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Avaliação de campanhas de saúde com ênfase na sífilis congênita: uma revisão sistemática

Evaluation of health campaigns with emphasis on congenital syphilis: a systematic review

Resumos

Campanhas têm sido instrumentos de políticas públicas de saúde, freqüentemente utilizadas no Brasil para esclarecer, motivar ou conseguir o apoio da população e/ou dos profissionais de saúde, em ações relevantes para a saúde pública. Esta revisão procurou levantar subsídios para a avaliação de campanhas de saúde, particularizando-se as metodologias utilizadas, tendo em vista a avaliação de campanhas dirigidas ao controle da sífilis congênita. Os conjuntos de palavras-chave utilizados foram "sífilis congênita + avaliação"; "campanhas de saúde + avaliação" e, "campanha + saúde + avaliação". As bases de dados pesquisadas foram a Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) da National Library of Medicine (EUA), a LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e da PAHO (Pan-American Health Organization), no período de 1980 e 2003. Foram incluídos 37 artigos nessa revisão, sendo 15 referentes à sífilis congênita e avaliação e 22 à campanha de saúde e avaliação. A revisão realizada mostrou que existe um espaço a ser preenchido neste campo, principalmente no que se refere à construção metodológica. Apesar da palavra avaliação constar nesses vários artigos, a fundamentação teórica encontrada não foi totalmente condizente com as propostas apresentadas.

Sífilis congênita; Avaliação; Promoção da saúde


Campaigns are healthcare public policies means frequently used in Brazil, to educate, motivate or achieve population and/or healthcare professionals in relevant public health actions. This review pursued the gathering of input to assess health campaigns, specifically the methodologies used, focusing on congenital syphilis control campaigns. Keywords used were "congenital syphilis + assessment", "health campaigns + assessment" and, "campaign + health + assessment". Databases surveyed were Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) of National Library of Medicine, LILACS (Latin American and Caribbean Health Sciences) and PAHO (Pan-American Health Organization), from 1980 to 2003. Thirty seven articles in this review, 15 related to congenital syphilis and assessment and 22 to healthcare campaigns and assessment. Review accomplished indicated a gap to be filled in this field specially related to methodology design. Notwithstanding the word "assessment" inclusion in these articles, the theoretical rationale determined was not consistent with the submitted proposals.

Syphilis; congenital; Evaluation


REVISÃO REVIEW

Avaliação de campanhas de saúde com ênfase na sífilis congênita: uma revisão sistemática

Evaluation of health campaigns with emphasis on congenital syphilis: a systematic review

Valéria SaraceniI; Maria do Carmo LealII; Zulmira Maria de Araújo HartzII

ISecretaria Municipal de Saúde. Rua Afonso Cavalcanti, 455. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 20.211-901 valeria@alternex.com.br

IIDepartamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Campanhas têm sido instrumentos de políticas públicas de saúde, freqüentemente utilizadas no Brasil para esclarecer, motivar ou conseguir o apoio da população e/ou dos profissionais de saúde, em ações relevantes para a saúde pública. Esta revisão procurou levantar subsídios para a avaliação de campanhas de saúde, particularizando-se as metodologias utilizadas, tendo em vista a avaliação de campanhas dirigidas ao controle da sífilis congênita. Os conjuntos de palavras-chave utilizados foram "sífilis congênita + avaliação"; "campanhas de saúde + avaliação" e, "campanha + saúde + avaliação". As bases de dados pesquisadas foram a Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) da National Library of Medicine (EUA), a LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e da PAHO (Pan-American Health Organization), no período de 1980 e 2003. Foram incluídos 37 artigos nessa revisão, sendo 15 referentes à sífilis congênita e avaliação e 22 à campanha de saúde e avaliação. A revisão realizada mostrou que existe um espaço a ser preenchido neste campo, principalmente no que se refere à construção metodológica. Apesar da palavra avaliação constar nesses vários artigos, a fundamentação teórica encontrada não foi totalmente condizente com as propostas apresentadas.

Palavras-chave: Sífilis congênita, Avaliação, Promoção da saúde

ABSTRACT

Campaigns are healthcare public policies means frequently used in Brazil, to educate, motivate or achieve population and/or healthcare professionals in relevant public health actions. This review pursued the gathering of input to assess health campaigns, specifically the methodologies used, focusing on congenital syphilis control campaigns. Keywords used were "congenital syphilis + assessment", "health campaigns + assessment" and, "campaign + health + assessment". Databases surveyed were Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) of National Library of Medicine, LILACS (Latin American and Caribbean Health Sciences) and PAHO (Pan-American Health Organization), from 1980 to 2003. Thirty seven articles in this review, 15 related to congenital syphilis and assessment and 22 to healthcare campaigns and assessment. Review accomplished indicated a gap to be filled in this field specially related to methodology design. Notwithstanding the word "assessment" inclusion in these articles, the theoretical rationale determined was not consistent with the submitted proposals.

Key words: Syphilis, congenital, Evaluation

Introdução

Campanhas têm sido instrumentos de políticas públicas de saúde, freqüentemente utilizadas no Brasil para esclarecer, motivar ou conseguir o apoio da população e/ou dos profissionais de saúde, em ações consideradas relevantes para a saúde pública. Em vários locais foram inicialmente utilizadas na área das doenças infecciosas e, posteriormente, no campo das doenças crônicas não transmissíveis.1

Contudo, a avaliação de campanhas poucas vezes é efetuada, e não se encontra metodologia clara e objetiva para tal fim. Na maior parte das vezes, os resultados de campanhas são expressos apenas em termos de cobertura e/ou população atingida. Nem mesmo os padrões de mudança epidemiológica que por ventura ocorram são conhecidos, embora sejam esperados pelas ações da campanha.

Em geral, as campanhas não estão estruturadas para responder questões relativas ao seu custo ou à sua efetividade, uma vez que os resultados de curto, médio e longo prazos não estão definidos. Elas são utilizadas para provocar uma movimentação momentânea, em determinado patamar, criando "o fato" e uma demanda real, porém não apresentando compromissos com desdobramentos que deveriam ser esperados, mas que não foram sequer planejados para acontecer. E, sem planejamento, também não são construídos indicadores ou apresentadas metas factíveis que permitam o monitoramento das atividades e a posterior avaliação.

Campanhas são instrumentos capazes de produzir transformações nas condições de saúde. A pertinência de sua avaliação resulta tanto na compreensão da política de saúde em geral quanto do seu alcance.

A revisão sistemática aqui apresentada procurou levantar, na literatura científica, subsídios para a avaliação de campanhas de saúde, particularizando-se as metodologias utilizadas no processo de avaliação, dependentes do tipo de campanha realizada, por exemplo, de mídia, educativa, de ação ou de adesão.

A motivação para essa revisão veio da necessidade de avaliação de campanhas que tiveram a pretensão de dar visibilidade à sífilis congênita (SC). A persistência da SC no Município do Rio de Janeiro (MRJ), que sequer pode ser chamada de evento-sentinela, tal a sua magnitude, se deve ao fato de que as atividades básicas e de baixo custo necessárias à eliminação da doença realizadas nas ações de rotina da assistência pré-natal não mudavam o cenário. As campanhas para eliminação da SC realizadas em 1999 e 2000 foram entendidas como possíveis agentes transformadores desse cenário.2

Apesar da importância do agravo, é pequena a quantidade de trabalhos publicados no país enfocando estratégias para a sua eliminação, meta apregoada, mas ainda não alcançada. O Ministério da Saúde havia estabelecido uma meta de menos de um caso de SC por 1000 nascidos vivos no ano 2000, em acordo firmado com a Organização Pan-Americana de Saúde.3,4

A campanha pretendia alcançar a população e os profissionais de saúde, em atividades de informação e educação, obtidas tanto através da mídia, como através de capacitações e atividades de educação em saúde. O pressuposto teórico de base, enfocando-se a população, era aumentar a visibilidade e o conhecimento da doença, bem como possibilitar, aos profissionais de saúde, intervir de maneira mais efetiva em numa prática assistencial que não apresentava resultados satisfatórios.5,6

Um pouco da história da sífilis e das suas campanhas

A sífilis é uma doença antiga, com mais de 500 anos de existência. Relatos de sua presença na Europa logo após o descobrimento da América mesclam-se com a sua existência no Velho Continente em período anterior às viagens de Cristóvão Colombo ao novo mundo.7 A sífilis transformou-se em uma pandemia, com um quadro clínico muito agudo, freqüentemente fatal no estágio secundário, descrita por muitos autores na passagem para o século XVI.8

O agente etiológico da sífilis foi descoberto por Fritz Richard Schaudinn e Paul Erich Hoffman em 1905 e foi denominado Spirochaeta pallida. O primeiro teste sorológico para a doença tornou-se disponível em 1906, através de Wassermann, Neisser e Bruck, utilizando a técnica de fixação de complemento. O antígeno para sua reação foi preparado a partir do extrato hepático de um natimorto de mãe com sífilis.9

A transmissão do agente se dá de pessoa a pessoa, durante o contato sexual, na maior parte dos casos. Pode ocorrer transmissão através da transfusão de sangue contaminado, pelo contato direto com lesões cutâneo-mucosas infectantes, por via transplacentária para o feto e contaminação do último no canal de parto. A transmissão ocupacional é rara. O risco de transmissão por parceiro sexual está estimado em 60%.10

As primeiras descrições da sífilis congênita são atribuídas a Lopez de Villalobos e Fracastoro. Paracelsus parece ter sido o primeiro a aventar a transmissão in utero. Sir Jonathan Hutchinson é a personalidade do meio acadêmico mais ligada à sífilis congênita por sua descrição da tríade de Hutchinson, com a má-formação dos dentes que recebeu seu nome, a ceratite intersticial e a surdez neuro-sensorial, por lesão do oitavo par craniano.11

A evolução do tratamento da sífilis foi lenta a partir dos compostos mercuriais. Em 1910, Paul Erlich trouxe para a prática clínica um composto de arsênico, a arsfenamina, conhecida como composto número 606 ou salvarsan. As pesquisas subseqüentes sobre os compostos arsênicos levaram ao composto número 914 ou neosalvarsan. A introdução da penicilina para o tratamento da sífilis na década de 40 do século XX modificou o panorama.12 Logo após a introdução dessa droga como terapia, as taxas de sífilis começaram a diminuir nos EUA, incluindo as taxas da sífilis congênita.11

As campanhas contra as doenças venéreas, em especial contra a sífilis, iniciaram-se na virada para o século XX. Fournier lançou na França o primeiro esforço concentrado médico-social, com a criação da Sociedade Francesa de Profilaxia Moral em 1900. Nos Estados Unidos da América, Prince A. Morrow fundou a Sociedade para a Profilaxia Moral e Sanitária em 1905. As descobertas do agente etiológico, do teste sorológico e do medicamento salvarsan construíram a base científica para tal.1

No Brasil, a mesma sociedade é criada em 1901, mas não floresce tanto quanto as estrangeiras. Tal não se deu por falta de movimentação dos sifilógrafos nacionais, pois na entrada do século XX, compartilhavam a idéia em voga de ser a sífilis a causa de quase todos os males e eram detentores do poder na medicina, como pode ser visto através de citação atribuída a Sir William Osler "He who knows syphilis, knows medicine".11

Em seu livro "Tributo à Vênus: a luta contra a sífilis no Brasil, da passagem do século aos anos 40", Carrara13 faz excelente revisão do assunto, de onde se destaca a criação da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas, em 1920, que institui a primeira campanha contra a sífilis no país, e, também, a I Conferência Nacional de Defesa contra a Sífilis, realizada em 1940.

Métodos

Neste trabalho foram revistas as bases de dados Medline da National Library of Medicine (EUA), a LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e da PAHO (Pan-American Health Organization), no período de 1980 e 2003. Embora tenha-se ampliado a busca para antes de 1980, um único trabalho anterior a essa data foi incluído pela sua relevância com a busca. Outros trabalhos que constavam nas listas de referências dos artigos encontrados foram algumas vezes utilizados como leitura complementar.

Os conjuntos de palavras-chave utilizados foram "sífilis congênita + avaliação"; congenital syphilis + evaluation; "campanhas de saúde + avaliação"; health campaign + evaluation; "campanha + saúde + avaliação" e health + campaign + evaluation.

A palavra-chave com maior capacidade de discriminação entre os estudos selecionados foi "avaliação", excluindo-se a avaliação clínica dos casos de sífilis materna ou de SC e a avaliação de testes laboratoriais para diagnóstico de sífilis. Partiu-se do princípio de que a sífilis na gestante tem critérios diagnósticos bem definidos, de tecnologia simples e de baixo custo, e que o tratamento disponível na rede pública está de acordo com os padrões estabelecidos internacionalmente.14-17 As normas para a eliminação da SC no Brasil estão claramente descritas pelo Ministério da Saúde,18 e são semelhantes às normas dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC).19

A "avaliação" foi aqui entendida como um estudo com uma metodologia clara, que permita dizer da efetividade de uma intervenção sobre uma situação definida, ou mesmo da eficácia de um medicamento no tratamento da sífilis materna, evitando o agravo em tela. Esta última questão, da eficácia do tratamento, foi mantida por ser a penicilina considerada o padrão-ouro do tratamento da grávida até o momento.

Os resultados obtidos na busca encontram-se na Tabela 1. Usando-se as ferramentas de busca do PubMed da National Library of Medicine, EUA, e da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) da PAHO, foram encontradas um total de 220 referências. Foram excluídas as referências que não possuíam abstracts; as referências de artigos originais que se encontravam em línguas que não o inglês, francês, português ou espanhol; os relatos de casos clínicos; as cartas ao editor; os artigos de revisão; os artigos de avaliação clínica e os de avaliação laboratorial da doença; e, os que não apresentavam resultados, os quais estavam prometidos para futuros artigos. Embora sempre aparecesse nas buscas, o artigo de Saraceni e Leal,2 intitulado "Avaliação da efetividade das campanhas de eliminação da sífilis congênita no município do Rio de Janeiro, 1999 e 2000" não foi incluído, uma vez que essa revisão sistemática é parte da dissertação de doutorado de um dos autores, assim como o próprio artigo também o é.

Resultados

Foram incluídos 37 artigos nesta revisão, sendo 30 encontrados no Medline, sete no LILACS e nenhum na PAHO. Quinze artigos são referentes à sífilis congênita e avaliação e 22 artigos à campanhas de saúde e avaliação.

Na Tabela 2 encontram-se os tipos de estudo e a medida de desfecho utilizada na avaliação. Como pode ser verificada, a maioria dos estudos utilizou medidas epidemiológicas para avaliar o resultado de suas estratégias. Outros estudos utilizaram técnicas qualitativas.

Em relação à avaliação e sífilis congênita, a maioria dos estudos (53,4%) fez uma avaliação em termos de vigilância epidemiológica (VE). Tayra20 preocupou-se com a incidência da SC no local estudado, sem discutir a confiabilidade dos dados ou estimar a subnotificação. Silva Jr. et al.21 realizaram o cruzamento dos dados das bases de dados do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN) e do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do Sistema Único de Saúde (SUS), verificando um descompasso entre o número de internações registradas e o número de casos de SC notificados. Em Cuba, foi realizada a avaliação do sistema de VE22 através de entrevistas semi-estruturadas e observação não participativa com médicos e enfermeiras do sistema de medicina de família, revelando uma baixa capacitação desses profissionais em relação à VE. Recorrendo à revisão de prontuários, encontrou-se uma baixa suspeição dos casos de SC por parte dos médicos no estado de Minnesota, EUA.23. Uma avaliação dos CDC publicada em 1995 para o Estado de New Jersey, EUA, mostrou que 20% dos casos de SC estavam mal classificados como não-casos, o que os levou a considerar a VE local não preparada para lidar com o agravo.24. Para avaliar a efetividade relativa do aumento da oferta de testes e incremento da VE, em uma situação de aumento do número de casos de sífilis, comparou-se a curva de incidência de SC da cidade de Los Angeles com a de outras cidades, observando-se um retorno ao nível basal de incidência naquela cidade após a intervenção, diferente do comportamento da curva das outras, onde nenhum esforço adicional foi realizado.25. Mascola et al.26 concluíram pela subnotificação de casos no Texas, EUA, após a revisão de 50 casos notificados no ano de 1982, usando a proporção de casos sintomáticos (62%) como indicador, valor acima do estimado para o global das notificações de SC pela revisão da literatura.

Os três estudos que avaliaram a eficácia do tratamento da sífilis materna com o uso da penicilina benzatina nas doses preconizadas tiveram bons resultados,27-29 em consonância com a revisão sistemática que consta na Biblioteca Cochrane sobre o assunto.17. A efetividade do screening da sífilis na gestação e no parto foi avaliada em quatro estudos, ressaltando a importância de ser realizado, mesmo que tardiamente no momento do parto. Nesse momento, a oportunidade já está perdida para a prevenção da SC. Todavia, ainda existe a chance de tratar o recém-nascido, reduzindo-se a probabilidade de danos futuros.30-33 Fitzgerald et al.34 publicaram recentemente uma nova avaliação de sugestão de descentralização do screening, de modo a torná-lo mais efetivo.

Para os artigos encontrados através da busca de palavras-chave "avaliação + campanha + saúde", dois referiam-se à eficácia do tratamento de doenças sexualmente transmissíveis (DST) como forma de prevenção da aquisição da infecção pelo HIV.35-36 As prevalências de DST e de HIV foram mensuradas antes e depois da intervenção.

Outro artigo versou sobre a avaliação de campanha informativa sobre HIV na mídia em Cuba.37 Nesse país realizava-se uma testagem mandatória, após a qual os portadores do HIV eram recolhidos a uma quarentena especial pelas autoridades de saúde, deixando transparecer aos cidadãos locais uma certa segurança em relação à transmissão do HIV. Ao final da campanha, embora tenha ocorrido uma diminuição da incidência de HIV, evidenciou-se um aumento da incidência de sífilis.

Campanhas de mídia para a população e para os profissionais de saúde, com outras atividades, estavam presentes em cinco artigos,38-42 onde a avaliação lançou mão de estudos transversais (surveys) e medidas de incidência da sífilis. Um outro artigo, além de descrever uma campanha envolvendo a população em geral e os profissionais de saúde, apresentou um estudo de custo-efetividade para a busca de parceiros de indivíduos com sífilis infectante (sífilis primária, secundária e latente precoce), concluindo que a intensificação da busca de contactantes não trouxe acréscimo ao número total de casos identificados, tendo, porém, aumentado os custos.43 Esse artigo fala do envolvimento de redes sociais nas intervenções realizadas como forma mais contundente de atingir a população-alvo.

Realização de campanha de mídia voltada apenas para a população em geral foi motivo de seis artigos, cobrindo diversos campos do conhecimento, como a AIDS,44-45 um estudo sobre canais de veiculação de campanhas de saúde,46 o melanoma cutâneo,47 a saúde oral48 e a oftalmologia preventiva.49 As metodologias utilizadas na avaliação foram os estudos transversais, com estudos de prevalência e a realização de enquetes. Apenas um artigo teve como alvo somente os profissionais de saúde, no caso em campanha sobre saúde oral50 avaliando o conhecimento, atitudes e comportamento dos dentistas frente à doença periodontal, através de uma amostra desses respondendo a um questionário por correio.

Um único trabalho desenhou sua avaliação como pesquisa operacional,51 com ênfase no acompanhamento de resultados, avaliando a eficácia e a eficiência das intervenções e do serviço oferecido. Outro artigo usou a metodologia de estudo caso-controle para avaliar a eficácia de vacina anti-meningocócica BC no Rio de Janeiro.52

Os quatro artigos restantes lidaram com a efetividade de intervenções variadas em saúde.53-56 Valendo-se de grupos de comparação em estudos de prevalência ou através de inquéritos.

A descrição da metodologia utilizada em cada artigo encontra-se na Tabela 3.

Conclusões

Os estudos de avaliação aqui colocados recorreram à epidemiologia descritiva ou aos métodos qualitativos para alcançar seus objetivos. Apenas um artigo que correspondeu às palavras-chave selecionadas se apresentava como uma pesquisa operacional. Não foram encontrados estudos que explicitassem claramente a tipologia de avaliação escolhida, como pesquisa avaliativa ou avaliação normativa ou formativa. O enfoque dado era o da análise de uma intervenção em saúde ou de uma campanha informativa (de mídia ou educativa) em seu curto prazo, ou seja, logo após a sua ocorrência, mostrando apenas os resultados imediatos. Não foi encontrada preocupação com a sustentabilidade da intervenção, não foram descritos indicadores ou condições traçadoras para uma formalização de estratégias e contabilização de resultados ou impacto de longo prazo.

A possibilidade de estabelecer um julgamento de valor da intervenção realizada, a partir da formalização de seus objetivos, suas atividades e seus resultados não foi o objeto principal dos trabalhos revisados, o que fortalece nossa argumentação inicial sobre a lacuna de conhecimento nesse campo de ação das políticas de saúde. Em nenhum caso encontramos a designação nem mesmo de indicadores de estrutura, processo e resultado, que apontasse ao menos para uma avaliação normativa, que poderia ocorrer no âmbito do programa de saúde que desenhara a intervenção.

Campanhas podem ser instrumentos capazes de gerar modificações no estado de saúde de uma população. Com tal finalidade deveriam ser desenhadas e arquitetadas de modo a proporcionar os desdobramentos necessários para facilitar o acesso aos serviços e a conduzir à melhoria da saúde dos indivíduos. Para tanto, as campanhas deveriam fazer parte de atividades programáticas que seguissem um planejamento estratégico, com resultados de curto, médio e longo prazos esperados, medidos por indicadores claros e definidos por metas factíveis, que possibilitasse o julgamento de valor, produzindo mudanças no cenário da saúde pública. O monitoramento e a conseqüente avaliação dos resultados poderia levar a uma revisão dos programas e a modificações de rumo que se fizessem necessárias para trazer os ganhos esperados com os investimentos feitos.

A revisão realizada mostrou que existe um espaço a ser preenchido no campo da avaliação de campanhas de saúde, principalmente no que se refere à construção metodológica. Apesar de a palavra avaliação constar nesses vários artigos, a fundamentação teórica encontrada não foi condizente com as propostas apresentadas.

Muito se pode caminhar na trilha da avaliação, através de uma maior apropriação do conhecimento na área, integrando-se uma das metodologias já desenvolvidas ao desenho da intervenção de interesse, para que, a priori, sejam definidas as metas e os indicadores que propiciarão a avaliação do objeto.

Recebido em 21 de dezembro de 2004

Versão final em 13 de maio de 2005

Aprovado em 3 de agosto de 2005

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Set 2005

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2004
  • Aceito
    03 Ago 2005
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