rotina de trabalho fora do lar e, culturalmente, seguem um modelo de amamentação natural.

Variáveis maternas

A idade materna apresentou uma associação significativa com a duração da amamentação, sendo esta maior à medida que aumentava a faixa etária materna. Outros estudos também revelaram que as mães com mais idade tinham maiores percentuais e medianas mais elevadas de aleitamento materno, o que leva a supor que as mães com mais idade parecem ter mais experiência (por já terem vivenciado o processo de amamentação com outros filhos) ou mais maturidade com relação aos cuidados e à alimentação da criança.19,20

A retomada da prática da amamentação tem sido mais comum entre as mães com maior escolaridade.11,12,19 Essa tendência pode ser explicada teoricamente pelo fato de que a prática do aleitamento materno segue o padrão de desenvolvimento da sociedade. Segundo essa teoria, as mulheres de maior nível socioeconômico, e conseqüentemente maior escolaridade, são as primeiras a valorizar o aleitamento materno, de modo que esse comportamento acaba influenciando as mulheres de nível sócioeconômico mais baixo.

A duração do aleitamento materno não tem mostrado diferença entre as crianças nascidas de parto normal e as de parto cesariano.21,22 Entretanto, Weiderpass et al.22 mostraram que as crianças nascidas por cesariana eletiva apresentaram um risco três vezes maior de serem desmamadas ao final do primeiro mês de vida, quando comparadas às nascidas por parto vaginal ou cesariano de emergência.

Alguns estudos mostram que as crianças nascidas de baixo peso apresentam menor duração de amamentação.20,23 A falta de informação e suporte pelos profissionais de saúde após o parto é um dos obstáculos para o sucesso do aleitamento nessas crianças. Entretanto, assim como este estudo, outros também não encontraram associação estatística do peso ao nascer com a duração do aleitamento materno.24,25

As mães que experimentam a amamentação imediata após o parto e que amamentam freqüentemente são mais bem sucedidas no processo da amamentação.26,27 Salariya et al.27 e Martines et al.26 mostraram que as mães que aderiram à amamentação imediata após o parto amamentaram por um período consideravelmente maior do que as mães que praticaram a amamentação tardia.

Chama a atenção que nos "Dez passos para o sucesso do aleitamento materno" consta que a mãe deve ser ajudada a iniciar o aleitamento na primeira meia hora após o nascimento,7 mas, contrariando o proposto, este estudo demonstrou que na Região Nordeste apenas 42,0% das crianças foram levadas ao peito na primeira hora após o nascimento.

É conhecido que o período pré e pós-natal é um momento apropriado para a promoção da amamentação, como também, um período importante para o fortalecimento do vínculo mãe-filho. Por isso, o estímulo e o apoio ao aleitamento materno nesses dois momentos constituem ações básicas fundamentais à saúde da criança.

Uso da mamadeira

O efeito negativo do uso da mamadeira sobre a duração da amamentação é por demais conhecido. Autores referem que a introdução da mamadeira é uma prática precoce em todo o país juntamente com a administração de água e chá, com percentuais elevados nos dois primeiros meses e ainda maiores nos meses seguintes, com o oferecimento de um outro tipo de leite.28,29

A utilização da mamadeira, especialmente no início da amamentação pode retardar o estabelecimento da lactação por confundir o reflexo de sucção do recém-nascido, conseqüentemente, desfavorecendo o estímulo de sucção e a produção de leite; além disso, pode levar a má formação na arcada dentária e a riscos maiores de cárie dental e otite média.30,31

O leite materno é o alimento ideal para a criança nos primeiros meses de vida e o período adequado para iniciar a introdução dos alimentos complementares deve levar em consideração a maturidade fisiológica e neurológica da criança e suas necessidades nutricionais.32 Até os quatro meses de idade, a criança ainda não atingiu o desenvolvimento necessário para que possa receber outros tipos de alimentos. Por volta dos quatro a seis meses de vida, a aceitação e tolerância da alimentação melhora em função da ausência do reflexo de protrusão e aumento da capacidade gastrointestinal. Aos seis meses de idade, a criança já se encontra fisiologicamente preparada para receber outros alimentos, recomendando-se a continuidade do aleitamento materno até os dois anos de idade.3,4

Foi verificado nos dados deste estudo que em crianças de 0-3 meses de idade a água já tinha sido oferecida a 58,9% delas e o leite artificial a 54,8%. Outros alimentos (sucos, mingaus ou papas) já faziam parte da alimentação de um percentual considerável dessas crianças (19,9%). Apesar da alta freqüência das crianças amamentadas ao final dos 30 dias de vida (90,4%), observou-se que no quarto mês de idade 35,3% das crianças já tinham sido desmamadas e aos seis meses o percentual foi de 45,6%, o que aponta para uma introdução precoce de alimentos de desmame.

A análise desses resultados com os de estudos anteriores, mesmo considerando as diferenças metodológicas, sugere um aumento dos índices do aleitamento materno na Região Nordeste, que pode ser atribuído ao resultado das atividades de promoção para o aleitamento materno. Entretanto, as crianças das áreas rurais se beneficiam mais do aleitamento materno do que as crianças das áreas urbanas, mesmo que a atenção primária à saúde para as populações rurais seja bastante inferior àquela disponível às populações urbanas. Os índices mais altos da amamentação nas áreas rurais se devem aos padrões tradicionais dessa população.

Apesar dos esforços a favor da amamentação, o aleitamento materno na Região Nordeste está bem abaixo do recomendado pela Organização Mundial de Saúde,3 alertando para a necessidade de expandir a implementação das estratégias que contemplem o apoio e incentivo ao aleitamento materno, bem como, de considerar os fatores que influenciam o aleitamento materno na operacionalização de tais ações.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil (BENFAM) pela gentileza da concessão do banco de dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS) de 1996, e ao Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco.

Recebido em 5 de maio de 2003

Versão final reapresentada em 19 de agosto de 2003

Aprovado em 28 de agosto de 2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003

Histórico

  • Aceito
    28 Ago 2003
  • Recebido
    05 Maio 2003
  • Revisado
    19 Ago 2003
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