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O controle das anemias no Brasil

EDITORIAL EDITORIAL

O controle das anemias no Brasil

Malaquias Batista Filho

Conselho Nacional de Segurança Alimentar. Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco e Instituto Materno Infantil de Pernambuco, IMIP

Por sua elevada e às vezes crescente prevalência em alguns países e regiões, as anemias configuram, na atualidade, o problema carencial de maior magnitude no mundo, afetando, estimativamente, cerca de 1.150.000.000 de pessoas. O segmento materno-infantil representa o grupo biológico mais exposto, constituindo, por esta peculiaridade epidemiológica, a faixa populacional de interesse prioritário em termos de políticas públicas de saúde.

No Brasil não existe, ainda, uma avaliação consistente sobre as dimensões do problema, de modo a permitir a construção de uma linha de base segura sobre a situação. No entanto, dados consolidados pela Organização Panamericana de Saúde há uns três anos e estudos específicos realizados em alguns estados (Paraíba, Pernambuco e São Paulo) são concordantes no sentido de evidenciar três aspectos bem marcantes. Assim, demonstra-se que entre 40 a 50% das crianças menores de cinco anos são portadoras de anemia, com um padrão de ocorrência que não distingue significativamente as macrorregiões do país, ao contrário do comportamento espacial da desnutrição energético-protéica, que apresenta uma configuração bem delineada pela geografia da pobreza. Entre gestantes, a distribuição modal das anemias ocorreria entre os níveis de 30 e 40%. Uma segunda peculiaridade refere-se à observação de que, embora apresentando maior risco entre as famílias de baixa renda, a anemia se comporta como uma endemia "democrática", na medida em que se difunde, em escala significativa, mesmo entre crianças e mães de boas condições econômicas e sociais. A terceira e mais importante constatação refere-se à observação de que, ao que tudo indica, o problema das anemias encontra-se em franca expansão, tendo se elevado de 22% em 1974 para 35% em 1984 e, finalmente, para 46% em menores de cinco anos, segundo estudos representativos do Município de São Paulo. No Estado da Paraíba, em 10 anos, (1982-1991) a freqüência do problema em pré-escolares elevou-se de 19% para 36%. Em Pernambuco, em alunos de sete a 12 anos de escolas públicas do Recife, avaliadas entre 1982 e 2001, a prevalência de casos de anemia aumentou de valores iniciais de 9% para 19%, representando, portanto, um incremento acima de 100%.

Desafortunadamente, não existem outros estudos que possam comprovar se estas tendências temporais se aplicariam para todo o país. No entanto, o conjunto de evidências torna-se suficientemente indicativo de que as anemias se impõem como a principal endemia carencial de nossa realidade, substituindo outras deficiências, como a hipovitaminose A, a carência primária de iodo (atualmente sob controle), a desnutrição energético-protéica, possivelmente progredindo colinearmente com a condição sobrepeso/obesidade.

Portanto, nesse contexto, o uso obrigatório de compostos de ferro em massas alimentares de consumo generalizado, como as farinhas de trigo e de milho, a partir de 16 de junho do corrente ano, oficializada pelos Ministérios da Saúde e da Indústria e Comércio, deve ser entendida e apoiada como a medida de maior alcance para interromper a tendência presumivelmente progressiva das anemias e reverter o quadro atual do problema em crianças, mulheres no período reprodutivo e outros grupos populacionais. A medida, torna-se ainda mais importante pelo fato de instituir, também em caráter obrigatório, o enriquecimento das mesmas massas alimentícias com ácido fólico, estimando-se, com fundamento na experiência do Chile e de outras nações latino-americanas, que a medida possa reduzir em 40% a incidência de má-formações fetais graves, como a ocorrência de casos de espina bifida.

Ao mesmo tempo em que essas medidas são implementadas, a Coordenação Nacional de Políticas de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde mobiliza os centros colaboradores regionais e as coordenadorias estaduais de alimentação e nutrição para incrementar o uso de ferro medicamentoso na rede básica de atenção à saúde, tendo como grupos referenciais as crianças e as gestantes que demandam os serviços assistenciais. Essa estratégia supletiva se fortalece com o esforço educativo de valorizar, na alimentação habitual, os produtos conhecidos como boas fontes dietéticas de ferro biodisponível, o que constitui, a médio e longo prazo, o instrumento mais legítimo e natural para o controle das anemias.

Desenha-se, portanto, uma perspectiva promissora. Com esse elenco básico de medidas (enriquecimento alimentar, uso de ferro medicamentoso em grupos biológicos de elevada vulnerabilidade e difusão de informações e recomendações educativas) espera-se que, finalmente, o problema esteja sendo devidamente equacionado. Ou, em outros termos, que seja alcançado o controle da anemia ferropriva para níveis aceitáveis pelos comitês de especialistas internacionais credenciados pelas Nações Unidas, como o UNICEF e a OMS.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004
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