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Estimulação tátil-cinestésica: uma integração entre pele e sistema endócrino?

Tactile-kinesthetic stimulation: integration between skin and endocrine system?

Resumos

Apresenta-se uma revisão da literatura sobre os aspectos neuroendócrinos da pele e as conseqüências da estimulação tátil-cinestésica sobre o córtex adrenal. Os artigos foram identificados a partir das bases de dados MEDLINE e LILACS, usando as palavras-chave "córtex supra-renal", "pele", "massagem", "lactentes", "glicocorticóide" e "ritmo circadiano". O período pesquisado foi de 1990 a 2003. Foram também consultados artigos de destaque publicados antes desse período. Estudos reconhecem o hipotálamo, a hipófise e a glândula adrenal como órgãos dinâmicos durante o desenvolvimento fetal e neonatal, e que respostas de estresse estão presentes ao nascer. A maioria dos estudos revisados, utilizando a estimulação tátil-cinestésica, seja em humanos ou animais, evidencia a capacidade da pele em metabolizar, coordenar e organizar estímulos externos, procurando manter a homeostase interna e externa, demonstrando a interação entre sistema neuroendócrino e a pele. A estimulação tátil-cinestésica parece ter um efeito sobre a reatividade hormonal, porém essa questão merece uma investigação mais aprofundada.

Córtex supra-renal; Pele; Massagem; Lactente; Ritmo circadiano; Glucocorticóides


A literature review on skin neuroendocrine aspects and the consequences of the tactile- kinesthetic stimulation on the adrenal cortex are presented. The articles were identified through MEDLINE and LILACS data bases, using the keywords "suprarenal cortex", "skin", "massage", "infants", "glucocorticoid" and "circadian rhythm". Single articles published between 1990 and 2003 were considered, as well as outstanding ones prior to this period. Studies recognize that the hypothalamus, the pituitary and the adrenal gland are dynamic organs during fetal and neonatal development, and that stress responses are active at birth. Most of the studies reviewed, using tactile-kinesthetic stimulation, both in humans and animals, confirm skin's ability to metabolize, coordinate and organize external stimuli, attempting to maintain both external and internal homeostasis, demonstrating an interaction between the neuroendocrine system and tactile stimulation. Tactile-kinesthetic stimulation seems to have an effect on hormonal reactivity, although the issue demands further investigation.

Adrenal cortex; Skin; Massage; Infant; Circadian rhythm; Glucocorticoids


REVISÃO REVIEW

Estimulação tátil-cinestésica: uma integração entre pele e sistema endócrino?

Tactile-kinesthetic stimulation: integration between skin and endocrine system?

Monalisa C. FogaçaI; Werther B. de CarvalhoII; Ieda T. N. VerreschiIII

IDepartamento de Endocrinologia. Departamento de Medicina. Escola Paulista de Medicina. Universidade Federal de São Paulo

IIUnidade de Cuidados Intensivos Pediátrico. Departamento de Medicina. Escola Paulista de Medicina. Universidade Federal de São Paulo

IIIDepartamento de Endocrinologia. Laboratório de Esteróides. Departamento de Medicina. Escola Paulista de Medicina. Universidade Federal de São Paulo. Rua Pedro de Toledo, 781, 13º andar. São Paulo, SP, Brasil. CEP: 04.039-032 E-mail: ieda@endocrino.epm.br

RESUMO

Apresenta-se uma revisão da literatura sobre os aspectos neuroendócrinos da pele e as conseqüências da estimulação tátil-cinestésica sobre o córtex adrenal. Os artigos foram identificados a partir das bases de dados MEDLINE e LILACS, usando as palavras-chave "córtex supra-renal", "pele", "massagem", "lactentes", "glicocorticóide" e "ritmo circadiano". O período pesquisado foi de 1990 a 2003. Foram também consultados artigos de destaque publicados antes desse período. Estudos reconhecem o hipotálamo, a hipófise e a glândula adrenal como órgãos dinâmicos durante o desenvolvimento fetal e neonatal, e que respostas de estresse estão presentes ao nascer. A maioria dos estudos revisados, utilizando a estimulação tátil-cinestésica, seja em humanos ou animais, evidencia a capacidade da pele em metabolizar, coordenar e organizar estímulos externos, procurando manter a homeostase interna e externa, demonstrando a interação entre sistema neuroendócrino e a pele. A estimulação tátil-cinestésica parece ter um efeito sobre a reatividade hormonal, porém essa questão merece uma investigação mais aprofundada.

Palavras-chave: Córtex supra-renal, Pele, Massagem, Lactente, Ritmo circadiano, Glucocorticóides

ABSTRACT

A literature review on skin neuroendocrine aspects and the consequences of the tactile- kinesthetic stimulation on the adrenal cortex are presented. The articles were identified through MEDLINE and LILACS data bases, using the keywords "suprarenal cortex", "skin", "massage", "infants", "glucocorticoid" and "circadian rhythm". Single articles published between 1990 and 2003 were considered, as well as outstanding ones prior to this period. Studies recognize that the hypothalamus, the pituitary and the adrenal gland are dynamic organs during fetal and neonatal development, and that stress responses are active at birth. Most of the studies reviewed, using tactile-kinesthetic stimulation, both in humans and animals, confirm skin's ability to metabolize, coordinate and organize external stimuli, attempting to maintain both external and internal homeostasis, demonstrating an interaction between the neuroendocrine system and tactile stimulation. Tactile-kinesthetic stimulation seems to have an effect on hormonal reactivity, although the issue demands further investigation.

Key words: Adrenal cortex, Skin, Massage, Infant, Circadian rhythm, Glucocorticoids

Introdução

Há controvérsias em relação ao uso de massagem terapêutica e suas implicações em bebês hospitalizados. Estudos recentes1-3 relatam melhora no desenvolvimento comportamental, mudanças nos parâmetros fisiológicos, e desempenho superior na Escala de Brazelton, além de modificações significativas entre sistema nervoso autônomo e eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA), que são os mediadores dos efeitos da mesma.

Recente pesquisa4 revela a atividade neuroendócrina da pele, particularmente, seu papel modulador, ou seja, através de comunicações intersistêmicas ou periféricas, participa da manutenção da homeostase orgânica.

Os hormônios esteróides produzidos pelo córtex adrenal fetal regulam a homeostase intra-uterina, a maturação dos órgãos necessários para sobrevivência extra-uterina e, em algumas espécies, a preparação para o parto. O desenvolvimento apropriado e funcional do córtex adrenal fetal, portanto, é importante para maturação fetal e sobrevivência neonatal. O córtex adrenal fetal, por si mesmo, passa por mudanças maturacionais, na preparação de seu papel principal pós-natal, isto é, a produção de glicocorticóides e mineralocorticóides, além de garantir a autonomia cortical adrenal, já na ausência da placenta.5

O desenvolvimento e a função biológica do córtex adrenal fetal em primatas foram extensamente revistos por Mesiano e Jaffe,5 em 1997.

Vários estudos6-10 reconhecem o hipotálamo, a hipófise e a glândula adrenal como órgãos dinâmicos durante o desenvolvimento fetal e neonatal, e que respostas de estresse estão presentes ao nascer.

A maioria dos estudos revisados,1-3 utilizando a estimulação tátil-cinestésica, seja em animais ou humanos, evidencia a capacidade da pele em metabolizar, coordenar e organizar estímulos externos, procurando manter a homeostase interna e externa, demonstrando a interação entre sistema neuroendócrino e a pele.

Métodos

A presente revisão compreendeu o período de 1990 a 2003. Foram também consultados artigos de destaque publicados antes desse período. Os artigos foram identificados a partir das bases de dados MEDLINE e LILACS, usando as palavras-chave "córtex-adrenal", "pele", "massagem", "lactentes", "glicocorticóide" e "ritmo circadiano" e seus correspondentes em língua inglesa.

Nesta revisão é abordada a importância do córtex adrenal, além das implicações do sistema HHA em resposta ao estresse e a instalação do ritmo circadiano do cortisol. Em seguida, aprofunda-se a compreensão em relação à pele e ao sistema neuroendócrino, indicando através de estudos em animais e seres humanos, os efeitos da estimulação cutânea sobre o eixo HHA, demonstrando ainda que a utilização da estimulação tátil-cinestésica parece ter efeito sobre a reatividade hormonal.

Adrenal: ontogenia e importância

O desenvolvimento e a função do córtex adrenal fetal em primatas têm distinção de acordo com a espécie. Durante o segundo trimestre gestacional em humanos e primatas superiores, as glândulas adrenais do feto são desproporcionalmente ampliadas e demonstram crescimento extraordinário e atividade esteroidogênica, em especial no compartimento cortical, conhecido como zona fetal. Por volta da 20ª semana gestacional, a zona fetal ocupa entre 80% - 90% do volume cortical e produz entre 100-200mg/dia de androgenos C19, Sulfato de Deidroepiandrosterona (SDHEA), que são quantitativamente os principais esteróides produzidos pela glândula adrenal fetal em primatas durante a gestação5. Portanto, a glândula adrenal fetal produz cortisol no início da gestação, indicando que o córtex adrenal fetal humano é responsivo ao ACTH e produz SDHEA, precocemente6 (Figura 1).


Sistema HHA e resposta de estresse

É reconhecido que o hipotálamo, a hipófise e glândula adrenal são órgãos dinâmicos durante o desenvolvimento fetal, e que o desenvolvimento do eixo HHA é essencial para regulação da homeostase intra-uterina, maturação e diferenciação dos órgãos vitais necessários para imediata sobrevivência neonatal.6-10 Deste modo, podemos dizer que o eixo HHA e o sistema simpático adrenomedular são os componentes neuroendocrinos centrais em relação à resposta de estresse. A liberação de cortisol e catecolaminas da glândula adrenal preparam o indivíduo para enfrentar as demandas metabólicas, físicas e psicológicas do estressor.11-12 Respostas de estresse em crianças indicam que o sistema neuroendócrino é responsivo a eventos estressantes ao nascer.13

Apesar da grande transformação do córtex adrenal, que ocorre imediatamente após o nascimento, não há evidência clínica de insuficiência adrenocortical em lactentes durante esse período crucial. Em contraste, bebês prematuros doentes e de baixo peso ao nascer, formam um único grupo, por serem potencialmente debilitados para liberar glicocorticóide durante situações estressantes. Alguns bebês pré-termo de baixo peso ao nascer, em particular aqueles com menos de 1000 gramas, têm baixa concentração de cortisol sérico, mas altas concentrações de precursores de cortisol , como 11-deoxicortisol, 17-hidroxiprogesterona e 17-hidroxipregnenolona, o que, comparado com bebês a termo, indica que a atividade de alguma enzima esteroidogênica adrenal pode estar reduzida como resultado da imaturidade adrenocortical nesses bebês.6

Instalação do ritmo circadiano do cortisol

De acordo com as respostas inicias do eixo HHA infantil, pode-se dizer que os ritmos circadianos estão presentes, precocemente, no bebê.14,15

Em mamíferos, os ritmos circadianos são sustentados por um ou mais "relógios", localizados no hipotálamo, sugerindo a presença de um ciclo de 24 horas da função adrenal fetal. Desta forma, os fetos quando são expostos a sinais do meio externo (por exemplo: a luz que atravessa a parede abdominal e uterina), podem convertê-los em informações circadianas. Em algumas espécies, a inervação da retina em relação ao núcleo supraquiasmático é formada durante a vida fetal e estes fetos respondem à luz externa in utero. Além disso, o ritmo das secreções hormonais parece ter um papel importante na regulação da atividade uterina, bem como próximo ao nascimento.16

Portanto, diversos ritmos circadianos, gerados pelo núcleo supraquiasmático materno, podem "ativar" o relógio biológico fetal produzindo cortisol (e/ou CRF), melatonina e contrações uterinas. O ritmo de CRF materno e/ou cortisol podem influenciar a atividade do núcleo supraquiasmático fetal, através de uma grande quantidade de receptores de glicocorticóide presentes durante o desenvolvimento inicial do núcleo supraquiasmático e/ou pela ação direta do cortisol sobre a atividade uterina e fetal.17

Na espécie humana, o ritmo da função adrenal fetal é reconhecido por intermédio do ritmo materno de estriol, derivado do precursor adrenal fetal, o sulfato de deidroepiandrosterona (SDHEA); concentrações de cortisol são detectadas na artéria umbilical em recém-nascidos humanos a termo, embora não esteja claro se o seu ritmo está presente ao nascer.18

A pele como órgão endócrino

A estimulação cutânea pode produzir mudanças metabólicas e fisiológicas no que se refere ao sistema neuroendócrino e imunológico. A pele funciona como uma barreira biológica metabolicamente ativa, separando a homeostase interna do ambiente externo.4,19

A pele humana pode ser afetada por hormônios. Os hormônios regulam a homeostase cutânea.4 As células epidérmicas podem metabolizar hormônios, e receptores cutâneos ativos convertem sinais hormonais em respostas fisiológicas. O metabolismo de hormônios esteróides na epiderme humana é governado por enzimas específicas encontrados nos queratinócitos. Os queratinócitos epidérmicos e os fibroblastos da pele podem metabolizar hormônios esteróides para produzir novas ações hormonais na pele.20 Por exemplo, a cultura de queratinócito humano converte desoxicorticosterona em 5 a-diidrodesoxicorticosterona, progesterona em 5 a-diidrodesoxiprogesterona, testosterona e androstenediona em 5 a-diidrotestosterona e 5 a-androstenediona, respectivamente, e estrona em estradiol-17b.21,22 Transformações metabólicas de cortisol-4-14C na pele humana tem sido comunicadas.23 Os efeitos dos corticosteróides e hormônios tireoideanos estão inter-relacionados no metabolismo cutâneo. Os gli-cocorticóides podem aumentar a conversão periférica de T4 para T3.24 Os homônios tireiodeanos aumentam a biossíntese de colesterol25 e estimulam a incorporação de esterol e éster esterol na epiderme.26 Os glico-corticóides podem também reduzir a proliferação de queratinócitos e aumentar a queratinização na cultura de pele.

O efeito dos glicocorticóides sobre a pigmentação cutânea é bem conhecido: por exemplo, a hiperpigmentação pode ser observada na Síndrome de Cushing e na doença de Addison.

Excessos de glicocorticóides podem desencadear outras mudanças na pele, tais como eritema facial, hirsutismo, erupções acneicas, aumento do depósito de gordura, entre outras. Portanto, a pele é um órgão endócrino competente, capaz de produzir, converter e reagir a hormônios. Além disso, mudanças na quantidade de hormônios ou modificações em suas estruturas moleculares podem também alterar as respostas cutâneas em relação aos sinais endócrinos.20 Particularmente, a epiderme tem uma poderosa capacidade metabólica e endócrina. Essa concepção atual, da pele como órgão neuroendocrino, reúne os aspectos imunológicos, endocrinológicos e neurobiológicos.4

A pele e o estresse

Respostas fenotípicas de estresse cutâneo são coordenadas por um sistema neuroendócrino local, envolvendo a produção de hormônios com expressão nos seus receptores correspondentes. Importantes componentes desse sistema neuroendócrino cutâneo, são os hormônios produzidos pelo eixo HHA, incluindo o CRH, a pró-opiomelanocortina (POMC), o ACTH, o a-MSH (Hormônio Estimulante de Melanócitos) e a b-endorfina cujos receptores são expressos nas suas próprias células ou células vizinhas, participando de mecanismos parácrinos ou autócrinos. O sistema POMC cutâneo é ativado em resposta aos estresses interno e externo, através de estruturas locais, para estabilizar a organização e as funções da pele, e prevenir o desequilíbrio da homeostase interna.4,19,20

Em virtude da sua diversidade estrutural e funcional, a pele possui mecanismos internos para lidar com os estressores de baixa magnitude, que prejudiquem tecidos e/ou células, isto é, antes de causar a resposta sistêmica. Preferencialmente, tais mecanismos de defesa devem possuir capacidade "sensório-estressante" de alta sensibilidade, devido à relativamente baixa intensidade de constantes pleiotrópicos físico-químicos e agressores biológicos que afetam a pele. Então, os mecanismos de respostas de estresse da pele podem ser registrados através de informações ambientais, uma vez que este limiar crítico é atingido, causando uma resposta biológica organizada. Portanto, esse mecanismo de resposta de estresse cutâneo deve ser eficiente, auto-regulado em intensidade e ativo em seu campo, e com capacidade de diferenciação dos estímulos ambientais, de sinais biologicamente relevantes. Essas propriedades implicam constante reconhecimento de sinais e respostas rápidas, a fim de restabelecer a homeostase dos tecidos. Respostas desejáveis poderiam envolver, por exemplo, a estimulação de trajetos biossintéticos locais para a fabricação de "tamponamentos" moleculares, a fim de neutralizar os efeitos prejudiciais de agressores químicos, biológicos e físicos.27

É bem conhecido que a pele dos mamíferos é um alvo caracterizado pelos derivados da POMC, ACTH e peptídeos de MSH, que contêm POMC.28-31 Tem sido mostrado que a pele possui a capacidade intrínseca para produzir de fato a POMC, tão bem quanto os peptídeos de CRH. A modulação cutânea da produção de CRH e POMC poderia ser mediada pelas citocinas pró-inflamatórias, em nível sistêmico. Deste modo, a pele expressa de forma equivalente o funcionamento do eixo HHA, podendo atuar como um sistema de defesa cutâneo, operando como coordenador e executor de respostas locais de estresse.27

Slominski,32 e Slominski et al.33 documentaram a produção e regulação de peptídeos da POMC e CRH na pele de mamíferos em resposta ao estresse cutâneo. Mecanismos cutâneos reguladores de expressão gênica de CRH e POMC são comparados com seus homólogos centrais, e a função de peptídeos locais derivados de CRH e POMC é discutida dentro do contexto de resposta da pele ao estresse. Informações são fornecidas na caracterização experimental de receptores para peptídeos de CRH e POMC em células da pele. Esses dados terminam por estabelecer a necessidade de pesquisas clínicas e experimentais, a respeito de mediadores cutâneos em resposta a estressores biológicos, químicos e físicos.

Estimulação tátil-cinestésica e seus efeitos sobre a pele

Estudos em animais e humanos, utilizando a estimulação tátil-cinestésica,1-3,34-36 evidenciaram a capacidade da pele em metabolizar, coordenar e organizar estímulos externos, mantendo a homeostase interna e externa, sinalizando para a interação existente entre sistema neuroendócrino e estimulação cutânea.

Estimulação tátil-cinestésica em animais

Deve-se salientar que estudos com roedores34-36 demonstraram que o handling (manuseio) no período neonatal aumentou a sensibilidade adrenocortical e hipocampal à inibição de glicocorticóide tipo II por feedback em ratos que foram tocados, demonstrando que o manuseio do neonato não altera a sensibilidade in vivo da hipófise ao CRF nem ao córtex adrenal ao ACTH, mas a exposição ao manuseio precoce aumenta significativamente a sensibilidade adrenocortical à inibição dos glicocorticóides por feedback, pela liberação de corticosterona induzida pelo estresse. Essa sensibilidade aumentada ao feedback negativo pelos corticosteróides em ratos manuseados resulta de um número maior de receptores tipo II para glico-corticóides no hipocampo (receptores de feedback reguladores da atividade secretora do eixo HHA), sem quaisquer alterações nos sítios tipo II no hipotálamo ou na hipófise.

Portanto, o manuseio neonatal aumenta seletivamente os receptores tipo II de feedback de glicocorticóides no hipocampo, e promove aumento da adaptação hipofisária-adrenal ao estresse. Em contraste, a perda de receptores tipo II para glicocorticóides em ratos cronicamente estressados (não-manuseados quando recém-nascidos), ratos idosos e ratos deficientes em vasopressina resulta em hipersecreção de glicocorticóides devido a mecanismos hipocampais que são incapazes de processar o feedback dos corticosteróides e dar fim à resposta ao estresse.34

A relação entre a secreção hipófisária-adrenal em situações de handling e de estresse mantém-se válida.35,36 Os animais manuseados respondem com maior eficiência funcional na organização de todos os sistemas do corpo. Os não-manuseados não conseguem realizar a organização que se expressa na eficiência funcional e, portanto, são em todos os sentidos menos aptos a enfrentar os ataques e lesões oriundas do meio ambiente.

Estimulação tátil-cinestésica na espécie humana

Kuhn et al.1 investigaram o impacto da estimulação tátil-cinestésica em bebês pré-termos e neonatos, observando seus efeitos sobre o sistema nervoso simpático e a hipófise anterior. Amostras de noradrenalina, adrenalina, dopamina, cortisol e creatinina na urina foram obtidas, e concentrações séricas do hormônio de crescimento foram analisadas. Os resultados obtidos nesse estudo demonstraram que a estimulação tátil-cinestésica, em bebês pré-termos, produz efeitos na maturação e/ou na atividade do sistema nervoso simpático. O aumento de excreção urinária de adrenalina e noradrenalina, após estimulação tátil-cinestésica, foi associado a ganho de peso e maturação comportamental nos dois grupos estudados. Em contraste, os níveis urinários de dopamina e cortisol foram elevados e o hormônio de crescimento declinou nos dois grupos. Tais resultados demonstram a estreita relação entre a maturação do sistema nervoso simpático e os efeitos da estimulação tátil-cinestésica.

Mooncey et al.37 avaliaram o efeito da massagem em bebês pré-termos, internados em unidade de cuidados intensivos neonatal. Amostras plasmáticas de adrenalina, noradrenalina e cortisol foram obtidas 45 minutos antes do início da massagem e aproximadamente uma hora após a sessão de massagem. Observou-se redução nos níveis de cortisol, enquanto que os níveis de adrenalina e noradrenalina não apresentaram alterações significativas. Esse estudo mostrou a influência da massagem frente às concentrações plasmáticas de cortisol e catecolaminas.

Outro estudo, realizado por Acolet et al.38 procurou avaliar os efeitos do contato pele-a-pele entre mães e bebês. Amostras plasmáticas de costisol e b-endorfina foram coletadas de recém-nascidos pré-termo, internados em unidade de cuidados intensivos neonatal. As concentrações de cortisol e b-endorfina foram significativamente reduzidas, após o contato pele-a-pele. A redução nas concentrações de cortisol e de b-endorfina indicou que a reatividade do eixo HHA foi alterada pelo contato pele-a-pele entre mães e bebês. Esses achados enfatizam a responsividade do sistema hormonal de bebês em relação ao referido contato.

Gitau et al.,39 também, avaliaram o contato pele-a-pele entre mães e bebês pré-termo e o efeito da massagem sobre a secreção de cortisol salivar. Durante o período de contato pele-a-pele, houve redução significativa de cortisol salivar. Em relação à massagem, os níveis de cortisol salivar variaram, ou seja, em alguns bebês os níveis de cortisol foram reduzidos e em outros bebês elevados, ou não sofreram alteração. Os autores também, procuraram demonstrar a reatividade do eixo HHA frente ao contato pele-a-pele, entre mães e bebês, e o efeito da massagem.

Massagem terapêutica e concentrações de cortisol salivar

O impacto da massagem terapêutica sobre a secreção de cortisol, em lactentes sadios, tem sido estudado por nós.40 Utilizando um radioimunoensaio para cortisol salivar, cujo controle de qualidade vem sendo aprimorado,41 as concentrações de cortisol salivar foram observadas antes e após a massagem terapêutica, constatando-se associação entre a atividade adrenocortical e a resposta comportamental de lactentes, que já apresentavam maturação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenocortical. Durante a massagem terapêutica, não observamos sinais de estresse nos lactentes massageados. Ao contrário, 64% dos lactentes estudados adormeceram, e os demais apresentaram estado comportamental de alerta- tranqüilo.

Embora o ritmo circadiano não tenha sido perdido, os valores de cortisol foram modificados em todos os lactentes, após a massagem terapêutica. Os resultados encontrados em nosso trabalho, demonstram a reatividade do sistema adrenal, frente à estimulação cutânea. É importante observarmos a diversidade genética e as influências ambientais de nossos lactentes, em relação há outros grupos populacionais.40

Considerações finais

É evidente a necessidade de novas pesquisas, no que se refere à reatividade do eixo HHA frente à estimulação tátil-cinestésica nas fases iniciais do desenvolvimento infantil, bem como a mensuração do estresse, que é dificultada pela escassez de metodologias não-invasivas para dosagens hormonais sinalizadoras desse estado.

As recentes descobertas que indicam a pele como órgão neuroendócrino,4 bem como a utilização de métodos não-invasivos, como dosagens hormonais salivares, capazes de refletir a responsividade do eixo HHA, oferecem a possibilidade de estudar intervenções comportamentais, tais como a influência da massagem terapêutica sobre a reatividade do sistema hormonal perturbado pelo estresse.

Recebido dm 2 de fevereiro de 2005

Versão final apresentada em 8 de junho de 2006

Aprovado em 27 de julho de 2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2006
  • Data do Fascículo
    Set 2006

Histórico

  • Aceito
    27 Jul 2006
  • Revisado
    08 Jun 2006
  • Recebido
    02 Fev 2005
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